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ELKE BEATRIZ FELIX PENA Artigo e Ensaio Científicos: dois gêneros e uma só forma? Gêneros Textuais, Acontecimento e Memória Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2005

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ELKE BEATRIZ FELIX PENA

Artigo e Ensaio Científicos:

dois gêneros e uma só forma?

Gêneros Textuais, Acontecimento e Memória

Belo HorizonteFaculdade de Letras da UFMG

2005

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ELKE BEATRIZ FELIX PENA

Artigo e Ensaio Científicos:

dois gêneros e uma só forma?

Gêneros Textuais, Acontecimento e Memória

Dissertação apresentada ao Programade Pós-Graduação em EstudosLingüísticos da Faculdade de Letras daUniversidade Federal de Minas Gerais,como parte dos requisitos para aobtenção de título de Mestre emLingüística.

Área de Concentração: Lingüística

Linha de Pesquisa: Lingüística dos gêneros etipos textuais

Orientador: Prof. Dr. Luiz Francisco Dias

Belo HorizonteFaculdade de Letras da UFMG

2005

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À minha mãe pelo amor às Letras.

Ao meu pai pelo amor à vida.

Ao Psica pela poesia na vida e na ciência.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, Pai, Paulo, Lane, Kyvia, Pedro, Kalil e Lucas, pelo constante einfalível apoio.

Aos meus professores da UFOP pela sólida base.

À CAPES pelo financiamento da pesquisa.

Aos professores da POSLIN/UFMG pela atenção e colaboração.

À Rivânia, professora, colega e amiga, que despertou em mim, na graduação, ointeresse pela teoria e acompanhou este mestrado desde quando ele ainda era só umavontade.

Ao Sérgio Elias pelo incentivo e pela torcida.

Às amigas de sempre, Ana Elisa e Mel, pelas longas conversas sobre teorias eprojetos.

Aos novos e queridos amigos, Denise Araújo, Vanderlice, Willian Menezes, Cida daMata, Cláudia, Maria, Graça, Tatiana e Carla, pelas boas risadas e importantesdiscussões e indicações.

Ao Grupo de Estudos da Enunciação pelo enriquecimento e pelas descobertas.

Ao Luiz Francisco pela dedicação, pelo apoio e, principalmente, pela paciência ecompreensão.

Ao Psica, companheiro indiscutível, que acompanhou cada linha e entrelinha destapesquisa. Leu, releu, discutiu, sugeriu e teve paciência nos momentos em que preciseiexplodir durante o trabalho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 08

CAPÍTULO 1 – O TEXTO: ENUNCIAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DOS GÊNEROS. 17

1.1 De Gêneros a Corpus.......................................................................................... 181.2 A Heterogeneidade do Corpus............................................................................ 31

CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DOS GÊNEROS ARTIGOS E ENSAIOS......... 37

2.1 Metodologia........................................................................................................ 382.1.1 Periódicos........................................................................................................... 382.1.2 Artigos e Ensaios................................................................................................ 392.2 A Análise Comparativa....................................................................................... 412.2.1 Definições X Textos........................................................................................... 432.2.2 Normas e Apresentação X Textos...................................................................... 52

CAPÍTULO 3 – ARTIGOS, ENSAIOS E CIÊNCIA: A QUESTÃO DO NOME....... 64

3.1 Desdobramentos.................................................................................................. 65

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 78

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RESUMO

Este estudo discute questões relacionadas à categorização e,

conseqüentemente, à denominação de gêneros textuais. A

partir de uma análise comparativa entre artigos e ensaios

científicos, percebemos que as diferenças entre eles quase não

existiam e, em muitas situações, um era tomado pelo outro.

Reunimos algumas definições dos dois gêneros, textos

publicados em revistas científicas que são classificados como

artigos e ensaios científicos, as normas para publicação e as

apresentações destes periódicos. Como constatamos que as

categorias até então estudadas eram insuficientes para

definirmos alguns gêneros, procuramos demonstrar a

importância de se considerar o processo de denominação, tal

qual proposto por Eduardo Guimarães (2002), para a

caracterização de um gênero textual.

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ABSTRACT

This study discusses some issues related to categorizing and

consequently the naming of textual genres. From a

comparative analysis between articles and scientific essays,

we noticed that the differences between these two genres

were almost absent and, in many situations, one was taken

for the other. We gathered some definitions of these two

genres, texts published in scientific journals and classified

either as articles or scientific essays, the norms for

publication, and also the forewords from those periodicals.

As we noticed that the categories studied so far are not

enough to define certain genres, we try to show the

importance of the naming process for categorizing a textual

genre, as it was suggested by Eduardo Guimarães (2002).

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INTRODUÇÃO

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O que motiva a designação de artigo para alguns textos e ensaio para outros no âmbito

dos textos acadêmicos? A classificação do texto acadêmico é orientada pelas características

intrínsecas dos textos? A distinção do texto acadêmico em gêneros como ensaio ou artigo é

afetada pelo agenciamento ideológico do nome que o designa? Essas são perguntas cruciais

para o trabalho que aqui nos propusemos a desenvolver.

Esta investigação teve o seu início numa pesquisa que abrangia vários textos do

domínio discursivo científico. Os estudos sobre os textos dissertativos científicos divulgam

uma estrutura textual comum a todos os textos que são produzidos dentro do domínio

discursivo científico. Como nos diz Leibruder (2002, p. 229), o texto científico tem como

aspectos relevantes a objetividade e a impessoalidade. Esses aspectos são construídos pelos

produtores deste texto, especialistas que escrevem para especialistas, respeitando uma série de

convenções próprias ao jargão científico. Quanto a isso, Leibruder (2002, p. 230-231) diz:

O emprego de uma linguagem objetiva, concisa e formal, própria

da modalidade escrita da língua, constitui o pressuposto básico referente

à feitura de um artigo científico. O padrão lexical (nominalizações,

vocabulário técnico), e o emprego de verbos na 3ª pessoa do singular,

acrescidos da partícula se (índice de indeterminação do sujeito), ou na 1ª

pessoa do plural (sujeito universal), ocasionando o apagamento do

sujeito (...). A utilização de tais mecanismos, na medida em que afasta o

eu do discurso científico, camuflando quaisquer índices de subjetividade

nele existentes, objetiva, em última instância, atribuir-lhe um caráter de

neutralidade.

Esta visão do discurso totalmente objetivo da ciência vem de uma concepção em que o

cientista é somente um “porta voz da verdade”, como afirma Leibruder (2002, p.231). O

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cientista é aquele que assume a posição de “intermediário entre a natureza e o homem”. Desta

forma, julga-se não existir a presença do cientista como sujeito naquele trabalho, mas sim,

como quem tem a função de possibilitar “a descoberta de uma característica já intrínseca ao

objeto”.

Ainda nessa fase inicial do trabalho, reunimos vários textos científicos e, dentre todos,

dois chamaram a nossa atenção. Primeiro, uma tese de doutorado em Literatura em que tanto

a introdução quanto a conclusão eram narrativas que, a princípio, nada tinham a ver com uma

tese e sim com uma obra literária.

A referida tese objetivava fazer relações, a partir de textos de imigrantes, entre “a

expressão literária, a utopia nacionalista brasileira e a identidade cultural ambígua dos

autores”. Na introdução, o autor narra suas sensações ao se ver, depois de oito anos, na

rodoviária de Curitiba, sua cidade natal. Na conclusão, fala de seu retorno à Mariana, Minas

Gerais, onde vive. Seguem os dois trechos retirados do primeiro parágrafo da introdução e da

conclusão, respectivamente.

Após oito anos, tudo parece familiar e, ao mesmo tempo, diferente. A

rodoviária de Curitiba faz a síntese de dois dias de visita (...) Mas tudo é

novo, como se meus olhos vissem aquelas imagens pela primeira vez, ainda

que com a sensação de dejà vu. (...) Estilos, aspecto físico, vocabulário,

acentos lingüísticos se misturam babelicamente. O olho treinado, depois de

anos de pesquisa, pode perceber que ali há um pouco de cada grupo que

compõe esse mosaico chamado Paraná, ou talvez chamado Sul do Brasil. (

Comitti, 1993, p.12)

De volta a Mariana. O presente não me espera, está aqui, em cada

fresta existente nos casarões coloniais. O cenário é fantasmagórico. Da

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praça da Sé, observo o palco e os efeitos especiais tomando uma cerveja num

bar extremamente barulhento.( idem, p.191)

Procuramos o seu autor e comentamos a nossa surpresa, e ele justificou dizendo se

tratar de um “linguagem ensaística”.

O segundo trabalho, um relatório final para o PIBIC/CNPQ, era de um aluno do curso

de História. No trabalho, havia trechos que são pouco comuns em textos desta natureza, e a

impressão que tínhamos ao fazer a leitura é a de que não havia muito de “direto e objetivo”

em algumas passagens, havia poesia, como no excerto que fala sobre o casarão onde os

documentos (cartas pessoais do final do século XIX e início do XX) foram encontrados.

Os resultados visíveis produzidos pelas pessoas que ali passavam (ou

ainda transitam) se misturam, enlaçando o traço captado pela planta militar

setecentista, o branco da cal que substitui o interior de algumas igrejas

durante o final dos oitocentos e a parabólica estática, contemporânea,

apontada para o azul móvel. (Lima, 2001, p.04-05)

Mas esses elementos não aparecem somente em partes descritivas do texto. No embasamento

teórico do seu trabalho, o autor procura falar ao leitor sobre a metodologia que emprega.

O olhar investigativo sobre as cartas deve buscar o jogo dos

disfarces, plantar a sua flor em solo disforme, não condensado, onde

pequenos sinais podem ser suas melhores pistas neste redemoinho de

descaracterização e esquecimento que envolve os objetos, valores e sujeitos.

(Idem, p. 36)

Seria também uma “linguagem ensaística”?

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Deste modo, surgiu-nos a pergunta: este sujeito não se projeta nas convenções do texto

científico descritas por Leibruder? Ou seja, se pensarmos o cientista como autor, podemos

dizer que em seu texto haverá marcas de subjetividade que serão diferentes de outros textos,

também científicos. São textos que cumprem o seu objetivo de transmitir conhecimentos no

âmbito da ciência, que se constituem de provas, dados, conclusões, e que possuem a estrutura

da dissertação: introdução, desenvolvimento e conclusão. Porém, não podemos descartar as

especificidades da autoria, no momento de transformar o seu trabalho de pesquisa em texto(s).

No decorrer do estudo, analisando textos de revistas científicas, dialogando com

alunos e professores produtores destes textos, percebemos que dois gêneros muito presentes

nestes periódicos - o artigo e o ensaio - não tinham suas características (ou melhor dizendo,

suas diferenças) muito definidas. Alguns produtores destes textos justificavam o

aparecimento de uma linguagem mais “solta” ou mais “livre” em alguns artigos como sendo o

uso de uma linguagem “ensaística”.

O que é, então, um ensaio e o que o diferencia do artigo?

A partir deste momento, observamos que a definição do que seja um ensaio científico

não estava muito clara para as pessoas produtoras e leitoras destes textos. Observamos que os

limites entre os dois gêneros, ensaio e artigo científicos, eram muito tênues, sendo muitas

vezes um tomado pelo outro.

Na Revista Gragoatá1, na apresentação, as organizadoras dizem: “A proposta deste

número 10 da Revista Gragoatá consistiu em reunir artigos de especialistas brasileiros (...)”.

(p.05). Na página seguinte, apresenta os textos da revista como ensaios: “Assim, pela ordem

em que aparecem na Revista, encontram-se os ensaios de...” (p.06). No entanto, em meio a

todos os ensaios apresentados, há um texto classificado pelas próprias organizadoras e pela

autora como artigo, que aparece sem nenhuma apresentação à parte, e, logo após, são listados

1 Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras-UFF,n.10, 1 semestre 2001, p.1-216.

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outros ensaios do volume. Os dois gêneros aparecem em uma mesma listagem encabeçada

com o enunciado ‘ensaio’.

Um outro exemplo aparece na Revista Em Tese2 . Na apresentação, o editor explica:

Este volume de Em Tese traz artigos referentes às teses de

dissertações produzidas pelos mestres e doutores do Programa de Pós-

Graduação em Letras: Estudos Literários (...) (p.05)

Na página 10, temos o título ‘ensaio’, abrindo caminho para os dez textos que compõem a

revista.

Desta forma, pareceu-nos que ainda havia muito o que se discutir a respeito da

constituição destes dois gêneros, visando suas semelhanças, suas diferenças e seus pontos de

interseção, a fim de melhor caracterizá-los.

Se produzimos e definimos os gêneros de acordo com as situações comunicativas em

que nos inserimos, porque os dois gêneros em muitos casos não se diferenciam? Em revistas

brasileiras de publicação científica, encontramos algumas regras nas “Normas de publicação”

que definiam a diferença entre os dois gêneros. Porém, mais de uma vez, encontramos textos

no corpo da revista que iam de encontro a essas classificações. Havia uma distância entre o

que se falava sobre o gênero e o que era o gênero. Também de uma revista para outra, havia

muita diferença entre o que uma chamava de ensaio e artigo e o que a outra dizia sobre os

mesmos.

Esta “confusão” não é nova: Silveira (1992) já mencionava essa dificuldade na

classificação de textos chamados de ensaio.

2 Em Tese – Pos-Lit-UFMG, Ano 3, vol.3, dez, 1999, p.1-104.

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Constatou-se num primeiro exame que os escritores têm

dificuldades em caracterizar o tipo de texto. Por vezes, tanto no resumo,

quanto no texto-expandido tratam-no como “artigo”; por vezes, no

resumo referem-se a ele como “ensaio”, mas no texto-expandido, tratam-

no como ‘artigo”; por vezes, em nenhum momento designam o tipo de

texto. (p.1246)

Dessa forma, temos dois gêneros, com dois nomes diferentes e definições diversas

(que vai desde embasamento teórico até número de páginas) que muitas vezes, posso dizer até

na maioria das vezes, se misturam em um só.

Por essa dificuldade de definir tais gêneros, ao montarmos o nosso corpus, nos

preocupamos em reunir somente textos que traziam explicitamente no resumo a que gênero

textual “pertencem”, de acordo com o seu produtor. Decidimos também, por uma questão

metodológica, reunir textos de apenas uma área e optamos pelas Ciências Humanas e Sociais.

A maioria dos textos pertence à Lingüística e à Literatura.

Partimos de uma análise formal: observamos as normas de publicação de cada revista

e a apresentação e, após, as comparamos com a estrutura do texto em análise.

Numa segunda etapa, comparamos os textos com definições encontradas em manuais

de pesquisa e redação e analisamos as definições de cada gênero a partir de sua textualidade,

ou seja, como as definições foram construídas textualmente.

Procuramos investigar todos os tipos de material que nos falariam sobre estes dois

gêneros. Das leituras de ensaios e artigos científicos publicados, obtivemos as primeiras

dúvidas que nos fizeram ir à procura de outras fontes: tamanho, tema, suporte, linguagem,

estrutura. Não conseguíamos ver diferenças entre os textos classificados como ensaios e os

classificados como artigos.

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Os manuais trouxeram diferenças importantes, mas logo percebemos que não se

confirmavam na prática de produção destes gêneros. Nem mesmo as normas das revistas

onde os textos foram publicados esclareciam estas diferenças, pois elas além de não serem

muito claras, muitas vezes não utilizavam a palavra ensaio, apesar de possuir ensaios em seu

corpo.

Assim, surgiram as perguntas que abrem o nosso trabalho. Por que há gêneros tão

rígidos em suas características e outros tão “maleáveis” como nos pareceu o ensaio e o artigo

científicos? Essa questão, que nos remete às questões iniciais, não nos era respondida por

nenhum estudo que conhecíamos até então. Na estrutura destes gêneros, não estava a resposta,

nem mesmo na “situação social particular” em que são produzidas, uma vez que aparecem em

situações comunicativas muito semelhantes. Havia alguma outra instância que não

conseguíamos, de início, determinar. Para demonstrar o percurso que nos levou a algumas

respostas às questões que levantamos, dividimos nosso texto em três capítulos, além da

Introdução e das Considerações Finais.

No primeiro capítulo, fazemos uma revisão no conceito de gênero textual. Partindo do

trabalho de Dias, que insere nos estudos sobre Gêneros Textuais a Teoria da Enunciação,

demos voz a Rastier que nos traz a noção de corpus, deslocando a unidade da esfera do texto

para a do corpus de um gênero. Como todo gênero é construído por uma textualidade,

buscamos este conceito em Guimarães e Orlandi, que explicitam a relação estreita entre a

textualidade e a historicidade discursiva, nos levando a perceber que o corpus proposto por

Rastier pode ser heterogêneo e trazer lacunas que fazem com que um texto transite por mais

de um gênero. Para esta noção de lacunas no discurso, trazemos o conceito de equívoco de

Pêcheux. Como tudo isto - textos, discursos, gêneros, corpus - não está fora de uma

historicidade, que determina questões importantes para sua existência e permanência na

sociedade, buscamos em Le Goff o discurso como algo interpretável, em Rancière o espaço

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da ciência e da não-ciência e em Foucault a Ordem do Discurso que delimita o(s) poder(es)

que dão a um texto o estatuto que ele necessita para pertencer a esta ordem.

Este primeiro capítulo foi dividido em duas partes. Na primeira, falamos sobre a noção

de corpus de Rastier e das relações histórico-sociais importantes para o estudo do gênero. Na

segunda parte, falamos da heterogeneidade que existe em um corpus.

O segundo capítulo diz respeito à análise (ou análises) feita na pesquisa, com alguns

comentários que pretendem encaminhar o leitor à leitura do terceiro capítulo.

No terceiro capítulo, temos o que chamamos de desdobramentos da análise do capítulo

anterior. Ao analisarmos as definições e os textos que reunimos, se fez importante a presença

de dois outros estudos, além dos que já faziam parte da pesquisa: Orlandi, com um trabalho

sobre textualização e o conceito de pré-construído e Guimarães com “Semântica do

Acontecimento”, trazendo reflexões sobre a questão da denominação.

Fechando o trabalho, mas não finalizando os estudos sobre o tema, há o capítulo das

considerações finais que faz um apanhado geral da pesquisa e seus resultados.

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CAPÍTULO 1

O Texto: Enunciação e Constituição de Gêneros

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1.1- DE GÊNEROS A CORPUS

Os estudos sobre gêneros e tipos textuais muito se desenvolveram nos últimos anos,

desde o início da Lingüística Textual em que o foco de estudo deixou de ser a frase e passou a

ser o texto. Com isto, a partir de necessidades de ampliação do olhar do lingüista e do objeto

pesquisado, o texto, surgiram os estudos dos gêneros que caminharam para o que temos hoje:

uma Lingüística dos Gêneros e Tipos Textuais.

Faz-se necessário que explicitemos a abordagem de estudos de gênero mais utilizada

hoje no campo da Lingüística. De acordo com estes estudos, no momento da comunicação,

estamos lidando com uma série de textos que produzimos e que interpretamos a partir da

produção de um interlocutor. Somos, desta forma, sujeitos produtores e receptores de textos.

Estes textos produzidos pelos sujeitos da comunicação não são construídos

aleatoriamente, já que estes sujeitos ocupam um lugar no tempo e no espaço comunicativo.

Como pertencemos a uma sociedade que se localiza histórico e socialmente num espaço de

relações ocorridas entre/no(a) mundo-linguagem, estamos envolvidos nestes e envolvemos

estes fatores quando produzimos algum texto. Apesar de Orlandi tratar o histórico-social

diferentemente dos autores desta perspectiva lingüística, como discutiremos neste trabalho,

achamos que sua afirmação “não somos animais em interação (...) somos sujeitos vivendo

espaços histórico-sociais.” (2001, p.21) ilustra bem esta relação.

Desta forma, todo texto produzido está inserido em um contexto que vai muito além

do lingüístico, perpassando questões históricas e sociais. Estas produções inseridas num

contexto histórico social são denominadas gêneros textuais.

Marcuschi (2002, p.30), tecendo algumas observações sobre os gêneros textuais,

afirma:

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Os gêneros não são entidades naturais (...), mas são artefatos

culturais construídos historicamente pelo ser humano. Não podemos

defini-los mediante certas propriedades que lhes devam ser necessárias e

suficientes. Assim, um gênero pode não ter uma determinada propriedade

e ainda continuar sendo aquele gênero

Esta ‘plasticidade’ do gênero se deve à sua vinculação a situações comunicativas e não

somente a questões lingüísticas. De um gênero, outros podem surgir, alguns podem

desaparecer e outros podem ser modificados. Como exemplo, podemos citar os gêneros

surgidos com o advento da Internet: temos o e-mail que é uma mistura de outros gêneros

como carta, bilhete, telefonema. Mas ele não é nenhum deles, é uma nova composição surgida

de outros gêneros. Podemos dizer que os gêneros surgem ou se modificam a partir de uma

necessidade comunicativa.

É através da produção dos gêneros que nos comunicamos e produzimos sentido.

Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma

forma lingüística e sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos

específicos em situações sociais particulares. Pois como afirmou

Bronckart (1999:103), ‘a apropriação dos gêneros é um mecanismo

fundamental de socialização, de inserção práticas nas atividades

comunicativas humanas’, o que permite dizer que os gêneros textuais

operam, em certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já

que se situam numa relação sócio-histórica com fontes de produção que

lhes dão sustentação muito além da justificativa individual (idem, p.29)

Ainda de acordo com Marcuschi (2002), é importante a clareza em relação à diferença

entre tipos e gêneros textuais.

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Os tipos são construtos lingüísticos que respondem a um conjunto de categorias como

“aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal” (p.23). Formam um conjunto

finito e são denominados narração, argumentação, descrição, injunção e exposição. Estes

tipos são classificados de acordo com as seqüências lingüísticas que os compõem. Vale

lembrar que não existe um gênero constituído apenas por um tipo: numa narração podemos

encontrar seqüências de descrição e/ou argumentação, etc. Estamos, portanto, quando nos

referimos à classificação do tipo textual, trabalhando com predominância. Por exemplo, nos

gêneros que trabalharemos em nossa pesquisa – artigo e ensaio científicos – predomina o tipo

textual dissertativo, mas encontramos seqüências descritivas e narrativas nos mesmos.

Já os gêneros são “realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-

comunicativas” (p.23). A sua classificação depende de fatores como “canal, estilo, conteúdo,

composição e função” (p.23).

Ao contrário dos tipos, os gêneros formam um conjunto infinito. São inúmeros

gêneros existentes que se transformam, formando outros. E há outros inúmeros que surgem

ou desaparecem.

Em relação aos tipos e gêneros textuais, diz Marcuschi (2002):

(...) para a noção de tipo textual, predomina a identificação de

seqüências lingüísticas típicas como norteadoras; já para a noção de

gênero textual, predominam os critérios de ação prática, circulação

sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e

composicionalidade,(...). Importante é perceber que os gêneros não são

entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas

verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos

situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos

específicos. (p. 24-25)

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Uma vez dito que os gêneros textuais são produzidos dentro de determinada situação

histórico-social, precisamos também falar sobre as instâncias ou esferas onde estes gêneros

existem. Para isto, temos que lidar com a noção de domínio discursivo.

O domínio discursivo são “instâncias ou esferas de produção discursiva ou de

atividade humana” (p.23) nas/das quais surge um grupo de gêneros pertencentes a

determinado domínio.

Então, em cada domínio discursivo de uma sociedade, existem gêneros textuais

próprios daquela esfera comunicativa.

Para exemplificar e ilustrar o que falamos, vejamos como ficariam os textos do nosso

corpus dentro desta classificação:

Domínio discursivo (grandes esferas da atividade humana em que os textos

circulam): científico – instância em que são produzidos textos que têm o objetivo de

divulgar, apresentar, discutir, etc. questões relacionadas a atividades de pesquisa de áreas

da ciência. Os textos produzidos neste domínio geralmente circulam em periódicos

especializados de cada área da Ciência, destinados à comunidade acadêmica e científica.

Gêneros (construções sócio-históricas): artigo e ensaio científicos

Tipos (seqüências lingüísticas típicas): são textos que contêm

predominantemente em sua estrutura seqüências dissertativas, sendo chamados, então, de

dissertações.

O texto passa a receber o estatuto de unidade máxima da linguagem. Cada texto

produzido em uma situação específica pertence a um determinado gênero, que tem como sua

constituinte uma função social (Marcuschi, 2002).

Novos estudos continuam sendo desenvolvidos a fim de dar continuidade às

investigações em torno dos gêneros de textos. Um desses estudos, em que há um

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deslocamento do olhar do pesquisador, e esse é um dos motivos da sua importância, é o de

Dias (2004), que procura estabelecer relações entre gêneros textuais e modos de enunciação,

tendo como ponto de partida o trabalho de Rastier (1998).

Esse deslocamento nos permite projetar uma direção de trabalho

com os gêneros, constituída, de um lado, pela via dos princípios que

constituem a ordem do discurso e, de outro, pela via de uma semântica

do acontecimento. A primeira via nos permite levantar a seguinte

indagação: o que fundamenta o reconhecimento dos textos em gêneros?

Já pela segunda via, somos levados a perguntar o seguinte: como se dá a

relação de pertinência entre o texto e o “corpus”? (Dias, 2004, p.02)

É nessa perspectiva em que nos apoiamos teoricamente para o desenvolvimento da

presente pesquisa. Faremos, então, uma exposição das obras que serviram, de suporte para o

estudo dos gêneros ensaio e artigo científicos.

Segundo Rastier (1998), um “texto é o lugar de encontro entre o contexto e o

intertexto”. Aqui não podemos entender contexto somente como a situação de comunicação

em que determinado texto é produzido. Para o autor, o contexto é muito mais abrangente que

isto, ele não é determinado e constituído somente em um momento específico, e sim, em uma

relação entre textos e os discursos que lhes dão pertinência. O autor não desconsidera a

existência de um contexto intratextual, onde as relações dentro do texto se estabelecem, como

as anáforas e os dêiticos (Marcuschi,1999), mas dá principal importância à questão histórica

que envolve o conjunto de textos formadores de um mesmo gênero, a historicidade pertinente

do gênero. A este contexto, ele chamou de intertextual.

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l’écrit connaît une autre forme de contextualité, celle qui va de texte à

texte – et qui d’ailleurs n’est nullement inconnue de l’oral. L’écrit em

revanche peut n’être pás attaché à sa situation initiale, ou du moins s’en

éloigner pour gagner d’outres contextes. Ainsi, pour la problématique

rhétorique/herméneutique, le contexte est fait non seulement du hic et

nunc, mais aussi de ce qui n’est past là: il dèborde alors la situation.

(p.106)

Este contexto intertextual para nós é muito importante, pois é necessário para o

reconhecimento do gênero a que um texto pertence, sua relação com outros textos do mesmo

grupo, ou que apresentam uma normatividade, como explicita Rastier. Mas, antes de falarmos

da normatividade dos gêneros, gostaríamos de falar um pouco sobre o intertexto.

Para este autor, o intertexto seriam os aspectos comuns a todos os textos de um

determinado gênero, que evocamos quando produzimos outros textos do mesmo grupo.

À partir d’un texte, l’intertexte est ce par quoi l’on accède par

l’ensemble dês références (ou allusions) et plus généralement par

l’ensemble des connexions opérées par la lecture et que l’on peut appeler

l’anagnose.” (idem, p.108)

Ainda segundo Rastier (1998), as práticas de linguagem ganham estabilidade no

gênero. Esta estabilidade é efetivada pela normatividade que existe em cada gênero. É esta

normatividade, ou seja, as regularidades de cada gênero, é que nos fará perceber de que

gênero estamos tratando. Por isso, a importância do intertexto e do contexto acima descritos.

Todo gênero tem uma história, que forma seu corpus, nomenclatura dada por Rastier.

O corpus é constituído pelas regularidades do gênero. Dessa forma, fazer análise do gênero de

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um texto é fazer análise do seu corpus. Temos, de acordo com essa concepção, uma memória

discursiva da formação daquele gênero. Usamos neste trabalho o termo memória discursiva de

acordo com Pierre Achard (1999). Segundo este autor, há uma repetição, tomada por uma

regularidade, da estrutura do discursivo. Essa regularização dá à memória um estatuto social.

Apesar desta repetição e regularização dos discursos, a história não forma uma memória

autônoma, é necessário um texto atual que a busque. Desta forma, a enunciação é tomada

como “operações que regulam o encargo, quer dizer, a retomada e a circulação do discurso”

(Achard, 1999, p.17). Ainda segundo Achard, a memória nunca é fielmente reproduzida num

enunciado, sendo esse enunciado o ponto de partida para o entendimento de uma regularidade.

A memória discursiva seria, então, a força da regularidade destes elementos.

Retomando Rastier, o texto deixaria de ser uma unidade terminal, como considerado

até então por estudiosos da Lingüística de Gêneros, passando este estatuto para o corpus.

l’unité linguistique fondamentale (tant empirique que théorique) n’est pás

lês signe, ni même la phrase, mais le texte (oral fixé ou écrit), dont

l’analyse commande l’accès aux unités de rang inférieur. Cependant,

l’unité supérieure est le corpus. Comme il dépend évidemment de point de

vue qui a présidé à son recueil, la déontologie de sa constitution

conditionne la validité dês resultats de l’analyse linguistique. Les

méthodes contrastives de la linguistique de corpus permettent l’etude des

normes sémantiques particulières aux différents discours, et

complémentairement la contextualisation opérée par la sélection du

corpus permet l’iterprétation caractérisante, impossible sur le texte

isolé” (idem,p. 107)

Como nos exemplifica o autor, reconhecemos um romance a partir de outros

romances. A outra face dos romances são os outros romances já produzidos e que formam, na

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memória discursiva deste gênero, o seu corpus. A partir da normatividade do todo, ou seja, do

corpus, é que poderemos analisar um texto. Para identificarmos os artigos e os ensaios

científicos, temos que buscar neles as regularidades existentes em outros textos pertencentes à

sua historicidade, à sua memória discursiva, isto é, ao seu corpus.

Sabemos da existência de regras nas sociedades, que impõem critérios para o que

produzimos. O que produzimos como discurso sempre será afetado pelas regras advindas de

uma ordem maior.

Pensemos em outra área em que o texto também sirva como um objeto de análise: a

História.

Se recorrermos ao historiador Jacques Le Goff (1990), em seu texto

“Documento/monumento”, veremos como este autor define, dentro de uma nova perspectiva

de estudo da História, o que seria um texto como fonte para um pesquisador da área. O autor

demonstra que todo documento histório é construído pelo discurso, sendo, assim, afetado por

ideologias existentes em cada tempo, em cada sociedade. O documento não tem valor de

testemunho, é uma interpretação.

O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de

uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da

sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante

as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante os quais continuou

a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que

fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento, (para evocar a etimologia)

que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe

o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do

esforço das sociedades históricas para impor o futuro – voluntária ou

involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite, não

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existe um documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao

historiador não fazer o papel de ingênuo. (Le Goff, 1990. p. 547-548)

Temos, então, que pensar em algo que controle esta subjetividade que perpassa os

documentos para que as narrativas históricas não sejam desvinculadas do campo da ciência.

Jacques Rancière (1994), também historiador, discute a identidade da História. O que

nos interessa em seu estudo é que, ao fazer isto, observa as relações de subjetividade e

objetividade desta disciplina. Para este autor, o fato histórico não existe sem o acontecimento

de linguagem que envolve este fato, ou seja, há uma relação entre os nomes (personagens) da

história e o acontecimento em que estão envolvidos, que são as forças que produzem estes

nomes, as enunciações que sustentam o nome. As palavras seriam relacionadas aos nomes,

aos acontecimentos e à narrativa.

É necessária a “assinatura da ciência” para que uma narrativa deixe de ser “literatura”

e se transforme em História como ciência; seria, segundo Ranciére, a batalha da “não-

história” e da “história” Ao receber o estatuto de ciência o fato significa, podendo ser

considerado fato histórico.

O trabalho do historiador não é mais o de contar as revoluções

mas de as interpretar, de relacionar os acontecimentos e os discursos ao

que os funda e os explica. (...) Ele vai ver o que está por trás das

palavras. (p.40)

São as palavras falando sobre si mesmas, a reflexão sobre os personagens da história e

os acontecimentos. A construção do texto lhes permitem o estatuto da ciência. Por isso há o

que o autor chama de triplo contato nesta construção: científico, narrativo e político, que se

articulam dando espaço ao que pertence à não-história e à história. Esta “batalha” da “não-

história” com a “história” seria análoga à da não-ciência com a ciência.

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é ela (a tradição) também que, deslocando-se da polêmica política à

crítica científica, alimentará toda uma tradição do saber social: a que

incansavelmente convoca as palavras para lhes fazer confessar a

consistência ou inconsistência do que elas dizem, para denunciar em

particular a impropriedade, a homonímia ilusória das palavras pelas

quais os reis e as realezas são postas em processo, nas quais as

revoluções e os grandes movimentos da idade democrática se fazem e se

dizem. (p.30)

A subjetividade da história se cruza com a objetividade da mesma, criando uma rede

de espaços da ciência e da não-ciência. O espaço da ciência é afetado pela objetividade e o da

não-ciência pela subjetividade.

Considerando tanto Le Goff quanto Rancière, percebemos que há um “poder” que faz

com que um texto se desloque (e permaneça) do passado para o presente. Estes discursos da

História, os documentos, estão submetidos às “redes” do poder.

Os discursos passam por procedimentos de controle e delimitação, como nos mostra

Foucault, em “Ordem do discurso”. Nas sociedades, temos regras a seguir uma vez que até a

identidade do desejo do indivíduo é social.

Por tratar o documento histórico como objeto passível de afetações ideológicas,

podemos relacionar Le Goff a Foucault quando este demonstra as redes de poder em que os

sujeitos estão envolvidos no seu ambiente social.

Segundo Foucalt, os discursos “passam por procedimentos de controle e delimitação”

(Dias, 2004:02)

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suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo

tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo

número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e

perigos, dominar seu conhecimento aleatório, esquivar sua pesada e

temível materialidade” (Foucault,1996, p.8-9)

Isto se dá através de procedimentos de exclusão internos e externos.

Os procedimentos de exclusão externos são a interdição, a separação e rejeição e a

oposição entre verdadeiro e falso.

Em relação à interdição, o autor demonstra que as palavras não podem ser utilizadas

por qualquer pessoa. Não temos o direito de dizer o que queremos a qualquer momento e da

forma que desejamos. Há aqui uma relação entre ‘desejo e poder’: o discurso não só manifesta

o desejo, como também constrói o seu objeto de desejo.

Um outro princípio é o da separação e rejeição em que encontramos a oposição entre

razão e loucura. Foucault nos relata como a loucura foi segregada durante décadas e a não

legitimação dos recursos vindos das pessoas consideradas loucas.

Com isto, percebemos que há regras de circulação dos discursos em que há a aceitação

de alguns e a descrença em outros desses discursos.

O terceiro princípio é, segundo o autor, o mais abrangente, uma vez que os dois

primeiros estão relacionados a ele. Em todas as épocas, procurou-se estabelecer critérios para

determinar o verdadeiro e o falso em qualquer sociedade. Mas, o verdadeiro é também

construído de acordo com a vontade de verdade que permaneceu em todos os momentos da

história.

se levantarmos a questão de saber qual foi, qual é constantemente,

através de nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou

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tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o

tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo

como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente

constrangedor) que vemos desenhar-se.(idem, p.14)

A vontade de saber tem a ver tanto com um suporte institucional, quanto com o modo

como o saber existe em uma sociedade: sua valorização, sua distribuição e atribuição.

Como procedimentos internos de controle, Foucault determina os comentários, o autor

e as disciplinas.

O que o autor chama de comentários diz respeito às narrativas da sociedade que, ao

mesmo tempo que se repetem, se renovam no acontecimento. Os discursos são historicamente

construídos e há uma repetição de temas e de falares em uma sociedade. Mas ao se repetir

determinado tema, há uma modificação dentro da sua regularidade. É a continuação e

regularização dos discursos.

Ao falarmos sobre o segundo procedimento de controle interno, não podemos nos

esquecer que Foucault não trabalha com o autor empírico, aquele que assina. Apesar de não

desconsiderar este autor e de reconhecer seu papel em algumas sociedades, tratará do autor

referente a um conjunto de textos que se agrupam enquanto discursos de acordo com suas

significações, dando, assim, uma individualidade a esses discursos.

o autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e

origem de suas significações, como foco de sua coerência (idem, p.26)

Para controlar a produção dos discursos, tem-se o último procedimento deste grupo: as

disciplinas. Através da imposição de regras elas fixam os limites da produção do discurso.

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Numa outra direção, é percebida a delimitação dos discursos através do que Foucault

chamou de rarefação dos sujeitos que falam, ninguém entrará na “ordem do discurso” se não

seguir as regras ou se não for qualificado para fazê-lo.

O que irá definir a qualificação dos indivíduos que falam, para que ocupem posições e

produzam enunciados específicos é o ritual, que, segundo Foucault :

define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto

de signos que devem acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia

suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se

dirigem, os limites de seu valor de coerção.” (p.39)

Para Dias (2004), as questões relacionadas à ordem do discurso são importantes para a

sua primeira pergunta: “o que fundamenta o reconhecimento dos textos em gêneros?” que tem

a ver com a pergunta que colocamos no início do nosso texto , guia de nossa reflexão.

Os textos fazem parte de um agrupamento maior de textos afins que, para Rastier,

formam seu corpus. Corpus este que irá carregar regularidades de um determinado gênero.

Todos os textos são afetados por formações discursivas, que trazem, explícita ou

implicitamente, marcas não só textuais, como também ideológicas. Os gêneros que formam

um determinado corpus se constituem de regularidades, como já dissemos, e, nos remetendo a

Foucault, de uma atualização desta repetição: “O novo não está no que é dito, mas no

acontecimento de sua volta” (Foucault, 1996, p.26)

Desta forma, podemos dizer que o corpus de um gênero possui elementos de

renovação deste gênero em relação aos elementos referentes tanto à textualidade do gênero

quanto ao que podemos encontrar fora dela.

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O corpus, além de uma normatividade, comportaria também espécies de

reformulações, ou seja, textos classificados como pertencentes a um gênero específico não

seriam totalmente homogêneos na sua constituição.

Além da questão da heterogeneidade do corpus, podemos dizer que, se segundo

Foucault, os discursos obedecem a uma ordem, com todas as suas regras e determinações, os

gêneros, construções discursivas, não escapam a este controle.

Aqui já encaminhamos nossa discussão para dois pontos:

1º- Os gêneros artigo e ensaio científicos pertencem a corpus que não possuem

somente normatividades, como propõe Rastier. São corpus3 de formações heterogêneas.

2º- Segundo a nossa análise (capítulo 2), os dois gêneros demonstram regularidades

entre si e entre seus corpus , o que dificulta a classificação e separação dos mesmos. A

questão do lugar de ocupação destes dois gêneros não falaria mais alto do que sua estrutura

para a classificação dos mesmos?

Na segunda parte deste capítulo, trabalharemos com três autores que discutirão

questões importantes para nossa reflexão à respeito dessas “lacunas” encontradas nos corpus

de alguns gêneros.

1.2- A HETEROGENEIDADE DO CORPUS

Ao trabalharmos com Guimarães (1995), a primeira atitude que devemos ter é

explicitar como este autor trata a enunciação.

Para ele, enunciação deve ser vista como um acontecimento histórico, ou seja, “um

acontecimento de linguagem” afetado pelo “interdiscurso” que se manifesta como “um espaço

de memória do acontecimento”.

3 Optamos por grafar sempre esta palavra na forma singular “corpus”, apesar de sabermos que o plural seria“corpora” (latim).

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a língua funciona na medida em que um indivíduo ocupa uma posição de

sujeito no discurso, e isso, por si só, põe a língua em funcionamento, por

afeta-la pelo interdiscurso. A enunciação, deste modo, não diz respeito à

situação. E, por ser assim afetada pelo interdiscurso, a enunciação não é

homogênea, é uma dispersão que a relação com o interdiscurso produz.

(p.65)

Nesta perspectiva, Guimarães não considera o texto como uma entidade empírica, e

sim, uma categoria que, como tal, requer uma determinação conceitual específica para sua

configuração.

O interdiscurso, relações filiadas historicamente, se apresenta no texto como o recorte

de uma “posição enunciativa”. Para Guimarães, “o interdiscurso aparece como finitude no

acontecimento enunciativo em virtude das posições enunciativas aí configuradas.”(p.65) Tudo

isto se dá no acontecimento. Informatização de centros de informação.

Desta forma, a textualidade não estaria relacionada ao sujeito falante físico, mas à

posição-falante (Orlandi & Guimarães, 1984), que assume palavras pertencentes ao

interdiscurso, a fim de estabelecer uma unidade, ou melhor, um efeito de unidade necessário

para a constituição do texto.

Esta é a operação enunciativa fundamental para a textualidade:

construir como unidade o que é disperso; produzir a ilusão de um

presente sem memória. E por isso o texto está inapelavelmente aberto à

interpretação, que percorre as linhas da dispersão, da memória. (...) E o

texto, tal como a enunciação, não diz respeito à situação. A situação

como entidade empírica não organiza nada no texto.” (idem, p.65)

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O autor considera, então, as operações de textualidade e seus procedimentos

“processos da construção da ilusão de unidade”. Como exemplo, ele trabalha com o que

chama de “dois fundamentos próprios da textualidade”: coesão e consistência.

A coesão seriam as relações da ordem do intradiscurso, a seqüência textual. Já a

consistência pertence à ordem do interdiscurso. É a pertinência do discurso em relação à sua

memória discursiva.

O autor descarta a noção de coerência, pois a considera, do modo como vem sendo

tratada, uma relação cognitiva independente de sua historicidade.

A coesão e a consistência são procedimentos do presente do

acontecimento. São procedimentos postos em funcionamento como marca

da presença de uma posição de autor. São, então, processos que suturam

as distâncias, as diferentes posições próprias dos recortes

interdiscursivos de um texto. E nesta medida, a textualidade é um

contraponto ao interdiscurso.(idem, p.67)

Podemos dizer que a textualidade em Guimarães, constituída pela coesão e

consistência, seria a eficácia do texto ao seu gênero, isto é, a ‘sintonia’ dos seus elementos ao

seu corpus, buscando, aqui, o estudo de Rastier, mesmo sabendo que o primeiro autor não

trabalha com a noção de corpus.

Apesar deste ponto de interseção entre os dois autores, há uma questão importante em

Guimarães que, para nós, completaria as reflexões sobre corpus de Rastier: a heterogeneidade

do corpus de um gênero, uma vez que pertencem a uma memória discursiva que engloba um

efeito de ilusão da unidade, mas é constituída de lacunas.

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A coesão e a consistência são o lugar do presente como tempo da

ilusão de unidade. A memória é o tempo da dispersão, do heterogêneo,

do múltiplo. Mas não há presente sem memória. A memória é o

ancoradouro do presente. O heterogêneo, o disperso, o múltiplo habitam

a unidade, o homogêneo, e a unidade do corpo que fala se divide

(Guimarães, 1995, p.67)

Esta historicidade discursiva é tão importante para Guimarães quanto para Orlandi

(1996). A autora, em seu texto “Exterioridade e ideologia”, afirma que não há significação na

língua sem que haja história. Para ela, há uma relação indissociável entre o sujeito, a língua e

a interpretação no momento em que se anuncia algo.

Para que a língua signifique, há pois, a necessidade da história.

Isso nos leva a pensar o sentido como uma relação determinada do

sujeito com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa

relação do sujeito com a língua. Essa é a marca da subjetivação e, ao

mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade.” (p.28)

Marcado pela ideologia, considerada como “efeito da relação necessária do sujeito

com a língua e com a história, para que signifique” (p.28), o sujeito ocupa posições de sujeito

dentro da língua que levarão à subjetividade da mesma.

Orlandi considera que a memória discursiva, construída pelo ‘esquecimento’,

proporciona o sujeito a realizar o efeito de literalidade de que tanto necessita para a instituição

do sentido da língua.

Para ela, existe uma exterioridade discursiva, o interdiscurso, afetado por formações

ideológicas, que estabelece relações pertinentes que permitem que o sujeito construa “sua

realidade enquanto sistema de evidências e significações experimentadas” (p.31)

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Há, então, uma regularidade entre discursos que formam a memória dos mesmos.

Desta forma, podemos dizer que os gêneros textuais são constituídos desta memória, pois são

formações discursivas, constituídos por sua historicidade.

Mais uma vez, confirma-se, a nosso ver, a visão de corpus de Rastier, mas também

aqui, há uma definição de língua que nos leva a mais uma vez questionar a homogeneidade do

corpus proposto por ele.

Segundo Orlandi:

Ao invés da plenitude (fechamento) do sistema abstrato, a língua

é tomada aqui em sua forma material, enquanto ordem significante,

capaz de equívoco, de deslize, de falha (p. 29)

Deste modo, existe, sim, uma normatização necessária para a caracterização dos

gêneros e o reconhecimento do seu corpus, mas tanto Guimarães como Orlandi contribuem

nesta discussão em relação às possíveis lacunas que encontramos nesta repetição.

Sabemos que na língua não há regras, mas regularidades, desta forma, o que determina

os gêneros textuais não são formas únicas, fechadas e heterogêneas.

Ao buscarmos a memória de um gênero, não só repetimos como também atualizamos

suas marcas. Não podemos nos esquecer que o que vai determinar o recorte do interdiscurso é

a posição enunciativa em relação ao acontecimento, segundo Guimarães.

Fica impossível pensar que o corpus de um determinado gênero não possa trazer

“equívocos” (Pêcheux, 2002) em algumas de suas apresentações.

Para este autor, há diferentes modos de dizer o que se diz. Os enunciados podem

remeter ao mesmo fato, mas não constroem as mesmas significações, que são construídas no

acontecimento. Os enunciados são passíveis de interpretações e precisam de formulações para

significar. Aí se apresenta a equivocidade do discurso.

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As proposições do sujeito falante são atravessadas por uma série de equívocos,

transformando o que aparentemente seria homogêneo em heterogêneo. Esta heterogeneidade

discursiva é própria deste sujeito falante, é “o espaço de necessidade equívoca”. (p.33).

Há dois espaços que atravessam o discurso: um de significações estabilizadas,

normatizadas, e o outro de transformações de sentidos, de lacunas a serem preenchidas

sempre.

Todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro,

diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para

derivar para um outro (...). Todo enunciado, toda seqüência de

enunciados é, pois, lingüisticamente descritível como uma série (léxico-

sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo

lugar a interpretação. ( Pêcheux, 2002, p.53)

Em decorrência a essas mudanças é que se estabelecem as filiações históricas

organizadas em memórias e as relações sociais em redes de significado, como afirma

Pêcheux.

O enunciado é repleto de lacunas, os equívocos, que devem ser preenchidos pelas

relações de memória, que são sócio-históricas. É próprio do discurso se atualizar “só por sua

existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação”

(p.56).

Temos que considerar que há gêneros mais e menos propensos a estes equívocos. O

que queremos dizer é que gêneros, como o requerimento, se mostram mais estruturalmente

fechados para a atualização enunciativa. Já gêneros marcados por subjetividade estão abertos

a uma diversidade maior do uso destas regularidades.

O que discutimos até o momento será retomado no próximo capítulo ao fazermos

nossa análise.

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CAPÍTULO 2

A Construção dos Gêneros Artigo e Ensaio

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2.1- METODOLOGIA

A nossa pesquisa foi realizada em quatro etapas:

Levantamento referente à definição de artigo e ensaio científicos em manuais

de pesquisa e produção de textos e em textos científicos;

Seleção de periódicos científicos da área determinada e seleção dos textos que

comporiam o corpus de análise;

Análise das normas de publicação e da apresentação dos textos de cada

periódico;

Análise comparativa em duas etapas:

1. comparação entre as definições encontradas e os textos empíricos

2. comparação entre as normas de publicação e a apresentação dos textos

e os textos de cada um dos periódicos utilizados.

2.1.1 – PERIÓDICOS

Em meio a tantos periódicos das áreas, nos propusemos a trabalhar com aqueles que

tinham um reconhecimento nacional ou que fossem importantes para a instituição em que

realizamos a pesquisa. Também tivemos a preocupação de trabalhar com revistas de

instituições diferentes para que houvesse uma maior diversidade de temas e estilos nos textos

analisados. Foram então selecionadas as seguintes revistas:

ALFA (UNESP)

DELTA (PUC)

EM TESE (UFMG)

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ESTUDOS FEMINISTAS (UFSC)

GRAGOATÁ (UFF)

De cada uma destas revistas foram selecionados os seguintes textos:

REVISTAS NORMAS APRESENTAÇÃO ARTIGO ENSAIOAlfa Normas para

apresentaçãode originais

Apresentação 2 1

DELTA Políticaeditorial enormas

Apresentação 1 0

EmTese Não há normas Apresentação 1 3EstudosFeministas

Normas paraapresentaçãodecolaborações

Editorial 1 1

Gragoatá Normas deapresentaçãode trabalhos

Apresentação 2 2

2.1.2- ARTIGOS E ENSAIOS

Nesta etapa tínhamos de decidir critérios para a seleção dos textos que seriam

utilizados em nossa análise. Ao mesmo tempo tínhamos a preocupação de não restringir

muito as características dos exemplares da análise, uma vez que o número (07 ensaios e 07

artigos) já era bem reduzido, mas suficiente para o nosso objetivo dentro do tempo de

pesquisa que tínhamos (os dois anos do Mestrado). Desta forma, optamos, desde o primeiro

momento, por textos que já tinham sido publicados, pois entendemos ser uma forma de

confirmação do texto como aceito dentro do seu domínio (Marcuschi, 2002) e pertinente ao

seu corpus (Rastier, 1998). Uma outra exigência é a de que no texto, resumido ou expandido,

tivesse explícito o nome do gênero a que pertencia o mesmo, ou seja, para nós é

extremamente importante ter a classificação do gênero feita pelo seu autor. Muitas vezes o

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autor não classificava seu texto da mesma forma que a revista o denominava, tanto que

encontramos nas revistas pesquisadas artigos na seção de ensaios e vice-versa.

Foram, assim, selecionados os seguintes textos. Respeitamos aqui a classificação

(ensaio/artigo) dada pelos seus autores.

ARTIGOS

1. ALVES, Ida Maria Ferreira. Diálogos e confrontos na poesia portuguesa pós-60.

Gragoatá, UFF, n.12, p.179-195, 2002.

2. CARVALHO, Ana Cecília. A poética do suicídio em Sylvia Plath. Em Tese, UFMG,

v.45, p.21-29, 1999.

3. CARVALHO, Maria Pinto de, Mau aluno, boa aluna? Como professores analisam

meninos e meninas, Estudos Feministas, UFSC,v. 9, n. 6, p.554-574, 2001.

4. FARACO, Carlos Alberto. Empréstimos de neologismos: uma breve visita histórica.

Alfa, UNESP, v.45, p.131-149, 2001.

5. KOCH, Ingedore G. Villaça. Lingüística Textual: quo vadis?, D.E.L.T.A.,

UNICAMP, v.16, p. 11-23, 2001.

6. MORICONI, Ítalo. Horizontes formativos, lugares de fala: Antonio Cândido e a

pedagogia do poema. Gragoatá, UFF, n. 12. p. 47-62, 2002

7. SILVA, Rosa Virgínia Matos. Reconfigurações socioculturais e lingüísticas no

Portugal de quinhentos em comparação com o período arcaico, Alfa, UNESP, v.45,

p.33-47, 2001.

ENSAIOS

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1. ALEXANDRE, Marcos Antônio. A diferença entre o texto dramático e o texto

espetacular em seis obras apresentadas em Belo Horizonte entre os anos 1994 e 1998,

Em Tese, UFMG, v. 4, p.11-20, 1999.

2. BLAY, Eva Alterman. 8 de março: conquistas e controvérsias. Estudos Feministas,

UFSC, v.9, n 2, p. 601-607, 2001.

3. CAVALIERE, Ricardo. Uma proposta de periodização dos Estudos Lingüísticos no

Brasil, Alfa, UNESP, v. 45, p.49-69, 2001.

4. GONÇALVES, Aguinaldo José. Stéphane Marllamé, Paul Valéry: um pensamento

abstrato, Gragoatá, UFF, n.12, p. 63-74, 2002.

5. MARQUES, Ângela Maria Salgueiro. O sublime na poesia de Alphonsus de

Guimaraens, Em Tese, UFMG, v.4, p.59-66, 1999.

6. SÜSSEKIND, Flora. Coro a um – notas sobre a “cançãonoturnadabaleia”. Gragoatá,

UFF, n. 12, p. 23-46, 2002.

7. VALESKA, Olga. Miragem de olhares: a presença perturbadora do “outro”, Em Tese,

UFMG, v. 4, . p.87-95, 1999.

2.2- A ANÁLISE COMPARATIVA

Retomaremos o quadro teórico de Marcuschi (2001), já descrito no primeiro capítulo

deste trabalho. Os estudos deste autor foram e são muito importantes para as pesquisas sobre

gêneros textuais. Sabemos de estudos anteriores, como os de Bakhtin a quem o próprio

Marcuschi se refere inúmeras vezes, mas começaremos deste autor que foi nosso primeiro

ponto de referência para a pesquisa.

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Segundo este autor, gêneros textuais são realizações lingüísticas concretas definidas

por propriedades sócio-comunicativas, que constituem textos empiricamente realizados

cumprindo funções em situações comunicativas.

Para ele, a nomeação de um gênero abrange um conjunto aberto e ilimitado de

designações concretas determinadas por:

Canal

Estilo

Conteúdo

Composição

Função

No entanto, percebemos que eles não conseguiram responder as nossas perguntas

iniciais, levando em consideração o nosso material de análise: artigos e ensaios científicos.

Em relação à função numa situação comunicativa, não percebemos, ao analisar os

periódicos, características que pudessem determinar uma diferença entre os dois gêneros.

Também em relação às cinco categorias acima, propostas por Marcuschi, não

conseguimos definir diferenças significantes entre os artigos e os ensaios.

Canal: ambos são encontrados em periódicos científicos destinados ao público

acadêmico de áreas específicas.

Estilo: não se tratando de estilo pessoal, mas do estilo geral dos textos

científicos, não encontramos muitas diferenças entre os dois gêneros.

Conteúdo: é sempre constituído por questões relacionadas às pesquisas

científicas, seus resultados ou questionamentos tanto nos artigos, quanto nos

ensaios.

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Composição: os dois gêneros possuem uma mesma estrutura: a do texto

predominantemente dissertativo – Resumo / introdução / desenvolvimento /

conclusão / referências bibliográficas

Função: apesar dos manuais dizerem o contrário, observamos que os dois

gêneros têm a mesma função: a de informar e/ou discutir questões referentes

ao universo científico.

Os dois gêneros na prática de sua produção são muito semelhantes. Por que, então,

receberiam designações diferentes? Por que são diferenciados nos manuais e em cursos de

produção de textos?

As categorias constituídas por Marcuschi definitivamente não são suficientes para a

caracterização e designação dos artigos e ensaios publicados em periódicos das áreas de

Letras e Ciências Sociais.

2.2.1- DEFINIÇÕES X TEXTOS

Não foi muito fácil encontrar definições sobre ensaio científico. Nos manuais, tanto

antigos quanto atuais, os gêneros tratados mais comumente são

o artigo, encontrado em todos os livros. Desta forma, pareceu-

nos o gênero escrito que mais representa o domínio científico;

a resenha

o resumo

Em decorrência destes fatores, escolhemos quatro definições: uma que apresenta os

dois gêneros, duas que se referem somente ao ensaio e a quarta que se refere ao artigo.

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A opção por estas três últimas se deve, no primeiro caso, ao fato da autora em questão

ser uma pesquisadora que se dedicou ao estudo dos ensaios na década de noventa. Já em

relação à França (1998), como é um manual de normas para publicações muito consultado,

achamos ser interessante trabalhar com sua definição, que, segundo a autora, se baseou na

ABNT para formulação de seu livro.

A) SEVERINO (1986)

ENSAIO - “o ensaio científico é um estudo bem desenvolvido, formal, discursivo e

concludente que consiste em exposição lógica e reflexiva e em

argumentação rigorosa com alto nível da interpretação e julgamento do

autor; no ensaio, este tem maior liberdade para defender determinada

posição pois não precisa de se apoiar no rigoroso aparato de

documentação empírica e bibliográfica como é feito em outros

trabalhos científicos.” (citado por SILVEIRA, 1992, p.1245)

Notem que apesar de não precisar se apoiar no rigoroso aparato de documentação

empírica e bibliográfica, o autor do ensaio científico tem que produzir um estudo formal,

bem desenvolvido, discursivo e que chegue a algum resultado. O rigor empírico e

bibliográfico que o diferencia dos outros trabalhos científicos, lhe é devolvido nos adjetivos

que determinam o tipo de exposição e argumentação que configuram o ensaio.

B) SILVEIRA (1992)

ENSAIO – “O ensaio científico de interpretação avaliativa formaliza situação

discursiva marcada pela visão subjetiva do escritor cientista. Avaliar é

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um processo de descoberta, que não está diretamente relacionada ao

empírico, mas com a reflexão. (...) Para tanto, o escritor cientista tem de

falar sobre o que está avaliando, o que exige palavras em vez de imagens

dando ao ensaio um caráter exclusivamente verbal, podem ser

necessárias muitas exposições para se argumentar sobre os aspectos

‘bons e maus’. Este julgamento de mérito serve tanto para tomadas de

decisões, quanto para controle de procedimentos e conseqüências,

embora o ‘saber avaliativo’ transmitido pelo ensaísta não seja

finalizador: ao contrário propicia novas discussões, debates a partir de

outra perspectiva.

(...) poderia ser definido pelas categorias textuais: Sumário,

Apresentação, Avaliação, Exposição e finalização”

Para esta autora, nos ensaios “não há bibliografia, somente notas e referências”.

(SILVEIRA, 1992, p.1246– 1252 passim)

Já na primeira frase deste texto, podemos ver que a autora ao mesmo tempo em que

dá ao ensaio características que o afastaria dos gêneros científicos, o traz de volta para este

campo, justapondo a estas definições palavras que pertencem ao campo do ciência. O ensaio

é interpretativo (não científico), mas é também avaliativo (científico); é um gênero marcado

pela visão subjetiva (não-ciência) do autor, mas este autor é um escritor cientista (ciência).

C) MEDEIROS (1996)

ARTIGO - “O artigo científico trata de problemas científicos, embora de extensão

relativamente pequena. Apresenta o resultado de estudos e pesquisas. E,

em geral, é publicada em revistas, jornais ou outro periódico

especializado.

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Estruturalmente são compostos de: título do trabalho, autor, credenciais

do autor, locais das atividades; sinopse; corpo do artigo (introdução,

desenvolvimento e conclusão); parte referencial (bibliografia, apêndice,

anexos, agradecimentos, data).

Quanto ao conteúdo, em geral os artigos científicos apresentam

abordagens atuais, às vezes temas novos. Devem versar sobre um estudo

pessoal, uma descoberta.

O conteúdo de um artigo científico pode ser muito variado, como, por

exemplo, discorrer sobre um estudo pessoal, oferecer posições

controvertidas.” (MEDEIROS, 1996, p. 111-2)

Podemos dizer que, de acordo com Medeiros, duas características definem o artigo: 1-

é um trabalho científico e pessoal (uma descoberta) e; 2- possui uma estrutura textual

ENSAIO – “É uma exposição metódica dos estudos realizados e das conclusões

originais a que se chegou após apurado exame do assunto.

Massaud Moisés apresenta duas ramificações do ensaio: o informal e o

formal. O informal (...) marcado pela liberdade criadora e pela emoção.

O ensaio formal caracteriza-se pela seriedade dos objetivos e pela

lógica do texto. (...) outras características do ensaio formal: brevidade,

serenidade (deixa de lado a polêmica e o tom enfático), uso da primeira

pessoa. Além disso, o ensaio é problematizador, antidogmático e nele

devem sobressair o espírito crítico do autor e a originalidade.” (Ibidem,

p. 112)

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O ensaio não é descrito só como um trabalho científico, como acontece na definição

de artigo. A cientificidade do gênero ensaio é marcada pelas palavras que determinam o tipo

de exposição (metódica) que é feita no texto e o tipo de conclusão (original) a que se chega

num exame que deve ser “apurado”. O rigor científico também é demonstrado no uso das

palavras “seriedade”, “lógica” e “serenidade”. O autor do ensaio pode e deve ser original,

mas antes, e, principalmente, precisa ter espírito crítico.

D) FRANÇA (1998)

ARTIGO – “O artigo de publicação periódica obedece a uma estrutura básica

,própria, assim descrita:-Cabeçalho; - Resumo (na língua do texto); -

Texto; - Introdução; Reviso de literatura; Desenvolvimento: Material e

Métodos, Resultados e Discussão; - Conclusão; - Resumo em outros

idiomas; - Agradecimentos; - Anexos e/ou apêndices; - Referências

Bibliográficas.” (LESSA, 1998, p. 55). A autora diz que “os elementos

apresentados em negrito caracterizam-se como essenciais à

publicação.” ( Idem , p. 55)

Mais uma vez, o artigo científico aparece definido pela sua estrutura, ou forma.

Primeiramente, podemos observar elementos relacionados a uma comparação entre as

definições dos autores e os textos recolhidos.

Uma questão que nos chamou atenção tanto em Silveira, quanto em Severino foi o

fato de dizerem que no ensaio não há a preocupação de se apoiar com rigor “em

documentação empírica ou bibliográfica” por causa da liberdade de avaliação do ensaísta.

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Todos os ensaios analisados possuem referências, fontes e referências bibliográficas. Alguns

possuem até notas de rodapé. No ensaio de Valeska (1999), temos exemplos de várias

referências, que começam no resumo do texto:

Esse ensaio faz uma reflexão sobre o lugar da produção literária

latino-americana na atualidade, a partir do conceito de ‘outridade’ de

Octavio paz, da idéia de ‘polifonia’ de Bakhtin e da imagem do

‘narrador’ de W. Benjamin (Valeska, 1999, p. 87)

Apesar de Medeiros classificar a extensão do artigo como “relativamente pequena”,

encontramos artigos de vários tamanhos. Por exemplo, o artigo de Faraco (2001) possui

dezessete páginas, o que consideramos, em se tratando de publicações do gênero, um texto

relativamente grande. Apesar de algumas revistas determinarem que o ensaio é um texto de

tamanho menor, foram encontrados ensaios grandes, como o de Süssekind (2002) com vinte

e quatro páginas e artigos curtos como o de Carvalho (1999) com um total de nove páginas.

Ainda segundo Medeiros, há a definição dos assuntos tratados em cada um dos

gêneros. Observando o gênero artigo, o autor diz que o mesmo “apresenta resultados de

estudos e pesquisa”. Concordamos, mas os ensaios científicos, publicados em revistas

científicas, também. E o próprio autor confirma isto quando fala do ensaio. A já citada revista

Em Tese publica somente trabalhos referentes às teses e dissertações de alunos dos cursos de

mestrado e doutorado da UFMG. Isto é resultado de pesquisa e a maioria dos autores da

revista classifica seus textos como ensaios.

Em relação à classificação dos ensaios como formais e informais, nos interessa o que

considera um ensaio formal, pois nos parece que é o que se refere ao ensaio científico.

Medeiros e França apresentam estruturas para o artigo científico que muito se

assemelham. Em relação ao primeiro, não foi encontrado em nenhum artigo do nosso corpus

os itens agradecimentos e data. Já os outros itens foram encontrados tanto em artigos quanto

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em ensaios. Tanto em um gênero quanto no outro, foram identificadas algumas variações em

relação a essa estrutura (ou categorias textuais, segundo Silveira), principalmente seqüenciais

e de abordagem de cada tópico, o que é comum, pois temos vários sujeitos produtores dos

textos. Essa estrutura é própria dos textos dissertativos e/ou argumentativo, portanto serve

para os dois gêneros, já que pertencem à mesma tipologia textual.4

Apesar de Silveira dizer que em ensaios não há bibliografias, somente “notas e

referências”, verificamos que os artigos atuais também apresentam somente a referência

bibliográfica.

Medeiros aponta a questão do uso da primeira pessoa em ensaios. Também

identificamos o uso tanto da primeira pessoa do singular, quanto do plural em ambos os

gêneros. No artigo de Silva (2001) há o emprego da primeira pessoa do singular em todo o

texto.

Tenho como objetivo aqui traçar de maneira sintética algumas

reconfigurações socioculturais e lingüísticas que se implementam no

Portugal de quinhentos, ou seja, o século XVI,” (Silva, 2001, p. 33)

Um último ponto que iremos abordar aqui é o caráter não finalizador do ensaio.

Silveira afirma que este gênero “propicia novas discussões, debates a partir de outra

perspectiva”. Esta não é uma característica do discurso científico como um todo? Qual

“saber” é finalizador?

Como exemplos, vejamos o artigo de Faraco (2001) em que conclui da seguinte

forma:

4 Adotamos tipo textual de acordo com Marcuschi (2002)

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Como se pôde observar, o tema dos empréstimos não é simples e

tampouco pode ser discutido apenas numa perspectiva lingüística.

Trata-se de um fenômeno em que se entrecruzam, de forma bastante

intricada, questões de língua e questões políticas e de valores bastante

complexas. Se as análises dos lingüistas já alcançaram destrinçar com

clareza esse fenômeno como fato de língua, permanece o desafio de

enfrentar criticamente suas dimensões políticas e de valores, para o que

é indispensável uma interlocução de pesquisadores de várias áreas,

entre as quais a antropologia, a sociologia e a psicologia social

(Faraco, 2001, p. 146)

e a conclusão do ensaio de Marques (1999):

Na obra do poeta Alphonsus de Guimaraes, o ‘termo conhecido’

é constituídos pelos poemas, e o outro, o ‘termo oculto’, é sempre o

mesmo: a morte. Como fio condutor, ela percorre a maioria de seus

versos, feitos de uma tessitura coerente, unificada, repetitiva e urgida ao

longo de trinta e dois anos. A morte, portanto, é fator estruturante

fundamental na obra deste poeta que se autodenomina ‘poeta da morte’:

ele extrai de seu tinteiro com a ‘A cabeça de corvo’(título de um dos seus

poemas) a negra tinta, com a qual tenta, mas não consegue, dominar a

thanatos. (Marques, 1999, p. 65)

Em qual das duas finalizações há uma avaliação com uma abertura maior para

discussões acerca do tema? Parece-nos que no primeiro caso, em que o autor apenas propõe

uma nova frente de trabalho em relação às suas reflexões. No ensaio a autora conclui de

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forma muito mais assertiva sem levantar questões a respeito. Logicamente que todo estudo

está aberto a uma nova perspectiva, como já dissemos.

Buscar estas definições dos dois gêneros nos trouxe dados interessantes apesar de não

reconhecermos na prática de produção dos textos pertencentes ao corpus as características

expostas como comentamos acima.

Desta forma, podemos dizer que a diferença entre os gêneros não se encontra somente

em sua estrutura, ou em relação ao tema abordado, pois há casos em que as características

ocorrem nos dois gêneros. Também, como podemos perceber, as definições são muito

diversas, indo desde tamanho do texto até a posição do autor perante o tema tratado.

Podemos, então, pensar que constituem um só gênero, isto é, se aglutinam em um só

corpus? O que, então, justificaria a diferenciação entre os dois? Qual o fundamento da

diferença da designação?

Focando nosso olhar não mais na comparação entre as definições e os textos,

percebemos que na constituição das definições poderíamos obter muitos dados que nos

interessam.

Orlandi (2001) nos diz que os processos de produção do discurso possuem três

momentos: sua constituição, sua formulação e sua circulação.

A constituição do discurso diz respeito à memória do mesmo; a formulação seria a

“condição de produção e circunstância da enunciação específicas” (p.09); e, por último, a

circulação que se refere às condições em que este discurso circula, em qualquer contexto.

Observamos que as definições de artigo visam muito sua estrutura. O artigo científico

é definido por uma estrutura textual que o gênero deve seguir. Temos a confirmação disto em

Medeiros e França. Os dois autores apóiam sua definição do gênero na estrutura do mesmo:

tamanho, “título do trabalho, autor, credenciais do autor, locais das atividades; sinopse; corpo

do artigo (introdução, desenvolvimento e conclusão); parte referencial (bibliografia,

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apêndice, anexos, agradecimentos, data).” em Medeiros e “Cabeçalho; - Resumo (na língua

do texto); - Texto; - Introdução; Reviso de literatura; Desenvolvimento: Material e Métodos,

Resultados e Discussão; - Conclusão; - Resumo em outros idiomas; - Agradecimentos; -

Anexos e/ou apêndices; - Referências Bibliográficas” em Lessa. Podemos dizer que as

definições de artigo científico são mais descritivas.

Ao definir o ensaio científico, os autores já não mais trabalham só com a forma destes

textos mas com o conteúdo dos mesmos, enfatizando suas características em relação a isto.

Há várias expressões como: “alto nível da interpretação e julgamento do autor” (Severino);

“interpretação avaliativa”, “visão subjetiva do escritor cientista”, “saber avaliativo”

(Silveira); “apurado exame do assunto”, “seriedade dos objetivos e pela lógica do texto”,

“espírito crítico do autor” (Medeiros), em que encontramos uma sobreposição na instância

dos adjetivos. Um adjetivo ou uma expressão que valha como tal está a todo momento

definindo o substantivo, como querendo reafirmar a sua especificidade; não há só um “exame

do assunto” em um ensaio, mas um “apurado exame”. O que dá ao termo exame uma

‘seriedade’ muito maior.

Há nestas definições não só uma descrição do que seja o gênero ensaio científico,

como acontece com o artigo, mas também o que podemos chamar de um ‘juízo de valor’

referente às características explicitadas.

Concordamos com Orlandi (2001) que mais importante que colocar em questão o que

o texto diz é discutir como ele diz o que diz. Voltaremos a esta questão no terceiro capítulo.

2.2.2- NORMAS E APRESENTAÇÃO X TEXTOS

Pensamos que as normas de publicação de cada revista nos dariam dados importantes,

uma vez que se espera encontrar lá as regras que deverão ser respeitadas pelos autores dos

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textos encaminhados para a editoração. Mas, no caso da nossa investigação, muitas vezes só

encontramos regras para artigos científicos, o que pode ser justificado pelo pré-construído do

gênero, assegurado pelo gerenciamento do corpus pela ciência. Em algumas revistas, apesar

de publicarem ensaios não explicitavam nas normas o que chamavam de ensaios científicos.

Na “Apresentação”, obtivemos mais dados, pois o apresentador, geralmente,

comentava cada um dos textos daquela publicação. Mesmo assim, foi difícil fazer este

levantamento, uma vez que os textos em algumas revistas eram apresentados pelo seu

conteúdo e não havia uma referência clara ao seu gênero.

Comentaremos, a seguir, as determinações para a publicação e a apresentação de cada

revista selecionada para nossa pesquisa.

A) ALFA

Norma para apresentação dos originais

Dividida em duas partes:

a) Informações gerais

b) Preparação dos originais

Sub-dividida em:

1- Apresentação

2- Estrutura do trabalho

3- Referências

4- Abreviaturas

5- Citação no texto

6- Notas

7- Anexos e/ou apêndices

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8- Figuras

São exigidos trabalhos originais na forma de: artigos, retrospectivas, resenhas,

traduções e textos de debate “voltados para um tema determinado pela comissão editorial.

O ensaio não é citado, apesar de falar em “textos de debates” que remete a definições

clássicas do gênero, como nos aponta Silveira (1992) e Medeiros (1996).

Não há exigências diferentes para cada um dos gêneros. A estrutura dos textos, por

exemplo, é a mesma e compõe-se de:

Título

Nome do autor

Filiação científico

Resumo (máximo de 200 palavras)

Palavras-chave (máximo 7)

Agradecimentos

Referências bibliográficas

Bibliografias consultadas

Apresentação

Primeiro explicita a “estrutura” deste número da revista:

1ª seção – tema central do número (Lingüística Histórica e História da Lingüística),

de onde retiramos o ‘artigo’ de Silva e o ‘ensaio’ de Cavaliere.

2ª seção – artigos de temática aberta.

3ª seção – “seção de debates (ou de opiniões)” (p.05), na qual pesquisadores

convidados “expressam suas idéias” a respeito do tema proposto. Aqui, se encontra o

‘ensaio’ de Faraco.

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A apresentação é assinada pelo “editor responsável”. Ao apresentar o texto de Silva,

ele o chama de ‘artigo’, já ao apresentar o texto de Cavaliere, denomina-o como ‘trabalho’,

sem explicitar o gênero textual. Também na apresentação do texto de Faraco não há menção

ao gênero ao qual faz parte.

TEXTO DENOMINAÇÃO/AUTOR DENOMINAÇÃO/APRESENTAÇÃO

Silva artigo artigo

Cavaliere ensaio trabalho

Faraco artigo debates/opiniões

É interessante observar que há no primeiro momento da apresentação da 1ª seção um

distanciamento entre o que está sendo chamado de ‘artigo’ e os outros textos classificados

como ‘trabalho’.

Traz em sua estrutura três seções. A primeira relativa ao tema

central do número, apresenta como convidados a discuti-lo, dois nomes

de reconhecida dedicação ao assunto, as pesquisadoras Diana Luz

Pessoa de Barros, com o artigo “O discurso da norma na gramática de

João de barros”, e Rosa Virgínia Mattos e Silva, com o artigo

“Reconfigurações socioculturais e lingüísticas no Portugal de quinhentos

em comparação com o período arcaico.”. Ainda dentro do tema central,

temos os trabalhos de Ricardo Cavaliere, intitulado “Uma proposta de

periodização dos Estudos Lingüísticos no Brasil. (p.05)

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As autoras dos ‘artigos’ são “convidadas”, “dois nomes de reconhecida dedicação ao

assunto” e “pesquisadoras”. Para a apresentação dos ‘trabalhos’ não foram explicitados os

“atributos” dos seus autores.

Também, ao apresentar o texto de Faraco na 3ª seção, há uma valorização do autor:

Finalmente, na terceira parte deste número, apresentamos uma

seção de debates (ou de opiniões), na qual convidamos os pesquisadores

Carlos Alberto Faraco e Cláudia Maria Xatara para expressarem suas

idéias a respeito da presença dos estrangeirismos em nossa língua. (p.05)

(grifo nosso)

Este tratamento que diferencia autores e gêneros advém da memória discursiva tanto

dos gêneros como dos autores dos textos apresentados no que diz respeito ao âmbito da

Ciência, em que estão inseridos.

Voltemos às definições de ensaio e artigos descritas em 2.2.1. As características

citadas acima: “opiniões, debates, expressão de idéias” não estariam relacionadas ao ensaio e

não ao artigo, como o autor classifica seu texto?

B) DELTA

Política editorial (início da revista)

A revista publica textos “de caráter teórico ou aplicado” da área da Lingüística. É

dada a prioridade a “trabalhos que contenham pesquisa original”.

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Estes trabalhos devem ser enviados em forma de: artigos, debates e questões e

problemas, retrospectivas, resenhas, notas de livro. Destes, o único gênero (ou seria seção?)

que tem uma definição explícita é a retrospectiva, “síntese crítica acerca do estado da

ciência”.

Normas de apresentação dos trabalhos (ao final da revista)

Dividida em :

1. Notas

2. Ênfase

3. Abstract / Resumo

4. Referência bibliográfica

5. Anexos

6. Tamanho:

Retrospectiva, debate : até 12.000 palavras

Questões e problemas: até 6.000 palavras

Resenha: até 3.600 palavras

Notas de livros: até 2.000

Podemos perceber que as diferença entre os textos muito tem a ver com a sua

extensão em números de palavras. Mas achamos cabível a pergunta: estes são gêneros ou

seções de uma publicação científica?

Quando pensamos em definições clássicas do ensaio, não poderíamos dizer que se

relacionam muito ao que é chamado aqui de ‘retrospectiva’ e ‘questões e problemas’? Por

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que então o termo ensaio não aparece nesta revista? Será que a resposta estaria na afetação

que este termo recebe dentro do campo científico, como veremos mais adiante?

Apresentação

Todos os textos da “seção” Retrospectiva são apresentados como ‘artigos’.

O ‘artigo’ que escolhemos para análise encontra-se nesta seção e é apresentado da

seguinte forma:

Os quatro primeiros artigos apontam para a direções que podem

ser previstas para algumas áreas da lingüística brasileira

(...)

Koch discute os desafios da Lingüística Textual – e mesmo sua

sobrevivência – para contribuir para o desenvolvimento das Ciências

numa nova era, itensificando o diálogo que há muito vem travando com

as demais Ciências, transformando-se numa ‘ciência integrativa’.

“Discutir” e “pensar sobre”, de acordo com o que vimos na definições (2.2.1) são

características do gênero ‘ensaio’. Além disso, este texto é todo marcado por discussões

sobre o futuro (perspectivas) da Lingüistica Textual, mas tanto na apresentação, quanto no

resumo feito pela autora, ele recebe o nome de ‘artigo’.

TEXTO DENOMINAÇÃO/AUTOR DENOMINAÇÃO/APRESENTAÇÃO

Koch artigo artigo

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C) EM TESE

Não há normas de apresentação.

Apresentação

Os textos da revista são apresentados como ‘artigos’ referentes às dissertações e teses

do POSLIT – Programa de pós-graduação em literatura/UFMG- que obtiveram seus títulos

em 1998, com uma exceção, que não é explicitada.

Após esta rápida apresentação dos textos, o editor fala da composição dos cursos do

programa em questão. Fecha dizendo que os “trabalhos” que estão publicados ali oferecem

um panorama dos estudos literários da UFMG. Na página seguinte a da apresentação, temos o

título ENSAIOS, que abre a seqüência dos textos publicados.

TEXTOS DENOMINAÇÃO/

AUTOR

DENOMINAÇÃO/

REVISTA

DENOMINAÇÃO/

EDITOR*

Carvalho artigo ensaio artigo

Alexandre ensaio ensaio artigo

Valeska ensaio ensaio artigo

Marques ensaio ensaio artigo

* Esta é a única revista em que a denominação dada pelo editor difere da denominação dada pela revista.

Como a revista traz resultados de pesquisas, muitas delas originais, estes textos

deveriam, de acordo com as definições apresentadas, ser classificados como ‘artigos’ e não

como ‘ensaios’.

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D) ESTUDOS FEMINISTAS

Normas para apresentação de colaboradores

Há uma apresentação sintética da publicação em relação a sua periodização e a sua

circulação. Os gêneros aceitos são: artigos, ensaios e resenhas, contendo trabalhos

específicos de uma “disciplina” ou “interdisciplinares” em sua metodologia, teorização e

bibliografia.

Artigos: até 9.000 palavras ou 45.000 caracteres (aproximadamente 25 laudas,

papel A4); resumo / abstract (máximo 10 linhas); palavras-chave (máximo 5).

Ensaios: até 6.000 palavras ou 30.000 caracteres.

Resenha: 2.000 palavras ou 15.000 caracteres.

Nesta listagem, também aparecem:

Notícias e Registros: até 300 palavras ou 1.500 caracteres.

Ao demonstrar as normas específicas que irão diferenciar o artigo do ensaio, houve

uma separação em dois grupos:

1- artigo

2- ensaio, resenha, notícia e registros

Nota-se aí um destaque que é dado ao primeiro gênero.

Apesar da diferença aqui estar relacionada apenas à extensão dos textos, esta foi a

única revista dentre as pesquisadas que deixa clara a diferença que faz entre os gêneros artigo

e ensaio científicos.

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Editorial

Há uma introdução referente ao tema proposto e logo após, um breve histórico da

revista.

No 3º parágrafo são iniciadas as apresentações da seções, mas não há apresentação

individual dos textos publicados. As seções são as seguintes;

Artigos – abordam vários temas

Ensaio – “uma síntese histórica do movimento feminista”. Daqui saiu o

nosso ensaio para análise. Apesar de estar na seção “ensaio” e ‘caber’ na definição

dada nas normas, a autora o classifica como artigo.

Ponto de vista –estimular um debate

Dossiê – resgata a temática. Desta seção foi retirado nosso segundo

texto para análise

Resenha – divulgar

Agenda – informações sobre eventos

Tivemos muitas dúvidas sobre como diferenciar ponto de vista de ensaio e dossiê de

artigo. Mais uma vez, temos a mistura entre o que é gênero, seção e assunto.

TEXTO DENOMINAÇÃO/AUTOR DENOMINAÇÃO/APRESENTAÇÃO

Blay ensaio artigo

Carvalho artigo dossiê

E) GRAGOATÁ

Normas de apresentação de trabalhos

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Esta revista aceita “originais sob forma de artigos inéditos e resenhas de interesse

para estudos de língua e literatura”.

Artigos – máximo 25 páginas

Resenhas – máximo 08 páginas

Apesar de nas normas só haver estes dois gêneros, na apresentação aparecem outros,

como veremos a seguir.

Apresentação

Segundo as organizadoras que apresentam este número da revista, nos ‘ensaios’ serão

encontrados “desde reflexões teóricas de âmbito mais vasto até enfoques analíticos sobre

questões e autores específicos, passando por abordagens panorâmicas de poéticas

contemporâneas ainda mal conhecidas no Brasil.” (p.05)

Após apresentar os ensaios, há a apresentação dos textos de “escopo mais teórico”

(p.05), que mais adiante são substituídos por “esses debates” (p.06). Um destes textos é o de

Marcondes, que está entre os textos de nossa análise.

Elas, dentro desta classificação, citam os “textos voltados para questões mais

específicas” (p.06), de onde retiramos os textos de Sussekind e Gonçalves.

Também são apresentados os textos de “visões abrangentes” (p.06), onde se encontra

o texto de Alves, estudado por nós nesta pesquisa. Como o único gênero citado é o ensaio,

entendemos que as autoras da apresentação classificaram todos os textos como ensaios e os

subdividiram pela abordagem dada por seus produtores ao tema proposto. Mas isto não fica

muito claro.

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TEXTO DENOMINAÇÃO/AUTOR DENOMINAÇÃO/APRESENTAÇÃO

Alves artigo ensaio

Gonçalves ensaio ensaio

Marconi artigo ensaio

Süssekind ensaio ensaio

De acordos com nossa análise podemos dizer que:

1- Há uma diferença entre a definições dos dois gêneros e a prática de produção dos

mesmos.

2- O gênero artigo científico tem definições mais voltadas para sua estrutura, não tendo

uma grande preocupação em ser afirmado como gênero do domínio científico

3- O ensaio traz em suas definições um maior esforço para se enquadrar no campo da

ciência. Suas características são mais detalhadas e específicas.

4- Comumente, as revistas não usam o termo ensaio, mas trazem “correspondentes” a

este gêneros em suas normas para publicação.

5- Há uma confusão dos termos usados nas normas para publicação ao fazer referência

aos tipos de trabalhos que são aceitos pela revista

6- Nem sempre há uma coincidência entre a classificação do gênero de determinado

texto feita pela revista e a classificação feita pelo autor do mesmo.

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CAPITULO 3

Artigos, Ensaios e Ciência: A Questão do Nome

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3.1 - DESDOBRAMENTOS

Após a descrição do material analisado, podemos voltar aos autores das páginas 44 a

47 e verificar que as características dos artigos e ensaios científicos na prática não são

compatíveis com as definições encontradas dos dois gêneros.

Nas publicações, percebemos que há muitos pontos de interseção entre as

características dos artigos e dos ensaios que os afastam de suas definições canônicas ao

mesmo tempo que os aproxima a ponto de, em muitos momentos, ficarmos em dúvida em

relação ao gênero a que determinado texto pertence.

Precisamos, então, considerar o já citado trabalho de Dias (2004), em que faz

reflexões a respeito dos gêneros textuais e os modos de enunciação. Quanto à relação entre o

texto e seu corpus, como proposto por Rastier, Dias (2004, p.04) afirma:

a questão da pertinência de um dado texto ao gênero, e portanto ao

corpus, passa por um efeito de identificação no acontecimento. Temos,

portanto, no intervalo entre o acontecimento em que nasce o texto e sua

filiação ao corpus, a possibilidade do equívoco, isto é, a possibilidade de

um ponto de fuga do texto ao corpus, produzindo espaços de indistinção

com outro gênero, ou mesmo produzindo o espaço para o surgimento de

novos gêneros.

Como já dissemos no capítulo 1, alguns gêneros são mais propensos a estes equívocos

que outros, ou seja, gêneros como o requerimento se mostram mais estruturalmente fechados

para a atualização enunciativa. Já gêneros marcados por uma subjetividade maior estão

abertos a uma diversidade do uso destas regularidades. Consideramos tanto o gênero artigo

científico quanto o ensaio científico pertencentes a este segundo grupo.

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No acontecimento enunciativo, em que um texto ganha existência

como objeto empírico, não há portanto produção de sentidos, mas um

trabalho sobre sentidos experimentados, já dominados, ordenados em

outros acontecimentos. Isso não significa negar os processos de

subjetivação que dão lugar no processo de textualização. Com efeito, a

tomada de posição do autor se dá tanto sob o efeito do assentamento, da

complementação, da sobreposição, como também da ruptura, da

rebeldia, sobre aquilo que aparece ao sujeito como já assente e definido

na filiação à memória de ordem histórica. Assim, a relação entre o texto

e o seu corpus não é apenas de reforço, mas também de resistência e

deslocamento. Isso explica porque os gêneros se modificam, se

‘renovam’ com o tempo. Uns mais, outros menos, lógico.” (idem, p.03)

Na perspectiva de Guimarães (1995) e Dias (2004), o que ocorre com os gêneros aqui

investigados é essa “fuga” ao seu corpus, o que causa muitas vezes a impressão de que os

textos pertencem a um mesmo gênero. O autor dos textos, o sujeito que ocupa a “função-

autor” na enunciação, produz de acordo com esta memória histórica dos gêneros a sua

atualização.

Mas, se no campo de realização desta pesquisa5 há esta ‘confusão’ entre os dois

gêneros a ponto de ser difícil a definição de cada um deles, o que motiva o produtor destes

textos a classificá-los como artigo ou como ensaio, mesmo quando sua classificação vai de

encontro às características dos mesmos definidas pelas publicações?

Poderíamos pensar que seria somente uma questão de ‘escolha’ do autor que tem que

nomear a sua produção. Mas como vemos a enunciação como um acontecimento histórico,

não podemos acreditar que uma escolha fuja da memória discursiva do sujeito deste discurso.

5 Talvez em outros campos, como o da Filosofia, o ensaio tenha marcas mais fortes que o diferencie do artigo, mas no campodas Letras e das Ciências Sociais, em que realizei a pesquisa, isto não ocorre sempre com tanta clareza, como demonstrado.

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Não é o sujeito que nomeia, ou refere, nem a expressão, mas o

acontecimento, exatamente porque ele constitui seu próprio passado.

(Guimarães, 2002, 42)

Desta forma, ao denominar, faz-se a referência a algo, e ao se referir, não se pode fugir

da materialidade histórica do objeto.

Se a resposta a esta questão não se encontra na estrutura ou tema ou função dos textos

ou no suporte dos mesmos, já que são aspectos comuns aos dois gêneros, é necessário um

deslocamento do olhar que agora se volta não só para o texto como objeto empírico, mas ao

texto como pensado por Guimarães (1995), afetado pela historicidade do gênero a ser

produzido.

Como um autor se filia a elementos desta memória ao produzir o ‘seu’ texto? Que

aspectos desta memória são buscados? Quais os elementos da memória dos gêneros artigo e

ensaio científicos realizam no acontecimento o efeito pretendido pelo autor e que o faz optar

por um deles?

Consideramos o acontecimento um “espaço de temporalização” (p.15), de acordo com

Guimarães (2002, p. 12):

A temporalidade do acontecimento constitui o seu presente e um

depois que abre o lugar dos sentidos, e um passado que não é lembrança

ou recordação pessoal de fatos anteriores. O passado é, no

acontecimento, rememorações de enunciações, ou seja, se dá como parte

de uma nova temporalização, tal como a latência de futuro. É nesta

medida que o acontecimento é diferença na sua própria ordem: o

acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de

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conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido, não há

acontecimento de linguagem, não há enunciação.

Desta forma, a “escolha” do autor por um dos gêneros no momento da nomeação de

seu texto será afetada pela historicidade de cada um dos gêneros. Esta nomeação é um fator

importante na constituição de um gênero se a tomarmos tal qual propõe Guimarães (2002), em

que a designação é a significação de um nome. Ao se nomear algo, há o processo de

designação que significa a partir de relações históricas. Assim, ao nomear o texto dentro de

um ou outro corpus, há a construção de sentidos que envolvem a memória discursiva de tal

nome tanto para o autor do texto quanto para os efeitos de sentido que pretende com o seu

texto.

Designar é constituir significação como uma apreensão do real,

que significa na linguagem na medida em que o dizer identifica este real

para sujeitos. (p.91)

Pensemos em quem produziu os textos analisados.

Na ordem do discurso exposta por Foulcault, estes textos são textos autorizados dentro

do domínio científico, pois são publicações de revistas especializadas, que possuem uma

comissão (de membros também autorizados) que analisa e seleciona os textos que constituirão

o número da revista.

Também são textos aceitos como elementos do corpus, como propõe Rastier (1998),

uma vez que são reconhecidos como gêneros próprios do domínio científico. A publicação

dos mesmos já lhes dão o status de sua pertinência.

Mais uma vez, através destas constatações, podemos estabelecer relações entre

gêneros e sua historicidade, já que tanto Foucault como Rastier estabelecem relações

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históricas para a construção dos seus estudos. O pertencimento a uma ordem discursiva e a

um corpus se dá dentro da enunciação, do acontecimento de linguagem. Desta forma, os

textos aqui analisados possuem o sujeito que lhes dão forma enquanto textos – científicos –

ensaio – artigo.

Temos um locutor-cientista/pesquisador como lugar social de sua enunciação

(Guimarães, 2002, p.24) que irá, através dos textos ali publicados, enunciar categorias

pertinentes e relevantes para o círculo acadêmico-científico que terá acesso às revistas. Como

este locutor é um lugar de ocupação do sujeito (Guimarães, 2000 e 2002 & Orlandi, 1996),

sabemos que esta enunciação jamais será individual. A pertinência está aí, pois o elemento da

exterioridade lingüística se relaciona com a memória discursiva. A relação que se estabelece

com o objeto é advinda da rede de memória. Memória esta, social.

Ocupando, então, este lugar de locutor-cientista/pesquisador, o sujeito produtor do

texto científico é afetado pela memória do corpus dentro desta ordem discursiva.

Assim, voltando aos nossos artigos e ensaios, acreditamos que ao denominar os textos,

estes autores (locutor-cientista/pesquisador) trazem em si esta rede de significações que os

dois gêneros carregam.

Qual é a memória da palavra ‘ensaio’ dentro do campo científico? E da palavra

‘artigo’?

Os dados que reunimos nesta pesquisa já revelam muito da ocupação de cada um dos

dois gêneros neste campo. Vimos que o artigo é o gênero recorrente nos manuais de produção

científica. Também não encontramos uma só revista dita científica que não tivesse artigos em

seu corpo, mas várias em que não aparecia ensaio algum.

No Minidicionário de Sinônimos e Antônimos (1992) da editora Melhoramentos

encontramos as seguintes entradas para as duas palavras:

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ARTIGO: sm. 1 mercadoria, mercancia. 2 Dir. parágrafo, item. 3 assunto, tópico,

tema. 4 DE JORNAL OU DE REVISTA reportagem, escrito, escrita. 5 conjuntura, situação,

conjunção. (p.61)

ENSAIO: sm. 1 análise, exame, avaliação. 2 tentativa, experiência, prova. 3 treino,

treinamento, adestramento. 4 Lit. estudo. (p.247)

No dicionário Novo Aurélio séc.XXI (1999) da editora Nova Fronteira, achamos as

seguintes definições para os termos:

ARTIGO: 5 Escrito de jornal, revista, etc... (p.205)

ENSAIO: ( dofr essai> lat. tard. exagiu) sm. Liter. Obra literária em prosa, analítica

ou interpretativa, sobre determinado assunto, porém menos aprofundada e/ou menor que um

tratado formal e acabado.

E no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1987), da editora Livros

Horizonte, encontramos:

ARTIGO: s. Do latim articulu – (vj. artelho), pela série articulu - > artigulu - >

artigoo - > artigo. Em 1339: << am pellos artygoos que lhe da parte do bispo e cabidoo foram

dados >> Desc., I, p. 56. Artigo em 1361: <<ao que dizem no trinta e três artigo que o papa

outorgara as dizemas >>, ibid., p. 113. O sentido gramatical do séc. XVI: << Artigo é huã das

partes da oraçam, a qual como ia dissemos na tem os latinos >>, João de Barros, Gramática,

p.99, ed de 1785. (p.325)

ENSAIO: s. Do lat. exagiu, - / << peso, pesagem >>, mas atestado desde o séc. IV no

sentido de <<ensaio>>, talvez pelo cast. ensayo (este talvez do ant. prov. ensai). Séc. XVI:

<<Em Bacanôr fará cruel ensayo / No Malabar...>>, Lus., X, 59; talvez seja, porém, anterior,

pois o v. ensaiar no séc.XV: << E por em se emsayavã alguns em aquellas cousas que

pertenciam a engenho >>, César p.1 . (p.885)

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A palavra ensaio, apesar de ter registros mais antigos que a palavra artigo, está muito

relacionada a ‘tentativa / interpretação’. Isto, ao mesmo tempo que a afasta da ‘objetividade’

dos textos científicos, a aproxima de um fazer científico que procura trazer algo além das

‘certezas’ da ciência.

Bons exemplos disto nos são dados pelo historiador inglês Peter Burke (2001) em seu

“Um ensaio sobre ensaios”, em que cita vários ensaístas e a relação dos mesmos com este

gênero desde seu “criador” Montaigne. Vejamos o que Burke fala sobre o francês Michel de

Monteigne e o brasileiro Gilberto Freyre.

Além de publicar várias coleções de pequenos estudos, Freyre

insistia em descrever ‘Casa Grande & Senzala’, Sobrados e Mucambos’

e ‘Ordem e Progresso’ (apesar do tamanho deles) como ‘ensaios’. O que

se queria dizer sobre esse termo? Montaigne escolheu-o em parte por

modéstia ou por afetação de modéstia, alegando que o que publicara

eram simples ‘tentativas’ literárias ( o sentido original do termo francês

‘essai’).

(...)

Tal qual para Freyre, há inúmeras razões para sua insistência

em descrever suas obras históricas como ‘ensaios’. Era um meio de

distanciá-lo dos historiadores profissionais e afirmar sua identidade

como um homem de letras. Era um modo de justificar sua escolha de

tópicos aparentemente triviais como a história do mobiliário e da

comida, bem como sua decisão de expressar suas opiniões pessoais em

estudos sobre o seu amado Pernambuco em vez de fingir ser objetivo, Era

também um meio de chamar a atenção para aquilo que, com uma

característica metáfora visual, Freyre gostava de chamar de seu

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‘impressionismo’, seu foco em vivos detalhes da vida cotidiana. (p.01-02,

passim)

É nítida a relação estabelecida entre o nome e os efeitos de sentido pretendidos pelos

autores acima citados. Nos textos por nós pesquisados e em todos os textos, principalmente

naqueles pertencentes a um corpus em que haja uma maior possibilidade do equívoco

(Pêcheux, 2002), acreditamos que a relação entre o nome e o acontecimento se estabeleça

sempre.

Percebemos que artigos e ensaios científicos, apesar de na prática serem textos

bastante parecidos, operam em regiões de memória histórica muito diferentes. A memória

discursiva de cada um dos gêneros existe em dicionários, em manuais científicos, nas normas

das revistas, dentro das universidades e centros de pesquisas. O locutor-cientista/pesquisador

será afetado por esta ‘rede’ de significações que sustentam estas duas palavras: ARTIGO e

ENSAIO, que vêm determinadas por outra palavra que também carrega uma série de

significações: científicos.

Consciente ou inconscientemente (se assim podemos chamar as ‘escolhas’ que

fazemos ao utilizarmos a língua) ao denominar seu texto, o locutor será afetado e ‘escolherá’

aquela rede de significações que irá promover, no acontecimento de linguagem em que está

inserido, os efeitos pretendidos por ele.

A designação é o que se poderia chamar de significação de um

nome, mas não enquanto algo próprio das questões de linguagem, mas

enquanto uma relação de lingüística (simbólica) remetida ao real, ou

seja, enquanto uma relação tomada na história. (Guimarães, 2002, p.09)

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Passando para a análise da construção das definições dos dois gêneros, observando sua

textualidade (Guimarães, 1995), encontramos diferenças que são um dado importante para o

nosso estudo. Os gêneros, como já falado neste texto, têm sua organização como todo

discurso, sustentada em elementos histórico-sociais, trazidos à enunciação pela memória

discursiva dos seus usuários. O artigo e o ensaio científicos estão inseridos no domínio

discursivo da ciência. Como a memória destes gêneros é que determinará suas definições - o

que são, como são construídos, para que servem, onde e como devem ser utilizados - estas

definições certamente são afetadas pelo pré-construídos destes gêneros.

Segundo Orlandi (2001), a formulação do discurso é:

O momento em que o sujeito diz o que diz. Em que se assume

autor. Representa-se na origem do que diz, com suas responsabilidades,

suas necessidades. Seus sentimentos, seus desígnios, suas expectativas,

sua determinação. (...) [A formulação] Ela é o acontecimento discursivo

pelo qual o sujeito articula manifestamente seu dizer. Dá o contorno

material ao dizer instaurado no texto. (p. 10)

Na memória se insere o pré-construído dos dois gêneros em questão, que

demonstramos e discutimos até aqui. Ainda segundo a autora, a textualização é a

materialização desta memória discursiva. Por isto, a forma pela qual os autores construíram

suas definições de artigo e ensaio científicos (item 2.2.1) faz diferença para a análise dos

gêneros.

Aquilo o que Rancière (1994) trata como ciência e não-ciência na relação entre

história e não-história, podemos aplicar aqui, ao notarmos que os gêneros artigos e ensaios

científicos trazem em sua memória marcas de subjetividade e objetividade que constituem o

pré-construído destes gêneros e sua relação com o que é considerado científico.

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O artigo científico, que, como dissemos, é um gênero comum a todas as revistas e

manuais científicos, recebe da ciência o suporte para a entrada do texto em seu corpus, este

gênero não precisa de ‘salvamento’ para pertencer ao grupo dos gêneros científicos. Este

estatuto já lhe foi dado pela sua memória dentro deste domínio. A esfera da ciência já

garante a este gênero o seu pertencimento.

Já o ensaio científico é afetado por um pré-construído que não o garante como parte

da ciência e, por isto, ainda há uma necessidade de se trazer este gênero textual para o campo

da ciência. Daí esta operação de ‘salvamento’ do ensaio encontrado nas definições. Ao

utilizar tantos adjetivos ou expressões caracterizadoras para definir os ensaios: “alto nível da

interpretação e julgamento do autor” (Severino); “interpretação avaliativa”, “visão subjetiva

do escritor cientista”, “saber avaliativo” (Silveira); “apurado exame do assunto”, “seriedade

dos objetivos e pela lógica do texto”, “espírito crítico do autor” (Medeiros), parece acontecer

a tentativa de uma afirmação de que este gênero possui características necessárias para fazer

parte do campo da ciência.

Temos pré-construídos diferentes em relação aos dois gêneros. O artigo é um gênero

já sustentado pelo estatuto da ciência. E o ensaio ainda precisa fazer um ‘esforço’ para ser

inserido no corpus. O ensaio não está garantido no campo da Ciência, é um gênero que tem

sua afirmação neste campo feita pela textualidade.

O próprio espaço textual se esforça para produzir o gesto de pertencimento do texto

ao corpus (como sendo da ciência). O artigo seria um gênero afetado pelo científico e o

ensaio pelo não-científico.

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CAPÍTULO 4

Considerações Finais

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Não é um consenso a nomenclatura usada nos periódicos científicos para se referir a

gêneros e seções de revistas. Vimos que isto se mistura a todo momento. Nas normas para

publicação, muitas vezes o gênero nomeia a seção e o que deveria ser uma seção, torna-se um

gênero, como acontece na revista DELTA, em que uma das formas de trabalho apresentadas

pode ser “debates e questões e problemas” que aparece junto dos gêneros “artigos e

resenhas”, acompanhados de “retrospectivas e notas de livros”. Um outro exemplo é a

Revista Alfa que pede trabalhos na forma de: “artigos, retrospectivas, resenhas, traduções e

textos de debate. “Traduções e textos de debates” não seriam modalidades que viriam em

forma de um gênero específico? Podemos ter traduções de artigos, de ensaios, de resenhas,

de resumos, e de outros gêneros do domínio da ciência.

Isto nos encaminha às outras constatações: os gêneros textuais estão intimamente

relacionados à questão da denominação e às noções de historicidade, memória discursiva e

pré-construído que utilizamos neste trabalho.

Os textos publicados nas revistas científicas lá estão porque foram autorizados a isso

por possuírem características exigidas para tal aceitação. O artigo é um gênero que traz em si

um pré-construído de científico e por isso deve estar presente em todos os periódicos que se

classificam como fazendo parte da ciência. Este gênero já tem o seu lugar assegurado pela

memória discursiva que carrega e o seu pertencimento já lhe é dado pela própria ciência. Não

é causa de estranhamento o fato deste gênero ser comum a todos os manuais e periódicos de

textos científicos.

Já o ensaio tem sua memória afetada por questões fora do que é entendido como

científico. Sempre muito relacionado ao literário, o ensaio precisa de um esforço maior para

ser aceito como um gênero científico. Isto, confirmamos na ausência do termo em alguns

manuais (como o de Lessa, que é apoiado na ABNT) e em algumas revistas. Outro fator

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importante são as definições deste gênero, em que vimos uma preocupação para justificar o

ensaio como científico.

Por isto, se torna tão relevante o estudo de Rastier que passa o estatuto de unidade do

texto para o corpus, fazendo com que a dimensão do que seja um gênero não fique restrita a

um contexto tão imediato como o que é tratado na Lingüística de Gêneros. E tão importante

quanto este estudo, são os outros que trouxemos para esta discussão, pois tratam da

historicidade da linguagem e observam o texto numa perspectiva do acontecimento.

E, a partir disto, podemos dizer que as nossas perguntas iniciais só poderão ser

respondidas se relacionarmos aos gêneros textuais uma perspectiva enunciativa. Para

classificarmos um gênero, temos que estudar seu corpus e toda a memória que afeta os outros

textos que fazem parte daquele conjunto, o acontecimento que torna aquele gênero pertinente

a sua história e que o designa.

Assim, podemos dizer que os gêneros textuais se submetem aos modos de enunciação,

que por sua vez se submetem à ordem do discurso.

Achamos que este estudo não se esgota aqui, muito pelo contrário. Sabemos da

importância de um desenvolvimento e, conseqüentemente, de uma ampliação desta

investigação com outros gêneros. Estamos, pois, satisfeitos em demonstrar que as categorias

até aqui estudadas são insuficientes para a definição dos gêneros textuais e em propor uma

nova categoria, a designação, não como elemento finalizador, mas como um elemento a mais,

constituinte do gênero.

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