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1 Foi no dia 26 de julho que iniciamos a viagem de avião rumo a Timor, levando connosco desejos de partilha, proximidade, disponibilidade e serviço. A Missão Timor 2017 tinha já sido iniciada há uns meses na Província, com o processo de constituição do grupo de missionários, os dois encontros de formação no Porto e em Lisboa e com todo o empenho generoso de irmãs e colaboradores, de crianças, jovens e famílias das nossas obras, de gente solidária e amiga que comungou da causa através de donativos e da oração. Mais do que concretizar um projeto de voluntariado, todos nós (jovens e adultos, num total de 16) fomos desafiados a crescer na consciência e a agir como enviados em missão. Na caminhada que antecedeu a partida, foi momento particularmente significativo a Celebração de Envio dos missionários, ocorrida nos Colégios de Lisboa, de Fátima e do Porto. Partimos de Portugal confiados em Deus e no apoio incondicional de familiares e amigos, com as malas carregadas de bens partilhados e, sobretudo, com o nosso coração a transbordar de gratidão e alegria, sentindo-nos privilegiados, já abençoados ainda antes de pisar a Terra do Sol Nascente! Em Timor, no aeroporto de Dili, fomos alegre e calorosamente acolhidos pelas Irmãs Teresa de Jesus e Palmira, que nos acompanharam na viagem até Zumalai. Já era noite quando chegamos ao nosso destino de missão. À nossa espera, persistindo extraordinariamente durante horas, estavam a Ir. Margarida, o Ir. António da comunidade Carmelita, e dezenas de crianças e adolescentes. Os sorrisos, abraços, palavras de boas-vindas, a imposição do tais, rapidamente nos fizeram sentir “em família”! Praticamente acabados de chegar, a nossa presença foi orientada para o ensino na Escola Católica e para a colaboração pastoral na Paróquia. Beneficiando da partilha da experiência dos grupos missionários dos anos anteriores e do conhecimento da realidade local por parte das nossas Irmãs, “arregaçamos as mangas” como grupo, numa atitude de abertura às necessidades, de disponibilidade em colocar os dons pessoais ao serviço dos outros, de diálogo e entreajuda na busca do melhor para as crianças, à mistura com uma boa dose de criatividade e de flexibilidade face aos imprevistos que foram surgindo. Em cada manhã, habitualmente às 6:30, participávamos na Missa paroquial e depois voltávamo-nos inteiramente para o trabalho com os alunos da Escola, os alunos da Escola, dando aulas do 1º ao 9º anos, nas áreas do português, artes plásticas, atividade desportiva, jogos e filmes educativos, música, formação humana e cristã. Pontualmente, ao fim da tarde, demos apoio a um grupo de adultos no

“em família” “arregaçamos as mangas” - irscm.pt£o timor 2017... · memória da morte e massacre do povo timorense. Com o Ir. António (Carmelita), junto ... com os nossos

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Foi no dia 26 de julho que iniciamos a viagem de avião rumo a Timor, levando connosco desejos de partilha,

proximidade, disponibilidade e serviço. A Missão Timor 2017 tinha já sido iniciada há uns meses na Província,

com o processo de constituição do grupo de missionários, os dois encontros de formação no Porto e em

Lisboa e com todo o empenho generoso de irmãs e colaboradores, de crianças, jovens e famílias das nossas

obras, de gente solidária e amiga que comungou da causa através de donativos e da oração.

Mais do que concretizar um projeto de voluntariado, todos nós (jovens e adultos, num total de 16) fomos

desafiados a crescer na consciência e a agir como enviados em missão. Na caminhada que antecedeu a

partida, foi momento particularmente significativo a Celebração de Envio dos missionários, ocorrida nos

Colégios de Lisboa, de Fátima e do Porto.

Partimos de Portugal confiados em Deus e no apoio incondicional de familiares e amigos, com as malas

carregadas de bens partilhados e, sobretudo, com o nosso coração a transbordar de gratidão e alegria,

sentindo-nos privilegiados, já abençoados ainda antes de pisar a Terra do Sol Nascente!

Em Timor, no aeroporto de Dili, fomos alegre e calorosamente acolhidos pelas Irmãs Teresa de Jesus e

Palmira, que nos acompanharam na viagem até Zumalai. Já era noite quando chegamos ao nosso destino de

missão. À nossa espera, persistindo extraordinariamente durante horas, estavam a Ir. Margarida, o Ir.

António da comunidade Carmelita, e dezenas de crianças e adolescentes. Os sorrisos, abraços, palavras de

boas-vindas, a imposição do tais, rapidamente nos fizeram sentir “em família”!

Praticamente acabados de chegar, a nossa presença foi

orientada para o ensino na Escola Católica e para a

colaboração pastoral na Paróquia. Beneficiando da

partilha da experiência dos grupos missionários dos anos

anteriores e do conhecimento da realidade local por parte

das nossas Irmãs, “arregaçamos as mangas” como grupo,

numa atitude de abertura às necessidades, de

disponibilidade em colocar os dons pessoais ao serviço dos

outros, de diálogo e entreajuda na busca do melhor para

as crianças, à mistura com uma boa dose de criatividade e

de flexibilidade face aos imprevistos que foram surgindo.

Em cada manhã, habitualmente às 6:30, participávamos na

Missa paroquial e depois voltávamo-nos inteiramente para

o trabalho com os alunos da Escola, os alunos da Escola,

dando aulas do 1º ao 9º anos, nas áreas do português, artes

plásticas, atividade desportiva, jogos e filmes educativos,

música, formação humana e cristã. Pontualmente, ao fim

da tarde, demos apoio a um grupo de adultos no

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ensino/aprendizagem do português. A par da lecionação na Escola, a colaboração

na Paróquia foi diária, quer na animação litúrgica, quer na oração do Rosário com

as crianças ao fim da tarde, quer ainda na orientação de dois momentos de

oração, à noite, abertos à comunidade paroquial.

Diariamente, a seguir ao jantar, fomos fiéis a um tempo forte de oração em grupo,

sempre muito bem preparado, a pares.

Ainda hoje ecoa a partilha da PATRÍCIA OLIVEIRA (antiga aluna do Colégio Nª Sra.

Rosário e animadora do CoMTigo) numa das orações à noite, e que tão bem traduzia o

que estávamos a viver:

"Já chegamos. Já estamos aqui. Porventura já perdemos a conta aos dias, mas não perdemos o rumo ou o sentido do aqui e do agora. O aqui é imenso. O agora é eterno. Estes foram os nossos dias. Só nossos. Como escolhemos vivê-los, como Deus quis e sonhou. Sim, Deus sonha connosco esta missão. Somos nós com Ele aqui. São as nossas mãos a Sua mão. Mãos que lavam loiça, mãos que ensinam a pegar num pincel pela primeira vez, mãos que imitam repetidas vezes a tromba de um elefante numa aula de música, mãos que carregam alguidares de água a partir do rio ou da Casa da Montanha sempre que a água falta, mãos que desenham letras cada vez mais dentro de duas linhas, mãos que impedem uma queda aparatosa a bordo do treko, mãos que contam cada vez mais crianças a cada estação de um peddy-paper, mãos que apertam outras ora em oração ora dançando o regadinho ou tebe-tebe, mãos que se estendem e beijam as nossas, mãos que dão colo e mãos que, por vezes, quase desistem. Um quase que nunca se concretiza porque afinal o aqui é imenso, pleno de dom, cheio de alegria, carregado de sorrisos rasgados, repleto de graça. Damos de graça o que de graça recebemos. Aqui há (um) tempo para tudo. Aqui há um tempo e um lugar para cada um. Aqui nem tudo serve, apenas serve o melhor que temos para dar. Neste agora e neste imenso aqui descobrimos a maior contradição. Demos todos os dias o nosso melhor, mas sabemos que o melhor de cada um de nós está ainda por chegar."

Todos os dias, após a oração da noite, fazíamos a avaliação do dia e planificávamos as atividades do dia seguinte. Houve também ocasião de agradáveis passeios a pé ou em camiões e carrinhas: na localidade, em contacto com o povo de Zumalai; a Raimea e a Suai; e, na véspera do regresso a Portugal, na cidade de Dili. Foram culturalmente interessantes e particularmente comoventes as visitas a locais que continuam a fazer memória da morte e massacre do povo timorense.

Com o Ir. António (Carmelita), junto

da igreja de Suai, onde aconteceu o

Setembro Negro de 1999.

Com o Pe.João Felgueiras (Jesuíta),

no Cemitério de Sta. Cruz – Dili.

Com as Irs. Teresa e Palmira, em

passeio por Zumalai.

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A poucos dias de deixarmos Zumalai, celebramos o tempo juntos com uma festa ensaiada com as crianças,

com base nas aprendizagens feitas. Também fomos presenteados por uma festa

de despedida na Escola Católica, que incluiu discursos de agradecimento

recíproco, jantar com bom vinho tinto, “parabéns” cantados às três jovens

aniversariantes, bolo, trajes e dança típicos. Como já prevíamos, foi difícil o

momento de despedida, particularmente ao vermos as crianças ao nosso redor,

em lágrimas, não se cansando de nos abraçar.

Já em Dili, na manhã da partida, foi especial o momento de oração em grupo, com

a participação das Irmãs Palmira e Teresa. Todos sintonizamos no mesmo

sentimento de gratidão a Deus pelo vivido, partilhado, gratuitamente recebido. Foi

expresso o nosso “muito obrigado!” às nossas Irmãs pelo acolhimento, pela

presença e apoio constantes, pelo testemunho de fé e de fidelidade à missão de

tornar Deus conhecido e amado, numa relação próxima e simples com o povo.

Regressamos a casa com as malas praticamente vazias, mas com o coração cheio de gratidão! Gratidão por

termos vivido uma experiência pobre de meios mas rica do essencial, pelos dons partilhados, pela alegria na

simplicidade, pela transformação acontecida, pelas marcas de mais Vida que deixamos e pelas que

trouxemos e permanecerão para sempre gravadas em nós!

Ana Luísa Pinto, RSCM

ALGUNS TESTEMUNHOS O que significou a Missão Timor 2017…

JOÃO SANTIAGO,

Aluno do Colégio de Nossa Senhora do Rosário - Porto

Quando surge a pergunta: "O que foi, para ti, a Missão Timor?" eu até estremeço, porque a minha resposta imediata seria: "É inexplicável… Só estando lá é que se percebe!". E, por muito que, para mim, esta seja a reposta mais honesta que eu possa dar, consciente de que o inquisidor deseja uma resposta um pouco mais elaborada lá começo a tentar explicar o inexplicável…

De uma forma muito breve, a Missão pode ser descrita de duas formas gerais: por momentos e por marcas. Comecemos pela primeira. As três

semanas que passamos naquele pequeno canto do mundo são claramente um acumular de momentos, todos eles distintos, intensos e complementares. Por um lado, temos momentos de brincadeira e de convívio, nos quais nos damos a conhecer da forma mais pura que pode haver. Em Timor não há máscaras, entregamo-nos tal e qual como somos, com os nossos defeitos e as nossas qualidades, aqueles que, de braços abertos, nos recebem, também eles com os seus defeitos e qualidades. Por outro lado, temos momentos de quebra, em que as forças parecem falhar. Nesses, descobrimos verdadeiros amigos que nos suportam e levantam para que a Missão possa continuar. Temos, ainda, momentos de reflexão, nos quais colocamos perante Deus as nossas inquietações e os nossos medos, na certeza de que Aquele que nos envia nos ouve e nos ajuda. Por fim, temos momentos em que paramos e nos limitamos a receber tudo o que aquela pequena grande terra tem para nos oferecer. À semelhança de esponjas, absorvemos a energia que nos é transmitida por aquela terra e por aquele povo e sentimo-la a percorrer as nossas veias e a revitalizar-nos, a abrir os nossos olhos para uma nova realidade, a expandir os nossos horizontes e a deixar em nós marcas…

Entramos, assim, na segunda abordagem. A Missão trata-se de um singelo conjunto de marcas. Algumas das quais trazemos connosco, outras que deixamos lá ficar… Desta vez, começamos pelo fim. "Que os nossos passos deixem a Tua marca" foi o nosso mote de Missão. Partimos na esperança de deixar uma marca que não é a nossa, mas sim a d’Aquele que nos envia, que nos chama a ação, a ajudar o próximo… Assim, procuramos espalhar naquele solo tão fértil as sementes do amor, da amizade e da cooperação. Mas estas marcas que lá deixamos, comparadas com as que trazemos de lá, são ínfimas… Connosco trazemos marcas para a vida, que nos moldam enquanto pessoas e nos fazem crescer enquanto seres humanos, conscientes do mundo onde

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vivem… De facto, quando existe afeto e afinidade, aqueles que nos marcam nunca vão sós, porque deixam sempre um pouco de si e levam sempre um pouco de nós…

Chego, desta forma, ao ponto fulcral do meu testemunho: as marcas que trouxe comigo… No final da Missão somos capazes de distinguir o que realmente nos fez crescer e aquilo que inicialmente até parecia muito relevante, mas afinal era supérfluo… O que me marcou não foram as dezenas de horas de viagem, nem o conforto inquestionável do bis, nem o balde que servia, simultaneamente, de chuveiro e de autoclismo, nem a comida bem diferente daquela a que estamos habituados, nem as estradas esburacadas, nem o calor abrasador, nem os horários extenuantes, nem, tão pouco, os animais que andavam espalhados por todo o lado… O que realmente nos marca é acordar às 6:30 da manhã com vontade de começar mais um dia com uma missa em tétum naquele pequeno Paraíso; é chegar à sala de aula às 8:30 e ver múltiplos rostos com olhos brilhantes, curiosos e ansiosos por aprender mais; é ouvir um "bom dia", uma "boa tardi" ou uma "boa noiti" quando vamos a passear na rua, muitas vezes ditos por caras que nem conhecemos; é sermos acolhidos com abraços, beijinhos e, até, lágrimas de felicidade, por crianças que ainda não nos conhecem, mas já veem na nossa presença em Zumalai um motivo de alegria. O que realmente nos marca são os sorrisos puros e impossíveis de igualar que nos inundam de alegria e nos fazem sentir plenos; são os abraços dados com afeto, que nos confortam, sem apertar; são os dedos que se entrelaçam quando duas mãos se juntam, num aperto fraterno e repleto de carinho. O que nos marca é o pó no final de uma viagem de várias horas de trem, animada com canções, brincadeiras e conversas. O que nos marca são as crianças, nas quais encontramos verdadeiros irmãos, de quem queremos cuidar e que gostávamos de ver crescer. Finalmente, o que nos marca são as saudades que a cada dia que passa apertam… O destino une e separa, mas nenhuma força é grande o suficiente para nos fazer esquecer alguém que um dia, por alguma razão, nos fez feliz…

Saímos de Zumalai com a mala mais vazia do que quando chegamos, mas com o coração muito mais cheio, porque agora trazemos nele a memória de todas as crianças que nos receberam e se entregaram a nós… Trazemos o nome e o rosto daqueles que do nada que têm, fizeram de tudo para nos dar as três semanas mais intensas e maravilhosas da nossa vida. Por isso, quando me perguntarem: "O que foi, para ti, a Missão Timor?", eu responderei: "Foi uma oportunidade de crescer e de gravar no meu coração algumas lições de vida… Mas, acima de tudo, para mim, a Missão foram as crianças que me mostraram que podemos amar sem preconceito nem maldade… Foram os meninos e meninas que trago comigo no meu coração e que jamais esquecerei… Mas é inexplicável…"

JOANA GOMES, Aluna do Colégio do SCM - Lisboa

“Zumalai é como o céu…

O caminho para lá duro, mas depois tudo vale a pena.”

Foram estas as palavras que escutámos na nossa chegada e não poderiam estar mais certas... Após 3 semanas de trabalho, de entrega, de partilha, entendemos hoje o quão importante foi a oportunidade de podermos experienciar estes momentos e quão recompensador foi poder vivê-los. Momentos em que nos entregámos para tentar oferecer a estas crianças

a mesma alegria que delas recebemos. As nossas energias foram direcionadas para ver sorrisos nas faces de um povo tão genuíno que ninguém consegue ficar indiferente. Momentos em que toda a nossa criatividade foi investida na construção de pequenas obras de arte... Entre desenhos e aguarelas, colagens e recortes investimos na dinamização das artes plásticas. Aulas onde frágeis mãos trabalham aliadas às nossas, tentando do pouco disponível criar as mais belas expressões de sonhos…

Momentos onde vozes se fundem, onde melodias são criadas, onde a música não é uma barreira, mas uma ponte. A ponte entre duas línguas, entre dois povos irmãos... E guardamos estes sorrisos, aquele brilho no olhar e as mentes que com toda a simplicidade nos imitam para aprender mais... Momentos em que belos rostos nos recebem ansiosamente para abraçar uma língua que não a sua, para escutar com atenção o que lhes temos a ensinar. Assim é-nos deixada a certeza de que a nossa passagem não é em vão. Momentos onde deixamos cair as sementes da Palavra de Deus, sementes que caem em solo certamente fértil e que darão frutos incontáveis. Alguns dos quais já tivemos a graça de colher.

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Momentos em que fomos capazes de nos colocar em 2º plano e elevar quem realmente importa nesta missão: AS CRIANÇAS. A noção de essencial altera-se. Negamos o protagonismo e oferecemo-nos de forma pura e verdadeira. O conceito de tempo desaparece. O futuro perde a sua relevância e vivemos um dia de cada vez, em nome de trabalharmos para receber “aquele” sorriso. Superamos as nossas próprias expectativas, ao alcançarmos uma terra que mesmo não sendo nossa, nos relembra o conforto de casa.

Momentos em que, aos poucos, as nossas malas perdem peso, o qual é compensado por todas as histórias que absorvemos e todas as memórias que construímos, que constituem uma bagagem certamente mais “pesada” do que a que tínhamos sob nossa posse à chegada.

Mas, acima de tudo, momentos em que somos inundados por uma vontade de deixar tudo o que temos àqueles que, de uma forma tão inocente, amam tão intensamente. Demos seguimento a uma missão que não começou em nós, mas que nos foi confiada e que um dia confiaremos com a mesma certeza a outros. Nesta terra, em que facilmente nos surpreendemos com os pequenos gestos daqueles que não tendo nada, nos dão tudo. E assim se ensina Português a crianças do outro lado do mundo... Com gestos, canções, brincadeiras, desenhos, jogos ou simples aulas de quem veio para ser feliz na simplicidade.

ELIANA OLIVEIRA, Professora no Colégio SCM - Fátima

Não sei se algum dia vou conseguir passar para palavras aquilo que foi vivenciar a Missão Timor 2017. Serei sempre injusta em todas as descrições que fizer, porque há coisas na nossa vida que não se conseguem explicar com a mesma intensidade com que se vivem. Perdoem-me por isso.

Lembro-me de Timor da minha juventude. Recordo com algum horror e compaixão as imagens do cemitério de Santa Cruz que entraram, via televisão, na sala de estar da casa dos meus pais. Tudo parecia tão longínquo! Anos mais tarde a desejada independência e o

sorriso estampado no meu rosto pelo sonho deles realizado. Nestas alturas ganha-se um novo alento. Acredita-se que a dedicação e empenho trazem sempre resultados positivos, ainda que às vezes seja mais tarde do que aquilo que desejamos.

Na verdade, há depois um hiato de Timor na minha vida. Talvez porque tudo me continuava a parecer tão longínquo! Timor renasceu em 2015 quando surgiu a possibilidade de integrar o grupo de Missão nesse ano. Entre lágrimas e tristeza tive de recusar; os meus filhos pediram-me por favor para não ir. Na sua legítima inocência, não me queriam longe, talvez porque nessa altura achassem que à distância não se ama da mesma forma. No entanto, a Missão Timor 2015 levou parte de mim no coração através da Helena.

Em janeiro de 2017 surgiu um novo convite. Os meus olhos devem ter brilhado a cada palavra do Serafim. O sonho de partir em Missão ainda era possível. Lembro-me que desejei correr para casa, mas voltei a ter receio do que os meus filhos me podiam pedir. Ingenuidade minha! Tão simplesmente me disseram “Mãe vai, é o teu sonho. Podes não ter uma terceira oportunidade. Vai mamã, nós ficamos bem.” Cresceu em mim um orgulho maior, porque eles sabiam que iam abdicar da minha presença física para que eu pudesse realizar um sonho de infância. Eles perceberam que se ama à distância, porque o amor de mãe é eterno, genuíno e incondicional. E foi desta forma que Timor voltou à minha vida, para nunca mais sair.

Os últimos dias antes da partida foram difíceis. Nos 28 dias anteriores escrevi uma carta, para que em cada dia da minha ausência física, pudessem ler em família. Escrevi também uma carta à minha mãe, a quem pedi para rezar porque sempre confiei nas suas preces; à minha irmã, o meu porto seguro e a quem confiei também o cuidado dos meus filhos e à minha prima Mariana, uma irmã de coração que a vida me deu há trinta anos atrás, e a quem dei a dura tarefa de distribuir as cartas diariamente. A dificuldade destes dias culminou com a despedida no aeroporto. Lembro-me de ter os meus filhos agarrados a mim e olhar para o meu marido que não conseguiu esconder as lágrimas. Se houve alguma fração de segundos de arrependimento foi naquela altura. Tinha muito medo do meu sonho magoar quem mais amo. Percebi depois que esse medo não tinha qualquer fundamento.

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A minha vida passou a ser um misto de sentimentos, que eu achava contraditórios. Como iria gerir as saudades da minha família? Como iria viver longe dos meus filhos? Saberia eu amar para além do meu mundo? Conseguiria eu entregar-me de corpo, alma e coração cheio aos meninos que ansiosamente nos esperavam em Timor? Muitas dúvidas tive até à chegada a Zumalai. Quando vi o rosto de todos aqueles que nos receberam; a forma genuína e grata com que nos presentearam à chegada, nessa altura, soube que o meu lugar era ali. Eu tinha mesmo de estar ali, fazer parte do grupo de missionários 2017. Recordo o rosto da Aguida que chorou de felicidade por estarmos ali, antes mesmo de nos conhecer verdadeiramente.

Cada dia, cada rosto, cada sorriso recebido foram uma dádiva de Deus. O meu mundo tornou-se tão melhor! A minha vida é dar aulas, adoro aquilo que faço todos os dias e sei que sou uma privilegiada por isso. Mas dar aulas de Português em Zumalai foi uma experiência que superou tudo aquilo que imaginei. O rosto dos miúdos ao perceberem o significado das palavras é indescritível. Ficam na memória palavras como deslumbrado, habitat, anão, algas e tantas outras. Fica na memória a dança com o Santiago para lhes explicar o que era bailado. Fica na memória os risos rasgados quando lhes ensinamos a fazer um “quantos-queres” ou todas as vezes que, aos mais pequenos, coloquei as minhas mãos sobre as deles para lhes ensinar a desenhar as letras. Ficam na memória a teatralização das histórias no Clube de Leitura. Fica na memória o desejo de aprender português que eles demonstravam. E ainda que alguns destes momentos tenham ficado eternizados pela objetiva da máquina fotográfica, nada apagará do meu coração o olhar, o sorriso, os abraços que recebi durante este mês em Timor. Os momentos de oração, as conversas no alpendre da casa da montanha, as mensagens diárias da família e amigos, as caminhadas diárias para concretizar os desejados 12 mil passos do Paulo, o sentido de humor e criatividade da Luísa, a presença atenta da São, a simplicidade e cuidado das Irmãs Teresa e Palmira, o carinho e preocupação do irmão António, o “boa tardi” ou “boa noiti” de cada uma das pessoas com quem me cruzava nas ruas, as viagens no “trek” e no “bis” ficarão sempre na memória e no coração. Todos eles ajudaram a atenuar a dor das saudades esmagadoras que sentia dos meus filhos. Se muitos me disseram que eu era corajosa por ir na Missão, aqui os verdadeiros heróis foram os meus filhos, com a ajuda preciosa do pai e da restante família.

Mas se a despedida em Portugal foi difícil, o momento da partida em Zumalai não foi melhor. Porque é possível amar para além daquilo que era o meu mundo antes de Timor. Se hoje me perguntassem “Voltavas?” a resposta seria sempre “Sim!” Timor entrou na minha vida e Zumalai está no meu coração, no local onde guardo os meus bens mais preciosos. Always

LUÍSA SOUSA, peregrina e missionária - Funchal

CONFIANÇA.

Desde o início este viria a ser o (meu) mote da Missão.

Confiança de que surgiu a oportunidade por algum motivo maior.

Confiança de que os meios logísticos necessários

iriam surgir atempadamente.

Confiança de que os que ficavam, ficavam bem.

Confiança de que teria algo a acrescentar ao grupo.

Confiança de que funcionaríamos como equipa e nas nossas forças e fragilidades nos complementaríamos.

Confiança de que, apesar da sensação de ter recebido mais do que dei, algumas sementes foram plantadas.

Confiança de que deixámos o mundo um pouco melhor, pois não fomos em nosso nome individual.

Confiança de que o que aprendemos, por mais tempo que passe,

continuará a ecoar nas nossas vidas e a eliminar barreiras de preconceitos.

Confiança de que o pouco se torna muito quando é feito com e por Amor.

Confiança de que tomo consciência que a Missão continua diariamente na minha vida.

E agora, após o regresso, de coração cheio, vejo quão gratificante é ter confiado sem reservas.

"QUE OS NOSSOS PASSOS DEIXEM A TUA MARCA!"