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Universidade de Cabo Verde
Departamento das Ciências Sociais e Humanas
Sob a orientação da Professora: Ondina Ferreira,
Elaborado por: Nélida Maria Tavares Rocha
Setembro de 2010
Universidade de Cabo Verde
Departamento das Ciências Sociais e Humanas
Sob a orientação da Professora: Ondina Ferreira,
Elaborado por: Nélida Maria Tavares Rocha
Setembro de 2010
Trabalho científico apresentado à Universidade de Cabo Verde para a obtenção do grau
de licenciatura em Estudos Cabo-verdianos e Portugueses, sob a orientação da
Professora Ondina Ferreira.
Setembro de 2010
Elaborado por Nélida Maria Tavares Rocha, aprovado pelos membros do
júri, foi homologado pelo concelho científico como requisito parcial para a obtenção do
grau de licenciatura em Estudos Cabo-verdianos e Portugueses.
MEMBROS DO JURI
----------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------
Cidade da praia ____/_____/____
Agradecimentos
Realizar este trabalho só foi possível com o apoio material, intelectual e
espiritual de várias pessoas por isso seria pouco ético não abrir um parêntese para
agradecer a todos que me ajudaram a concretizá- lo, desta forma sou grata:
À Deus que nos deu o dom da vida;
À minha orientadora Ondina Ferreira, pelo seu apoio incondicional na realização
deste trabalho, demonstrando paciência e dedicação;
Ao meu marido e ao meu filho, pelo modo amoroso em que suportaram todos
esses anos do curso e pela ajuda incondicional em todos os momentos de aflição;
A minha mãe a quem Deus lhe deu a lucidez de me encaminhar para os estudos;
Igualmente quero agradecer a membros da minha família, amigos, colegas e
professores por depositarem confiança em mim e asseguraram a ajuda necessária.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu querido e amado filho que soube ser paciente e
compreensível pela minha ausência pela minha falta de dedicação e o meu amor.
Esta dedicatória é extensiva ao meu marido que me ajudou a suportar os
sacrifícios de todos esses anos de formação por tudo que tem feito por mim e pela ajuda
que me proporcionou.
De igual modo dedico este trabalho à minha mãe, aos meus familiares, amigos e
colegas da longa caminhada.
(…) As rugas que o suor cava
não são rugas são enganos
são perdas lágrimas danos
que suar por conta alheia
não compensa nunca paga
quanto suor se semeia.
“Trova do emigrante”
Manuel Alegre
Praça da Canção.
ÍNDICE GERAL:
1-Introdução ............................................................................. Erro! Indicador não definido.
1.1 Justificação da escolha do tema ......................................... Erro! Indicador não definido.
2-Objectivos.............................................................................. Erro! Indicador não definido.
2.1 Objectivos Gerais ............................................................. Erro! Indicador não definido.
2.2Objectivos Específicos ...................................................... Erro! Indicador não definido.
2.3 Perguntas de partida ......................................................... Erro! Indicador não definido.
3-Metodologia ....................................................................... Erro! Indicador não definido.
4-Estrutura do trabalho........................................................... Erro! Indicador não definido.
I – CONCEITOS TEÓRICO DE CONTRATO E DE CONTRATADO ........ Erro! Indicador não definido.
Definição do termo contratado no contexto do presente trabalho: ............. Erro! Indicador não
definido.
II - A EMIGRAÇÃO PARA S.TOME-ALGUNS DADOS HISTÓRICOS..... Erro! Indicador não definido.
III – O CONTRATO NA LITERATURA E NA IMPRENSA CABO-VERDIANAErro! Indicador não
definido.
IV – OS ANOS de 1960/1970 – A POESIA DE REVOLTA..... Erro! Indicador não definido.
V- ANÁLISE DE POEMAS SELECCIONADOS ................................... Erro! Indicador não definido.
VI - O TEMA DO CONTRATADO NA PROSA................................... Erro! Indicador não definido.
VII- CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................... Erro! Indicador não definido.
BIBLIOGRAFIA ........................................................................... Erro! Indicador não definido.
Anexo ....................................................................................... Erro! Indicador não definido.
O contratado na poesia cabo-verdiana
1
1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho, cujo tema é O contratado na poesia cabo-verdiana, vem na
sequência da investigação para a apresentação do trabalho científico de fim de curso
como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciatura em Estudos Cabo-
verdianos e Portugueses, (ECVP). Além de obedecer este requisito, este trabalho
constitui um contributo para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo desses
anos académicos e conciliar conhecimentos teóricos e práticos ao especificá- los e ao
aplicá- los num trabalho escrito específico como este ora apresentado.
1.1 Justificação da escolha do tema
A escolha do tema ―O Contratado na poesia cabo-verdiana‖ surgiu no âmbito
de uma das aulas de literatura cabo-verdiana. Desde então, o gosto pelo aprofundamento
deste assunto tratado pelos nossos poetas, aliado à paixão pelo conhecimento,
constituíram-se como fortes causas que nos motivaram a lançar este desafio, como
objectivo uma análise do ponto de vista histórica social e literária sobre o tema do
contratado.
Ainda, compreender as circunstâncias que motivaram o surgimento da nossa
literatura, e a necessidade de aprofundar os conhecimentos nessa área, relacionar a
produção poética cabo-verdiana com o contexto histórico, político e social em que foi
produzido, conduziram a escolha do tema como trabalho científico. É neste sentido que
se pretende conhecer e entender como é conduzido, metaforizado, simbolizado e
reelaborado de ponto de vista poético, o perfil e o conflito do contratado cabo-verdiano
para as roças de S. Tomé e Príncipe.
Este será o fulcro do nosso trabalho. Escolhidos os poemas e os poetas mais
representativos em termos temáticos, faremos igualmente o enquadramento histórico e
social da época e das condições que motivaram essa partida por muitos considerada
―forçada” em demanda de vida melhor fora de Cabo Verde.
Apresentadas as razões e a opção temática para o trabalho de Fim de Curso,
aproveitaríamos a oportunidade para explicitar uma ou duas razoes do foro mais pessoal
e particular que nos incentivaram a elaborar o presente trabalho:
É minha percepção de que os poetas escolhidos para o trabalho, abordaram o
tema de uma forma abrangente em que a simbiose entre a revolta humana e a
O contratado na poesia cabo-verdiana
2
lírica poética é perfeita. Daí a minha curiosidade em confirmar esta hipótese
com a leitura e análise dos poemas seleccionados.
Por outro lado, considero-me apreciadora de poesia e comungo da ideia de que
a poesia, para além de ser uma linguagem humana (no caso dos poetas) que é
utilizada com fins estéticos, o sentido da mensagem nela contida e veiculada
é igualmente deveras importante, sobretudo quando foca algo que diga
respeito à condição humana como, é o caso dos poemas transcritos neste
trabalho e que focam a condição do Contratado para o trabalho nas roças de
S. Tomé e Príncipe.
A atitude criativa dos poetas, identificada com a própria arte, ao transfigurarem
através de determinados recursos ditos formais e estéticos, o discurso de
intervenção e da denúncia social do drama do contratado, consubstanciado
no real, fazem desses textos poéticos, a meu ver, autênticas fontes
referenciais carregadas de memória histórica.
Na sequência apresentamos os objectivos que nortearam a nossa pesquisa.
2-Objectivos
2.1 Objectivos Gerais
Analisar abordagem em textos narrativos e poéticos na literatura nacional.
Ver se o tema constitui uma categoria poética específica dentro da grande
poética Cabo-verdiana.
Ver qual é a importância do tema e o seu tratamento em textos poéticos e
narrativos da literatura Cabo-Verdiana.
2.2Objectivos Específicos
Mostrar até que ponto o tema do contratado para as roças de S. Tomé
influenciou e ocupou a poesia Cabo-verdiana de uma época.
Conhecer as questões que mais inspiraram e que foram problematizadas e
questionadas por alguns poetas que ainda hoje nos interpelam.
O contratado na poesia cabo-verdiana
3
2.3 Perguntas de partida
Partindo dos objectivos acima traçados, levantamos algumas questões referentes ao
tema em estudo.
Como é que a literatura chamou a si o tema do contratado?
Quais são os autores Cabo-Verdianos mais emblemáticos no tratamento do tema
do contratado?
Como convergem ou divergem estes poetas na construção poética do tema?
3-Metodologia
O estudo será desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas, ou seja,
faremos o levantamento e análise de dados existentes, leitura e análise de textos
poéticos e narrativas, analisando os autores considerados mais relevantes bem como os
estudos literários que se façam necessários.
Sendo assim o trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma:
4-Estrutura do trabalho
O trabalho encontra-se estruturado em quatro capítulos, além da introdução e das
partes reservadas a considerações finais, a bibliografia e anexos.
No primeiro capítulo destinamos ao conceito do contrato e do contratado.
O segundo capítulo é reservado para dar conta, ainda que de forma breve, muito
sumária e sob forma de retrospectiva, da história da nossa emigração para o arquipélago
de S. Tomé e Príncipe.
No terceiro capítulo, vamos verificar a partir de quando foi introduzido na
literatura nacional o tema do contratado e qual foi a geração mais expressiva.
No quarto capítulo saímos da teoria e passamos à componente prática que
constitui o fulcro do nosso trabalho, ou seja, ao estudo dos poemas, de alguns contos e
autores que consideramos mais expressivos relativamente ao tema supra citado. E
O contratado na poesia cabo-verdiana
4
finalmente as considerações finais partindo do estudo realizado, que reduzirá na
comprovação das nossas hipóteses.
I – CONCEITOS TEÓRICO DE CONTRATO E DE CONTRATADO
Dicionário de língua Portuguesa Contemporâneo Academia das Ciências de
Lisboa define o termo Contrato como 1-acto ou efeito de contratar, pacto entre duas ou
mais pessoas, que se obrigam a cumprir o que foi entre elas combinada sob a
determinada condições. Acordo de vontade entre as partes, com fim a adquirir,
resguardar, transferir, modificar, conservar, ou extinguir direitos.
2-Que está sob as condições de um contrato, que assinou um contrato
Dicionário Houaiss define o termo contratado da seguinte forma: que se
contratou, diz-se de ou pessoa com quem se celebrou um contrato ou cujos serviços
foram encomendados e ajustados; diz-se de ou funcionário admitido no serviço publico
por contrato temporário ou para desempenhar função especializada.
Ainda no Grande Dicionário Enciclopédico o termo contrato significa – acto ou
efeito de contratar, acordo entre duas pessoas para criar, modificar ou extinguir
direitos e obrigações. Dentro de limites de lei as partes têm a faculdade de fixar
livremente o conteúdo dos. A vontade dos contratantes para o contrato ser valido deve
ser livre e esclarecida: isto é, para a validade do contrato requerer-se consentimento
das partes contraentes deliberado e livre. Havendo erro ou dolo essencial, o contrato
será inválido; se for só acidental, o contrato é valido mas rescindível. Celebrando-se o
contrato sob condições suspensas ou resolutórias apenas se tomará definitivamente
valido ou nulo depois de verificadas tais condições. No caso de estes serem impossíveis
ou imorais; o contrato ter-se-á por inválido ou inexistente.
O mesmo Dicionário define o termo contratado da seguinte forma : relativo ao
que foi objecto de contrato; ajustado; assalariado.
O contratado na poesia cabo-verdiana
5
Definição do termo contratado no contexto do presente trabalho:
Segundo Alfredo Margarido (1980) contrato é uma forma de exploração de
força de trabalho, que obriga os homens e as mulheres a abandonar a sua terra natal,
as suas formas de vida para trabalharem nas plantações ou nas indústrias.
De acordo com o mesmo autor, o contrato era descrito como uma forma mal
disfarçada do trabalho forçado, tanto mais evidente quanto se sabe que a maioria dos
proprietários das Roças estava sempre aquém das normas administrativas, pagando
pouco, ou quase sempre nada, alimentando mal e alojando pessimamente os
trabalhadores.
O contratado na poesia cabo-verdiana
6
II - A EMIGRAÇÃO PARA S.TOME-ALGUNS DADOS HISTÓRICOS.
Neste capítulo pretendemos dar conta, ainda que de forma breve, muito sumária
e sob forma de retrospectiva, da história da nossa emigração para o arquipélago de S.
Tomé e Príncipe. A história da emigração cabo-verdiana para S. Tomé remonta à
segunda metade do século XIX, mais concretamente no ano de 1864 e processou-se até
1970.1 Assim, em meados de oitocentos, maltratados pela fome, pela extrema miséria,
pela falta de trabalho e de recursos de toda a espécie, e pela própria conjuntura social,
económica e politica esta emigração constitui uma ―triste aventura‖ para muitos cabo-
verdianos.
Por isso abriu-se ―a larga porta de saída‖ no dizer de António Carreira, para S.
Tomé e Príncipe para onde emigraram milhares de cabo-verdianos saídos da franja
populacional mais pobre.
A emigração para S. Tomé e Príncipe não é um fenómeno recente, aconteceu e
perdurou no período colonial, em meados do século XIX e perdurou, mais precisamente
até aos finais dos anos 60 do século XX.
Segundo António Carreira e outros historiadores os desequilíbrios demográficos
e económicos quase estruturais das ilhas de Cabo Verde teriam sido aproveitados pelas
instâncias do poder e por meio de legislações e actuações administrativas, a endereçar a
mão-de-obra abundante e por um baixo salário para as roças de S. Tomé e Príncipe1.
Nesses idos tempos, tendo em conta a conjuntura política social e económica do
país, e a existência de muita mão-de-obra disponível, alguns proprietários de S. Tomé à
instância do Governo, vieram engajar braços na ilha de S. Tiago para os trabalhos
agrícolas nessa província. Uma portaria régia de 19 de Dezembro de 1863 determinou
que o Governo-geral de Cabo Verde facilitasse «por todos os meios ao seu alcance» a
1 NASCIMENTO, Augusto, O SUL da Diáspora. Cabo Verde nas plantações de S. Tomé e Príncipe e
Moçambique, Praia, ed. Da Presidência da Republica de Cabo Verde, 2003, pg.67
O contratado na poesia cabo-verdiana
7
emigração de braços livres e em condições favoráveis que os referidos proprietários
pretendessem utilizar, «como meio eficaz de socorrer os habitantes de S. Tiago (…)
mais avexados de fome, com grande utilidade de uma importância possessão
igualmente portuguesa.»2
Segundo SEMEDO, na sequência de portaria de (de Março de 1864) o Governo Carlos
Alberto Franco ―manda dar passagem gratuita, nos seus barcos a todos os indivíduos
que quiserem emigrar para a ilha de S. Tomé ou para Luanda tomando-os no porto da
Praia ou no porto de S. Vicente.‖ (pg.248)
“O governo do reino incentivava emigração para S. Tomé e ordenava ao
governador da província que «em qualquer transporte de que possa dispor, ou nos
paquetes, faça transportar para as ilhas de S. Tomé até mil indivíduos de ambos os
sexos, empregando para esse fim os meios possíveis de persuasão», ordenava
veementemente que se continuasse a «desacumular a população da cidade (da Praia),
obrigando a regressar para a povoação de onde vieram (…) empregando para esse fim
medidas políticas e que toda a população enferma que não for possível pelos meios
indicados fazer sahir do prompto da cidade, deve ser logo transportado para o ilhéu de
(de Santa Maria).»
Menos de um mês depois, o Governador do Reino recomenda que «enquanto
durar a actual crise alimentícia do archipelago, continue a facilitar a emigração
voluntária dos pontos onde sobrar população indigente.» Com esta alternativa
apresentada aos esfomeados da grande fome de 1864/1866 começava uma nova forma
de subsistência.
Posteriormente, em 1903-1904 uma nova e tremenda crise dizimava cerca de um
terço da população da ilha de S. Tiago, obrigando os sobreviventes sem recursos para se
dirigirem a outros pontos, a aceitaram o contrato como único refúgio contra a morte. A
esses impunha o dilema: morrer à fome ou emigrar para S. Tomé.
2 Portaria n° 250, de 19 de Dezembro de 1863 publicado no B. O., n° 3, Praia Janeiro de 1864, citado pr
Brito Semedo
O contratado na poesia cabo-verdiana
8
Mais tarde, no século XX e na década de quarenta sob o impacto da Segunda
Guerra Mundial, que contribuiu para a crise do Porto Grande, levando ainda mais a
diminuição de entrada de barcos. A agravar ainda mais a situação difícil que se vivia nas
ilhas, voltaram as crises de falta de produção agrícola, primeiro em 1941-1943 e depois
em 1947/1949 provocando milhares de mortos, e à semelhança do que acontecia nos
anos oitocentos várias crises agrícolas eclodiram nos anos novecentos, primeiro em
1902-1904 depois segue-se a de 1920-1922 e finalmente entre 1940 e 1950 sendo esta a
mais grave porque vitimou mais pessoas (segundo dados estatísticos), também por ser
em plena guerra em que havia naturalmente, escassez de alimentos por toda a parte.
Igualmente a emigração para a América encontrava-se interditada para pessoas
―de cor e analfabetas.” Ora, com tudo isso a acontecer não restou outra saída para o
cabo-verdiano pobre, a não ser o contrato para S. Tomé e Príncipe.
As obras do historiador António Carreira são as que melhor descrevem, no meu
entender, as tragédias vividas nas ilhas, afirmando em «Migração nas Ilhas de Cabo
Verde»: ―por causa da fome e da carestia de géneros alimentícios estando a fome na
base de elevado número de mortos na década de 40, portanto a ida para S. Tomé era a
solução para uma população não morrer de fome.”
Igualmente, outro analista da questão da emigração Cabo-verdiana, Alfredo
Margarido, considera que esta emigração para S. Tomé tal como a emigração para
Dakar, era de sinal negativo. Logo, desprestigiante para o Cabo-verdiano, sendo a
emigração de sinal positiva a que se fazia para América e para Europa.
Portanto das teses aqui referidas tentaremos encontrar nas análises dos poemas
os reflexos da desestruturação social então vivida por este tipo de emigração.
Face a essa situação, o Cabo-verdiano pobre não tinha muitas opções quando a
seca se prolongava e a fome se declarava. Embarcar para o sul e sujeitar-se as
indescritíveis privações que lhes eram impostas ou aguardar a morte eram as escolhas
possíveis. E nestas circunstâncias os Governos aproveitaram para incentivar e
encaminhar por meio de medidas legislativos ou de processos administrativos, para a
saída de população com objectivo de proporcionar mão-de-obra abundante e a baixo
salário, às organizações agrícolas e industriais da região tropical ou equatorial o que fez
desta a ―emigração forçada” (Carreira 1983).
O contratado na poesia cabo-verdiana
9
António Carreira denominou essa emigração de ―emigração forçada‖.3Esta
emigração deve-se ao facto dela ter ocorrido em circunstâncias impulsionadoras. Por
exemplo, as crises de seca e de fome que assolava o arquipélago e sobretudo pela
pressão do Governo Português por meio de varias legislações.
Carreira definiu a ―emigração forçada‖ como sendo toda emigração que se
processa em consequência de ruptura de equilíbrio produção/população, ruptura esse
provocado por secas, fome, mortandades ou pressão demográfica e de que os Governos
se aproveitaram para incentivar e encaminhar, a saída da população com o objectivo
deliberado de proporcionar a mão-de-obra abundante e a baixo salário para as
organizações agrícolas e industriais tipo capitalista de regiões tropical ou equatorial. 4
João Lopes Filho apresenta uma definição similar, ―emigração forçada”
processa-se como uma consequência do desequilíbrio produção/população (por
exemplo no caso concreto de Cabo Verde é causado pela influencia das secas e pela
pressão demográfica que leva o Estado a, em alguns casos, incentivar a saída dos
trabalhadores com a colaboração das organizações industriais e agrícolas privadas de
tipo capitalista, com a finalidade de lhes fornecer mão-de-obra abundante e barata), ou
devido as invasões de territórios que dantes ocupavam.5
Por outro lado Augusto Nascimento defende que a emigração cabo-verdiana
para S. Tomé e Príncipe sucedeu em inicio e meados de novecentos, não se trata de uma
―emigração forçada”, por não ― (…) abarcar a multiplicidade de experiencias sociais
nem tão pouco, as mutações nos moldes de angariação de braços em várias
épocas.6Argumenta que o recrutamento foi uma oportunidade para os roceiros e
embora, a miséria de Cabo Verde tivesse contribuído ela não fo i premeditada. Uma vez
ocorrida coincide com o período de processo de instauração das roças e de luta pela
3 CARREIRA, op. cit. 1983 pg. 149
4 Carreira, Lisboa, Janeiro 1977, pg.36
5 LOPES, João Filho, Ilha de S. Nicolau Formação de sociedade e Mudança Cultura l , II vol., 1° ed.
Secretaria Geral Ministério de Educação, 1996, pg.240
6 NASCIMENTO, op. cit., Praia 2003 pg. 19
O contratado na poesia cabo-verdiana
10
supremacia em S. Tomé em que o acesso ao ferro, e à mão-de-obra era um instrumento
decisivo.‖
Para o pesquisador Augusto Nascimento (2007), no livro ― Fim de Caminhu
Longi” o ―trabalho escravo‖deve ser entendido como falta de alternativa do cabo-
verdiano que ―se via obrigado a dar o nome no contrato e alistar-se temporariamente
para o trabalho semi-escravo das famigeradas roças para não morrer de fome‖. Nota-
se que a opção dos cabo-verdianos pelo contrato para S. Tomé era voluntária.
Nascimento (2007) explica o fenómeno como “(…) o retorno para S. Tomé para o
cumprimento de um novo contrato ou a permanência nesse território mesmo depois de
findo os tempos de contratação, as quais, como sabido, perfaziam um período assaz
limitado muitas vezes (era) determinado pela duração das secas cíclicas em Cabo
Verde (...)‖ Nascimento 2007 p.7
Ele introduz um novo conceito, ―emigração induzida.‖7Este conceito transmitiu
uma ideia similar àquela defendida por Carreira. As pessoas não eram forçadas a
emigrar, mas tinham o poder decisão, não obstante, a administração intervinha no
sentido de persuadir as pessoas à emigração.
Portanto admite-se que forçada ou induzido a emigração dos cabo-verdianos
para as roças de S. Tomé foi influenciada pelas crises de secas e consequentemente das
fomes e pelas legislações criadas pelo Estado. Essa emigração foi durante muito tempo,
um refúgio da fome para muitos cabo-verdianos, a saída mais viável que se lhes
ofereceram: a única porta aberta.8
7 NASCIMENTO, Augusto, Fim de Caminho Longi, ed. Ilhéu editora, Mindelo, Abril 2007, pg. 13
8 NASCIMENTO, Augusto, Vidas de S. Tomé Segundo Vozes de Sonsente, ed. Ilhéu Editora, Mindelo,
2008,pg.58
O contratado na poesia cabo-verdiana
11
III – O CONTRATO NA LITERATURA E NA IMPRENSA CABO-
VERDIANA
Na literatura nacional verifica-se que o tema da roça e do contratado para S.
Tomé e Principie atravessa de forma significativa e bem expressiva tanto a prosa como
na poesia durante um período significativo que vem desde a geração de Eugénio
Tavares passando pela geração de ―Claridade‖ indo até a geração de 60; através de
autores nomeadamente: Pedro Corsino de Azevedo, Jorge Barbosa, Osvaldo Alcântara,
Gabriel Mariano, Ovídio Martins e Onésimo Silveira foram os poetas que melhor
―trilharam o caminho de S. Tomé” na poesia cabo-verdiana.
Este tipo de emigração foi profundamente ―antipático‖ e tido como negativo
pelo cabo-verdiano. É neste sentido que os periodistas dos inícios de novecentos,
nomeadamente, Luís Loff de Vasconcelos (Brava 1857? -1923), José Lopes da Silva (S.
Nicolau 1872-1962), Eugénio de Paula Tavares (Brava 1867-1930) e Pedro Cardoso
(Fogo 1881 - 1942) entendiam que se devia fazer a mais rasgada e publica propaganda
contra a emigração para S. Tomé e em contrapartida: ―animar a saída, protegê-la e ou
até subsidiá-la‖ para a América, a Argentina e o Uruguai.
Na imprensa escrita o tema ocupou os intelectuais e os jornalistas por longo
período de tempo. Os primeiros periódicos publicados nos inícios da Republica –― A
Voz de Cabo Verde‖ (Praia 1911-1919), ―O Independente‖ (Praia 1912-1913) ―O
Progresso‖ (1912-1913), ―O Futuro de Cabo Verde‖ (1913- 1916), ―O Popular‖ (1914-
1915) e ―o Cabo-verdiano‖ (1918- 1919) uniram-se no combate contra a reabertura da
contratação de serviçais para o trabalho nas roças de S. Tomé e Príncipe na sequência da
terrível fome de 1900-1903.
―A emigração‖ é um tema do editorial ―A Voz de Cabo Verde‖ (1911/1919),
tema aliás, que estará sempre presente na imprensa cabo-verdiana – que defende a
emigração para América, Brasil, Uruguai, Argentina e condena a emigração para S.
Tomé e Príncipe. Considera-se que a emigração para S. Tomé (embrutece e empobrece
o emigrante) e que se o destino for o Continente Americano (educa e enriquece o
emigrante). Por exemplo ―o progresso material, moral e intelectual das ilhas de Fogo e
O contratado na poesia cabo-verdiana
12
Brava.‖9 O mesmo jornal posiciona-se contra e condena a emigração para aquela ilha
porque era vista como uma emigração forçada devia-se ―atrair trabalhadores – não
arrebanhar escravos!”A essa emigração forçada opunham-se porque para além disso,
feria os direitos do homem e o orgulho dos cabo-verdianos.
O contrato é um dos grandes temas do jornalismo cabo-verdiano, da época.
Condena-se, por vezes de forma veemente, a emigração para S. Tomé. Chegando a elite
republicana cabo-verdiana a reagir contra os republicanos de Lisboa, quando alguns
destes propuseram o envio de cabo-verdianos para as roças de S. Tomé, como forma de
lhes mitigar a fome. É neste sentido que «A Voz» se posicionou contra a posição
tomada pelos seus correligionários metropolitanos.
«Essa emigração forçada opunha-se para além dos direitos do homem, o
orgulho dos cabo-verdianos. “Em Cabo Verde, é facto, têm-se morrido fome… a cada
passo se encontra em Cabo Verde, um homem que morre sem uma queixa; mas é difícil
encontrar um preto ou mestiço que suportem a chicotada sem responder com essa
criminosa energia, à qual raros sobrevivem os que vibram o chicote e o ultrajam. O
cabo-verdiano tem esse grande defeito de se não prestar a um certo número de
trabalho». 10
No ―ataque‖ à emigração para S. Tomé ―A Voz‖ não estava sozinha, ―O
Independente‖ é também um outro jornal que surgiu na capital e que se posicionou
contra essa emigração. Num artigo intitulado “Emigração‖ publicado no número 35 do
referido jornal, Orion, (pseudónimo de Eugénio Tavares) lamenta que o cabo-verdiano
seja obrigado a abandonar a sua terra, abandono esse a que é obrigado pela miséria
reinante, pela ameaça de uma crise alimentícia ―para a qual os Governos nunca
olharam com o empenho que bem merecia (…) emigram em massa, encamada na
terceira classe dos vapores, como rezes que vão para matadouro11…”
9 VOZ DE CABO VERDE, n°8 19 de Abril de 1911
10 VOZ de CABO VERDE, 5 de Fevereiro de 1912
11 VOZ, n° 35, 15 de Abril de 1912
O contratado na poesia cabo-verdiana
13
O mesmo periódico considera a emigração para Estados Unidos como bem vista,
pois “civiliza, educa, remedeia ou enriquece o emigrante‖ e para S. Tomé ela é
condenável, pois, ―embrutece, depaupera e mata muitas vezes o serviçal‖, pelo que esta
emigração tinha que acabar e Orion propõe “guerra à emigração para S. Tomé e
Príncipe, que é a morte dos naturais de Santiago; protecção e auxílio para a emigração
para as repúblicas do norte e sul da América (Uruguai e Argentina) ‖ a propósito da
emigração para S. Tomé e Príncipe Eugénio Tavares (1912) publicou um soneto
intitulado ―Emigração‖ em que faz o retrato realista da partida para as roças e do
regresso desolador dos contratados e de caminho, o poeta no mesmo poema faz a
apologia da emigração para América – »ide mais distante; ide à América/terra de
trabalho e liberdade.»12
A emigração para S. Tomé era a menos desejada pe los cabo-verdianos, como
prova em tomadas de posição, Eugénio Tavares. Quando em 1915, o Governo dos
Estados Unidos quis impedir a entrada dos africanos analfabetos no seu território e le
expressou-se da seguinte maneira: ―proibir a emigração cabo-verdiana para Estados
Unidos, é pedir ao povo cabo-verdiano tire os sapatos, dispa o casaco, pegue na
enxada, e que salte para os morgadios de Santiago e de S. Antão e do Fogo onde há
falta de braços. Foste até aqui o livre trabalhador da América, de agora em diante
passas a ser uma espécie de contratado para as roças de S. Tomé (…) de hoje em
diante irás comer em gamelas de pau, o pão da escravidão que o diabo amassa – dessa
escravidão encamisada de liberdade, que é o insulto à dignidade humana. Tiveste, até
este casa e terras, sobre as quais os teus avós derramaram o seu suor de honra, desde
esta hora, teus filhos sob a vergasta da necessidade com lágrimas fertilizarão malditas
terras alheias.”13
É de salientar que, um dos poucos pontos em que todos os jornais cabo-
verdianos, durante toda a época das levas dos contratados estiveram sempre de acordo,
foi em condenar a emigração para S. Tomé e em denunciar os abusos cometidos nas
roças.
12
CF. Capítulo da análise e interpretação dos poemas.
13 EUGENIO, Tavares citado por Carreira, op. Cit 1983 pg.93
O contratado na poesia cabo-verdiana
14
Ao tentarmos conceptualizar as causas da emigração e de toda a complexidade
que se encontra por detrás deste fenómeno que é humano, social e económico ; sentimos
enorme dificuldade em expressá-las.
De acordo com (Danny Spínola) «antes de mais é preciso uma atitude
persecutória perante este assunto perguntar, questionar sobre as razões e as
motivações profundas que conduzem as pessoas a escolher o árduo caminho da
emigração».
Realmente as razões são várias e pertinentes. Segundo o estudos feitos, de
documentos literários, a fome, a seca, os empregos pouco gratificantes, o desemprego, a
vida dura do ilhéu, a carência de recursos materiais, de meio viáveis que possibilitam
satisfazer as necessidades mínimas de uma sobrevivência mais condigna são as
principais causas
IV – OS ANOS de 1960/1970 – A POESIA DE REVOLTA
Digamos que existia uma ambiência histórica cultural e social em cabo Verde
predisposta a condenar a forma do contrato do cabo-verdiano pobre para S. Tomé e
Príncipe. Daí ser natural que se levantassem as vozes solidárias dos poetas e dos
escritores numa dimensão humanística de condenação de tal prática.
Ora bem, a emigração mereceu atenção redobrada e muito particular, tanto dos
escritores e intelectuais da época pré-claridosa e da dos claridosos, como também e
sobretudo, da geração da ―Nova Largada” da literatura cabo-verdiana nos anos 50/60
do século passado, com efeito, é com o grupo denominado do Suplemento Cultural que
a poesia cabo-verdiana deu um salto qualitativo e tomou novos rumos, graças aos
jovens poetas que a partir de então, lançaram mãos da chamada poesia contestária para
se posicionarem contra a situação vigente em Cabo Verde. Essa atenção aos problemas,
desdobrou-se quer na reflexão crítica, ensaística, quer pela virulência da palavra
jornalística, quer ainda na sentida meditação da poesia e ficção literária. Os poetas da
O contratado na poesia cabo-verdiana
15
geração de 60 apossaram-se do tema da emigração, introduzindo-o de forma definitiva e
irreversível, na poesia cabo-verdiana.
Com efeito, tratou-se de uma geração que denunciou em textos poéticos os
abusos do contrato para as roças de S. Tomé e Príncipe, e fê- lo de uma forma tão
tocante e contundente, que acabou por construir literariamente um discurso protestativo
explícito na literatura nacional.
Na realidade, foi na década de sessenta, que a denominada poesia de revolta
encontrou terreno propício para germinar. Ao lado dos outros poetas africanos de língua
portuguesa e de outros quadrantes do mundo, em que o mesmo tipo de discurso literário
de protesto e de intervenção social se fazia ouvir dos seus poetas, também encontrou
caminho em Cabo Verde, onde vozes poéticas fizeram eco da situação.
Data dessa altura alguma abundância de poemas que versam o tema do contrato
e do trabalho forçado. A sensibilidade dos poetas das ilhas foi tocada pelo flagelo deste
aviltamento da condição humana. Os poetas conscientes da problemática encontraram
uma forma ajustada para exprimir testemunhos revoltosos sobre o facto.
Ovídio Martins, Gabriel Mariano e Onésimo Silveira, de entre outros nomes,
foram o trio que liderou de forma directa e aberta, através da palavra poética, ―a luta‖
contra a prepotência e a injustiça que até então reinavam em matéria da deslocação
forçada para o arquipélago do cacau. Eles serviram-se da poesia, fazendo da ―criação
literária um meio e uma forma de denúncia global do sistema (…)».14
A problemática da emigração para S. Tomé mereceu desde muito cedo críticas,
sobretudo feitas pelos nossos homens de literatura. A geração claridosa também se
debruçou sobre este aspecto, este tipo de emigração deu origem a uma espécie de
Cancioneiro poético cabo-verdiano, pela pena de Osvaldo Alcântara, no seu poema
―Filho‖ um dos poemas do ciclo ―O Romanceiro de S. Tomé.” Igualmente, Jorge
Barbosa, através dos ― «13 Poemas in memorial de S. Tomé» dedica a sua palavra
poética ao tema da emigração e do contrato para S. Tomé e Príncipe.
14
in: Pré-texto , Revista de Arte Letras e Cultura . Dezembro de 1998.
O contratado na poesia cabo-verdiana
16
Ovídio Martins foi também um poeta que levantou a voz contra a emigração
para S. Tomé e juntou-se para protestar contra a máquina capitalista da roça, destruidora
de valores humanos. A este respeito o poema ―Aviso” elucida o leitor, de modo muito
contundente, como ele condena a forma violenta como resulta a situação vivida pelos
cabo-verdianos durante as viagens e nas roças. No poema ―Emigração”, o poeta
também não esconde a sua ira e a sua angústia, face à desumanização do homem cabo-
verdiano.
A respeito deste poeta, Alfredo Margarido afirma o seguinte: «A poesia de
Ovídio Martins é um canto de amor e de luta ritmado pela obsessão constante de
libertação, que em todos os seus momentos dialécticos rejeita a solução conformista,
reaccionária dos problemas que lastram a personalidade do africano insular de Cabo
Verde». É bom recordar que a tese poética defendida por Ovídio Martins recomendava a
não partida do Homem cabo-verdiano das ilhas, partida motivada na necessidade de
sobrevivência. Pelo contrário, é dele a célebre expressão: «querer ficar e ter de partir».
Embora polémica, numa semântica abrangente, o contexto em que foi proferida
continha as premissas para que ela (a expressão ou o verso de Ovídio Martins)
encontrasse eco positivo.
Ao lado de Ovídio Martins, esteve também Gabriel Mariano quem, tal como os
outros, manifestou a sua indignação contra a situação vivida pelos cabo-verdianos nas
terras de S. Tomé. Em alguns poemas de Gabriel Mariano como ―Comissário ad hoc‖ a
critica é feita de uma forma aberta sobre a situação desumana por que passavam os
cabo-verdianos durante as viagens e nas roças.
Um outro poeta que brilhou nessa época e já aqui referido foi sem dúvida,
Onésimo Silveira. Nas suas publicações ele procurou, através de um discurso
panfletário e quase directo, representar o drama da emigração cabo-verdiana, do
contrato para as roças de S. Tomé e dos retornados.
Pode-se afirmar, sem muita margem de erro que a crítica à emigração para S.
Tomé, constituiu uma das temáticas preferenciais dos poetas cabo-verdianos, tendo
ganho impulsos diferentes, consoante as épocas.
O contratado na poesia cabo-verdiana
17
Falando agora de forma mais particularizada e tendo em consideração o contexto
histórico em que surgiu a geração de ―Suplemento Cultural,‖ os seus poetas fundadores,
naturalmente que munidos de outros dados, tomariam uma outra atitude, uma vez que o
próprio ambiente político e social da época a isso propiciava e facilitava, pois, nessa
altura, vários países africanos se encontravam empenhados na luta armada contra o
colonialismo francês e português. ― Hoje sabemos que a integridade da obra não
permite adoptar visões dissociadas e só podemos entender a obra, fundindo texto e
contexto numa interpretação dialecticamente íntegra (…)
O contratado na poesia cabo-verdiana
18
V- ANÁLISE DE POEMAS SELECCIONADOS
Neste capítulo ocupar-nos-emos em transcrever e em analisar os poemas e os
poetas mais representativos em termos do tema fulcro deste trabalho.
Nunca é demais lembrar que isto constitui de facto e no nosso entender a parte
substantiva do nosso trabalho. Em consequência, e para melhor articulação do tema
proposta, iremos ―construir‖ uma espécie de itinerário poético do contratado, visto e
percepcionado numa trajectória que vai da partida de Cabo Verde; o retrato da sua vida
na roça e o regresso à terra. Pretendemos assim elaborar um painel poético com a
movimentação e as vicissitudes por que passou o contratado através da visão e da
solidariedade dos poetas que sobre ele se debruçaram e que a nós legaram páginas
poéticas que embora trágicas, não deixam de ser belas em termos da poesia que contêm.
O primeiro poema analizado relativamente ao tema do contrato trata-se de um
soneto de Eugénio Tavares publicado em 1912 intitulado ―Emigração.”
O contratado na poesia cabo-verdiana
20
Para além dos periódicos da época este é talvez o primeiro poema que versa o
tema do contratado. Podemos ver que o sujeito poético elege como a melhor emigração
para o cabo-verdiano a que é dirigida para os Estados Unidos da América e não a
forçada para S. Tomé e Príncipe. Eugénio Tavares, em tom apelativo em que o vocativo
―vós” com que se refere aos emigrantes é disso expressivo, ele toma a liberdade de
manifestar a sua opção, ao convidá- los a sonhar mais alto e a irem mais além. De não se
sujeitarem a uma emigração que, ao invés de lhes melhorar a vida, os atrasaria. A
comprovar este sentimento negativo estão os adjectivos e nomes como: ―triste,”
“desolador,” “sofrimento,” “dor,” “desterro,” “acorrentada,” “maldita,” entre
outros, que se destacam ao longo do soneto. Temos o retrato realista da par tida para as
roças e do regresso desolador dos contratados e a apologia à emigração para América –
―ide mais distante; ide a América/terra de trabalho e liberdade.”
Na mesma linha, um dos grandes poetas da “Claridade‖ Osvaldo Alcântara
entendeu e solidarizou-se com o sofrimento e o sentido de saga que o contratado para S.
Tomé sofreu no corpo e no espírito.
Ele retrata simbólica e poeticamente a figura do Contratado em «Nicolau» a
personagem a quem o poeta dedica os versos e acompanha ao longo do seu
«Romanceiro de S. Tomé».
Eis aqui o registo de um excerto do poema: «Filho» (...) Nicolau, menino, entra /
onde estiveste, Nicolau, / que trazes a arrastar / o teu brinquedo morto? // Nicolau,
menino, entra. / Vem dizer-me onde foi que tu estiveste/ e a estrela fugiu das tuas mãos.
// Tens comigo o teu catre de lona velha. / Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá longe.
// Dorme sem medo, / que o fantasma ficou lá longe. //Quando acordares a jornada será
mais longa. // Nicolau, menino, / onde foi que tu deixaste / o corpo que te conheci? //
Deus há-de querer que o sono te venha depressa / no meu catre.
Para além deste expressivo e significativo poema sobre o drama em análise,
Osvaldo Alcântara, produziu outros poemas sobre o tema em que se destacam «O
Grito» «Mãe» «Porão» «Amigo» apenas para destacar alguns dos títulos mais
directamente afectos ao tema do romanceiro de S. Tomé.
O contratado na poesia cabo-verdiana
21
Gabriel Mariano é um dos poetas que para além de escrever poemas motivados
pelo sistema das roças e pela situação dos serviçais, abordou igualmente a questão,
possivelmente nos seus aspectos jurídico/legais, pois que jurista de formação e de
profissão, por isso, considera a emigração de trabalhadores Cabo-verdianos para as
roças como um autêntico crime.
O poema comissário ad hoc foi publicado entre 1960 a 1963, quando Gabriel
Mariano encontrava-se em Cabo Verde, na cidade da Praia, onde fora colocado e
exercia a função de Procurador da República e Conservador dos Registos Civis.
É um poema, dirigido não directamente ao Contratado, mas ao cabo-verdiano
que o conduz na viagem para as roças, então chamado ―Comissário ad hoc‖ uma espécie
de vigilante, funcionário que tinha entre outras funções, tinha coma a principal, a de
vigiar para que a viagem dos contratados decorresse em ordem até à chegada ao destino.
O poeta apoda-o de “capataz de escravos.” É neste poema que Mariano descreve as
condições de ida dos contratados para as roças de S. Tomé
O contratado na poesia cabo-verdiana
23
Em todo o poema percorre um estado de revolta, que associa a repetição
sincopada, expressa em duas situações extremas de um mesmo tipo de exploração. A
primeira estrofe centra-se na figura do ―capataz / comissário‖ a quem é dado algum
estatuto de dignidade, vislumbrado nos versos: ―tu segues em camarote fino, preparado,
reservado irmão‖ e a segunda, a situação extrema está centrada no ―serviçal/escravo” a
quem não é reconhecido qualquer condição ou estatuto humano. O poeta chama atenção
para isso, nos versos: ―não os vês nos porões seguindo?‖. Por outro lado e igualmente
no mesmo poema, o sujeito poético identifica fraternalmente o comissário e os serviçais
através do ―sangue e sofrimento‖. Demonstra-o nos versos: «…comissário irmão de
sangue, irmão de sofrimento…». Portanto, é no entender do poeta que a diferença é
mais aparente do que real entre o Comissário ad hoc e os ―serviçais.” O ―eu” lírico
iguala os contratados e o comissário naquilo que mais os caracteriza e os aproxima:
«eles os que seguem nos porões cantando/são homens de carne como tu/de carne e
nervo como tu». O poema constitui uma contundente denúncia das condições
degradantes em que os serviçais eram transportados. Temos no poema as marcas
expressivas interrogativas e exclamativas e a acção verbal no presente com o objectivo
de fazer sentir ao leitor o estado emotivo do poeta e o apelo que o poeta faz a quem de
direito culpando-o pelo desenrolar desses acontecimentos.
O contratado na poesia cabo-verdiana
25
Assim como outros poetas da época, Ovídio Martins atento ao sofrimento dos
homens, diante da miséria e da fome, do grave problema da insularidade, em que eles
são obrigados a partir para a distante ilha de S. Tomé como contratado, ele expõe nos
seus versos o drama de os que estão distantes nos trabalhos forçados e nas pressões em
S. Tomé e convoca todos para prestar solidariedade aos sofridos e distantes
companheiros Cabo-verdianos. Para exemplificar temos o poema intitulado
―emigração” .
Portanto, nos seus poemas o sujeito poético manifesta a gravidade da situação do
terra- longismo, a emigração forçada, as falsas promessas dos contratantes, a dor, a
violência e o sofrimento pelos quais passavam os contratados.
Sob a denominação de caminho de perdição, insere cerca de dez poemas sobre a
temática de emigração forçada pra S. Tomé. Destaca-se o poema intitulado Aviso um
dos mais violentos onde a revolta chega á ameaça pela forma desumano como o
contratado/serviçal/escravo é tratado nas roças, e o sujeito poético avisa ao destinatário
interlocutor, por qualquer atitude mais violento que venha a ser tomado em acto de
desespero, pelas vítimas.
Contudo é no poema “Caminho Longe,” que o poeta O. Martins aborda o
longínquo caminho trilhado pelos contratados. O próprio título do poema já nos dá a
ideia de distância, de partida, do terra- longismo, de uma saga a penar nesse
―caminho‖.
A primeira estrofe descreve ―caminho longe‖ como sendo igual à dor e ao
sofrimento. Na segunda estrofe, o primeiro verso está expressa a ideia de fatalidade,
no sentido de não se puder fazer nada, embora pudesse ser de outra maneira ―devia
sorrir de outro modo/o Cristo que vai de pé” isto é, equipara o sofrimento dos
contratados ao de Cristo a caminho do calvário.
No verso ―E as bocas reservas fechadas‖ significa que não tinham o direito de
se queixarem, de reclamarem; o sofrimento era abafado, calado de tal modo que ―a dor
O contratado na poesia cabo-verdiana
26
para mais além‖ simboliza o que não se sabia, ou seja, até quando permaneceria essa
dor e até que ponto ela seria suportável.
O processo anafórico utilizado mostra a lentidão da saga, o percurso indesejado
e no desejo do sujeito poético de que o caminho deveria ser o inverso, deveria ser de
regresso e não de partida. Mas não há outra solução/remédio ou alternativa, o caminho
continua o mesmo, tinha de ser percorrido ainda que sob grande sofrimento.
Estamos perante uma forma de poesia que quase faz a transposição da realidade,
reelaborando-a embora em linguagem figurativa e simbólica. Trata-se na realidade de
uma verdadeira poesia de circunstância, isto é, um retrato ―decalcado‖ do e sobre o
acontecimento em tom panfletário e de denúncia presente.
Com efeito o tema da emigração passou em definitivo, a ser considerado uma
das constantes da poesia cabo-verdiana, a par da seca, da fome e da inquietação
permanente e estrutural da debilidade económica do Arquipélago.
Manter-nos-emos no mesmo tema, mas agora na pena de um outro poeta, Jorge
Barbosa publicado em 1963, intitulado memorial de S. Tomé posiciona se contra a
contratação de serviçais cabo-verdianos para aquela colónia e se interroga sobre o modo
de partida, sobre a forma como os contratados viajavam de Cabo Verde para o porto de
destino, São Tomé.
O contratado na poesia cabo-verdiana
29
“O poema nº 1” de Jorge Barbosa inserido no memorial de S. Tomé descreve a
situação da partida dos serviçais de roça para S. Tomé. O poema divide-se em três
partes. Na primeira parte, o sujeito poético evoca o santo que dá o nome a ilha
desfazendo qualquer equívoco que possa surgir com o facto de serem homónimos. Na
segunda parte, o poema deixa claro que é dedicado à condenação das condições
precárias daqueles que partem para a dita ilha e explica as razoes que os levam a esse
destino: ―é a miséria que os leva”.
Por último e na terceira parte, o sujeito poético evoca com muita fé São Tomé, o
santo protector que cuide e olhe pelos que lá vão ter, livrando-os de todos os riscos.
Trata-se de um longo poema constituído por (16) estrofes, com número de versos
irregulares em cada estrofe, feito nos moldes dos poemas característicos deste poeta em
que sobressai o ritmo sincopado da métrica e de uma cadência musical espelhados em
versos curtos.
O contratado na poesia cabo-verdiana
30
Emigrar não envolve apenas a tomada de decisão tendo em conta as causas que
poderão estar na sua origem. Engloba todo um processo que se inicia com a intenção de
partir abrangendo também uma serie de outras etapas: a viagem, a primeira instalação
do migrante no país da chegada, a inserção, a fixação e o retorno.
O retorno é uma vertente inversa das migrações que reflecte o processo inverso.
Depois de sair do seu país o migrante retorna ao seu país de origem.
O retorno não é uma decisão voluntária, contudo, vários aspectos motivaram esta
atitude, na medida em que, é muito desejado, principalmente, para os idosos que
sonham matar saudade e rever a família, a falta de condições económicas bem como a
insatisfação económica alcançada no país do destino influi na decisão de retorno.
Um outro factor que exerce influência na decisão de retorno é o lugar, terra de
origem, este tem um forte peso simbólico partindo do pressuposto que o lugar é o locus
de realização de vida, cria assim, um sentimento de pertença do sujeito para com o
lugar. Esta carga simbólica pode ser laço afectivo como as relações pessoais/sociais,
ligado a família, amigos parentescos entre outros. Este sentimento de pertença a um
lugar e a atracção pelos laços de relações ali criados fazem com que o migrante retorne
ao lugar onde ele deixou raízes socioculturais e afectivas.
No entanto (caso de S. Tomé) muitos vêm o retorno como algo irrealizável.
Saíram de Cabo Verde ainda jovens e levaram consigo uma imagem negativa do seu
país (fome, miséria, falta de trabalho etc.)
Os que retornavam vinham inválidos e com saúde debilitada, os trabalhadores
regressam com varias doenças e lesões graves.
Onésimo Silveira, que foi um desses emigrantes que prestou serviços em S.
Tomé, como meteorologista aborda de uma forma muito contundente a questão dos
retornados (especialmente no seu poema intitulado: O Regresso), Nos poemas que
antecede vimos a triste partida, a longa viagem e a amarga estadia dos cabo-verdianos
nas roças de S. Tomé. Em Regresso vamos ver nos longos versos de Silveira como é
doloroso o momento da “devolução” do contratado (ou o que resta dele), fechando
assim o ciclo dos serviçais cabo-verdianos para as roças do cacau: o recrutamento,
O contratado na poesia cabo-verdiana
31
feita pela Sociedade de Emigração (SOEMI), seguida de viagens nos porões, para a
realização de trabalho escravos nas roças e posterior regresso, no fim do contrato, com
doenças e sem recursos.
O contratado na poesia cabo-verdiana
33
Em todo o poema perpassa uma descrição do estado do regresso/retorno do
contratado à origem, nota-se que a semântica sobressai com uma carga extremamente
negativa desde o início do poema. Na primeira estrofe os contratados são considerados
pelo sujeito poético como vítimas inocentes da liberdade. O primeiro impacto da
recepção aparenta num misto de duas sensações, a da tristeza e a da alegria pelos seus
conterrâneos e familiares.
A linguagem metaforizada continua a descrever essas sensações nas estrofes
seguintes cujo pesar é evidente em confronto com a alegria do regresso do ente querido
mais pobres e insignificantes regressam como farrapos e mais desgraçados, que sem ao
menos têm condições de prevalecer os seus direitos, pois são os ciganos de sujeição,
dependente da vida incerta e errante que veriam encontrar em Cabo Verde. O estado
deplorável e das consequências das roças são evidentes no poema que demonstra o
acréscimo das desgraças que descaem sobre os contratados, intertextualizando caminho
longe de Gabriel Mariano. Onésimo Silveira fecha o poema descrevendo o trajecto da
emigração enquanto ilusão estrada de sangue, portanto, o poema é a exposição mais
completa e autentica do problema. A sua linguagem poética vibra não apenas nas
queixas contra o destino impiedoso que condena o cabo-verdiano à emigração, mas vai
mais longe, precisando o calvário quotidiano do trabalhador rural das plantações de S.
Tomé.
O contratado na poesia cabo-verdiana
34
VI - O TEMA DO CONTRATADO NA PROSA
Para além dos poemas, ressaltam ainda certos contos e capítulos de alguns
romances que abordam o mesmo assunto.
Onésimo Silveira foi um dos mais contundentes escritores cabo-verdianos ao
fazer tal abordagem em prosa. O Conto: «Toda gente fala: sim senhor!» (1960) A
história de Tigusto, um lavrador de meia- idade, da ilha de S. Antão, que a seca obrigou
a vender a sua propriedade para embarcar para S. Tomé como contratado. Editou A
Saga das As-Secas e das Graças de Nossenhor (1991), romance cujo capítulo XIII é
uma retoma da ida dos contratados e da sua vivência. O capítulo aborda o destino de Bia
de Canda.
Convém abordar, ainda que de forma fugaz, o contudo dos contos, «Bia de
Canda» e «Nhanha Santa» de Onésimo Silveira. A acção centra-se sobretudo na
maneira como as contratadas (mulheres) organizavam a vida dura na roça.
Relativamente à organização de trabalho havia funções específicas para as mulheres,
para além de trabalhar nas roças a capinar e nas fábricas de óleo de palma, eram as
escravas de trabalho doméstico, preparavam as refeições, lavavam e consertavam as
roupas do trabalho. Também elas trabalhavam nas senzalas. Para exemplo: as duas
figuras femininas que predominam no conto, Bia de Canda e a Nhanha Santa. Convém
referir que as crianças trabalhavam também e para isso tinham meio contrato. Logo o
trabalho delas era mais leve e consistia na descasca de cacau.
As formas de diversão no domingo
Aos domingos nas roças ―o escravo virava fo rro‖. É no domingo que recebiam visitas
dos amigos e vizinhos da mesma roça comiam, bebiam e dançavam. Ex: ―Beto badio
ritmando com força (…) ―Bia de Canda e Nhanha Santa foliavam as duas a rebolar que
nem duas perdidas‖
Apesar de trabalho de roça ser árduo e massacrante nem por isso deixam de se
divertir aos domingos, é essa diversão que lhes reconstituía. Por ex: ― baile de gaita e
ferro, restituía a seiva dos contratados‖. Durante a capinagem o que os animavam era a
morna e o convívio aos domingos, porque o resto era somente a tristeza. Também era no
O contratado na poesia cabo-verdiana
35
domingo que usavam as raras peças de roupas mais costuradas e escolhidas. É de
salientar que a melhor alimentação também era no domingo, isso porque comiam
guisados com tempero o que era diferente da fuba de todos os dias.
É de salientar que o cabo-verdiano nunca abandona verdadeiramente o seu
arquipélago uma vez que, mesmo longe do seu país, o exilado continua em contacto
com ele. Este contacto manifesta-se através de (dialecto, culinária, formas musicais).
Muitos são os poemas (especialmente os do cancioneiro de S. Tomé) que testemunham
esta correspondência/ligação que o exilado mantém com a terra natal. Igualmente os
poemas em crioulo traduzem o sentimento da necessidade de manter laços íntimos entre
seres dispersos por razões económicas nas margens do atlântico, no Arquipélago mais
ao sul de Cabo Verde.
Os aspectos religiosos
Aos domingos em vez de rezarem uma missa rezada celebravam ―uma missa
dançada com a liturgia redentora de funaná‖.
Podemos constatar que as personagens do conto manifestam a fé e a devoção,
isso porque sempre que são afrontados com situações difíceis, que ultrapassam as suas
capacidades de resolução, recorrem a instâncias superiores ao Pai Divino para pedir
auxílio. Isso demonstra de uma certa forma a manifestação da religiosidade como uma
forma de refrigério e de ponto de apoio no sofrimento sentido.
Resumo do conto
O conto relata a situação degradante do povo, consequência da seca que
sufocava a ilha obrigando os seus habitantes a contratarem-se para as roças de S. Tomé
e Angola. Ainda refere a história de pessoas que, mesmo em situação difícil, nunca
perderam a esperança, mesmo incerta pelo sofrimento do contrato. Para exemplificar: a
fala de uma das personagens ― terra de S. Tomé não tira cristom de bordêra. Mas livra
me de vergonha de viver sem saber por onde virar”.
O conto baseia-se essencialmente na história de Bia de Canda que estava
destinada ao contrato sem que nada nem ninguém a conseguisse segurar. A partida da
sua terra natal para a roça é feita através de um relato e de uma forma minuciosa, desde
O contratado na poesia cabo-verdiana
36
as razões/motivos para tal ida, as formas como eram transportados até ao destino final,
das distribuições e da organização do trabalho.
Para além dos aspectos acima mencionados, verifica-se igualmente que o conto
tem pontos convergente com os poemas, nomeadamente os de Osvaldo Alcântara e
Terêncio Anahory que também salientam as condições precárias, a desumanidade, e as
más condições das viagens e o sofrimento do povo das ilhas. Assim como o poema de
Anahory mostra as contraste entre Cabo Verde e S. Tomé também o conto ilustra esse
contraste.
O verso do poema, apenas um pequeno registo, de Terêncio Anahory diz que:
“roça tem sol/roça tem água/café maduro/cacau gostoso…”
Assim também o conto de Onésimo Silveira reitera que “ (…) S. Tomé terra de
muita chuva, muito café, muito cacau, mas tudo só para roceiro (…)
Com o ensaísta, contista e médico, Henrique Teixeira de Sousa, temos conto «A
Raiva» em que analisa as devastadoras consequências nosológicas e psicossociais da
emigração para S. Tomé. Aliás, Teixeira de Sousa, tanto no desenvolvimento das suas
actividades como médico e investigador, como também na prossecução do seu labor
ficcional, prosseguiu de forma ampla o tema da emigração para S. Tomé e Príncipe. O
conto ―A Raiva‖ é um perfeito exemplo disso.
No mesmo sentido e numa outra obra do mesmo autor, o romance, Ilhéu de
Contenda, autor denuncia as condições muito manipuladas desde o início pelo logro e
pela fraude, associadas às secas, nas quais se processa o recrutamento dos contratados
para as roças do sul. Avultam nesta ficção, o sentimento e a expressão da desonestidade
e a ganância tanto do negro e novo-rico, Soares como do branco ―desqualificado‖
Felisberto, ambos ao serviço da SOEMI, o primeiro como comerciante e contratador
com escritório montado, o segundo como homem de expediente vários e escusos, ora
empregado como agente do primeiro e encarregado de recrutamento de gentes
esfaimadas e induzidas ao contrato cativadas e seduzidas, isto é, enganadas com o verde
paraíso das plantas e fazendas do sul, sistematicamente prometido pelos agentes e
contratadores da SOEMI, e para lá conduzidos em grandes levas amontoados na
promiscuidade dos porões, muitas vezes insalubres e infectos de desumanidade.
O contratado na poesia cabo-verdiana
37
Ressaltam ainda no trama romanesco de Teixeira de Sousa, quer o
posicionamento crítico do Dr. Spencer, médico mulato possivelmente uma espécie de
alter-ego do próprio Teixeira Sousa na sua abordagem da causa médica na ilha do Fogo,
quer ainda a rebeldia politicamente contestatário de Ovídio Soares, filho do comerciante
negro e novo-rico, acima referido, que recusa o financiamento dos seus estudos por
dinheiro sujo, angariado com a exploração da situação de miséria dos contratados.
Gabriel Mariano com o conto «Vida e Morte de João Cabafume» faz a
referência sobre a embarcação para o sul.
Do mesmo modo e focando o mesmo tema, temos o conto de Mana Nha Teresa
de Maria Helena Spencer, que aborda o fim triste de Nha Teresa que passou por
mudanças trágicas da sua vida devido a calamidade naturais (falta de chuva) esquecida
por todos e também por si, regressa sem nada, insana, meio louca, sem que alguém a
pudesse valer no seu regresso a Santiago. Resumindo: a personagem do conto trágico de
Maria Helena Spencer perdeu tudo, até a lembrança do seu nome de registo.
Segundo o conto, a personagem viveu dois momentos: antes da emigração em
que prosperava a bonança. Mana Treza era a cantadeira e a dançarina mais afamada e
procurada dos Picos. Depois veio a desgraça e os anos de seca sucessivos obrigaram-na
a partir.
A desgraça do Cabo-verdiano pobre está muito assente na sua condição natural
de pertencer a uma terra sem recursos naturais e sujeita ao regime instável das chuvas.
Ora é assim que a emigração surge como uma solução para este feito.
O contratado na poesia cabo-verdiana
38
VII- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar o texto que elaborei sobre o tratamento dado ao tema do
―Contratado para S. Tomé‖ na poética cabo-verdiana, gostaria de, nestas breves
considerações finais, tecer alguns comentários que passo a enumerar:
1. A temática em análise, estendeu-se na Literatura cabo-verdiana por quase um
século de escrita. E esta escrita apresentou-se ao leitor de várias formas; quer
sob forma de poemas, quer sob forma de romance, de novelas e de contos, quer
ainda sob forma de artigos jornalísticos de forte pendor crítico.
2. O ―Contratado para S. Tomé‖ mereceu quase sempre, da parte dos intelectuais
cabo-verdianos, com destaque para os escritores, um posicionamento que diria
de grande oposição, por vezes expressa de forma inequívoca e bem clara. E isto
está fartamente documentado no nosso património literário desde os inícios de
século XX, através da pena de Eugénio Tavares, na sua dupla valência de poeta
e de jornalista, passando aos poetas da ―Claridade‖, seguindo-se os da ―Certeza‖
e os do ―Suplemento Cultural,‖ indo até aos chamados poetas da ―Nova
Largada‖ dos anos 60 do século XX.
3. A poética do ―Contratado para S. Tomé e Príncipe‖ mereceu dentro da grande
temática da Emigração, lugar destacado e frequente na poesia cabo-verdiana dita
de circunstância, de intervenção social e política de expressão panfletária. Aliás,
o grande recorte, enquanto motivo poético que teve o tema em apreço na poesia
cabo-verdiana, demonstra amplamente o grau de envolvimento dos poetas de
então, numa causa que os preocupou e os motivou durante larga faixa de tempo.
4. Torna-se interessante notar a grande unanimidade havida entre os poetas de
diferentes gerações na condenação, muitas vezes veemente, feita às condições
degradantes e por eles considerados quase desumanas no processo que levou ao
Arquipélago de S. Tomé e Príncipe centenas de famílias que fugiam à fome e
buscavam a sobrevivência nas ilhas mais fartas e mais verdes que as do seu
rincão natal. Se houve temática convergente na poesia criada pelos poetas das
O contratado na poesia cabo-verdiana
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ilhas de Cabo Verde, essa convergência é totalmente alcançada nos poemas que
abordam a questão do Contratado para S. Tomé e Príncipe.
5. Finalmente reafirmar, tal como dissera no início do texto, que o tema que
constituiu o fulcro do meu Trabalho de Final do Curso, atraiu-me bem cedo ao
longo do curso e fixei-o desde logo como o escolhido para a monografia que
haveria de elaborar como término da minha formação.
As razões que estiveram na base da minha escolha são várias, mas devo apenas
mencionar duas delas, pois que as considero mais marcantes:
a) Apesar de já não ser da geração que viu partir muita gente da ilha de
Santiago para trabalhar nas roças de S. Tomé, a verdade é que desde a minha
infância que venho ouvindo familiares e próximos falarem e contarem factos
e histórias sobre este tipo de emigração. Portanto, também fez parte da
minha socialização conhecer, ainda que de modo superficial, o fenómeno
que tanto marcou o cabo-verdiano de extracto social mais baixo e mais
pobre.
b) Em segundo lugar, o meu grande encontro com o tema, dá-se ao longo dos
estudos da Literatura cabo-verdiana e aí, passei a prestar atenção ao modo
como a Literatura nacional envolveu e transfigurou em palavra poética o
drama, a saga da partida para S. Tomé. Outrossim, o folclore cabo-verdiano
no seu todo, também se apossou do tema do Contratado, quando, para
exemplificar a música, através das mornas e das coladeiras o cantou de
forma plangente.
Para fechar o trabalho, acrescentarei que foi com muito entusiasmo da minha
parte que fiz este pequeno ―roteiro‖ através da poesia nacional sobre um
problema que à época foi registado em páginas de imensa e trágica poesia, pelos
maiores nomes da nossa escrita literária e que o abordaram em facetas várias,
através de textos reveladores da solidariedade dos Homens cultos da terra sobre
questão tão candente.
O contratado na poesia cabo-verdiana
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