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60 I éPOCA I 27 de janeiro de 2014 na Paula Iaconis vive trocando mensagens com seus amigos. Inaê Azevedo usa a internet para postar suas opiniões. Amanda La- pido gosta de ver e compartilhar fotos. A rotina das três meninas, todas de 13 anos, parece trivial, mas o mercado de tecnologia está de olho nelas. O motivo? Elas fazem tudo isso longe do Facebook, e seu comportamento ilustra uma ten- dência entre adolescentes. O principal motivo da mudança é a chegada dos adultos. “No começo, o Facebook era uma coisa nossa e de nossos amigos. De- pois, começou a entrar muita gente. Os pais querem participar de tudo”, diz Ana Paula. Para não interagir com os tiozões, os jovens começam a buscar refúgio noutros sites e aplicativos (leia o quadro na página 62).“Agora existem aplicativos muito melhores, como o Instagram e o WhatsApp”, afirma Amanda. O Face- book não foi completamente abandona- do, mas deixou de ter lugar de destaque na vida delas e passou a ser a segunda opção para conversar com amigos que ainda não aderiram à nova moda. “Uso o Facebook para falar com pessoas que não têm WhatsApp”, diz Inaê. O que é novidade para os adoles- centes brasileiros já se tornou objeto de estudo nos Estados Unidos. Segun- do uma pesquisa realizada pelo site iStrategy Labs, 3 milhões de jovens A americanos entre 13 e 17 anos aban- donaram o Facebook nos últimos três anos. O número corresponde a mais de 25% do total de usuários nessa fai- xa etária. Numa teleconferência em outubro, o executivo-chefe de finanças do Facebook, David Ebersman, reco- nheceu que adolescentes têm dedicado menos tempo ao site. Por enquanto, isso não afeta o de- sempenho da empresa: desde que o Facebook abriu seu capital, em maio de 2012, o valor de sua ação na Bolsa de Valores subiu de pouco mais de US$ 38 para pouco mais de US$ 58,51. Mas alguns pesquisadores acreditam que a saída dos adolescentes é apenas o início de uma debandada. Depois de entrevis- tar jovens de 16 a 18 anos, Daniel Miller, professor da University College Lon- don, publicou um estudo em que afir- ma que o Facebook está “morto e en- terrado” e que os adolescentes sentem vergonha de usar o site. Na semana passada, pesquisadores da Universidade Princeton, John Cannarella e Joshua Spechler, fizeram uma analogia entre redes sociais e epidemias para prever que, entre 2015 e 2017, 80% dos usuá- rios se tornarão “imunes” ao Facebook e abandonarão o site. O efeito seria de- vastador. Basta lembrar da desvaloriza- ção do MySpace, comprado por US$ 580 milhões pela NewsCorp em 2005, s FRONTEIRAS DIGITAIS Depois que seus pais (e até avós) aderiram à rede social, adolescentes de 13 a 17 começam a buscar outras alternativas para conversar e trocar fotos Elas largaram o Facebook Foto: Camila Fontana/ÉPOCA

Elas largaram o Facebook

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Texto publicado na Revista Época sobre o êxodo de jovens no Facebook.

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60 I época I 27 de janeiro de 2014

na Paula Iaconis vive trocandomensagens com seus amigos.Inaê Azevedo usa a internet

para postar suas opiniões. Amanda La-pido gosta de ver e compartilhar fotos.A rotina das três meninas, todas de 13anos, parece trivial, mas o mercado detecnologia está de olho nelas. O motivo?Elas fazem tudo isso longe do Facebook,e seu comportamento ilustra uma ten-dência entre adolescentes. O principalmotivo da mudança é a chegada dosadultos. “No começo, o Facebook erauma coisa nossa e de nossos amigos. De-pois, começou a entrar muita gente. Ospais querem participar de tudo”, diz AnaPaula. Para não interagir com os tiozões,os jovens começam a buscar refúgionoutros sites e aplicativos (leia o quadrona página 62).“Agora existem aplicativosmuito melhores, como o Instagram e oWhatsApp”, afirma Amanda. O Face-book não foi completamente abandona-do, mas deixou de ter lugar de destaquena vida delas e passou a ser a segundaopção para conversar com amigos queainda não aderiram à nova moda. “Usoo Facebook para falar com pessoas quenão têm WhatsApp”, diz Inaê.

O que é novidade para os adoles-centes brasileiros já se tornou objetode estudo nos Estados Unidos. Segun-do uma pesquisa realizada pelo siteiStrategy Labs, 3 milhões de jovens

a americanos entre 13 e 17 anos aban-donaram o Facebook nos últimos trêsanos. O número corresponde a maisde 25% do total de usuários nessa fai-xa etária. Numa teleconferência emoutubro, o executivo-chefe de finançasdo Facebook, David Ebersman, reco-nheceu que adolescentes têm dedicadomenos tempo ao site.

Por enquanto, isso não afeta o de-sempenho da empresa: desde que oFacebook abriu seu capital, em maio de2012, o valor de sua ação na Bolsa deValores subiu de pouco mais de US$ 38para pouco mais de US$ 58,51. Masalguns pesquisadores acreditam que asaída dos adolescentes é apenas o iníciode uma debandada. Depois de entrevis-tar jovens de 16 a 18 anos, Daniel Miller,professor da University College Lon-don, publicou um estudo em que afir-ma que o Facebook está “morto e en-terrado” e que os adolescentes sentemvergonha de usar o site. Na semanapassada, pesquisadores da UniversidadePrinceton, John Cannarella e JoshuaSpechler, fizeram uma analogia entreredes sociais e epidemias para preverque, entre 2015 e 2017, 80% dos usuá-rios se tornarão “imunes” ao Facebooke abandonarão o site. O efeito seria de-vastador. Basta lembrar da desvaloriza-ção do MySpace, comprado por US$580 milhões pela NewsCorp em 2005, s

fronteiras digitais

Depois que seus pais (e até avós) aderiram à redesocial, adolescentes de 13 a 17 começam a buscaroutras alternativas para conversar e trocar fotos

Elas largaramo Facebook

Foto: Camila Fontana/ÉPOCA

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27 de janeiro de 2014 I época I 61

conectadasda esquerda para

a direita: inaêazevedo, amanda

Lapido e ana Paulaiaconis, de 13 anos,

conversam pelocelular. elas

trocaram ofacebook por

outras redes

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62 I época I 27 de janeiro de 2014

fronteiras digitais

Para onde osadolescentes foramOs sites e aplicativos quefazem sucesso com a galera

É usado paramandar imagense vídeos quedesaparecemsegundos depoisde ser vistos

Snapchat2011

O aplicativode troca demensagens permitea criação degrupos e o envio deimagens e vídeos

WhatsApp2009

Comprada peloFacebook em 2012,a rede divulgafotos e vídeoscurtos enviadospelos usuários

Instagram2010

O aplicativopermite o enviode vídeos de atéseis segundos.Foi compradopelo Twitter

Vine2013

O site de perguntase respostas (àsvezes anônimas) émuito usado pelosfrequentadoresde rolezinhos

Ask.fm2010

O sistema de blog éusado para postartextos, imagens evídeos que podemser republicadospor outros usuários

Tumblr2007

quando era uma das maiores potênciasdo mercado digital, e vendido por US$35 milhões – menos de um décimo dovalor original – em 2011, quando amaioria de seus 125 milhões de usuá-rios já havia migrado para o Facebook.Seria a debandada atual dos adolescen-tes o primeiro sintoma do colapso damaior rede social do mundo?

Até entre os adolescentes há quemdiscorde dessa previsão. O sucesso dos“rolezinhos”, encontros de adolescen-tes nos shoppings da periferia de SãoPaulo, mostra que o Facebook aindatem o poder de mobilizar os jovens: osorganizadores dos eventos têm deze-nas de milhares de seguidores na redesocial e a usaram como principal fer-ramenta para convidar amigos para aalgazarra. “Os jovens estão usandooutras redes sociais também, mas nãonecessariamente abandonando o Face-book”, afirma Matheus Lucas Bernar-do, de 16 anos, que chamou seus 35mil seguidores para os rolezinhos. “Aspessoas usam o Instagram e o WhatsAppno celular e o Facebook no computa-dor”, diz Daniel Santos, também de 16anos, que usa o site para organizar en-contros com seus 88 mil “fãs”.

Mesmo se o êxodo dos adolescentesse confirmar, isso não será suficientepara afirmar que o Facebook está emapuros.“Esta faixa etária, dos 13 aos 17anos, não compra muito e nem é for-madora de opinião”, diz Elizabeth Saad,professora da USP especialista no mer-cado digital. “O Facebook ganha di-nheiro com publicidade, e o que inte-ressa é expor seus anúncios paraformadores de opinião e compradores.”Segundo ela, o desinteresse dos adoles-centes pelo site é algo natural no ciclode vida das redes sociais. “Esse públiconão permanece nos mesmos sites pormuito tempo. Prefere migrar para ou-tros ambientes e experimentar novida-des”, diz. A chegada em massa dos paisdesses jovens ao Facebook tornou amudança ainda mais difícil de evitar.“O jovem não consegue construir suaidentidade se frequentar os mesmosespaços que seus pais. Ele precisa se di-ferenciar”, afirma o psicólogo AurélioMelo, professor da Universidade Pres-biteriana Mackenzie. “Os pais, pelocontrário, sempre tentam frequentar os

mesmos lugares que os jovens, paracontrolá-los ou para se sentirem namoda.” Diante desse dilema, só restariaaos adolescentes a migração – por maisque o Facebook quisesse mantê-los.

A saída dos jovens até 17 anos podenão ferir o bolso de Mark Zuckerberg,fundador do Facebook, mas afetará aimagem do site. “Antes, estar no Face-book era visto como algo moderno elegal. Hoje, para os mais jovens, a redemais descolada é o Snapchat, por causada privacidade”, afirma Gil Giardelli,professor de inovação digital da EscolaSuperior de Propaganda e Marketing(ESPM). No Snapchat, imagens e vídeosdesaparecem segundos depois de servistos (leia ao lado). Zuckerberg diz queisso não é um problema. “Talvez a ele-tricidade fosse legal quando foi desco-berta, mas as pessoas logo pararam defalar dela porque deixou de ser nova”,disse ele, em setembro, numa entrevis-ta à revista americana The Atlantic. “Averdadeira pergunta que você precisafazer é: há menos pessoas acendendo aluz porque deixou de ser bacana?” Aanalogia parece exagerada. Por maispopular que o Facebook seja, está longede ser uma invenção tão revolucionáriaquanto a luz elétrica. Um raciocíniomais próximo da realidade seria com-parar o Facebook ao Windows, da Mi-crosoft, ou às patentes de tecnologia daIBM: produtos que rendem lucros bi-lionários até hoje, apesar de não seremvistos como algo “descolado”.

Outro fator que favorece o Facebookno longo prazo é o fato de os adoles-centes estarem migrando para diversasredes e aplicativos diferentes, e não paraum único serviço. Num mundo de ex-periências digitais cada vez mais frag-mentadas, dificilmente um concorren-te conseguirá igualar o tamanho doFacebook, com seu impressionante 1,19bilhão de usuários ativos. A diferençasignificativa de valor de mercado per-mite que o Facebook garanta seu futu-ro comprando possíveis ameaças. Umadas redes mais citadas pelas adolescen-tes, o Instagram, foi comprada peloFacebook por US$ 1 bilhão, em 2012.Com dinheiro no bolso, é muito maisfácil parecer bacana. u

Com reportagem de Felipe Germano

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