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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO CLAUDIA FERREIRA DA PAIXÃO EM FAVOR DOS POBRES: CONCEPÇÕES DE OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO NA PEDAGOGIA FREIRIANA EM ARTICULAÇÃO COM O CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO SÃO BERNARDO DO CAMPO 2013

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

CLAUDIA FERREIRA DA PAIXÃO

EM FAVOR DOS POBRES: CONCEPÇÕES DE OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO NA PEDAGOGIA

FREIRIANA EM ARTICULAÇÃO COM O CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2013

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CLAUDIA FERREIRA DA PAIXÃO

EM FAVOR DOS POBRES: CONCEPÇÕES DE OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO NA PEDAGOGIA

FREIRIANA EM ARTICULAÇÃO COM O CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Etienne Alfred Higuet

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

P167f

Paixão, Claudia Ferreira da Em favor dos pobres: concepções de opressão-libertação na pedagogia freiriana em articulação com o cristianismo de libertação /-- São Bernardo do Campo, 2013. 123fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Etienne Alfred Higuet 1. Teologia da libertação 2. Freire, Paulo, 1921-1997 – Crítica e interpretação 3. Cristianismo 4. Educação I. Título CDD 261.8

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A dissertação de mestrado sob o título “Em favor dos pobres: concepções de

opressão-libertação na pedagogia freiriana em articulação com o cristianismo

de libertação”, elaborada por Claudia Ferreira da Paixão foi apresentada e

aprovada em 11 de setembro de 2013, perante banca examinadora composta pelos

Professores Doutores Etienne Alfred Higuet (Presidente/Umesp), Claudio de

Oliveira Ribeiro (Titular/Umesp), Rodrigo Franklin de Sousa

(Titular/Mackenzie).

____________________________________

Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet – Presidente UMESP

______________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Eixo de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

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Aos que participam do constante processo de libertação social.

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AGRADECIMENTOS

Ao Cristo que não oprime, mas liberta.

Ao Ariovaldo Ramos, modelo de agente libertador.

À super-secretária Regiane da UMESP.

Ao Instituto Paulo Freire, pelo acesso ao material bibliográfico.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – pela

concessão da bolsa de estudos.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP,

especificamente na pessoa do Prof. Dr. Jung Mo Sung e ao Orientador.

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O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender. (MIA COUTO, 2001)

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PAIXÃO, Claudia. Em favor dos pobres: concepções de opressão-libertação na

pedagogia freiriana em articulação com o cristianismo de libertação. Mestrado em

Ciências da Religião. 2013.

RESUMO

O ‘cristianismo de libertação’ pode ser considerado uma terminologia para designar como as ações de libertação surgem na religião de matriz cristã-católica. Nele, está implícito o conceito de que Deus encontra-se no meio do povo para proporcionar experiências de libertação do sujeito consigo e do sujeito na sociedade. Libertação processual que desencadeie ações libertadoras. Aqui, interessa mais a ação do que a fé. Pensar o cristianismo traduz-se por pensar em ações salvíficas em situações opressoras. A fé que salva a alma, mas aprisiona o corpo não salvou. As experiências espirituais devocionais, deslocadas das atitudes de justiça e de amor em favor dos pobres, passaram por um difícil crivo de senso e valor social, em período histórico concomitante ao surgimento da Teologia da Libertação na América Latina. A igreja, por sua vez, condenou seus melhores pensadores acusando-os de profanos, pois estes preocupavam-se demais com a questão social dos sujeitos-fiéis. Entretanto, o próprio Cristo priorizou salvar as condições sociais dos seus seguidores. Cristo, assim, deu destaque ao corpo do sujeito. Seu contato pessoal com os seus seguidores materializam a verdade de suas palavras libertadores. Nesse sentido, pode-se dizer que Paulo Freire promoveu uma educação cristã. Uma espécie de libertação dos pobres mediada pelo recurso da ‘palavra’. Palavras-Chave: Cristianismo; Teologia da Libertação; Educação; Paulo Freire.

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PAIXÃO, Claudia. Para los pobres: los conceptos de opresión-liberación em

lapedagogía de Freire enrelaciónconel cristianismo delliberación. Mestrado em

Ciências da Religião. 2013.

RESUMEN

El ‘cristianismo de liberación’ puede ser considerado como una categoría para designar la forma como acciones de liberación surgieron en la religión de matriz cristiana-católica. En esta categoría está implícito el concepto de que Dios se encuentra en medio del pueblo para proporcionar experiencias de liberación del sujeto consigo y del sujeto en la sociedad, una liberación procesual que desencadene acciones libertadoras. Aquí interesa más la acción que la fe. Pensar el cristianismo se traduce por pensar en acciones salvíficas en situaciones opresoras. La fe que salva el alma, pero aprisiona el cuerpo no salvó. Las experiencias espirituales devocionales, que hacen a un lado las actitudes de justicia y de amor a favor de los pobres pasaron por un difícil tamiz de sentido y valor social, de forma concomitante al período histórico en que surgió la Teología de la Liberación en América Latina. La iglesia, a su vez, condenó a sus mejores pensadores acusándolos de profanos, pues estos se preocupaban demasiado con la cuestión social de los sujetos fieles. Sin embargo, el propio Cristo priorizó salvar las condiciones sociales de sus seguidores. De esta forma, Cristo dio destaque al cuerpo del sujeto. Su contacto personal con sus seguidores materializan la verdad de sus palabras libertadoras. En este sentido, puede decirse que Pablo Freire promovió una educación cristiana, una especie de liberación de los pobres mediada por el recurso de la ‘palabra’.

Palabras Clave: Cristianismo; Teología de la Liberación; Educación; Pablo Freire.

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PAIXÃO, Claudia. For the poor: concepts of oppression-liberation in Freire’s

pedagogy in articulation with the christianity of liberation. MestradoemCiências da

Religião. 2013.

ABSTRACT

The ‘christianity of liberation’ can be considered a terminology to designate how actions of deliverance begins in matrix of christian religion catholic. In it, is implicit the concept of God is between people to provide experiences of deliverance of subject itself and in society. Procedural liberation that initiate liberating actions. Here, is more interesting action than faith. Think about christianity translate itself to think in salvific actions in oppressive situations. The faith that saves soul, but traps body, don't saved. The experiences spiritual devotionals, displaced of attitude of justice and love for the benefit of poor, passed through a difficult riddle of sense and social value in a concomitant historical period to emergence of theology of deliverance in Latina America. The church, in turn, condemned their best thinkers accusing them of unholy, because they cared too much about the social issue of subject-faithful. However, Christ himself prioritized save the social conditions of his followers. Christ thus gave emphasis to the subject's body. Your personal contact with his followers embody the truth of his words liberating. In that sense, one can say that Paulo Freire promoted a Christian education. A kind of liberation of poor mediated resource of 'word'.

Keywords: Christianity; Liberation Theology; Education; Paulo Freire.

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Tabela de Siglas ................................................................................10

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TABELA DE SIGLAS

CEBs

CMI

IPF

MPF

PPGE-

PUCSP

PUCSP

SECPE

SESI

TdL

UFPE

Comunidades Eclesiais de Base;

Conselho Mundial de Igrejas;

Instituto Paulo Freire;

Método Paulo Freire;

Programa de Pós-Graduação em Educação da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;

Secretaria de Educação do Estado do Pernambuco;

Serviço Social da Indústria

Teologia da Libertação;

Universidade Federal do Estado do Pernambuco

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SUMÁRIO

RESUMO ..............................................................................................................8

RESUMÉN ............................................................................................................9

ABSTRACT .........................................................................................................10

TABELA DE SIGLAS ..........................................................................................11

INTRODUÇÃO ....................................................................................................16

CAPÍTULO 1: UMA PEDAGOGIA PELA EDUCAÇÃO DOS POBRES-OPRIMIDOS

1.1 TEMAS SUSCITADOS A PARTIR DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO ...........20

1.1.1 O sujeito inacabado .................................................................................. 23

1.1.2 O sujeito autônomo .................................................................................. 24

1.1.3 Educação bancária ................................................................................... 25

1.1.4 Desejo por liberdade ................................................................................. 27

1.1.5 O opressor hospedado no oprimido ............................................................29

1.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL E OS PRESSUPOSTOS FREIRIANOS ............32

1.2.1 A possibilidade de superação da pobreza ..................................................33

1.2.2 Desemprego e fome: onde cabe à educação? ...........................................35

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1.2.3 O medo como obstáculo pedagógico ..........................................................38

1.2.4 Padrões de biofilia, necrofilia e a perspectiva da falsa generosidade .........40

CAPÍTULO 2: CONCEPÇÕES FREIRIANAS EM CONFLUÊNCIAS COM A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

2.1 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES ENTRE O PENSAMENTO DE FREIRE E O

CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO ................................................................... 44

2.2 FREIRE, O MARXISMO E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO . ..................... 51

2.2.1 Materialidade educacional do sujeito na sociedade capitalista ...................61

2.3 CONCEPÇÕES PRESENTES NA DIALÉTICA OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO

..............................................................................................................................62

2.3.1 Concepção de agir político .........................................................................64

2.3.2 Concepção de pobreza ...............................................................................67

CAPÍTULO 3: CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO: RELEITURAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A CONTEMPORANEIDADE

3.1 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ECONOMIA ......................................70

3.2 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA INCLUSÃO ........................................76

3.3 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS MISSIONÁRIO TRANSCULTURAL ........83

3.4 SUJEITO-HISTÓRICO, HISTÓRIA ABERTA E NEGAÇÃO DA HISTÓRIA

..............................................................................................................................89

3.5 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ESPERANÇA: ENSAIOS

REVOLUCIONÁRIOS CONTEMPORÂNEOS .....................................................91

3.5.1 Olhares de esperança .................................................................................93

3.5.2 Revolucionar para além da questão social .................................................96

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CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................102

ANEXO 01 -10 ......................................................................................................105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ ..115

LINKS CONSULTADOS .................................................................................. ..123

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INTRODUÇÃO

O contexto social de onde partimos para escrever esta pesquisa tem

sua delimitação temporal, mais especificamente, nos anos de 1960-1980,

podendo utilizar outros períodos aproximados para explicar por onde nos situamos

ao tratar dos assuntos correlacionados com o momento em que os sujeitos

despertaram-se para transformar realidades de pobreza no continente latino

americano. Esse momento teve sua notação definida pelas lutas sociais, e, no bojo

deste contexto, o Educador brasileiro Paulo Freire desenvolveu teorias que

desdobraram-se em sua práxis educacional libertadora.

Em várias partes do mundo, movimentos de reivindicações por autonomia e

políticas mais democráticas foram presenciados na década de 60. Na América

Latina, solicitações por respeito à questão social do trabalho e dos trabalhadores, e

maior atenção à realidade opressora de pobreza. No Brasil, primeiramente: a

luta por terras e pão; depois, pelas condições de trabalho; e, posteriormente,

pela liberdade de expressão ideológica e cultural. Ou seja, o tema da liberdade

efervescia pelo mundo. O tema da liberdade mudava a agenda da igreja cristã latina.

O tema da liberdade inquietava o âmago do pensamento do Educador Paulo

Freire. De acordo com Assmann, a consciência cristã estava sob o impacto da

experiência histórica (ASSMANN, 1971). Assim, tornava-se impossível que a

religião cristã ignorasse a militância sócio-econômica global.

Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) nasceu em Recife, em 19 de

setembro de 1921. Filho do oficial de polícia Joaquim Temístocles Freire e da dona-

de-casa Edeltrudes Neves Freire. Seu pai era adepto da religião Espírita, enquanto

sua mãe era Católica. Pode-se inferir que, desde cedo, Paulo Freire tenha

experimentado o ecumenismo religioso por ser filho de pais com religiões distintas. A

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família era da classe econômica considerada mediana – classe C – porém, a crise

econômica de 1929 conduziu-os ao contato com situações de pobreza. No início da

crise ele só tinha oito anos de idade. Seus pais migraram para a cidade de Jaboatão

dos Guararapes, no interior pernambucano - cidade esta, com índice de

pobreza bem maior do que a cidade de Recife, onde a família residia anteriormente.

Freire, seus pais e seus irmãos, conviveram com situações de restrição

econômica por anos.

A experiência de pobreza pode ter provocado em Freire um olhar dedicado às

questões de opressão econômico-social, a partir das realidades múltiplas e

dispáricas encontradas no país. Nessa trajetória, Freire desenvolve uma consciência

crítica acerca do conceito de ‘povo’. Em seguida, inicia trabalho como Docente no

ensino médio e atividades educacionais com trabalhadores rurais, urbanos e

pesqueiros do Estado de Pernambuco (FREIRE, 2001).Graduou-se em Direito

pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE -em 1946 - e, após um

concurso, obteve o título de Doutor em Filosofia da Educação1, já em 1959.

Lecionou Língua Portuguesa e Filosofia da Educação. Obteve contato com os

segmentos educacionais populares de Pernambuco, em meio às pressões do estado

brasileiro sobre a educação nacional, no período que antecedeu ao golpe militar de

1964. Freire desenvolveu um método de alfabetização de adultos, além de trabalhos

com o Serviço Social da Indústria SESI e com a Secretaria de Educação do Estado

de Pernambuco SECPE. Quando de sua passagem pela cidade de Anginos –

Rio Grande do Norte, Paulo Freire ganhou destaque nacional ao conseguir

alfabetizar 300 trabalhadores pobres em apenas 45 dias. Seu método foi

consagrado como ‘Método Paulo Freire – MPF’. Alguns pesquisadores gostam

de chamar o seu método de: ‘educação dialógica’2 porque se fundamenta no

diálogo para libertação da opressão social.Com o golpe militar, Freire foi

considerado educador subversivo e, portanto, exilado do Brasil. Passa pela

1GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez. 1996. p.34 2Para entender o conceito de ‘educação dialógica’, ver: SILVA, Noêmia dos Santos. Amor e revelação

na pedagogia dialógica: diálogo entre Paulo Freire e Juan Luis Segundo. Dissertação de

Mestrado. São Bernardo do Campo, SP: UMESP. 2009.

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Bolívia, Chile, países da Europa e da África, dando prosseguimento à sua

experiência ‘religiosa’ - se é que assim podemos denominar as confluências do seu

pensamento com a religião cristã. Na cidade de Genebra –Suíça, Freire participou

do Conselho Mundial de Igrejas - CMI, uma organização cristã do segmento

protestante. Retornou ao Brasil somente no ano de 1980. No ano seguinte, foi criado

o Instituto Paulo Freire - IPF, na cidade de São Paulo. Freire atuou como

Professor-Titular no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUCSP3. Publicou 24 livros e participou de

40 publicações em outros livros organizados com vários autores, entre os anos

de 1959 a 1995. Recebeu 41 títulos Doutor Honoris Causa em universidades como:

Cambridge, Harvard e Oxford. Faleceu em 1997.

A consciência política acerca do conceito de povo provocou temas como o da

‘liberdade’. Mas, de que liberdade estamos falando? Libertar-se do que, ou de

quem? Como libertar-se? Libertar-se de todo reflexo da opressão social que

condicionava milhares de brasileiros à marginalidade. Havia uma extensão das

formas de opressão social que afetou, inclusive, o desenvolvimento

educacional brasileiro. Carlos Rodrigues Brandão (1994) afirma que o sistema

educacional recebia interferências coercitivas do poder militar federal. Os

educadores eram visados como potenciais revolucionários. Entretanto, a força

da opressão jamais amedrontaria e nem seria capaz de conter um pensador como

Paulo Freire. O jeito foi aceitar o exílio para o Chile, após ser liberto do cárcere

temporário no Brasil das ditaduras. O seu pensamento tornou-se sua missão. Não

havia mais fronteiras que pudessem impedir Freire de compartilhar suas concepções

de educação em vários países.

Opressão social e moral direcionada aos mecanismos de educação.

Condição esta que, hostilmente, perdeu a chance da possibilidade do maior

desenvolvimento do Brasil em 460 anos de história. Que tipo de hostilidade

podemos perceber nesse período? Dentre outras situações, a hostilidade da

ausência de educação. A dinâmica da opressão, todavia, não está fechada ao

determinismo social. Os oprimidos, por sua vez, organizados em movimentos

sociais, poderão desestabilizar o topo piramidal de poder econômico a partir do 3www.paulofreire.org.br

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movimento infra-estrutural da base da pirâmide. Somente eles poderão libertar os

seus opressores, disse Freire (2010).

A concepção refere-se àquele que sofre a violência como sujeito

detentor dos mecanismos de percepção da estrutura desumana de opressão que

ocorre contra si, e, por isso, poderá organizar-se para mudar esta realidade. Quem

está no topo da pirâmide opressora não percebe - ou não quer perceber - a

realidade de violência que exerce na ação da base de dominação sócio-econômica.

A violência que oprime a identidade e exclui socialmente é tanto violência quanto

aquela que desfigura o corpo. Em níveis diferentes, todas são ações de

violência. Algumas ações de violência sutis podem ser denominadas como

‘violência simbólica’ (BOURDIEU, 1989). Outras, como violência materializada. A

violência simbólica é a que flagela a identidade dos sujeitos, agindo como elemento

de opressão por meio das dinâmicas sociais, com efeitos possivelmente mais

danosos para os sujeitos e para as sociedades.

Diante da realidade das relações de violência, perguntamos: quem

possui condições de iniciar o ‘diálogo’ libertador com maiores chances de êxito

- os opressores-regenerados ou os oprimidos? O Método Paulo Freire para

alfabetização de adultos – MPF - consiste em educar a partir do ‘diálogo’. E

que este diálogo construa-se de palavras geradas no cotidiano dos sujeitos.

As palavras que emergem da realidade cotidiana contêm os meios para gerar

transformação. Significa que dialogar com pautas previamente prontas pelos

opressores regenerados em nada vai mudar a dura realidade dos pobres. A pauta

do diálogo só poderá ser tecida com as palavras trazidas pela vivência dos

oprimidos. Estas são as palavras-geradoras que Freire propôs como aptas para

gerar transformação social (FREIRE, 2010). O Deus que queremos é aquele que

tem cheiro de gente. É aquele que Paulo Freire pedagogizou. O Deus dos

pobres. Daqueles que reconhecem que nada sabem.

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CAPÍTULO 1 UMA PEDAGOGIA PELA EDUCAÇÃO DOS POBRES OPRIMIDOS 1.1 TEMAS SUSCITADOS A PARTIR DA PEDAGOGIA DO

OPRIMIDO

A obra ‘Pedagogia do Oprimido’ - PO – foi pensada e gestada por Paulo

Freire durante a década de 1960. A primeira edição saiu somente em 1968,

em Santiago – Chile, já em seu período exílico. Esta obra é ao mesmo tempo

filosófica, sociológica, educacional e um tratado epistemológico. Sua

epistemologia faz repensar a prática pedagógica e indica que os processos

pedagógicos necessitam da atitude de ‘conscientização’ da realidade de opressão.

Assim, a questão principal dos pobres-oprimidos reside na competência de

saber-se enquanto oprimido, ou seja, conscientizar-se de sua condição –

provisória - de opressão. Por estes caminhos, foi gestada a obra Pedagogia do

Oprimido – PO.

Seu trabalho tem como tripé científico três espécies de conhecimento: o

conhecimento do povo, o conhecimento do mundo e o conhecimento do educador.

Todos os três tipos de conhecimento em dialogicidade, ou seja, em interação

constante. Por trabalhar com o fundamento da ‘palavra’ ou do ‘diálogo’, esses

conhecimentos se apresentam dentro da perspectiva da educação dialógica (SILVA,

2009). Proclamar a educação e a libertação dos pobres pode parecer incursão na

dimensão utópica que pretende redimir o mundo dos seus males. Embora

‘utopia’ possa parecer um messianismo apaixonado, Freire utiliza este termo para

navegar num oceano tão maculado por desesperanças e conformismos lógicos.

Para ele, o sentido moral e ético da práxis4libertadora se apresenta no individual

no coletivo, onde o conceito de ‘utopia’ serve de parâmetro para a humanização da

4práxis – a definição (1), em Aristóteles, é a de atos desempenhados como um fim em si mesmos, no interesse deles próprios; distingue-se de poiesis, que significa a atividade produtiva dedicada à realização de fins, bem como de theoria ou contemplação. São essas as três atividades ou ocupações básicas dos seres humanos (Lobkowicz, 1967). O significado (2), em Marx e nos escritos de numerosos filósofos no âmbito do marxismo ocidental é: (a) um tipo de atividade prática criativa peculiar dos seres humanos, por meio da qual eles constroem seu mundo, uma ideia

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ciência em práxis (MORGAGNI apud GADOTTI). Na direção da educação

libertadora, Freire começou sua pesquisa com a proposta da alfabetização de

adultos. Mas, como alfabetizar adultos? E, por que seria tão fundamental

alfabetizar pessoas que já estavam longe dos espaços escolares, trabalhando

nos mais diversos contextos sociais brasileiros? A viabilização da sua teoria

somente poderia ocorrer na emancipação dos sujeitos, onde a mediação lógica da

utopia se transporta para a adesão concreta da prática. Morgagni afirma que

Freire constitui-se num extraordinário exemplo de equilíbrio e de síntese entre utopia e adesão ao concreto, entre rigor intelectual e humanidade, entre especialista, homem de cultura e educador: homem sempre empenhado, mas jamais ligado a algum esquema ou dogma ideológico e atravessado pela paixão permanente em conjugar a teoria com ação, individual e coletiva. Paulo Freire representa seguramente um dos fenômenos educativos mais importantes, originais e fecundos do nosso século. A sua obra científica, tão intimamente unida à sua personalidade e humanidade não é apenas um capítulo fundamental e ainda aberto da história da pedagogia e das ciências da educação contemporânea, mas se constitui também um imprescindível ponto de referência prático operativo para a ação educativa (...) em meio a processos democráticos e igualitários de liberação social (MORGAGNI apud GADOTTI, 1989, p.334).

Em 2008, a Pedagogia do Oprimido - PO completou 40 anos de existência,

desde a primeira edição. José Eustáquio Romão afirmou estar impressionado com a

atualidade do livro após todos estes anos de produção, sinalizando as

características de universalidade que o livro alcançou: “E isto se deve, certamente,

às suas características de universalidade, como é próprio das grandes obras-primas

básica no modelo de Marx de natureza humana; (b) uma categoria epistemológica que descreve a atividade prática, constitutiva do objeto, dos indivíduos humanos em seu confronto com a natureza, que Marx denominou a “atividade prática do senso humano” (Marx, 1845, p.83); e (c) como práxis revolucionária (Marx, ibid.), o suposto ponto de transição social fundamental de acordo com o qual se diz que, na prática, as circunstâncias sociais objetivas do proletariado coincidem com o completo entendimento delas. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 1996. 600pp.

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da humanidade” (ROMÃO, 2008, p.11). O livro propõe uma espécie de opção

radical pelo oprimido, onde a pedagogia de Freire delineia-se em uma

pedagogia ‘do’ oprimido, em vez de ‘para ele’. Ela surge a partir do oprimido.

A opção pelo oprimido gera outra epistemologia na leitura da questão social da

pobreza, ao elevar os pobres ao patamar de atores e debatedores no centro

da discussão sócioeconômica. São estes pobres que, agora, se apresentam

radicalmente capazes de provocar outras reflexões sobre a conjuntura da opressão

social presente - em todos os pontos do planeta – onde quer que estes se

encontrem. Os opressores, enquanto classe que oprime, não libertam e também

não se libertam, ainda que promovam reflexões para a minimização da

pobreza (FREIRE apud ROMÃO, 2008). Com a extensão do princípio

paradigmático de que os oprimidos são potenciais libertadores podemos conduzir

estas ideias a outros setores da produção humana e científica, com o fim de

compreender que somente os pobres são capazes de renovar o seu processo

civilizatório.

Ana Maria Araújo Freire, segunda esposa de Paulo Freire, defende que a PO

é a produção literária de maior prestígio que seu marido compôs. De acordo com

ela, o livro revela um compromisso com a educação-política (A. FREIRE, 2001). O

livro não se restringe a uma proposta pedagógica revolucionária para o sertão

pernambucano, de onde emergiu sua concepção libertária. Ele extrapolou as

fronteiras nacionais e latinas, oferecendo uma contribuição para a Pedagogia

universal do século XX. E, não ficou restrito ao século passado, sendo

atualizado pelas releituras de diversos educadores. Nesta direção, Ana Mae

Barbosa (2001) comunica que a teoria da PO foi incorporada e adaptada em

universidades da África e da Europa, inclusive, com mais abrangência nas

universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra.

O conteúdo científico da PO não permaneceu enclausurado no tempo e

no espaço em que foi produzido, mas derrubou fronteiras geográficas, culturais

e cronológicas, atualizando-se a todo instante. Seu idealizador e autor buscou novas

teorias educacionais para expandir suas primeiras percepções registradas na

PO. Seu texto pode ser adaptado em qualquer contexto sem a necessidade

de adulteração das características nativas de cada grupo a ser educado. A tônica

do livro é a implantação de mecanismos políticos para ‘ler o mundo’ – para

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que os pobres sejam educados a ‘ler o mundo’. Mas o que se encontra implícito na

atitude de ‘ler o mundo’? A resposta pode ser encontrada no despertar da

consciência crítica que a tudo vê e a tudo questiona. Aquele que questiona o que vê,

não aceita a realidade de forma passiva. Portanto, terá meios de assumir posturas

pro-ativas, com esforços de transformação de cada realidade desfavorável.

Quando Freire desenvolve a necessidade de se ‘ler o mundo’ é porque ele

sabia que os sujeitos transitam por um mundo ‘já lido’ por opressores e

transmitido como realidade imutável aos mais pobres. Estes, por sua vez, sequer

são educados a ler a realidade onde estão mergulhados.

1.1.1 O sujeito inacabado Ao visualizar os pobres na sua inteireza, caminha-se para a visão integral do

ser humano que, apesar da condição de pobreza, possuem outras situações

que devem ser trabalhadas pedagogicamente para sua emancipação social. O

ser integral é o ser inteligente, apesar de pobre. O ser integral é o ser que

aprende, apesar de pobre. O ser integral é o ser político e transformador, apesar de

pobre. Aquele que olha para si mesmo como integral, vê o coletivo e o individual

dentro de si, simultaneamente (ALVES, 2008). Freire defende a ‘inconclusão’ do ser

humano no sentido de que somos seres em constante aprendizado, ou seja,

inacabados5. Contudo, o ser inacabado proposto por Freire não é visto pela

metade ou desintegrado do conjunto das relações sociais. Ele possui a gênese da

integralidade, mas em estado transitório de inconclusão. O ser inacabado busca

completar-se no outro, no coletivo. Dessa forma, não há como o sujeito ser completo

enquanto outros estão sofrendo opressão social. Alguns matizes de ‘inteireza’ são

sugeridos por Maria Leila Alves (2008), como: inteireza de trajetória - que se

traduz na postura do educador que não titubeia nos seus princípios ou idéias

durante sua trajetória profissional. Consciente da provisoriedade das certezas,

ele as defende porque nelas faz sua filosofia. E nelas, constrói sua práxis. Daí,

5Inacabado - Streck, D; Redin, E; Zitkoski, J. (Org.) Dicionário Paulo Freire. 2ed. Belo Horizonte: Autentica. 2009.

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seria incoerente abandonar seus princípios educacionais por circunstâncias

adversas. Nasce, então, o educador integral que faz-se reconhecer pela

inteireza que alia sua ideologia com sua prática, autenticado pelo tempo de

permanência nos seus objetivos. Integralidade pedagógica. Outro aspecto da

inteireza proposto por Alves (2008) é a inteireza da resposta. O que seria

isto? Qual o lugar das ‘respostas’ nos procedimentos educacionais? Com base

na análise da PO, ela defende que todos merecem uma resposta. Ainda que os

sujeitos educacionais nos apresentem questões complexas, o educador deve atuar

para buscar caminhos de respostas possíveis. O importante é sinalizar que estas

respostas são provisórias, uma vez que, o sujeito é ser inconcluso, incompleto

e inacabado. E, na dinâmica da incompletude da existência humana, as respostas

estarão à mercê de mutações e atualizações existenciais, temporais, casuais.

1.1.2 O sujeito autônomo

A ‘confessionalidade’ do ser integral no pensamento freiriano pode ser

percebida pela insistência nos ideais de humanismo. Por defender a ‘autonomia’ do

ser humano, mas sem apoiar seu pensamento nas teorias marxistas-leninistas,

Freire foi criticado como incoerente. Contudo, Freire encontrou sinais de autonomia

nos sujeitos que experimentam o processo da metodologia educacional

libertária.

Metodologia esta que se concretiza na dialética da libertação individual e

coletiva. O individual encontra-se integralmente ligado ao coletivo dentro desta

dialética. O indivíduo só pode considerar-se livre ao libertar os demais sujeitos

oprimidos que com ele interagem. Alves (2008) denuncia sua insatisfação em

constatar que a PO não é aplicada no cotidiano de muitos sistemas educacionais e

afirma que o motivo é que alguns educadores escolhem posturas mais

confortáveis de trabalho. Há ausência de mais educadores comprometidos com as

lutas sociais assim como foi Paulo Freire. Educadores que lutem pelos mais pobres,

sem medo de perder seus empregos pela dissonância de suas vozes dentro dos

sistemas educacionais mais conservadores. Sobre Freire e a ‘Pedagogia do

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Oprimido’, Alves (2008, p.25) afirma: “Quando muitos dos companheiros de luta

desertaram para posições mais cômodas, sua voz sempre se fez ouvir em favor dos

oprimidos e contra a opressão.”

O processo de busca da liberdade será mediado pela autonomia, pela

responsabilidade e também pelo exercício da criatividade (FREIRE, 2011). Ao

desenvolver sua autonomia, os sujeitos adquirem liberdade acoplada de conquista

pessoal responsável. Contudo, a liberdade precisa ser buscada. A liberdade não é

um dado espontâneo em situações do desenvolvimento humano, mas necessita de

estímulo para desenvolver-se. A liberdade é percebida no texto freiriano como um

movimento a partir de si mesmo, em vez de algo externo aos sujeitos. Sem o

movimento, há ocultamento e negação da liberdade latente em todo ser humano. A

problemática decorrente do ocultamento da liberdade é a geração de alienação da

‘palavra’. Para Freire, as palavras possuem a função de transformar realidades. Por

isso, sua proposta educacional centra-se no diálogo, ou seja, na palavra. São

as palavras que dão significado à história humana. Quando as palavras são

castradas perdem a função de transformar histórias ou de criar novas histórias

diante daquelas prescritas. A pedagogia da palavra é a pedagogia dialógica, ou seja,

a pedagogia que se faz nas bases do diálogo (FREIRE, 2010).

1.1.3 Educação bancária

Há profissionais que consideram-se educadores, porém não conseguem

trocar de lugar com seus alunos para entender suas percepções de mundo e seus

acúmulos intelectuais (BETTO, 2008). Na teoria, muitos professores apregoam

a educação libertadora e ousam ensinar sobre Paulo Freire, quando nem mesmo

têm a coragem de abandonar seus planos de ensino cartesianos6. Insistem na

6Cartesiano – O termo ‘cartesiano’ refere-se a René Descartes. As regras de Descartes, inspiradas na geometria, são simples, mas devem ser efetivamente postas em prática, seguidas à risca: “Assim, em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, julguei que me bastariam os quatro a seguir, desde que eu tomasse a firme resolução de jamais deixar de observá-los.” A primeira é a regra da evidência: “jamais aceitar uma coisa como verdadeira que eu não soubesse ser evidentemente como tal”; a segunda, a regra da análise: “dividir cada uma das

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‘educação bancária’ viciada e viciante, que mascara o processo de ensino-

aprendizagem e coloca o professor no topo da discussão. Ao passo que, o correto

seria o professor se posicionar como mediador de cada discussão em sala de

aula. ‘Educação bancária’ é um termo cunhado por Freire que pode ser interpretado

como o processo de ensino em que o professor ‘deposita’ seus conhecimentos e

suas ideias de modo arbitrário na cabeça de seus alunos, tal como um

depósito feito em um caixa eletrônico do banco. O caixa eletrônico está ali para

receber ‘depósitos’ dos usuários e não discute sobre o conteúdo nele

depositado; apenas recebe. Na educação bancária, o professor deposita o que

ele quer, não importando se o aluno está aprendendo ou não. Este

procedimento constitui-se uma máscara educacional, na qual o professor finge

que ensina e o aluno finge que aprende. Para Frei Betto (2008) esse problema

só seria resolvido com uma ‘revolução copernicana’, onde a Pedagogia do

Oprimido fosse lida, refletida e praticada.

A mensagem de Freire ganha caráter permanente de inovação por sua

linguagem intuitiva e aberta à experiência. Sua pedagogia permite a interconexão de

fases, de tempos e espaços educacionais. Quaisquer novas metodologias de

ensino, em qualquer cultura, permitem a veiculação das ideias libertadoras que

saltam da Pedagogia do Oprimido, visto que ela se fundamenta no ensino-

aprendizagem pautado na realidade dos alunos (JOSAPHAT, 2001). Nesse aspecto,

torna-se difícil fragmentar o conjunto da obra freiriana ou mesmo tentar alocá-la no

século passado. As tentativas de desqualificação do Método Paulo Freire – MPF –

acabam sempre por caracterizar modismos educacionais que logo desaparecem.

dificuldades que eu examinasse em tantas partes quantas possíveis e quantas necessárias para melhor resolvê-las”; a terceira, a regra da síntese: “conduzir por ordem meus pensamentos, a começar pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para galgar, pouco a pouco, como que por graus, até o conhecimento dos mais complexos”; e, finalmente a quarta: “fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada ter omitido.” MARCONDES, Danilo. Descartes e a filosofia do cogito. In: MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. 10ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006. 159-175pp.

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1.1.4 Desejo por liberdade

A violência contra a liberdade educacional é violência contra liberdade

do sujeito educável. O sujeito precisa da atividade educacional para

desenvolver-se, porque não aprende de forma inata. Pode-se dizer que a educação

é latente no ser humano, mas que só emergirá do período de latência em

interação com outros sujeitos. O ser humano permanece toda sua vida como

sujeito educando, aprendente7 ou educável (KANT, 2006). Educação é um

direito: o direito à educação. Para Freire, além da educação, os sujeitos têm o

direito à educação para a liberdade. Os sujeitos necessitam de libertação e anseiam

por liberdade, como que uma característica da condição humana frente à

‘prisão’ imposta pela sua própria natureza finita. A finitude da matéria humana

induz à ansiedade de sua própria superação enquanto existência. Assim, ele

propõe o conceito do ser humano inacabado, na perspectiva de sujeitos em

processo de aprendizagem, que anseiam transcender-se na espiritualidade das

relações sociais, ou seja, em elementos que não estariam disponíveis pela

matéria inata humana. Porém, a constatação de sua finitude material e o

desejo por liberdade de transcendência não ocorrem sem choque, contra-ditos

e conflitos.

A sociedade, desse modo, está imersa em contradições entre a

realidade existencial do ser e a possibilidade do vir-a-ser. Tudo o que não é, poderá

vir-a-ser. As possibilidades de mutações nas relações humanas são plurais,

são muitas. Conotações de pluralidade nas relações humanas provocam o

desejo de transcendência nos sujeitos que passam a se perceber como

heterogêneos em várias dimensões. A matriz unicista e homogênea fica instável

pelas emergências do ser que se deparou com a possibilidade de transcender a si

nas relações humanas e na relação com seu Criador-Deus (FREIRE, 1967).

7 Para Hugo Assmann (2011), os sujeitos tornam-se aprendentes quando percebem a utilidade do aprendizado, pois:“No processo educativo não pode haver lugar para a insensibilidade. Estou convencido de que as diferentes formas do conhecimento devem ser dinâmicas e prazerosas para dar lugar a uma educação comprometida com o social e centrada no prazer de aprender a aprender.”

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O sujeito integral, porém inacabado, em processo de transcendência de

si, não é aquele analisado somente da perspectiva filosófica metafísica, mas é o

sujeito que precisa aprender a ser gente no processo de convivência social

cotidiana. E, nesse processo, comungar com seus companheiros na luta pela

minimização das relações de dominação e de opressão social (STRECK, 1994).

Será possível a superação da polaridade: opressão-libertação? O paradoxo dos

opressores desumanizados os coloca na condição existencial de “ser menos”.

Condição de existência inconclusa, e distorcida. Ainda que a ordem social se

apresente como ordem invertidamente injusta, ela provoca reações de equilibração

ou de harmonização. A equilibração é o que vai promover o retorno à humanização.

Todo sujeito oprimido e feito em algo “menos” do que tenderia vir a ser, certamente,

em algum momento, poderá reagir contra quem ou o que o constituiu abaixo de sua

humanidade. A reação está condicionada a conscientização. Se o sujeito tem

consciência de sua pobreza, provavelmente reagirá contra ela. O poder

transformador não está nem na mão dos oprimidos e também não está nas mãos

dos opressores regenerados, mas está na linguagem que advém do diálogo entre

opressores e oprimidos (FREIRE, 2010).

Daniel Schipani denuncia que, apesar da globalização, os efeitos

neocoloniais seguem reproduzindo políticas dominadoras no continente latino.

O imperialismo tem se expandido (SCHIPANI, 2002). Não basta tentarmos nos

proteger da globalização com atitudes como, por exemplo: abandonar o uso

de termos do idioma inglês. A saída para a libertação das nações neo-

coloniais é o reforço da cultura local. Não será mais possível abortar o uso

do inglês como ferramenta indispensável nos setores de comunicação das

empresas do nosso século. Mas há a possibilidade de reduzir a força invasiva das

culturas relacionadas com o idioma inglês em nossa cultura. Ao valorizar-se a

cultura local com incentivos educacionais para a re-alocação do nosso idioma

estaremos contribuindo de modo objetivo para reforçar nossa identidade cultural.

Re-alocar a língua portuguesa é trazer de volta para o palco nossa literatura

e nosso jeito de pensar as coisas. É deixar o pobre escrever sua poesia e ajudá-

lo a discutir a política internacional. Não é suficiente assumir uma posição

revolucionária ou socialista, mas conviver com a globalização de modo proativo e

não apenas receptivo. Dar espaço para o diálogo com os setores menos

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desenvolvidos numa perspectiva mais humanizadora de seus conflitos

(GUTIÉRREZ, 1971).

Uma pedagogia libertadora confronta o sistema socioeconômico

dominante para lhe propor outros olhares mais contextualizados com a vida dos

excluídos. Não podemos nos iludir com o desenvolvimento tecnológico e nele

projetar a expectativa messiânica de crescimento social igualitário (SCHIPANI,

2002). Não dá para esperar que a constante atualização da era digital venha

contribuir para a distribuição equitativa. A tarefa de diminuir a agressividade do

capital é nossa – dos que possuem condições para refletir, e trazer outros à reflexão.

Reflexão sem ação não produzirá frutos, ao passo que ações assistencialistas

desprovidas de reflexão são igualmente estéreis.E foi exatamente a questão da

opressão social que motivou Paulo Freire a planejar um método de educação que

pudesse emancipar os famintos e pobres do mundo, a partir do sertão

pernambucano. Um método em que os educandos assumissem consciência

crítica de sua opressão social e elaborassem meios de romper com esta

situação desumana visando à libertação social deles e de toda a pirâmide

econômica. Os analfabetos adultos são pessoas de baixa renda e também

formam um grupo social que conhece a fome bem de perto. Para emancipá-los, o

processo de alfabetização deveria acontecer na ação cultural para a libertação

da pobreza (FREIRE, 1981). Para Freire, a ação cultural pedagógica precisa ser

uma ação para a liberdade criativa, que atua por meio do estímulo à

autonomia dos sujeitos aprendentes.

1.1.5 O opressor hospedado no oprimido

O aspecto da libertação nos processos humanos está ligado à ideia de que os

sujeitos são seres inconclusos e que estão constantemente em busca de sua

liberdade. Sua consciência pode estar oprimida ou alienada, mas a chama da

liberdade continua a pulsar em cada sujeito. O que aliena suas consciências

é o sentido da prescrição que recebem arbitrariamente. Os sujeitos opressores

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atuam por meio de palavras e ações que prescrevem a realidade para os

sujeitos oprimidos. Estes, por sua vez, aceitam esta realidade que lhes é

imposta e internalizam a figura do opressor dentro de si. Freire (2010) afirma que os

oprimidos hospedam a consciência do opressor e a legitimam. A situação de

legitimar a opressão dentro de suas subjetividades constitui forte impasse para a

libertação dos sujeitos. Contudo, na maioria das vezes, os sujeitos não se dão conta

de que estão aprisionados por uma estrutura sócio-econômica capitalista e

dominadora. Eles continuarão desejando ser livres, mas ainda sem a

consciência da realidade opressora em que estão inseridos. O canal para

transcender na busca de liberdade e objetivar a libertação da opressão necessita

da instrumentalidade de uma pedagogia problematizadora que motive os sujeitos a

fazerem uma leitura crítica do mundo e, passarem a se reconhecer como

sujeitos livres na constituição da natureza humana. A libertação para ‘ser

verdadeiramente livre’ é vista como algo processual, onde os sujeitos atuam como

agentes libertando-se, isto é, em processo constante de vir-a-ser livres (FREIRE,

2010). O processo é interativo8, agindo por estímulos e respostas nas situações

de conflito e de opressão. A resposta do sujeito no mundo deve estar alicerçada

sobre o princípio da liberdade. Responder não é reagir. A reação se distingue

do ato da resposta consciente. Sujeitos que reagem são sujeitos condicionados e

dominados pelo medo. Ao passo que: responder é ter autonomia para desejar ser

livre e agir para sua libertação e libertação de sua comunidade (ALVES, 2012).

8Interativo – Interação é o processo que ocorre quando pessoas agem em relação recíproca em um contexto social. Embora esse fato possa parecer óbvio, o conceito de interação repousa sobre uma distinção importante entre ação e comportamento. ‘Comportamento’ inclui tudo que o indivíduo faz, de se coçar a escrever um romance ou jogar futebol. “Ação”, contudo, é um comportamento intencional baseado na ideia de como outras pessoas o interpretarão e a ele reagirão. Na interação social, percebemos outras pessoas e situações sociais e, baseando-nos nelas, elaboramos ideias sobre o que é esperado, e os valores, crenças e atitudes que a ela se aplicam. Nessa base, resolvemos agir de maneiras que terão os significados que queremos transmitir. O método geral para compreender o que fazemos em termos do significado que atribuímos ao nosso comportamento e ao do nosso semelhante é conhecido como ‘teoria da ação’. O desenvolvimento dessa teoria está ligado principalmente a Max Weber e ao conceito que propôs de verstehen (compreensão, em alemão). Argumentava Weber que não podemos compreender o que pessoas fazem sem ter alguma ideia de como elas, de forma subjetiva, interpretam seu próprio comportamento. Este ‘insight’ básico pede aos sociólogos que incluam a empatia no método que usam para compreender a vida social, juntamente com outros métodos científicos mais objetivos. JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 1997. 131pp.

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A problematização deste tema ocorre exatamente quando o sujeito questiona sua

existência e inicia o processo de buscas por respostas porque sabe pouco

acerca de si mesmo (FREIRE, 2010). A humanização e existência sempre

foram percebidas do ponto de vista axiológico. Hoje, porém, adquire caráter de

exercício. Os movimentos revolucionários em todo o mundo, liderados por

jovens em sua maioria, conduzia à crítica do deslocamento das questões centrais

de sobrevivência humana para ascensão do mercado de consumo. Para isso,

urgia combater os sistemas burocráticos que engessam a tomada de decisões que

favoreciam o bem-estar geral das sociedades. Obviamente, este movimento

possui caráter mais antropológico do que antropocêntrico. A desumanização dos

sujeitos tem natureza ontológica e histórica.

A partir da análise epistemológica dos elementos constituintes da

posição de “desumanização”, torna-se possível passar à compreensão da tríade:

Humanização-Desumanização-Humanização. O que significa esta tríade? Para

onde ela deseja levar-nos? Os humanos podem desumanizar-se durante sua

experiência histórico-existencial, uma vez que são seres inconclusos. A

inconclusão dos sujeitos os direciona para a progressão existencial ou para a

regressão existencial. Conscientes de sua inconclusão devem buscar experiências

de re-humanização (FREIRE, 2010). As sociedades inconclusas desenvolvem a

tríade humanização-desumanização-humanização. Os sujeitos da humanização são

aqueles que nascem humanos, ou seja, todos nós. Durante os processos sociais

de convivência e também nas intempéries da vida humana, os sujeitos podem

desumanizar-se, posição esta que constitui o segundo aspecto da tríade. Nesse

local da desumanização estão as realidades opressoras-dominadoras. O ponto

privilegiado deste discurso é que, como sujeitos inconclusos, imersos na posição

social de desumanização, poderão transcender sua existência e retomar a

humanização. Finalmente, chegamos ao equilíbrio de nossa tríade: o retorno à

humanização. É neste sentido que Alves (2012) afirma que a história é aberta e

nunca fechada. A história só se fecha quando aceitamos os fatos lineares como

realidade dada. A realidade de opressão não é realidade dada, mas história

aberta às insurgências da libertação. Na retomada da humanização está a chave

para ações libertadoras. O sujeito-histórico nega o fechamento da história

linear e a transgride para a mediação da esperança de libertação.

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1.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL E OS PRESSUPOSTOS FREIRIANOS

A legislação da educação brasileira estabelece graus e modalidades

pedagógicas acerca dos sujeitos aprendentes e seus facilitadores, os professores.

De certa forma, exemplifica-se numa ideologia do pensamento educacional

brasileiro. A educação nega no cotidiano o que afirma na lei, dizem os educadores

brasileiros que convivem com as contradições da educação nacional. Há na

legislação brasileira o pressuposto da educação pela liberdade e pela solidariedade.

Seguiremos destacando alguns itens da Lei de Diretrizes e Bases – LDB/

9.394, atualizada em 2010, 5ª edição9

Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na

vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e

pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais.

Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho.

Art. 3º - Parágrafo II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a

cultura, o pensamento, a arte e o saber.

Parágrafo IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância.

9 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO – LDB n.9394/96 – 5ªed. Atualizada. 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf> Acesso: 12.11.2012.

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Com base no exposto da legislação educacional, fica esclarecido que a

questão da liberdade faz parte da agenda. Contudo, a liberdade nem sempre

faz parte do cotidiano da educação. Dizer que a educação possui o elemento

da liberdade refere-se a alguns pré-requisitos, como: respeito ao

educando,conhecimento da sua realidade, veiculação do afeto na prática

pedagógica, dentre outros parâmetros fundamentais. Um desses outros

parâmetros diz respeito a concepção de subjetividade no processo de ensino-

aprendizagem. A subjetividade não apenas como elemento psíquico, mas enquanto

elemento dialético e dialógico,que extrapola a dicotomia do individual-coletivo e

compreende a integração de ambos na sua dialogicidade (BENACHIO, 2011).

Talvez o que mais impeça a livre fluência das subjetividades sejam os sistemas

sociais de controle que se constituem em padrões de comportamento social

estabelecidos pelos grupos de acordo com seu conjunto de normas, valores e

diretrizes éticas. A troca de bens, saberes e favores está mediada pelo poder.

O poder é fruto das relações políticas de cada sociedade. As relações

políticas por sua vez não ocorrem somente na educação, mas também na

medicina, na filosofia, na ciência do Direito e em todas as demais aglomerações de

profissionais especialistas de cada campo do saber ou do fazer (BRANDÃO,

1981).

1.2.1 A possibilidade de superação da pobreza

Boa parte da produção de Paulo Freire possui um núcleo comum

assentado sobre a missão de educar os pobres para que estes possam

libertar-se a si e a outros da opressão social instalada. Nesse sentido, os

processos educacionais são vistos como elementos mediadores para o

desenvolvimento das virtudes que conduzam ao lugar social da libertação

histórica. Virtudes, como: autonomia e esperança são destacadas na obra de

Paulo Freire como busca de transcendência. A transcendência, neste aspecto, dá-se

por uma ação específica de cada sujeito em cada existência sócio-cultural. Talvez,

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possamos dizer que a proposta educacional de Freire tenha o suporte de

virtudes que transcendem a atividade formal da educação (FREIRE, 2011).

Virtudes que conduzem a uma espiritualidade dos valores humanos, que são,

potencialmente, valores de liberdade.

A pedagogia freiriana defende a dialogicidade na educação com o fim

de libertar pobres de sua condição de alienação. O diálogo deve conter

linguagem particular à vivência dos pobres. O foco desta pedagogia não está

na educação como objeto de transferência de conteúdos técnicos, mas no

desenvolvimento das virtudes humanas. Virtudes conectadas com o processo

formativo e valorativo do vira-ser (FREIRE, 2011). Na educação libertadora o

comportamento humano diante de situações de conflito configura a disciplina de

base. Já na educação formal da racionalidade instrumental preconizam-se

disciplinas científicas, tecnológicas, computacionais e filosóficas. Questões

direcionadas ao cotidiano não são prioridade na educação formal da racionalidade

instrumental. Freire sugere o despontar de virtudes para ocupar lugar de

prioridade nos sistemas educacionais que provocaria uma mudança na escala

valorativa do currículo. Para ele, a educação não existe sem princípios éticos como

o respeito à liberdade, a autonomia e a esperança. Educar, assim, é formar o ser

com elementos da ética social que nos faz reconhecer e admitir a questão da

opressão social. E, ao reconhecermos a presença desta condição desumana,

nos indignarmos com a presença dela. A ética indicará que, existindo

opressão, deverá existir o exercício para a libertação desta condição. Na perspectiva

da ética, os sujeitos se dispõem a praticar liberdade para libertar outros (FREIRE,

2001).

Assmann (2010) afirmou que precisamos de uma revolução pedagógica.

Em vez de louvar ou temer a ascensão da era digital, as atenções dos

educadores devem retornar para os processos. Um fato importante é que as novas

tecnologias não conseguiram minimizar a problemática da fome. Pelo contrário,

os famintos prosseguem inflando os índices mundiais com suas misérias

particulares. Daí a urgência dos educadores ensinarem os educandos a viver em

solidariedade com os menos favorecidos. Afinal, educar para o aprendizado de

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novas tecnologias configura apenas uma das facetas do aprendizado social. Educar

engloba o saber teórico e a aplicação prática dos saberes na melhoria da qualidade

de vida de toda a sociedade.

1.2.2 Desemprego e fome: onde cabe à educação?

Nas mãos e nas mentes dos pobres está o poder libertador das situações de

opressão, uma vez que somente estes entendem as perspectivas de suas misérias.

Segundo Freire, apenas os oprimidos possuem o antídoto para neutralizar o poder

da indiferença que gera desigualdade social. São eles que detêm a epistemologia

especial para a verdadeira leitura do que ocorre nas relações de poder que

exacerbam privilégios de uns poucos para expandir a miséria de outros tantos. No

contexto sócio-histórico de aprisionamento emerge a pedagogia fundamentada

na pedagogia libertadora. Provavelmente, a libertação pode acontecer através

da pedagogia adequada a cada contexto. A pedagogia libertadora trabalha

com parâmetros conceituais precisos na direção da significação dos processos

históricos humanos (MARTINS, 2011). Ver tabela

TABELA 01

10 coisas que você precisa saber sobre a fome em 2013

1. O mundo tem cerca de 870 milhões de pessoas que não têm o necessário para comer,

para levar uma vida saudável. Isto significa que uma em cada oito habitantes do globo vai

para a cama, todos os dias, passando fome (Fonte: FAO, 2012).

2. O número de pessoas vivendo com fome crônica baixou para 130 milhões nas últimas

décadas. Nos países em desenvolvimento, a prevalência da má nutrição caiu de 23,2% para

14,9% no período de 1990-2010 (Fonte: FAO, 2012).

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3. A maioria do progresso contra a fome foi alcançado antes de 2007/2008, quando ocorreu

a crise econômica global. Desde então, os avanços na redução do problema foram

desacelerados e estagnados (Fonte: FAO, 2012).

4. A fome é o problema número 1 na lista dos 10 maiores riscos de saúde. Ela mata mais

pessoas todos os anos que doenças com Aids, malária e tuberculose combinadas (Fonte:

Unaids, 2010, OMS, 2011).

5. A má nutrição está ligada a um terço da morte de crianças com menos de cinco anos nos

países em desenvolvimento (Fonte: IGME, 2011).

6. Os primeiros mil dias da vida de um criança, da gravidez aos dois anos de idade, são

fundamentais para o combate à má nutrição. Uma dieta apropriada, nesta época da vida,

protege os menores de nanismos físico e mental, que podem resultar da má nutrição (Fonte:

IGME, 2011).

7. Custa apenas 25 centavos de dólar americano, por dia, para garantir que uma criança

tenha acesso a todos os nutrientes e vitaminas necessários ao crescimento saudável

(Fonte: IGME, 2011).

8. Se mulheres nas áreas rurais, tiverem o mesmo acesso à terra, à tecnologia, à educação,

ao mercado e aos serviços financeiros que os homens têm, o número de pessoas com fome

poderia diminuir entre 100 e 150 milhões (Fonte: FAO, 2011).

9. Até 2050, as mudanças climáticas e os padrões irregulares da temperatura terão

colocado mais 24 milhões de pessoas em situação de fome. Quase metade destas crianças

estarão vivendo na África Subsaariana (Fonte: PMA, 2009).

10. A fome é o maior problema solucionável do mundo.

http://www.ecodebate.com.br/2013/01/09/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-fome-em-2013/

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O primeiro passo do processo é definir o contexto onde a educação

libertadora irá desenvolver-se. A educação será o objeto, mas a pedagogia

constituir-se-á na forma de fazer a libertação, isto é, no método libertador. O objeto

da educação que se pretende libertadora é a questão da busca da liberdade.

A busca desta caracteriza o próprio objeto. Entretanto, uma educação não

busca liberdade de forma espontânea, mas por meio dos estímulos sociais e

culturais que lhe chegam. De forma prática, os estímulos sociais são as demandas

temporais e históricas de cada grupo social. Os grupos podem selecionar suas

demandas, eventualmente. Outras são demandas arbitrárias advindas das

contingências da vida e não passíveis de seleção. Tanto as demandas

selecionadas quanto as arbitrárias passarão pelo crivo pedagógico que fará

daquela sociedade uma sociedade aprendente ou não-aprendente. Uma das

situações de caráter essencialmente pedagógico encontra-se na questão

econômica. As desigualdades econômicas produzem um aprendizado afirmando

e reafirmando o que se encontra na agenda de determinada sociedade.

As relações econômicas produzem crenças nos sujeitos. Crenças acerca

do que precisa ser aprendido para ser vivido, e também o que precisa ser aprendido

para ser abortado. Situações econômicas são situações pedagógicas, portanto,

situações aprendentes. A sociedade aprendente é aquela que interage de modo pro-

ativo com seus sistemas econômicos. Assmann (2007) defende que não é

possível negar o lugar da educação na questão econômica, especificamente

no potencial de empregabilidade de uma sociedade. Novas formas

pedagógicas farão brotar experiências de aprendizagem para a empregabilidade

social. A questão do desemprego gera muita opressão. Sujeitos oprimidos, por sua

vez, podem englobar os sujeitos em situação de desemprego ou não. Pois, a

empregabilidade não determina a liberdade de poder ser. O que delineia a liberdade

de ser é a prática da educação para a liberdade. Certamente, sujeitos em

situação de desemprego elevam maiores graus de opressão social, em

escalas ainda mais distantes da possibilidade de existir em liberdade.

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1.2.3 O medo como obstáculo pedagógico

Questões econômicas estão presentes na lista que contém itens, como:

desemprego, desigualdade, dominação, opressão, pobreza, fome e ‘medo’.

Destas situações, o ‘medo’ é quase que a pior de todas as condições, pelo efeito

paralisador que gera acomodação nos sujeitos. Estes sujeitos amedrontados

consideram impossível mudar a realidade de opressão. Acreditam que a culpa

é dos governantes ou do sistema, e que eles nada podem fazer. De forma

messiânica, projetam sua libertação nas mãos de governos totalitários e

brigam com formas comunistas ou socialistas de governo. Os que assim procedem

não foram ensinados a pensar sobre suas próprias condições de ação pela

liberdade. Em vez de se perceberem como vítimas do sistema, deveriam vencer o

medo de ser. E, ao ser em liberdade, promover ações comunitárias que rejeitem

todo o determinismo que as relações sócio-econômicas lhe sobrepuseram.

Sobre o medo de ser, Mia Couto, escritor moçambicano afirma em vídeo-

conferência

O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura algo me sugeria o seguinte: que há mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas (...). O preço dessa construção de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história e, a mais grave dessa longa herança de intervenção externa, é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos (COUTO, 2001, s/n).

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Os que se encontram em situação de opressão identitária aceitam esta

realidade porque introjetam a figura do opressor dentro de si. Freire (1994) afirma

que os oprimidos hospedam a consciência do opressor e o legitimam socialmente. O

que aliena suas consciências é o sentido da prescrição que recebem

‘arbitrariamente’. Os sujeitos opressores atuam por meio de palavras e ações que

prescrevem uma suposta realidade para sujeitos oprimidos. Sua consciência pode

estar oprimida ou alienada, mas a chama da liberdade continua a pulsar em cada

sujeito. O aspecto de busca incessante por liberdade está ligado à ideia de que os

seres humanos são seres inconclusos, e de que estão constantemente em busca de

sua liberdade. O canal para o transcendente, por meio da educação, estará aberto

quando os sujeitos pedagógicos passarem a se reconhecer como sujeitos

potencialmente livres. Toda invisibilidade é originada a partir de uma ordem

social normatizada pelos grupos. Os sujeitos se conformam a esta ordem e a

defendem como natural e imutável. Dentro desta ordem, há os que se beneficiam da

invisibilidade dos sujeitos desfavorecidos no plano sócio-econômico. Estes são os

sujeitos que Freire (2010) vai denominar de ‘opressores’. Se estes são

opressores, os demais são os ‘oprimidos’. A ordem injusta provoca a violência no

processo de desumanização em que sujeitos são desapropriados do pleno

desenvolvimento de sua condição existencial. Assim, a desumanização ontológica

não é realidade dada, mas resultado desse desequilíbrio social nas relações

humanas. Para que o equilíbrio seja restaurado será necessária a atuação

emancipatória dos ‘oprimidos’, pois apenas estes possuem a força mobilizadora

para que seja feita uma releitura da realidade social instalada e mantida sob

opressão.

Os opressores, diversas vezes, também tendem a mobilizarem-se para

que os oprimidos adquiram ‘melhores condições sociais’ no exercício de sua

existência. Contudo, as iniciativas dos opressores terminam for reforçar as

desigualdades porque são ações de paternalismo que não ensinam os

oprimidos a se desenvolverem para alcançar a liberdade. Segundo Freire

(2010) a ajuda dos opressores constitui uma falsa generosidade em direção

as mãos freqüentes dos ‘demitidos da vida’, os quais são fragilizados não apenas

pela condição social em que nasceram, mas, sobretudo, pelas insistentes ajudas

dos opressores das quais eles nunca conseguem se libertar. Os oprimidos adquirem

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personalidade insegura. Na complexidade das questões econômicas brasileiras,

há espaço para uma educação para a liberdade dos sujeitos? Quais os meios de

transformar a realidade circundante por intermédio da pedagogia libertadora?

De acordo com Freire, os oprimidos têm diante de si um grande muro que os

impede de visualizar o horizonte de oportunidades que se desenha à frente deles.

Em parte esse impasse pode resultar da imagem de progresso que os

oprimidos introjetaram dentro de si – a imagem dos opressores. Sobre isso Freire,

discorre. O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’

o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos,

da pedagogia de sua libertação (FREIRE, 2010, p.34).

1.2.4 Padrões de biofilia, necrofilia e a perspectiva da falsa generosidade

O fato dos oprimidos introjetarem em si mesmos a imagem do opressor, lhes

causa dependência deste modelo. A idealização do sonho de consumo os faz

imaginar que o modelo correto de gente é o modelo de progresso econômico dos

seus opressores. Isto não significa que eles não saibam que estão sendo

subjugados e humilhados. Até sabem, mas não têm uma consciência clara do

processo que os conduziu ao lugar de ser menos (FREIRE, 1979). E, por

isso silenciam. A incursão do silêncio faz parte da ideia de que não há meios

de transformar a situação. O silêncio e submissão fazem parte da cultura

latina que incorpora modelos europeus e mantém arraigado na cultura o mito do

‘american way life’ – do sonho estadunidense de sociedade. O silêncio latino

nos conduz à repetição de padrões doentios de dependência. Isso quer dizer que o

muro continua à nossa frente. Para que encontremos os caminhos de

libertação procedamos à derrubada dos muros que fecham nossos horizontes. Ao

derrubar os muros de falsa segurança econômica, iniciar a construção de pontes

que nos levem ao relacionamento saudável com outras formas econômicas

presentes de outras culturas e outras nacionalidades. Como são construídas

as pontes pedagógicas? Por meio de palavras de ação. Não meras palavras cheias

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de teorias estéreis, mas palavras vivas que motivem a ação. A prática pedagógica

emancipadora é aliada da reflexão crítica.

Na relação teoria e prática a dinâmica é a mesma, porque a prática sem a

teoria também não emancipa ninguém. Teoria sem prática é falatório. A partir da

visão de que as teorias necessitam da reflexividade dos alunos, o educador

entende que não está ensinando para pessoas vazias de conteúdo (FREIRE,

2011). O ensino é sempre direcionado à sujeitos pensantes, e reagentes.

Sujeitos capazes de aprender por meio do conhecimento elaborado

concomitantemente a experiência vivida. Educador é o sujeito que facilita o acesso

ao conhecimento como um mediador que ensina o caminho aos seus educandos

numa relação ganha-ganha. Em vez de ficar competindo com seus alunos para

deles ‘ganhar’ em termos de saber acumulado, o educador promove o saber que

advém das falas dos alunos. A relação educador educando é relação de

construção conjunta, no respeito aos alunos como seres autônomos e capazes

de produção de conhecimento. Nesse aspecto, o saber não é transmitido, mas

construído a quatro mãos, no mínimo. Na relação ganha-ganha todos saem

ganhando: aluno, educador, instituição e sociedade.

O ato formador tem ‘biofilia’, isto é, gera vida e é amigo da vida. Como amigo

da vida, não está fechado em si mesmo, porém abre-se para outros atos de

formação e outras áreas de conhecimento. A insegurança na atividade docente

desencadeia ‘necrofilia’, que é o oposto da ‘biofilia’. Na necrofilia, o educador gera

morte e é amigo da morte. A atividade docente motivada pela necrofilia está repleta

de atitudes que ‘matam’ o educando, em sua capacidade formativa e

vivacidade (FREIRE, 2011). O saber enrijecido pelo acúmulo de conhecimentos

poderá tornar-se um ‘falso saber’, pois se pretende absoluto e filosoficamente

acima de outras formas de saber. Sujeitos-históricos são inacabados, portanto,

nenhum saber é absoluto. Pode ser categórico e organizado em categorias, mas

nunca absoluto. Os sujeitos-históricos acompanham as mudanças sócio-culturais

constantes e abrem-se às demandas dos alunos de outras gerações, com outras

cosmovisões. Alunos com outras vivências são sujeitos-históricos capazes de

releituras sociais. A práxis pedagógica no sentido freiriano envolve a percepção

crítica das realidades sócio-econômicas (SCHIPANI, 2002). Os educadores que

pretendem aprender com as reflexões de Freire podem seguir os pressupostos

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da prática da justiça e da paz. Na práxis freiriana, a reflexão dialética

opressão-libertação está mergulhada no transfundo de justiça e de paz. Não

naquela justiça vingativa e paralisadora, mas na justiça pela paz entre as classes

econômicas. Contudo, o ideal de paz não amortecerá o desejo pela igualdade entre

as classes. O diálogo entre as classes os fará entender as perspectivas do

sofrimento dos pobres. A opção epistemológica seguirá para contornos de

opção praxiológica. Da práxis que desenvolve a co-responsabilidade nos

processos de aprendizagem entre docentes e alunos (SCHIPANI, 2002). Kant

entendia que a espécie humana extrai paulatinamente do ambiente as forças para

sua educação. Assim, um ambiente educa o próximo ambiente. Desta forma as

gerações aprendem umas com as outras. Ele diferencia disciplina de instrução.

Sobre disciplina reside o aspecto negativo que é moldar a natureza

humana. Ora, é negativo porque o ser contém seu instinto selvagem de liberdade e

não aceita a disciplina sem resistência. Entretanto, a disciplina é fundamental

o desenvolvimento humano sadio e para a sobrevivência das comunidades.

Nas disciplinas encontram-se os limites de atuação e o exercício da razão. Kant

afirma que a disciplina conduz à instrução. E instrução é a condição humana

de poder discernir o que é bom do que é mau e poder escolher com

responsabilidade por um deles. A instrução tem mais a ver com educação, com

as atividades pedagógicas que proporcionam a um sujeito adquirir instrução

para o seu próprio bem (KANT, 2006).

Para Rousseau, o sujeito tem forte inclinação à liberdade, porém sem a

instrução da razão a liberdade tende a provocar atos de selvageria entre as

sociedades. É preciso acostumar a criança desde cedo a exercer sua

liberdade mediada pelos preceitos da razão e da lógica. Isso não significa que os

educadores devam adotar uma hermenêutica fechada e cartesiana sob o

pretexto de que as crianças são potencialmente selvagens e sem a disciplina

rígida da razão não poderão desenvolver-se socialmente. A disciplina faz parte

da educação, obviamente. Mas, a disciplina da razão deve ser ensinada com

elementos afetivos da emoção. Os sujeitos são compostos de razão, emoção,

afetividade e empatia. A categoria empírica da empatia é o que possibilita ao

aluno aprender porque anteriormente se identificou com o professor e com seu

método de ensino. Não há alunos-problemas, mas sim métodos equivocados de

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ensino. Segundo Freire, se o aluno não aprende é porque não houve ensino. O

aluno mais reflexivo será mais resistente aos saberes rígidos, e poderá ser rotulado

de incapaz, o que não caracteriza a verdade da situação educacional. Uma

avaliação correta não estará restrita na medição dos conteúdos absorvidos pelos

alunos, mas se ele foi capaz de criar e recriar outros saberes sobre os

fundamentos propostos pelos estudos em aula. Para Freire, reprodução de saberes

não é conhecimento (FREIRE, 2011).

A prática de ensinar-aprender autêntica se relaciona com a experiência

política, ideológica, gnoseológica, estética e ética. Todas estas áreas em

parceria com duas disciplinas indispensáveis a caminhada social: decência e

seriedade. O processo de aprender promove uma hermenêutica aberta, onde os

conteúdos são dinâmicos e vivos, podendo despertar no aprendiz a mesma

dinâmica do Deus-criador, que cria para aprender com sua criação. Aqui reside a

importância do papel do Pedagogo. Este deve criar metodologias de ensino

para aprender juntamente com seus alunos (FREIRE, 2011). A capacidade de

aprender como curiosidade epistemológica. Sem isso, não dá para conhecer um

objeto. O ensino que provoca a curiosidade dos alunos é crítico e problematizador,

conectado com o concreto.

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CAPÍTULO 2 CONCEPÇÕES FREIRIANAS EM CONFLUÊNCIAS COM A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO 2.1 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES ENTRE O PENSAMENTO DE FREIRE E O CRISTIANISAMO DE LIBERTAÇÃO

A teologia da libertação – TdL – só toma corpo enquanto movimento em

1969, caracterizando a ação de Deus na história como fonte de libertação social

(COSTA; FIGUEIREDO). Pode-se dizer que a TdL surge como movimento

político e social dentro dos segmentos cristãos latino americanos. Do Brasil,

destacou-se o trabalho de Hugo Assmann, em 1973; e também Leonardo Boff, em

1971 (BOFF). Assmann e Boff partem do pressuposto social para o pressuposto

histórico na teologia cristã. Assim, a teologia só faria sentido em sua pregação

se pudesse transformar a realidade social opressão em realidade libertadora.

Assmann (1971) entende que a libertação social não necessita que a classe

desfavorecida proceda à tomada do poder político, substituindo o fetiche pelo

poder para a ação organizada dos pobres. Pensar a liberdade dos sujeitos

caracteriza ponto de partida para a Teologia da Libertação – TdL. Falar em ponto

de partida não quer dizer assumir posição partidária, porém ter um ponto de

onde caminhar. O pobre configura ponto teológico privilegiado, uma vez que a

teologia se constrói por ele e para ele. Partindo da realidade de como os

oprimidos experienciam a Deus é que se faz teologia (TAMEZ, 1995). O que formula

as bases conceituais da TdL é o ‘cristianismo de libertação’.

De acordo com a teoria de Löwy (apud SUNG, 2008, p.16): “O

cristianismo de libertação latino-americano é um movimento social-religioso de luta

pela libertação dos pobres.” As práticas libertárias foram anteriores à TdL; que foi

uma resposta aos movimentos sociais que lutavam por liberdade. No início dos

anos 70, Juan Luis Segundo, jesuíta, uruguaio e teólogo da libertação,

denunciou a absolutização dos sistemas sociais e de instituições que se aliavam as

ideologias do mercado neoliberal. A linguagem das instituições religiosas com seus

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fiéis está marcada pelo neoliberalismo e pelo cinismo. Fazer perguntas

teológicas dissociadas da realidade oprimida é como fazer perguntas teológicas com

cinismo. Por isso, um participante de um encontro teológico, em Buenos

Aires, afirmava que ‘era preciso salvar a teologia do seu cinismo’ (SUNG, 2008).

O processo de globalização provocou relativas mudanças nas condições

de acesso ao sistema econômico dos países, porém não diminuiu a pobreza

ou a desnutrição. O cristianismo de libertação trabalha com prazos estimados,

porque sabe que aquele que tem fome não pode esperar. Esta noção de urgência

precisa acompanhar o desenvolvimento da teologia. Há problemas graves

obscurecidos porque tendemos a desviar o foco para outros temas menos

incômodos (SUNG, 2008). Dessa forma, o discurso religioso precisa de crítica

quanto ao que ficou ‘esquecido’, não apenas na fala audível. O desvio do

foco pode ser inconsciente, mas conseqüencial. Ainda que a agenda de prioridades

da teologia não descarte os temas de pobreza de forma consciente, as

conseqüências serão claras. Ao darmos atenção exagerada aos temas de

‘adoração’ e ‘batalha espiritual’ nos espaços eclesiásticos de fato não sobrará

tempo nem lugar para pensar questões econômicas conjunturais que permeiam

todas as sociedades.

A questão da exclusão social atinge em cheio a credibilidade do discurso

religioso. Há um método de legitimar a exclusão social através da lógica do

capital, em que cada sujeito é o responsável direto pelo seu sucesso ou fracasso.

Sung (2008, p.8) denomina este impasse de: “uma visão do mundo e da vida

baseada na cobiça e no desejo sem fim de consumo”. Ele defende a ideia de

que o egoísmo do capital é ‘pecado’ para aqueles que professam a fé cristã. O

caminho de superação desse pecado está em assumir nossa tendência natural ao

egoísmo e depois rejeitá-la. Para isso, temos que proporcionar espaço para a

prática do amor-solidariedade. O sinal do reino visibiliza-se naqueles que

praticam a missão em favor dos oprimidos. Esse é o modelo de antecipação

do reino de Deus. Contudo, dentro dessa discussão será importante considerar

que a igreja não é o reino, mas ela está a serviço do reino. Nesse sentido, a

igreja não precisa ser expandida e sim o compromisso com a vocação do

reino. Em termos mais concretos, a vocação do reino é fazer missão em

favor das minorias excluídas. O risco de se fazer proselitismo religioso na

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prática da missão se amplia quando lembramos que em nome do evangelho,

surgiram várias formas de dominação. Não podemos nos esquecer de que, no

mundo moderno, todas as colonizações e dominações foram feitas ou em nome

do evangelho ou da missão de levar a civilização e o progresso aos povos

considerados pelos dominadores como incivilizados e pobres (SUNG, 2008,

p.19).

Quem fala em favor dos pobres, fala como? Abre-se o local para questionar

as ‘falas’ em favor dos pobres, com o intuito de averiguar em quais perspectivas o

discurso constrói-se. O conteúdo do discurso pode reforçar a situação de exclusão e

dominação ou provocar a libertação. Na teoria libertária, o sujeito histórico precisa

ser encarado como re-agente para transformações sociais, em vez de agente

passivo de um pretenso determinismo histórico ou divino (SUNG, 2008). A TdL tem

seu fundamento na revelação da história para a justificação da fé no Cristo, o qual

será compreendido pela vida de um povo. Na revelação, os sinais dos

tempos reafirmam o compromisso da igreja com o contexto social e cultural de cada

grupo.

Dessa forma, o contexto de pobreza poderá vestir-se de provisoriedade, pois

o Deus dessa teologia é aquele que traz novidade de vida (GUTIÉRREZ, 1996).

Segundo, Gustavo Gutiérrez (1996), a teologia precisa passar pela

desmistificação epistemológica, assim como a filosofia. Acredita-se

ingenuamente que a filosofia apenas se constitui quando há rigidez de categoria

teórica. Entretanto, Antonio Gramsci defende a filosofia com caráter de

espontaneidade, inteligível por leigos (GRAMSCI apud GUTIÉRREZ, 2008). São

Tomás de Aquino, no séc. XII, afirmou que a teologia não se reduz a ciência, mas

deve incluir a sabedoria em que a fonte encontra-se na espiritualidade que une o

sujeito com seu Deus. A filosofia moderna entrou no debate com as críticas de

Feuerbach10 acerca do pensamento de Hegel11 na análise do cristianismo. Para

10Feuerbach – Ludwig Feuerbach criticou o hegelianismo de direita, que defendia a religião institucional porque fundamentada na racionalidade teórica e a incorporação da fé como consciência. Contrariamente à Hegel, acreditava ser o cristianismo uma dialética do amor relacional entre os sujeitos. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. 10ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006. 11Hegel – Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão do séc.XIX, cuja obra incluiu a temática da lógica, da estética, da ética, do direito e da metafísica. Segundo ele, “ao retirar o véu que cobre o real, procurando penetrar do espírito humano fundamenta-se no progresso da

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Feuerbach, Hegel apoiou equivocadamente sua teoria na ideia de fé, pois ele

preconizava que o cristianismo é a religião do amor.

O pensamento dos bispos latino-americanos, registrado na introdução da

Conferência Episcopal de Medellín12, Colômbia, em 1968, afirma que: “A

América latina está evidentemente sob o signo da transformação e do

desenvolvimento”. Esta afirmação contém as realidades nas quais o continente

latino estava inserido neste período. Dentre as situações podemos destacar: a

emancipação do continente; os processos acelerados de desenvolvimento

econômico; e os movimentos das comunidades por libertação. Esses

acontecimentos moviam o âmago da igreja cristã à acreditar que havia um

sinal evidente da presença do espírito que conduz a história dos povos à sua

vocação. A realidade latina foi conduzida por um potente dinamismo que pode

ser traduzido como vestígios da imagem divina (GUTIÉRREZ, 1996). O texto

de João 1.14 confere legitimação ao comportamento da igreja pela emancipação

social, pois: o Cristo ergueu sua tenda no meio dos humanos, e por eles. Agora,

a fé insere-se nas fases históricas de transformação social. Onde se situa a TdL

dentro deste contexto continental apresentado? A TdL localiza-se na perspectiva de

interpretação de um momento único para o continente latino, onde o desejo de

emancipar-se dos domínios estadunidenses e europeus estava presente. O

consciência. Ter fé seria como compreender o processo racional do espírito. nas coisas, encontramos apenas a nós mesmos.” Desse modo, a consciência de si torna-se imprescindível em cada processo de conhecimento do mundo. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. 10ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006. 12Conferência Episcopal de Medellín – Colômbia (1968) - El Consejo Episcopal Latino Americano —que ha tenido a su cargo la preparación de la Segunda Conferencia General del Episcopado Latino americano em su parte organizativa y técnica— recibe ahora la delicada misión de presentar la edición oficial del Documento Final de Medellín. Dicho documento — que contiene el fruto de los trabajos de las diez y seis Comisiones y Sub-Comisiones en que se dividió la Conferencia— ha sido definitivamente aprobado por S.S. el Papa Pablo VI como consta en carta del Emmo. Sr. Card. Secretario de Estado, a su Emma. Revma. el Card. AntonioSamoré, Presidente de La Pontificia Comisión para América Latina, con fecha 24 de octubre de 1968. En lamisma carta se encarga al CELAM la publicación oficial del Documento. El Documento final que hoy presentamos es fruto de um trabajo intenso realizado em la fecunda intimidad Del Señor Jesús. Maduró em las jornadas fraternas de Medellín, donde el espíritu de Dios hizo patente suacción iluminadora y congregó a los O bispos en profunda comunión de Iglesia. Creemos que verdaderamente allí se vivió, em unión con María, la Madre de Jesús, um auténtico Pentecostés para la Iglesia de América Latina. Ahora toca asimilar el espíritu, profundizar las conclusiones, aplicar lore suelto. Comienza para La Iglesia de América Latina "um nuevo período de su vida eclesiástica”; conforme al deseo de S.S. el Papa Pablo VI. Disponível em: http://www.cenacat.org/uploads/documento_de_medelln.pdf Acesso: 01.09.2013.

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termo ‘teologia da libertação’ ganha força pouco antes da Conferência de

Medellín – Colômbia. O momento histórico anunciava que Deus havia dado um

chamamento aos leigos, aos religiosos e aos sacerdotes para que proclamassem

devidamente o evangelho. Na TdL, os sujeitos necessitam de liberdade para

aprender a ser com Deus e ser com os outros. Por esse motivo, é que a TdL não

aceita a linguagem teológica que focaliza o céu em detrimento da desqualificação

do lugar fundamental das relações humanas. A Teologia da Libertação

representa um esforço de reflexão crítica numa outra linguagem cristã.

Por intermédio de variados grupos latino-americanos, a TdL dedicou-se a

pensar o binômio opressão-libertação (ASSMANN, 1973). A questão da opressão

social foi o que motivou Paulo Freire a planejar um método de educação que

emancipasse os pobres e famintos do mundo, a partir de sua vivência com o

sertão pernambucano. Um método em que os educandos desenvolvessem

consciência crítica de sua condição social e elaborassem meios de romper com a

opressão, visando à libertação deles e de toda a pirâmide econômica. Genival

Rabelo explica que a formação perniciosa da pirâmide econômica no Brasil deveu-

se à migração dos camponeses e escravos abolidos para os setores urbanos de

produção. Atento à gravidade do problema ainda desde o ano de 1972, quando

escreveu o livro “A nova sociedade”. Sim, há as favelas no Rio de Janeiro e os

mocambos no Recife. Por outro lado, as casas de lata numa cidade progressista

como São Paulo, batizada anos atrás pela revista norte-americana TIME como “o

maior centro industrial diversificado do mundo”, não podem deixar de constituir

um aspecto sombrio do sistema capitalista, com a indefectível formação da

pirâmide social e com o seu cortejo de injustiças (RABELO, 1972, p.16).

Dentro da pirâmide social, Freire percebeu que os analfabetos eram pessoas

de baixa renda e que formavam um grupo que conhecia a fome bem de

perto. Iletrados e famintos. Ele concebeu que o processo de alfabetização de adultos

se dá na ação cultural para a libertação da pobreza (FREIRE, 1981). Para Freire, a

ação cultural pedagógica precisa ser uma ação para a liberdade criativa, que

atua por meio do estímulo à autonomia dos sujeitos aprendentes. A população

de 60 era formada de trabalhadores quase servis pela remuneração irrisória que

recebiam pelo seu excessivo trabalho na expansão da exportação do café. Com

muito trabalho e baixíssimos salários estes não podiam investir na educação deles

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próprios e de seus filhos. A prioridade das famílias pobres era trabalhar, e não

estudar. Com isso alcançamos na década de 60 a marca de: 90% de

analfabetos; raras escolas primárias e secundárias; quase nenhuma

universidade e índices altos de mortalidade infantil (RABELO, 1972).

Vinte anos adiante, nos idos de 1990, dá-se início uma forma de

espetacularização da miséria, onde a economia mercantilista burguesa confere

falsos benefícios trabalhistas aos pobres por meio da instituição destes em

indústrias multinacionais e nacionais, que expandiam-se de modo acelerado em

todo o país (DEBORD, 1997). A procura por pobres passou a ser disputada

pelas indústrias que necessitavam de muita mão-de-obra que trabalhassem feito

máquinas por um salário-hora bem inferior a proporção dos lucros que davam aos

seus patrões. “A origem do espetáculo é a perda da unidade do mundo, e a

expansão gigantesca do espetáculo moderno revela a totalidade dessa perda: a

abstração de todo trabalho particular e a abstração geral da produção como um todo

se traduzem perfeitamente no espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a

abstração” (DEBORD, 1997, p.23). “Como fazer para que os pobres trabalhem

quando a ilusão é desenganada e a força se desagrega?” (id., p.11). O desejo de ter

para ser. A consciência do desejo e o desejo da consciência são o mesmo projeto

que, sob a forma negativa, quer a abolição das classes, isto é, que os

trabalhadores tenham a posse direta do todos os momentos de sua atividade.

Seu contrario é a sociedade do espetáculo, na qual a mercadoria contempla a

si mesma que ela criou. Realidade da aparência no “momento da abundancia

econômica” – o produto é a aparência social. “Toda extensão da sociedade é o

seu retrato”, inclusive reflete-se na periferia (id., p.35).

Em José Comblin, a questão da liberdade é complexificada por outra questão:

o mito da igualdade econômica. A prática da liberdade sem critérios impulsiona os

sujeitos a acumularem seu capital pela instrumentalidade do trabalho. Entretanto, as

técnicas do capital são cada vez mais complexas no universo do trabalho, e fazem

com que os sujeitos de baixa renda sejam encalacrados em uma falsa

liberdade. Eles possuem a liberdade para ter, mas não podem ter (COMBLIN, 1998).

A força do seu trabalho é ridicularizada e inferiorizada. Livre, porém

desvalorizado. O trabalho dos pobres não lhes permite ter livremente o que

desejaram. São ‘liberdades’ sem direitos iguais. Um dos objetos mais constantes

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em quase toda a produção freiriana é a tensão opressão-libertação. Esta tensão se

faz característica nos estudos de religião quando analisa a proposta do

cristianismo em sinalizar liberdade para sujeitos que se encontram em diversas

situações de opressão. A opressão econômica talvez seja a que reflete maior

intensidade sobre os sujeitos. A luta social por sobrevivência econômica precisa de

uma justa distribuição de renda e de alimentação produzida. Quando não há renda e

nem alimentação, há a realidade de pobreza e fome. A questão sócio-econômica

despertou a produção científica de Paulo Freire e também motivou a elaboração

teórica da Teologia da Libertação –TdL.

Identificou-se na década de 70, no mínimo, quatro ‘brasis’ distintos dentro do

território chamado de Brasil. Dentre eles, podemos destacar: ‘o Brasil Amazônico’ –

dos seringueiros e garimpeiros amedrontados pela devastação da natureza

pelas indústrias; o ‘Brasil Mini latifundiário do Nordeste’ - da miscigenação

étnica de três povos descaracterizados em sua identidade: os negros, os

indígenas e os portugueses; ‘o Brasil Industrial’ com tripé político e econômico-

cultural em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro; ‘o Brasil Agrícola’ – que produzia

soja, café, trigo e uva por meio do sul do país (RABELO, 1972). Atualmente,

mais de 40 anos depois, talvez seja possível afirmar que há ainda outras

configurações de blocos de pessoas dentro do gigante território geográfico brasileiro.

A pluralidade pós-moderna destacou os grupos que pensávamos ser minoritários,

mas que lotam as ruas de toda a nação com suas marchas diversificadas. O ‘Brasil

Homoafetivo’, o ‘Brasil Feminista’, o ‘Brasil Negro’, ou seja, o Brasil de todas as

vozes: o ‘Brasil Inclusivo’. Já dizia Karl Marx (1985), no discurso sobre a dialética

materialista, que sempre se pagou metade do salário às mulheres pelo

mesmo tipo de ofício realizado por homens. Isso em nada beneficiou uma nação que

sob os ideais franceses pregava a ‘igualdade, liberdade e fraternidade’, mas achatou

nossa educação e nosso desenvolvimento como um todo. O Brasil Inclusivo

deve ser, primeiramente, aquele onde os trabalhadores possuem condições

iguais de trabalho e de remuneração independentemente do sexo, cor, idade, etnia

ou classe social. O estudo da filosofia marxista despertou em Freire uma

admiração pela fé cristã. Ele se afirma como marxista e diz que o fato de ser

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adepto do marxismo lhe tornara mais camarada do Cristo13. O caráter social e a

questão da luta de classes no marxismo, na concepção freiriana, são aproximados

com a tônica da luta social do Cristo. A simpatia pelas lutas sociais é fruto da

consciência de povo desenvolvida em momento histórico do continente latino-

americano – décadas de 1960 e 1970 (FREIRE, 1967). Este foi o cenário

cultural de desenvolvimento da Teologia da Libertação no continente e, no Brasil.

A TdL completou, na América latina, quarenta anos de formulação do seu

pensamento e do exercício de sua práxis transformadora. De acordo com Boff

(2011, s/n), a TdL teve seu marco inicial em Gustavo Gutiérrez por intermédio da

produção de sua obra “Teologia da Libertação – Perspectivas”, lançada em 1971, no

Peru.

2.2 FREIRE, O MARXISMO E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A relação entre dinheiro e mercadoria corrobora associações diretas com

o processo educacional na dialética freiriana da opressão-libertação. No momento

em que o veículo de transformação da mercadoria em dinheiro oferece leituras

sociais da realidade estamos imersos num processo pedagógico freiriano. De acordo

com Freire, o trabalhador que não entende corretamente o destino do seu trabalho

está mediado por uma falsa pedagogia que emergiu da sociedade até o sujeito.

Podemos afirmar que o sujeito contribui para a perpetuação das ideações sociais da

mesma maneira em que a sociedade influencia a formação ideológica dos sujeitos.

Ideações sociais fazem parte dos micro-sentidos nucleares constituintes das

ideologias dominantes. A concepção freiriana de pedagogia encontra seu berço

na esteira marxista quando reconhece que a sociedade fragmentada em classes

correlaciona-se diretamente com a ideologia política das classes (POULANTZAS,

1977, p.203). 13Vídeo: ‘Ultima Entrevista com Paulo Freire – Parte I – 17 abr 1997’. Paraíba: Universidade Federal da Paraíba – UFPB, 2013. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=DO75Pa6dXcg> Acesso: 21.03.2013.

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Assim, cada ideologia possui sua intenção ou seu papel político. Em Marx

(1985, p.144) – livro I da composição quaternária de “O Capital”, a questão do

dinheiro possui imbricações com o valor da mercadoria. Ocorre que, o valor que a

mercadoria apresenta não considera, na maioria das vezes, o esforço de trabalho

daquele que a produz. Produções em série, por períodos de oito a doze

horas diárias, abdicando de sua saúde e de outras prioridades pessoais. Para Marx,

a materialidade do capital divide-se em materialidade sólida ou materialidade

metálica. Quando o produto não valoriza a materialidade metálica daquele

sujeito que lhe serviu de meio de produção, perde um grande percentual do sentido

de ser ‘produto’. O valor do produto inclui todos os processos e meios de

produção, sobretudo, todos os sujeitos envolvidos nesta engrenagem capitalista.

A possibilidade aceitável da valoração do produto condiz com o conceito de valor-

de-troca, em vez do conceito de valor-de-uso. O utilitarismo da demanda do

capital, com o alto índice de desemprego, a baixa escolaridade, a falta de

transporte e a necessidade da produção ignoram o valor-de-troca existencial do

produto. Quando atentamos para a perspectiva da troca, estamos afirmando

que ambos possuem valor igual no processo de produção: trabalhador e

empregador. O que vai diferenciá-los é uma questão de acúmulo do capital. Ou

seja, nenhum empregador deve perder seu capital acumulado, todavia, precisa

empoderar seus empregados com remuneração justa e redução da carga-

horária de trabalho de modo a impulsionar o crescimento do capital dos

sujeitos trabalhadores. Se cada geração procedesse dessa forma, as gerações

seguintes exibiriam índices bem menores de miséria social que as gerações que

lhes antecederam (MARX, 1985). De acordo com o marxismo, o trabalhador é

tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais cresce sua

produção em potência e em volume. O trabalhador converte-se numa

mercadoria tanto mais barato quanto mais mercadorias produz. A

desvalorização do mundo humano cresce na razão direta da valorização do

mundo das coisas. O trabalho não apenas produz mercadorias, produz também

a si mesmo e ao operário como mercadoria, e justamente na proporção em que

produz mercadorias em geral (MARX apud QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA,

2002).

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A TdL, em sua luta pelas classes economicamente empobrecidas,

retoma pontos do marxismo, os quais Freire reconhece e interessa-se por

praticar na direção de libertar os pobres pelo exercício da palavra. O

cristianismo, na TdL, liberta o pobre pela palavra do Cristo, com foco na

situação econômica do pobre oprimido. E, a educação em Freire entende que a

libertação pode ocorrer à medida que o pobre é alfabetizado nas letras e nas

questões sociais, para adquirir consciência da realidade e vir a mudá-la para um

mundo mais igualitário. Sung (2008) demonstra a veiculação de ideias equivocadas

acerca do sujeito histórico. Este sujeito não deve ser visto como parte do

capitalismo, sob a evolução dos burgos. Nem tampouco, como parte do socialismo,

sob a pretensa “evolução” marxista dos operários. Os sistemas econômicos

desenham, mas não definem a interação social. Estudar e entender os

processos econômicos nos direciona para entender os sujeitos inseridos nestes

processos e amarrados a eles por meio dos seus próprios desejos. A evolução

social dos sujeitos não está nas mãos nem do socialismo, nem do capitalismo.

Há que se buscar uma harmonia entre os seres humanos e os

processos econômicos. Os sujeitos não estão descolados dos processos

econômicos. A libertação destes sujeitos passa pela complexidade da própria

existência, que deve ser percebida dentro dos processos sociais, econômicos,

culturais, políticos e ecológicos, além de religiosos. Ao citar o processo ecológico,

Sung afirma que os sujeitos necessitam harmonizar-se com todas as demais

formas de vida, com tudo o que interage no meio. A desarmonia com o meio

ambiente – sociedade – e com a natureza provoca desumanização. Da perspectiva

religiosa, mais especificamente da teologia cristã, há um ingrediente importante para

a composição da harmonia nas relações humanas que se traduz em considerar a

dimensão da graça divina em cada luta por libertação social.

De acordo com Gutiérrez (1996), o momento histórico na teologia latina que

originou a Teologia da Libertação – TdL anuncia que Deus estava dando um

chamamento aos leigos, religiosos e sacerdotes para que proclamassem o

seu Evangelho de forma correta, ao incluir a questão da pobreza no discurso. Com

essa nova visão do Evangelho desenvolveram-se quatro posturas fundamentais na

igreja cristã latina: 1. Os bispos latinos entenderam que o Senhor os estava

convocando para uma releitura do Evangelho de acordo com a questão dos pobres-

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oprimidos; 2. Os bispos conceberam que anunciar um Evangelho formatado

pelos padrões dos EUA e Europa seria um contra-senso ou contra-evangelho para

a situação e povo latinos; 3. Não era mais aceitável separar processo histórico-

libertador e discurso sobre Deus, e 4. Emergiram ações de renovação da fidelidade

à igreja em que se crê. Estes quatro pontos fizeram com que a crença no

Evangelho fosse avaliada pela vivência das comunidades cristãs dentro de

cada contexto social (GUTIÉRREZ, 1996).

Era necessário realocar a missão. Os pobres passam a ser percebidos como

sujeitos privilegiados no reino. E, a partir disso, a missão da igreja deveria

ser direcionada primeiramente a eles. Aos que sofrem. Aos que estão sob

jugos de dominação. Antes mesmo de criar uma esfera de influência teológica, o

cristianismo de libertação nasce na consciência cristã que não coaduna com

nenhuma forma de opressão. Quem é o pobre? “O trabalhador que não desfruta o

dom do seu próprio trabalho”, afirma Gutiérrez (1996, p.225). Não desfrutar

adequadamente dos lucros do trabalho que se produz é estar alienado da força do

trabalho. Além disso, estar alienado da sua própria subjetividade, pois dela

ainda não se tem consciência no processo de alienação.

Para a superação da condição de alienação dos pobres, as comunidades na

década de 1970-1980 formulavam uma expectativa de que a igreja assumisse

um caráter revolucionário e profético, sob o lema de: a igreja dos pobres

(SUNG, 2008). Contudo, o anúncio do reino só terá eficácia se trabalhar em

conjunto com as políticas públicas. Não basta a religião cristã produzir uma

igreja para os pobres, sem que esta igreja esteja envolvida nos mecanismos

políticos estatais. A revisão das políticas públicas e das leis que foram

direcionadas aos mais pobres requer agentes de transformação social movidos

pela honestidade de sua práxis. O movimento dessa práxis é o movimento da

reflexão motivada pelo desejo de emancipação dos pobres. As reflexões,

porém vão exigir novas linguagens ou revisão das linguagens já usais. Freire

(2010) afirma que somente possuem condições de atuar nessa práxis aqueles

saibam dialogar com elementos da realidade dos sujeitos oprimidos.

A práxis é de tal modo importante na execução de uma teologia que a

linguagem falada deve estar conectada com a linguagem vivida, pois, de acordo com

Assmann

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La carga humana de los pasos reales es lo que más nos ensenã. Las verbalizaciones y los escritos solo adquieren relevância em la medida em que se enraízan em la práxis (ASSMANN, 1971, p.28).

A situação de dependência econômica da América Latina em relação

aos Estados Unidos e países europeus despertou nos movimentos sociais a

urgência de uma transformação na forma de pensar e lidar com a questão dos

pobres. Havia a necessidade de se fazer uma teologia originalmente latina, ou

própria ao povo latino.

O conceito de povo é referente às ideias de liberdade e libertação. O povo

tem o direito de caminhar livremente, buscando os melhores resultados para cada

contexto sócio-cultural. A presença da liderança de um povo não significa que cada

sujeito humano tenha que estar sob forças de dominação, considerando que

liderar é indicar o caminho ou ser facilitador deste caminho. Liderar não pode ser

dominar. A ideia de um povo liderado pelos preceitos de Deus é a de um

povo livre. A esperança motiva os que servem a Deus a buscar a liberdade de si e

do outro. O que constrói um povo é a liberdade dos seus membros (COMBLIN,

2007). O termo ‘povo de Deus’ foi praticamente eliminado do Concílio Vaticano

II, na reunião do sínodo para correção dos textos romanos, em 1985. O motivo

do afastamento do termo ‘povo de Deus’ do Concílio pode ter relação com a

perspectiva de ampliar a obra salvífica para além dos limites prescritos do

Catolicismo. Ou, talvez, a exclusão do termo tenha ligação com o uso freqüente do

mesmo pelos teólogos da libertação, acusados de marxistas. Todavia, o conceito de

‘povo de Deus’ não é nem marxista e nem católico, mas abrange cada sujeito.

Comblin afirma que todos os sujeitos são convidados a fazer parte do povo de Deus.

E que, a compor este povo, as nações promoveriam a paz em vez de guerras,

porque todos estariam inseridos no mesmo povo global – o povo de Deus

(COMBLIN, 2007).

Cada sujeito que forma o povo de Deus é chamado a viver em liberdade. A

liberdade de um não vai interferir na liberdade do outro quando se pratica a

liberdade com responsabilidade. A vida é liberdade. A vida é a palavra. A

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vida humana é a palavra que chama para a liberdade. A palavra vem do

interesse no diálogo. Porém, o diálogo só terá efeito emancipador se

opressores e pobres se colocarem nas posições de agentes de desconstrução das

linguagens históricas que legitimaram a opressão. Sobre quais parâmetros este

diálogo entre opressores e pobres deverá constituir-se? Primeiramente, os

interlocutores precisam querer falar do mesmo assunto. Ora, será mesmo que os

opressores estão dispostos a dialogar sobre os mecanismos sócio-culturais que os

alocam na posição de opressores? O poder dos opressores minimizados por

discursos fúteis e vazios de paternalismo mascara a complexidade e extensão da

opressão. Quando os opressores agem em favor dos pobres sem passar pela

concepção do diálogo a ação destes traduz-se em falsa generosidade. O

obscurantismo da generosidade jamais emancipará os oprimidos. Aquilo que

proporcionará aos pobres o abandono da condição de ‘ser menos’ estará

veiculado com a concepção da práxis dialogal libertadora. Segundo Paulo Freire, o

poder que explora não possui a competência de transformar-se em poder que liberta

(FREIRE, 2010).

Os pobres vistos como dependentes econômicos pela conceituação da TdL

não reduzem a teologia a uma questão periférica, mas amplia as convicções

teológicas para outros territórios regidos pelas análises sócio-econômicas. A

libertação possibilita uma visão teológica mais ampla porque historiciza a

vivência humana. A teoria da dependência econômica era a que melhor traduzia a

realidade dos países latinos nas décadas de 60 e 70 (SUNG, 2008). A TdL se

propõe a ser uma reflexão da práxis ao preconizar uma nova realidade de não-

dependência do capitalismo dominante. Para a viabilização de um projeto social

que promova a superação da dependência econômica vale pensar nas categorias

de ‘relevância’ e ‘pertinência’. Estas duas categorias epistemológicas impulsionam

a teologia a repensar sua práxis para que suas ações tenham relevância na

conjuntura das sociedades que anseiam por libertação. A TdL surge a partir de

novas práticas que sugerem pontos de partida para a atenção ao clamor do

pobre, do vitimizado, do excluído, de todo que está dentro do sistema social

sem poder desfrutar dos benefícios do sistema (SUNG, 2008). A ortodoxia

teológica é validada pela ortopraxia das relações sociais. A TdL inova ao

inserir as Ciências Sociais como ponto de partida para o discurso da práxis.

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Ela afirma que a ortopraxia está na mediação da práxis em relação dialética

com a teologia.

Essa dialética que caracteriza o discurso religioso e a ortopraxia libertadora

não pode desconsiderar as nuances de opressões sutis e invisibilizadas. Enrique

Dussel faz referência aos sinais de opressão ‘invisíveis’ no rosto humano. Na

epifania de um rosto no outro a teologia poderá encontrar o caminho da

libertação. Ao olhar nos olhos e procurar entender a dor do outro e tudo o

que empobrece as relações humanas. Aparentemente, algumas violências estão

invisíveis, mas o rosto que se coloca no outro poderá visualizar a dor alheia de

modo epifânico. A visualização da dor do outro deve provocar atitudes de

solidariedade e de buscas de libertação. Dussel (1995) vai chamar esta atitude

de ética da libertação. A ética da libertação somente será possível quando nos

incomodarmos com a opressão ao ponto de lutar contra ela, mesmo que seja a

opressão do outro.

Trazendo nosso discurso para o cenário bíblico-judaico nos remetemos

ao conceito de fé do povo. A fé do povo judeu tem como centro o ‘fato histórico’. Isto

significa que devemos ler a Bíblia como um conjunto de narrativas distintas, em vez

de um livro místico (GUTIÉRREZ, 1981). Esse Deus do povo judeu é o Deus que se

revela na história das sociedades. Os fatos complexos que o povo judeu enfrentou

foram encharcados de matizes de profunda expressão da dialética opressão-

libertação. A partir disso, Deus se faz conhecido pelo seu diálogo com os oprimidos.

O Deus-judeu é aquele cuja característica principal é dialogar com atitudes

pedagógicas no relacionamento com os que o seguem. Entretanto, mesmo os seus

seguidores estão vulneráveis à opressão. Os seguidores podem estar na condição

de oprimidos. Contudo, a narrativa bíblica propõe a interação com a esperança de

libertação. Gutiérrez expressa: Mas o rompimento com essa situação de

opressão não é real senão graças ao cumprimento da promessa: o povo se

estabelece em uma terra ‘em que mana leite e mel’. A terra prometida (GUTIÉRREZ,

1981, p.18).

Uma análise atenta à capa do livro ‘Teologia e Economia’, do teólogo católico

Jung Mo Sung mostra a ironia da promessa de leite e mel - referida na citação acima

– com a presença de mãos escravizadas na imagem do livro. Bem, seria a promessa

de uma terra boa apenas para alguns poucos? Apenas para aqueles que

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fazem parte da elite econômica das sociedades capitalistas? Franz Hinkelammert

explica que podemos considerar como sociedades tradicionais aquelas que não

sofreram o impacto do capitalismo. Certamente, a falta de eficiência técnica

atrapalhava o desenvolvimento social, cultural e econômico destas primeiras

sociedades tradicionais (HINKELAMMERT, apud SUNG, 2008). Obviamente, a

tecnologia aplicada ao capital promove o crescimento das sociedades, gera

emprego e renda para milhares. Entretanto, mesmo com todo o progresso da

tecnologia não foi possível reduzir a morte anual de milhões de desnutridos

no mundo. Assmann (2010) indica o período de urgências contemporâneo e o

associa à ascensão da era digital. O autor alerta que não se deve confundir era

tecnológica com era digital, pois esta é bem mais recente que aquela. A era da

digitalização e da informática nos envolve com a sensação de que estamos

atrasados o tempo todo. Como se a história estivesse correndo na nossa frente.

É uma sensação aflitiva. Mas, a história real é a que se vive na contradição das

intimidades e contextos sócio-culturais. A ideia do atraso digital nos leva à caça

desenfreada por novas mídias digitais. Porém, a busca da informação não quer

dizer, necessariamente, a busca do conhecimento.Sociedades extremamente

digitalizadas podem carecer de cidadãos reflexivos.

É exatamente aqui que reside uma das possíveis explicações para a

disparidade econômica entre sujeitos de um mesmo grupo. O abismo entre

eles é enorme, e tende a aumentar. A ilusão da tecnologia e também da

digitalização foi de que estas nos abririam as portas do conhecimento. Outro

aspecto também fantasioso é a crença de que a medida em que os sujeitos

possuíssem acesso aos mecanismos tecnológicos e digitais a pobreza

diminuiria. Equívoco. Segundo Alves (2012) a sociedade tecnológica torna o

futuro fechado à consciência e a consciência fechada ao futuro. Os sujeitos

pobres estão cada vez mais acessando diversas formas de tecnologia e se

emaranhando pelas redes digitais, porém ali estão para repetir padrões que

lhes chegam formatados.

Como estará o interesse pela agenda da libertação nos dias atuais?

Sung (2008) afirma que o interesse pela agenda de libertação diminuiu. Há

grupos que permanecem em sua práxis religiosa em favor dos pobres, porém

esta práxis assumiu novos contornos na contemporaneidade. A preocupação com

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os pobres foi situada no plano dos dilemas existenciais, em vez de resultar em

posturas políticas e ações concretas. Provavelmente, as igrejas cristãs estejam mais

preocupadas com a imagem midiática para projetá-las e angariar fiéis. O papel

profético do cristianismo tem sido preterido. Não há interesse em se envolver com os

problemas dos pobres, pois o foco está em projetar a imagem de uma igreja

‘próspera’. Nesse caso, qual a credibilidade do discurso humanizador das

igrejas? O modelo de cristianismo participativo divulgado pelos movimentos da

Teologia da Libertação – 1980/1990 – e pelas Comunidades de Base não teve

sucesso (SUNG, 2008). Entretanto, a gênese desse cristianismo segue viva e

crescente com outras configurações e derivações, como nos movimentos em favor

da igualdade entre os gêneros, da igualdade racial, lutas libertárias indigenistas,

militâncias ecológicas e lutas pelas causas homoafetivas.

A pobreza que destacamos neste trabalho foi a pobreza da escassez

econômica gerada pela falta de equilíbrio na distribuição de renda. E não

apenas renda, mas os acessos aos mecanismos políticos que possibilitem a

melhoria dos estudos, das profissões e das qualificações pessoais. Contudo, o

conceito de pobreza deve ser ampliado para todo tipo de violência que empobrece

as relações humanas. Cristo é o libertador da condição humana caída. Cristo

anuncia o reino de Deus por meio da denúncia contra a opressão dos pobres. De

acordo com Gutiérrez (1981), o reino traduz-se pelo sentido global onde nada está

fora desse reino. A luta pela libertação das mulheres é a luta do reino, assim como a

luta pela preservação do ecossistema também o é. Isso para citar apenas alguns

aspectos da diversidade contida nos matizes de opressão social. O apelo da teologia

da libertação encontra relevância somente se considera os limites pré-fixados pelo

capital. A distribuição de renda esbarra nos limites da incoerência do discurso

democrático da sociedade que promulga leis de extensão beneficiária que não

consegue alcançar. Ou melhor, esbarra na ideologia dominante de opressão que

mantém o status quo favorável às classes que se alimentam da ignorância

política e da alienação educacional da maioria dos brasileiros.

Como retomar as concepções da teologia da libertação de modo que a

mesma faça sentido no cenário de sofrimento dos pobres contemporâneos?

Alienação pode descrever a ‘falsa consciência política’ (POULANTZAS, 1977,

p.201) que os pobres possuem acerca da realidade. O dinheiro caracteriza o valor

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maior material do trabalho humano. E disto não se pode correr. Entretanto, o valor a

ele atribuído – ao dinheiro – concebe variáveis de graus complexos. Ainda que a

nota de 100 reais continue valendo seus cem reais quantitativos, isso não implica

que o trabalho equivalente ao dinheiro não tenha sofrido alterações. Dinheiro é

valor de entesouramento insaciável. Quanto mais se tem dinheiro, mas se necessita

dele. “Do ponto de vista da qualidade ou da forma, o dinheiro não concebe

fronteiras: é o representante universal da riqueza material, pois conversível em

qualquer mercadoria” (MARX, 1985, p.147). Ainda assim, o dinheiro possui

limitações no poder de compra ao restringir-se à oferta e demanda, além do trabalho

de veiculação. A tensão entre o valor qualitativo da demanda e o valor quantitativo

da oferta, emite ao capitalista o desejo de acúmulo de capital.

Ao despender força excessiva no trabalho e exigir o conserto freqüente

dos equipamentos de produção, o capital acumulado vê-se ameaçado pela

vulcanidade da relação de troca e de uso do dinheiro (MARX, 1983). Karl Marx

entende que o valor do trabalho é mensurável a cada nova semana. Dessa

forma, o salário deverá ser pago semanalmente. Tudo o que se quer no processo

de trabalho é receber a remuneração adequada que possua equivalência

aproximada – nunca poderá ser exata – da força de trabalho aplicada no processo

de produção. Aquilo que o trabalhador produziu gera uma equivalência monetária

que será consumida a cada semana. Ainda que o trabalhador não tenha concluído o

processo final de produção, seu trabalho está ali como valor agregado (MARX, 1983,

p.241). Sem demonizar o capital, assumimos que ele fornece os meios de valoração

do trabalho e do dinheiro. Somente com a presença de um capitalista será possível

iniciar as condições de equiparação entre o potencial do trabalhador, o valor do

produto e o resultado final da produção material.

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2.2.1 Materialidade educacional do sujeito na sociedade capitalista A possibilidade de ingenuidade na interpretação da teoria marxista coloca-nos

diante da responsabilidade de não reduzir suas complexas asserções em uma ideia

apenas. Como alocar o pensamento marxista nas perspectivas da educação

libertadora? Manacorda (1979) aplica-se a reunir conceitos filosófico-educacionais a

partir das ideias de Marx. Dentre as quais, afirma que na conceituação de ‘capital’

Marx inicia crítica sobre a questão do poder político na tentativa de obter meios de

avaliar as variações do trabalho como uma escola para o futuro. Toda sociedade

constrói-se sobre as bases do ‘trabalho’ e, consequentemente, acerca das reflexões

educacionais sobre o ‘trabalho’. Não é o trabalho simplesmente uma força, mas uma

pedagogia que apreendeu-se a seu respeito. Nesse caso, trabalhar consiste em

estar educado para. Quando a sociedade estipula as leis de trabalho, também está

formatando a educação deste trabalho. Como todo trabalho relaciona-se com o

desejo pelo capital, somos educados pelo e para o capital.

Apenas elementos subversivos são capazes de reestruturar o capital, pelo

manejo prático daquilo que pais e filhos aprendem e ensinam sobre o capital. Desde

princípios primários de trabalho manual à engenhosas tecnologias das indústrias de

produção

Un elemento de este proceso de subversión, desarrollado de forma espontânea sobre la base de la gran industria, lo constituyem las escuelas politécnicas y agrônomas; otro elemento son las “écoles d’ enseignement professionnel”, en donde los hijos de los obreros reciben una determinada enseñanza en tecnologia y em el manejo práctico de los distintos instrumentos de producción. Si la legislación sobre las fábricas, que constituy el aprimera consesión arrancada com gran esfuerzo al capital, combina con el trabajo de fábrica únicamente la enseñanza elemental, no hay duda que la invitable conquista del poder político por parte de la classe obrera, conquistará también para la enseñanza tecnológica, teórica y práctica, su lugar en las escuelas de los obreiros (MARX apud MANACORDA, 1979).

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Os sujeitos constituintes da classe trabalhadora são no ‘Capital de Marx’ os

sujeitos do ensino. Se alguma conquista política poderá alcançar-se neste modelo

econômico somente será possível educando o segmento operacional. Certamente

os latifundiários mapeados por Freire possuem interesse em equipar os ‘obreiros’

operacionais com ensinos técnicos para o crescimento da força de trabalho. Força

esta cada vez mais agregada de valores, que não são suficientes para servir às

subjetividades e objetividades dos seus atores. Estes não podem beneficiar-se do

capital que produz. Uma força fraca, pois desprovida de sentido. Em Freire, o

trabalhador precisa entender o real valor filosófico do seu trabalho para que esta

força proporcione poder político.

2.3 CONCEPÇÕES PRESENTES NA DIALÉTICA OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO

O período moderno atribui o conceito de ‘liberdade’ aos gregos. Por

outro lado, a ortodoxia romana unia-se à Igreja para implantar ideias de

obediência ao império e obediência aos sacramentos rituais da Igreja. A

difusão dessas ideias resultou na formação de um espírito coletivo de luta contra o

princípio da liberdade. A concepção de liberdade abarca várias facetas da vida

humana, porém no quesito religião esta questão se tornou mais veementemente

sentida no seu lado oposto mais cruel. Um sem-número de teólogos foram

proibidos de pensar com liberdade. Comblin (2007) defende que a filosofia grega

não pode receber o mérito pela ‘concepção de liberdade’ ou pelo princípio de

liberdade na concepção de ser humano. Para ele, o cristianismo, por meio da

revelação gradual e progressiva de sua narrativa foi o responsável por impulsionar

os caminhos reflexivos da liberdade.

A Bíblia constrói as regras e depois as desfaz. O novo testamento é quase

uma antítese do velho testamento no que diz respeito à liberdade humana. Seja a

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liberdade das escolhas ou a liberdade para acessar a graça de Deus, em

outra perspectiva. A teologia, por sua vez, concebe a instituição do conceito de

liberdade no discurso bíblico que evolui dos sacrifícios anuais para a aceitação do

Cristo como única fonte de sacrifício humano capaz de transformar outras vidas. De

acordo com Comblin (2007) é provável que a ideia de liberdade tenha sido

introduzida nas sociedades ocidentais por intermédio do cristianismo. Todavia,

outras ciências não-cristãs contestam esta possibilidade. A liberdade cristã

surge da responsabilidade dos sujeitos na administração de suas vidas e do meio

onde vivem – ecoteologia. O método de compartilhar a liberdade com a sociedade,

escolhido por Deus, foi a crucificação. Na cruz, a vida que estava aprisionada torna-

se livre para escolher seu destino e para agir no caminho escolhido. Cristo mostrou

que é possível viver com dignidade e pagar o preço pela liberdade. Como

conseqüência, Cristo conquistou a liberdade do corpo, da alma e do espírito em

plenitude – a ressurreição. A novidade da ressurreição é a novidade que nos

convida a viver em liberdade. Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados

(Gálatas, 5.13).

Algumas linhas teológicas podem optar por valores e discursos sutis de não-

liberdade. O que significa isso? Significa que, quando os cristãos preferem as leis

doutrinárias fundamentalistas em detrimento da liberdade de pensamento e de

comportamento, fica evidente que estes optaram pelo ‘conforto’ de conformar-se à

premissa de que Deus está controlando tudo, quando na verdade Deus não está no

controle das escolhas humanas. Estes sujeitos aceitam o pensamento de que Deus

controla o universo nas coisas boas e também nas ocorrências negativas, pois

recusam a responsabilidade de lidar com a sua liberdade. Aqui, podemos entender

que a concepção de ‘liberdade’ se delineia ao lado do conceito de

‘responsabilidade’. Sobretudo, na proposta do cristianismo, não há espaço para os

fatalismos decorrentes de um Deus-soberano arbitrário. Em vez disso, abre-se

o convite para encararmos as questões negativas da vida com olhares de esperança

para a superação das mesmas (COMBLIN, 2007).

Em Freire (2001), não há realidade fechada, nem tampouco pré-determinada.

Os sujeitos encontram-se inseridos numa realidade aberta a diversas possibilidades

de educação permanente. É a condição do ser em busca de. O ser que se

sabe político e responsável pela humanização, uma vez que sua vocação é esta e

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não outra. Humanizar-se é uma condição de algo que não está humano ou que

deixou escapar as características de humanidade. O que constitui o ser humano é

aquilo que os pensadores mais conservadores que antecederam a Sociologia

chamavam de valores de moralidade e de solidariedade. Porém estes valores, nos

séc. XVIII e XIX, brotavam das ideias trazidas pela igreja cristã católica que

servia como uma forma de protecionismo social. Paralelamente à igreja, o

progresso científico e tecnológico alcançava lugar prioritário nas divisões de

Estado (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002).

2.3.1 Concepção de agir político

Leonardo Boff (1998) teoriza sobre duas correntes da Teologia da Libertação,

denominadas de: corrente continuadora e corrente inovadora. A primeira,

corrente continuadora, sustenta que a fé não deve ser ideologizada para a

incorporação de temas políticos. Nesta linha de pensamento, o evangelho não

apresentou um Jesus envolvido com questões políticas. Acredita que a missão

da igreja é religiosa e direcionada para a salvação da alma, na relação entre

pecado e graça. A segunda corrente, chamada ‘inovadora’, entende e estende a

salvação para além das questões da alma. Defende a integralidade da proposta

do evangelho de Jesus. Aceita que a fé e a igreja estão inseridas na dimensão

da estrutura política social. Não há como tratar o espírito desconsiderando fatores da

psiqué, do corpo, da biologia humana em sua integralidade, inclusive, na interação

com o ambiente.

O diálogo entre a teologia e a concepção de ‘agir político’ indicam

ambigüidades na compreensão do papel do cristianismo dentro dos sistemas

políticos das sociedades. Para isso, faz-se necessária uma nova visão de processo

político abdicando da conotação política totalitarista. Não queremos com o

argumento de definição de visão, propor uma nova doutrina cristã para encaixar-se

sob o guarda-chuva das dimensões políticas (GUTIÉRREZ, 2000). Esta sondagem

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de perspectivas suscita perguntas que precisam de respostas nesta etapa do

planejamento da práxis teológico-política. Devemos nos questionar sobre: o que de

política interessa ao cristianismo? E o oposto: o que de cristianismo melhora

a política adotada por um grupo? A crítica de Judith Butler (2008) direcionada aos

movimentos feministas pode servir-nos de parâmetro metodológico no debate

entre a teologia e a política. Ela encaminha sua análise científica sinalizando

para um despertamento político por parte dos movimentos feministas. Estes

movimentos devem observar que porção do cenário político eles realmente

conquistaram. Por vezes, somos ingênuos ao crer que uma simples abertura no

espaço público beneficia as causas sociais de modo duradouro. Nem mesmo a

concessão de lei pode trazer benefícios à sociedade caso seja concedida

isoladamente de multifatores que afetam a exequibilidade desta lei. Portanto, antes

de proceder à veiculação da teoria em práxis, surge a necessidade do planejamento

global. As estruturas sociais clamam por estudos profundos que antecipem o

‘levantar de bandeiras’ – quer seja a bandeira dos valores cristãos, das questões

étnicas, homoafetivas, feministas, de acessibilidade ou outras. O mapeamento

do estado destas questões constitui requisito prévio para um cristianismo que

se pretende ser de libertação. Somente no mapeamento encontraremos o

essencial na relação entre religião e política.

Faz-se importante ressaltar que não estamos defendendo a composição

de bancadas de políticos evangélicos no congresso nacional. Aliás, isso seria

prejudicial às confluências interreligiosas. O que queremos é relembrar o papel do

pensar político e do agir político no cristianismo (GUTIÉRREZ, 2000). Quando

a religião cristã ausentou-se do seu papel político, na história, agiu

covardemente. Além disso, a religião que se isola dos processos políticos sociais

tende a demonizar os atores políticos. Cria-se superioridade em torno da religião

cristã e demoniza-se os governos, o Estado, as leis, os movimentos sociais e

quaisquer tipos de interações políticas. Na perspectiva do evangelho integral e

político, Jesus estabelece que o reino de Deus ‘está em vosso meio’ – Lucas 17. 21.

Dessa forma,tudo o que diz respeito ao mundo terreno integra a

espiritualidade do reino.

O conceito de meio social compreende a criação em si: ecossistemas,

galáxias, continentes, demografias, pessoas e animais em sistemas de inter-

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relação que compõem o reino de Deus (BOFF, 1998). A concepção de ‘agir

político’ não deve hibridizar política com religião. A hibridização não nos é

favorável, mas a dialética relacional é benéfica. Para que serve a noção de

dialética? Ela serve de instrumental para dar suporte às críticas que trocam de

posições nas diferentes perspectivas que interagem com o mesmo objeto. Ou seja,

se teologia e política ocupam lugar na sociedade faz-se imprescindível que este

espaço seja dialogal e dialético. O ‘agir político’ em Freire (2001) desperta nos

sujeitos a capacidade de intervir na realidade para transformá-la em favor de si e

dos outros. Os sujeitos são políticos por natureza ao nascerem na polis – cidade. No

entanto, o espaço citadino congrega a possibilidade da educação permanente, que

liberta ou interdita o agir dos cidadãos

Daí que se possa observar facilmente quão violenta é a política da cidade, como Estado, que interdita ou limita ou minimiza o direito das gentes, restringindo-lhes a cidadania ao negar educação para todos. Daí também, o equívoco em que tombam grupos populares, sobretudo no Terceiro Mundo quando, no uso de seu direito, mas, indo além dele, criando suas escolas, possibilitam às vezes que o Estado deixe de cumprir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quantidade ao povo. Quer dizer, em face da omissão criminosa do Estado, as comunidades populares criam suas escolas, instalam-nas com um mínimo de material necessário, contratam suas professoras quase sempre pouco cientificamente formadas e conseguem que o Estado lhes repasse algumas verbas. A situação se torna cômoda para o Estado. Criando ou não suas escolas comunitárias, os Movimentos Populares teriam de continuar, de melhorar, de enfatizar sua luta política para pressionar o Estado no sentido de cumprir o seu dever. Jamais deixá-lo em sossego, jamais eximi-lo de sua tarefa pedagógica, jamais permitir que suas classes dominantes durmam em paz (FREIRE, 2001, p.13).

Agir politicamente consiste em agir em favor dos pobres. Cristo fez a opção

‘perigosa’ pelos excluídos. A opção de Jesus foi em favor daqueles que

sofrem todos os tipos de opressões, inclusive os pobres (BOFF, 1998). Da pobreza

deriva a fome no mundo. A problemática situa-se na dualidade que convive com a

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opressão factual que mata milhões de crianças por desnutrição e consegue abstrair-

se dessa opressão para cuidar dos seus interesses pessoais, como o conforto

dos nossos ambientes de estudo. Sabemos que a pobreza mundial é um problema

subordinado à possibilidade de superação. Para superar, antes separar. Separar

e delimitar os campos dos saberes políticos para o diálogo produtivo em favor

da superação da pobreza. Relações híbridas perdem suas características e

capacidades de superação da contingência de erros. Ao perder sua gênese pela

hibridização ficam disfuncionais no jogo social. A hibridização da política com a

religião é prejudicial tanto para a política quanto para a religião. O que almejamos

é a reflexão política pautada por valores cristãos onde as teologias são tecidas

(GUTIÉRREZ, 2000).

2.3.2 Concepção de pobreza

A discussão em torno da concepção de pobreza emerge no seio das

comunidades religiosas latinas, no final da década de 70, e a partir daí expande-se

para a leitura do sentido de ‘pobreza’ em outras áreas do conhecimento. O conceito

de pobreza começa a ocupar lugar de destaque nas discussões sobre

espiritualidade por meio das reflexões que advém da Teologia da Libertação. O

Papa João XXIII (apud GUTIÉRREZ, 2000, p.346) profere, no Concílio Vaticano

II: “Para os países subdesenvolvidos a Igreja apresenta-se como é e como quer ser,

como a Igreja de todos, em particular como a Igreja dos pobres.” – registro via

radio-mensagem em 11 de setembro de 1962. Outros documentos da igreja

católica, como: Lumen Gentium, Gaudium et Spes ou Populorum Progressio – Luz

das Nações, Alegria e Esperança ou Programa dos Povos - emitiram alusões sobre

o lugar central da pobreza na reflexão cristã. O impasse para que a Igreja passasse

da reflexão às ações foi a própria contingência extensa de situações de pobreza por

todas as partes.

Em Arendt (2011), ‘pobreza’ ultrapassa a privação, pois consiste num estado

de ‘ignomínia’. Ao expor aqueles que poderiam passar pela privação sem a

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espetacularização de sua desgraça, exalta-se a ignomínia da condição social

de ‘pobreza’. Surgem a vergonha, a afronta, a desonra e a redução do ser humano.

O sujeito envergonhado tende à paralisação pessoal e não terá condições de

seguir em frente na vida. A ignomínia gera uma falsa sensação de incompetência,

quando na realidade incompetentes são aqueles que não conseguiram sobreviver

diante de tantas adversidades e privações no contexto social de ignomínia. A

privação da água num planeta pode ser considerada uma privação de grave teor.

Contudo, há outras formas simbólicas de privação que causam prejuízos

sociais extensos e impossíveis de mensurar. A privação do pleno exercício da

identidade constitui-se numa grave privação estrutural submetida a desencadear

sistemas de anomia social, ignomínia e imobilidade.

Faz-se interessante pensar numa igreja para os pobres como propôs o

Concílio do Vaticano II. Entretanto, quais critérios estabelecem a reflexão acerca dos

desejos dos pobres? Afinal, o sujeito em situação de pobreza não apenas

possui necessidades não atendidas, mas tem desejos a serem atendidos. O ser

humano deseja. A sociedade tradicional modernizou-se, contudo não parou de

desejar. Seu desejo, por vezes está embutido na religião cristã, que propaga um

evangelho de prosperidade e sucessos. A promessa de um novo céu conquistado

pelo sacrifício crucial do Cristo substitui-se pelas benesses materiais

conquistada na terra pelos fiéis obedientes e prósperos (SUNG, 2008). Aqui está

uma utopia que precisamos considerar nos estudos de religião contemporâneos.

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CAPÍTULO 03 CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO: RELEITURAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A CONTEMPORANEIDADE

Discutir a Teologia da Libertação – TdL – fazendo uma releitura de suas

bases teóricas não significa modificar os paradigmas que sustentaram esta teologia

até o presente momento. O que nos importa é poder repensar as bases teóricas por

outros caminhos e outros significantes, quer sejam históricos ou

contemporâneos. Como seria escrita a TdL a partir dos olhares freirianos? Teria

Freire abordado os vieses da economia e da exclusão tão implícitos nos

discursos da TdL? Freire registrou em várias de suas obras sua preocupação com

os elementos: ‘trabalho e trabalhador’. Indiretamente, ele está tratando de economia

e exclusão ao referir-se às condições de trabalho a que são limitados boa parte dos

trabalhadores latinos. O trabalhador tem o papel social de transformação, uma

vez que seu trabalho movimenta toda a engrenagem da sociedade. Se o

trabalho movimenta, ele movimenta algo em direção de. O trabalho está ligado

a uma dimensão mais expandida que apenas o seu próprio fim, mas correlaciona-

se com toda a estrutura social. Aquilo que permanecer uma maior quantidade de

tempo em choque será o determinante do que terá condições de prevalecer de

modo preponderante sobre o outro. A provocação de mudança por uma ação

de trabalho corresponde diretamente à questão da permanência social, onde uma

terá condições de sobrepor à outra. Portanto, não basta que os trabalhadores

provoquem as mudanças sem que antes avaliem o grau de permanência destas

mudanças (FREIRE, 1981).

Em Marx, encontramos a relação da infra-estrutura com a super-estrutura

em contradição permanente. E assim deve ocorrer para o equilíbrio social. A

questão da exclusão social, apesar de constante, não é atual, mas histórica. Sempre

houve segmentos em situação de exclusão social. Ao passo que a releitura da TdL

pela face da economia pode ser considerada uma crítica contemporânea, uma

vez que na esteira de Marx a infra-estrutura só poderá mobilizar a

supraestrutura ideologizante com sua força coletiva se levar em conta os

interesses econômicos contemporâneos. Não dá para pensar nos pobres

apenas como um grupo de pessoas desfavorecidas ou sem acesso à

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educação. De fato, não é apenas isso. A economia se desenha e redesenha para

que eles não entendam as manobras políticas que os mantém em situação de

pobreza. O olhar contemporâneo pode nos dar pistas sobre os atuais interesses da

economia dominante e os ditames sociais que aumentam os grupos de sujeitos

excluídos da vida plena divina e geradora de mais vida.

Em Niklas Luhmann, a leitura econômica perpassa pelo crivo dos sistemas de

teoria crítica para desembocar numa crítica emancipatória, onde a complexidade das

sociedades é analisada em termos de justiça e não de dogmatismo científico

padronizado. Apoiado no marxismo, Luhmann descreve o antinormativismo com

a finalidade de anunciar paradoxos e mapear as condições funcionais de cada

sistema econômico-cultural (LUHMANN apud FISCHER-LESCANO, 2010).

Francisco de Aquino Júnior (2011) concorda que há duas décadas são

levantadas discussões sobre a atualidade da teologia da libertação. Investigar

se uma teoria é atual ou não, nos leva a conduzir um estudo com

perspectivas históricas que datam do surgimento e do desenvolvimento desta teoria,

com análises contemporâneas que possibilitem a discussão por meio de outras

ramificações semânticas, epistêmicas e empíricas. Por este motivo, outro nome para

este capítulo poderia ser: ‘Teologia da Libertação: releitura em vieses históricos e

contemporâneos’.

3.1 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ECONOMIA

Como vimos anteriormente, no capítulo 02, a questão da pobreza pode ser

chamada de questão social ou vice-versa. Assim, Sung (2008) certifica que

ocorreram mudanças objetivas na sociedade moderna, as quais nos fazem perceber

que as análises filosóficas ou mitológicas não são capazes de dar conta dos

processos de estudo das culturas no que tange ao seu desenvolvimento social. A

modernidade trouxe o progresso tecnológico e industrial provocando grandes

transformações que impactaram as culturas mais diversas em todos os continentes.

Estes impactos geraram desequilíbrios entre as classes. Todavia, aquilo que

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não queremos é deslocar o foco da análise social para discussões complexas

com as disciplinaridades mais distintas que abordam questões econômicas, pois

cada área conta com sua perspectiva analítica, entretanto, a aresta social torna-se

privilegiada quando tratamos dos temas que se referem à Teologia da

Libertação – TdL ‘nas sociedades tradicionais, na medida em que “não havia

necessidade de qualquer sociologia enquanto ciência social, para formular uma

teoria verdadeira sobre a sociedade”, pois a “filosofia realizava admiravelmente

esta tarefa” (HELLER apud SUNG, 2008). Assim, ao nominarmos os assuntos

econômicos estaremos implicitamente dialogando com os sujeitos que foram alvo

da condição econômica de ‘pobreza’, teorizados tanto por Paulo Freire quanto pela

Teologia da Libertação.

Em Arendt (2011), ‘pobreza’ ultrapassa o tom de privação, pois consiste num

estado humano de ignomínia. Ao expor aqueles que poderiam passar pela privação

econômica sem a espetacularização de sua desgraça, os dominadores

exaltam a ignomínia dos oprimidos. A partir disso, brotam a vergonha, a afronta, a

desonra, a violência e o reducionismo da condição humana. A produção da

pobreza pelo desenvolvimento da sociedade de consumo e da ascensão do

capital.

No capitalismo, quem produz algo para outro sujeito empobrece. Aqui temos

o sentido de empobrecer ampliado para a escassez e o esgotamento das energias

vitais, das metas que nos fazem sonhar e caminhar, e, o empobrecimento que nos

impede de acessar a qualidade de vida (RIVERA, 1996). A lei do capital

apresenta-se aparentemente justa, mas não o é. Ela é tão injusta quanto o seria a

ação de tratar da mesma maneira sujeitos que se encontram em condições de vida

diferenciadas. Não dá para julgar ou beneficiar todos os sujeitos da mesma forma,

porque o foco deve estar sempre naquele que tem menos. Menos acessos, menos

dinheiro, menos meios de transporte, menos condições de crédito, menos meios

de cuidar da sua saúde, menos elementos políticos para se posicionar em iguais

condições perante todos. Este pobre foi produzido pelos mecanismos de poder da

sociedade, pois de acordo com Rivera

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É a grande aparição do pobre produzido pelo desenvolvimento capitalista. Junto a este está o trabalhador que vende sua força de trabalho e é despojado do produto de seu trabalho (RIVERA, 1996, p.53).

Viv Grigg, neo-zelandês, atuou como missionário protestante em favelas das

Filipinas, ao fim da década de 70, e assim produziu o livro ‘Companion to the poor’,

que em português fora publicado como ‘Servos entre os pobres’. O que nos levou a

destacar esta obra é o caráter de práxis teologal, de uma teoria que tem

dupla função: destacar a meditação em favor dos pobres e também de agir

em favor destes. Em Grigg (1988), Jesus desenvolveu uma economia sobre

os pilares da justiça, uma economia justa. Jesus viveu nas mesmas condições

sócio-econômicas do seu povo, no entanto, não era um pobre miserável,

apenas pobre. Não foi mendigo. Mas, sempre administrava os recursos de

modo a suprir as suas necessidades e de seus seguidores. Em Jesus, a pobreza

fez-se a graça de ter o suficiente, em cada circunstância. Teria sido Jesus um

homem pobre? Talvez.

A pobreza não é apenas a vida simples, e sim a vida em miséria e

necessidades não supridas. Assim, podemos dizer que Jesus fez-se pobre para

aproximar seu discurso de sua práxis. Quantos de nós, seus seguidores

contemporâneos, estaríamos dispostos a abdicar de nossos bens materiais ou

privilégios acadêmicos em favor dos necessitados? Paulo Freire afirma que os

necessitados – explorados – são tratados como coisas. São coisificados em objetos

que não podem pensar por si e nem agir por si.O processo de coisificação dos

necessitados os conduz a um lugar de silêncio, pois as vozes dominantes os calam.

As vozes que detém o poder econômico calam as vozes menores, despojadas dos

seus direitos. Os opressores, mesmo quando trocam de lugar, eventualmente,

para entender os oprimidos costumam desvalorizar as vozes dos oprimidos com

séria desconfiança de que estes saibam falar sobre eles mesmos. O

condicionamento cultural que invisibiliza os necessitados, também os cala e os

desqualifica como protagonistas de sua própria libertação. Com ‘seus preconceitos,

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suas deformações, entre estas a desconfiança do povo. Desconfiança de que o

povo seja capaz de pensar certo. De querer. De saber’ (FREIRE, 2010, p.53). Por

outro lado, Jesus exemplifica com sua trajetória que a confiança no povo torna-se

indispensável para que estes tenham suas necessidades realmente atendidas.

Do contrário, seria como oferecer um copo d’água para quem está oprimido

com sede à beira mar. Em geral, os ex-opressores oferecem a ajuda do modo deles,

na concepção arbitrária deles, sem depositar sua crença no povo. Assim, o povo não

tem vez nem voz. O povo não tem o direito de selecionar qual ajuda quer receber.

As ajudas vagueiam por um universo em que os necessitados não

conseguem emancipar-se da condição de dependência econômica. Freire (2010)

defende que os oprimidos precisam de espaço para pronunciar ‘sua palavra’.

Teria mesmo o Deus dos cristãos feito ‘opção pelos pobres’, como propõe a

teologia da libertação? Bem, para além de todo romantismo que esta crença possa

nos induzir, ainda que o Deus dos cristãos não tenha feito opção pelos pobres, nós

os cristãos não podemos dialogar sobre amor, sem viver esse amor. E amor é dar

de si, é doar-se ao outro para que este outro chegue ao mesmo nível que

eu. Quando nos doamos sabemos que aquilo fará bem ao outro. Todavia, não

podemos dar pela metade com receio de que o outro tome nosso lugar social.

Isso seria egoísmo. O verdadeiro amor não tem medo de perder para o outro, pois

considera o outro superior a si mesmo. Se cada sujeito agisse assim eliminaríamos

os índices mundiais de pobreza, porque recursos financeiros e recursos naturais não

faltam no planeta terra. Temos tudo de que precisamos para erradicar a

pobreza em nosso planeta. E, por que não o fazemos? Por que temos medo de

amar. Não damos o que temos porque temos medo de empobrecer, não queremos

abrir mão do nosso conforto e nem trocamos uma viagem para a Europa para

emancipar um oprimido de sua condição de miséria. Infelizmente, é assim que

agimos. Anos após anos. Sabemos refletir, mas não conseguimos viabilizar nossa

reflexão em práxis teórica.

Nessa direção, seguramente, em termos de teologia latina, a teologia da

libertação foi a que mais aproximou-se da tradução viva de uma teoria que não

morre em si mesma, e sim ressuscita na prática do bem a quem nada tem. Sendo

educador, Freire agiu como um ‘pastor’ dos pobres, ao viver no meio destes e

ensinar-lhes as primeiras letras. Schipani (2002) denomina Freire como ‘um cristão’

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pela sua práxis pedagógica emancipadora. Para Freire, “las iglesias

tradicionalistas alienam a las clases oprimidas em la medida en que las estimulan a

ver el mundo como algo malo. Las iglesias modernizantes las alienan (...) al

defender las reformas que mantienen el status quo” (FREIRE apud SCHIPANI, 2002,

p.65).

Nem atitudes conservadoras, nem reformistas provocarão a imprescindível

mudança social que resulte em libertação dos oprimidos. A mudança social apenas

efetivar-se-á no momento em que as igrejas cristãs, como comunidades de fé

e ação, desenvolvam atitudes transformadoras mediadas pela esperança

utópica de um mundo mais igualitário. Este mundo mais simétrico torna-se possível

quando nossas atitudes são para transformar as realidades injustas, em vez de

reformá-las. Ao reformar, mantêm-se os níveis desiguais. Ao transformar,

mudam-se as bases estruturais para igualar condições sociais. Reler a TdL com

os olhares freirianos, faz-nos rever a epistemologia da teologia que prioriza o

pobre para libertá-lo. O pensamento freiriano converge para a teologia da

libertação e a teologia da libertação converge para Freire. Em ambos temos

complementaridade, sequência, conjunto, composição e sintonia de sentidos e

intuições.

A ação freiriana no Brasil da década de 60 deu-se concomitantemente

às iniciativas populares das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs – e

outros movimentos de cunho religioso-social-político. Enquanto o governo militar

silenciava os intelectuais, atores, jornalistas e educadores a igreja cristã

católica mobilizava multidões para a libertação social e política, sob o pano de

fundo da teologia da libertação. O desenvolvimento da teologia da libertação

no Brasil e na América Latina ganhou legitimidade por conta do contexto do

regime ditatorial que o país experimentava, e, assim, obteve o apoio de

líderes religiosos de outras linhas teológicas, como o protestantismo brasileiro.

Apesar de a ditadura brasileira não ter deixado marcas tão cruéis como a

ditadura de outros países vizinhos, este período denominou-se de ‘anos de chumbo’,

onde a resistência contrária ao governo era sentida por meio de pesadas punições

até o sumiço de pessoas que até hoje não se sabe delas. Seus corpos jamais foram

encontrados por suas famílias que almejavam ao menos ofertar ao

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desaparecido/morto uma lápide digna e um último adeus. Nesse cenário de conflito

e dor surgem as CEBs como estratégia de amparo para as famílias cristãs-católicas.

As reuniões das CEBs tiveram também como alvo agrupar as mães de

presos políticos e de militantes. Havia estudos bíblicos e segmentos pastorais

dentro das CEBs para acolher as comunidades e promover transformações que

favorecem ao povo trabalhador, sobretudo os agrupamentos rurais (CALDART

apud SANTOS; GOULART; FABER, 2009). Tanto Freire, quanto os teólogos da

libertação e as CEBs foram despertados para defender as lutas do povo brasileiro

neste contexto de repressão ditatorial que, consequentemente, produzia mais

intensidade de opressão para quem já encontrava-se oprimido – o pobre. Os

pronunciamentos freirianos denotam que seu foco era alcançar o pensamento

da igreja popular latina. Despertar esta igreja para a ação profética, da adoração a

Deus unida com a prática social e para o comprometimento com a causa dos

oprimidos. Uma igreja claramente subversiva. Igreja em que a ação profética

materializa-se em posturas críticas diante dos desdobramentos sociais e

desenvolvendo maior criatividade da práxis em favor dos pobres. A igreja

sofre e morre, mas ressuscita em novos formatos para ‘chegar a ser’

(FREIRE, 1986). A esperança utópica da libertação impulsiona a igreja para seu

objetivo final descrito na salvação dos pobres de sua condição social.

Entre uma reflexão e outra os teólogos latinos foram aderindo aos

termos opressão-libertação até que formulou-se a ideia de uma teologia da

libertação. Nos Estados Unidos, Rubem Alves, teólogo brasileiro, auto-exilado,

defende sua tese de doutorado intitulada: ‘A theology of human hope’ (1968),

publicada em 1969 também nos EUA; e que chega ao Brasil quase vinte anos

depois sob o título: ‘Da esperança’ (1986). Neste livro Rubem Alves propõe um

ensaio sobre variadas concepções em torno do binômio opressão-libertação. Mais

recentemente, em 2012, o livro ganha uma nova edição no Brasil, sob o

nome ‘Por uma teologia da libertação’. É esse caminho que os movimentos

sociais, as CEBs, os teólogos latinos e Paulo Freire percorrem para sinalizar

que precisamos refletir os temas de interesse nacional ‘por uma libertação’ possível

(ALVES, 2012). Na esteira de Alves (1968), Gustavo Gutiérrez (1971) lança o livro

‘Teologia da libertação – perspectivas’ e no mesmo ano, Leonardo Boff (1971)

publica ‘Jesus Cristo libertador – ensaio de cristologia crítica para nosso tempo’.

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Freire (1963), por sua vez, desenvolvia seu método de alfabetização de adultos

com o intuito de ‘libertá-los’ da condição de anomia social em território

brasileiro. A aproximação entre Freire e o bojo da teologia da libertação foi

inevitável, pois Freire era filho de mãe católica e um bom religioso com

convicções cristãs arraigadas no seu comportamento, contanto não se afirmasse

titularmente como ‘um cristão’.

3.2 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA INCLUSÃO

Chama-se de releitura aquilo que pode ser analisado em outra época,

de modo contemporâneo. Reler o social por meio das diversas opressões é reler a

vida em seus diversos matizes ocultos ou visíveis. Exemplo disso são as

ramificações das formas de opressões sociais que desdobram-se em questões de

etnia, gênero, geração e classes. A questão da fome torna-se ‘uma’ diante de

tantas outras violências e opressões imbricadas que se interrelacionam e agigantam

uma questão – fome - em tantas outras mais complexificadas. A (re)conciliação da

sociedade com seus sujeitos excluídos não pode ser a-histórica ou a-temporal,

mas necessita de tantas outras leituras sociais com o fim de conciliar

diversidades periféricas e conciliar-se com o núcleo mobilizador de todas as

demais exclusões e formas de dominação (ARAYA, 1991). Estudar a TdL, na

perspectiva da ‘exclusão’ constitui-se opção para alguns autores. Entretanto,

entendemos que existem inúmeras outras maneiras de construir nossa

argumentação em torno desta teologia que mobilizou leigos e teóricos latinos por

duas décadas e, agora, fazermos uma ‘reconstrução’ do que a TdL deixou de

significação para a sociedade latina de um modo geral. Qual o legado que a TdL terá

deixado para os excluídos reais? Chamamo-los de excluídos reais porque somente

cada sujeito conhece a perspectiva densa de sua particular exclusão. Não bastará

nominarmos a exclusão em grupos, e sim decodificarmos o quê dentro de

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cada grupo de excluídos se faz ‘gritar’ na alma humana, na identidade humana, na

vida cotidiana de cada oprimido (TAMEZ, 1995).

Adentrando as categorias de análise possíveis nos vieses interpretativos da

Teologia da Libertação, Rivera (1996) acredita numa crise da TdL após os 20 anos

de inserção teórica latina. O autor trabalha o conceito de exclusão dos oprimidos ou,

em outras palavras, num meio de olhar os oprimidos pelo viés da exclusão nesse

período em que a TdL foi construída, divulgada e vivida. Provavelmente, podemos

inferir que em duas décadas a TdL teve seus momentos de reflexão, implantação,

auge, eficácia e declínio. Por que teria declinado, perguntamos? Obviamente, não

podemos arriscar uma resposta absoluta com nossa pesquisa, mas introduzirmos os

leitores nos possíveis caminhos e probabilidades interpretativas que teriam

conduzido a TdL ao seu atual declínio. Dentre as razões prováveis, consideramos

que a TdL supervalorizou a dicotomia ‘opressor-oprimido’. Ao passo que,

Paulo Freire, ao sugerir a dicotomia ‘opressor-oprimido’ a sugere como construção

de uma situação de opressão que contém dentro de si a própria negação dessa

construção. Isto significa que o oprimido não pode ser visualizado apenas como

oprimido, mas como um sujeito que também oprime, ainda que oprima a si

mesmo (FREIRE, 2010). Outra possível razão de distorção interpretativa da TdL

teria sido o foco em apenas um dos aspectos de todo um complexo conjunto

de opressão social – a questão econômica da pobreza. Focalizar a pobreza

material como único viés de todo um amplexo opressor, reduz a capacidade

epistemológica de entender-se os diversos matizes de opressão social visíveis ou

não-visíveis nas relações entre os sujeitos. Será que o conceito de “exclusão”

conseguirá dar conta de explicitar as dinâmicas e tensões originadas dentro da

dialética opressão-libertação? (RIVERA, 1996).

De acordo com Rivera, há uma tensão presente nos estudos das

Ciências Sociais de maneira geral no que diz respeito à conceituação de termos

específicos desta área do conhecimento que estejam aptos semanticamente a

decodificar a problemática em questão. Há uma verdadeira carência de

termos. Considerando que, a TdL desenvolveu suas reflexões e a veiculação

de sua práxis de forma progressiva por duas décadas, é natural que crises

conceituais surjam dentro da caminhada daqueles que a estudam e a praticam.

Por isso, mais do que nunca, estamos num momento de revisar e re-conceituar

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alguns termos centrais utilizados pela TdL, a fim de abrir brechas para outras

análises e explicitação de sua teoria por meio de outras abordagens.

Elsa Tamez (1995) sustenta que o apóstolo São Paulo, na carta aos

Romanos, coloca os ‘excluídos’ como ponto de destaque em seu discurso,

pois, para estes o Espírito de Deus o havia enviado à pregar a liberdade. A carta de

Paulo aos Romanos entende que a identidade daquele que aceita a liberdade

concedida pelo Espírito de Deus espelha a identidade de um sujeito que se sabe um

possível vencedor. Mas, que tipo de vencedor? Este ‘vencer’ no discurso paulino, de

acordo com o pensamento de Tamez, é a atitude da fé-resposta que assume sua

liberdade no Cristo independente das circunstâncias sociais que os possam

envolver ou atingir. O texto de Romanos 8. 38 a 39, diz que: “nem a morte nem a

vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro (...)” nada

poderia separar o vencedor de sua vitória – a saber, a presença amorosa do

Cristo. Somos livres apenas para amar. Segundo Tamez, no amor do Cristo,

“tanto o homem como a mulher recobram forças e autoridade para criar

novamente o seu mundo, porque –tendo sido justificados – o espírito que os anima e

o Espírito Santo se unem para testemunhar que são filhos de Deus; em Romanos,

capítulo 08, verso 15” (TAMEZ, 1995, p.186). Justificação nos sugere a ideia de

justiça, de justiça social.

Continuando a reflexão proposta por Tamez e pelo apóstolo São Paulo,

temos a interpretação de que os oprimidos devem ser alcançados por aqueles

que já experimentaram a vitória de viver a liberdade nas questões sociais.

Liberdade esta que os envolve amorosamente numa atmosfera de justiça sócio-

econômica, colocando-os unidos com o núcleo mobilizador de vida na sociedade. A

partir deste ponto, todo sujeito consciente do seu papel social poderá praticar o

ensinamento de São Paulo ao não permitir que ‘nada’ separe outros sujeitos

da liberdade socioeconômica. A libertação virá pelos próprios sujeitos, movidos

pelo espírito justificador do Cristo. O espírito inclusivo do Cristo. Sim, o Cristo se faz

presente por meio dos sujeitos sociais que se posicionam contra a perpetuação da

gangorra da exclusão entrincheirada na dialética opressão-libertação.

A reflexão originada dentro da TdL acerca do sentido de ‘exclusão’,

provavelmente, derivou de outro termo de forte cunho hermenêutico dentro da TdL –

o termo ‘pobre’. Deste modo, podemos olhar a exclusão no viés econômico ou não.

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Pobreza pode ser econômica e também não-ser. O pobre e sua pobreza,

assim, apresentar-se-ão em variadas dimensões e perspectivas, ou até mesmo:

origens sociais. Um sujeito pode estar ‘pobre’ porém com boa estabilidade

econômica e financeira. O que vai delinear a ideia de empobrecimento é aquilo que

o levou a ser considerado um pobre, ou escasso de algo. Esta escassez, entretanto,

poderá ser de origem material, inter-pessoal, emocional ou intelectual-educacional.

Ao nos referirmos à pobreza intelectual, recorremos aos estudos freirianos no que

tange à escassez de conhecimentos que habilitem os sujeitos ao domínio de

linguagens técnicas e funcionais, a serem adquiridas pela veiculação dos

mecanismos educacionais formais. A educação formal possibilita ao sujeito dominar

o seu ‘mundo’, em vez de ser dominado por ele. Dominar não ao outro, mas dominar

os meios de conhecimento, táticas e conteúdos fundamentais para sua

sobrevivência no meio. Pobres estão excluídos de situações sociais onde

outros conseguem acessar livremente. Estar pobre também se traduz por estar

excluído de.

A ciência e a tecnologia surgem como objeto de apropriação dos

opressores, que delas se utilizam para dominar os pobres, tratando-os como

‘coisas’. No mecanismo de coisificação dos sujeitos surge a necessidade de diminuir

os outros medindo-os pela quantidade de bens materiais tecnológicos que estes

possuem. Os que não possuem, não são. E nisso está a violência de um sujeito

contra outro. O conceito de ‘excluído’ foi muito utilizado na década de 1990 pela

Teologia da Libertação, porém não se tratava de um conceito novo neste período, e

sim de uma ramificação de outros termos sinonímicos que foram utilizados

concomitantemente a este conceito. Dentre os conceitos sinônimos para ‘excluído’ e

que surgiram na TdL um pouco antes deste, estão: exploração/

dependência/subdesenvolvimento e o mais conhecido – o conceito de opressão

(RIVERA, 1996).

Exclusão é opressão e ausência de liberdade. Se os sujeitos excluídos não

dispõem da capacidade de escolher participar das decisões políticas, logo não estão

livres. Nesse caso, os excluídos são escravos daqueles que se pretendem

livres acima destes. A modernidade trouxe consigo a falácia de ser livre

abdicando das religiões, principalmente as religiões do segmento cristão. A

majestade da ciência moderna, do Estado e da economia colocam diante de nós

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um equivocado patamar de segurança nos progressos tecnológicos e científicos.

De acordo com Comblin (2005), em nome da liberdade aceitamos a

escravidão. Ou seja, a ditadura do progresso social nas sociedades modernas

e pós-modernas gerou blocos de excluídos. Desde a Escola de Frankfurt14-

Alemanha, o elogio à ciência já era percebido como busca pelo poder. Por

isso, o esforço de discussões entre os pensadores modernos, membros da

Escola de Frankfurt, para que novos métodos de estudo ganhassem espaço nas

teorias filosóficas e sociais.

Inicialmente, pensava-se que a ciência e a tecnologia constituíam

poderes salvíficos para a humanidade, que poderiam abrir-se em inúmeros

desdobramentos para acolher estes avanços do conhecimento. Todavia,

quando as sociedades acolhem o avanço do conhecimento como prioridade,

poderão incorrer em aceitação da ditadura do saber. A ditadura do saber está

intimamente ligada à ditadura do poder. Ambas, impõem para os sujeitos que

aqueles que não sabem estão automaticamente excluídos das decisões e

evoluções sociais. Quem quer ficar excluído? Ninguém. Um exemplo disso é que

as pessoas buscam incessantemente por aparelhos telefônicos móveis com

aplicativos e parafernálias que os tornam de alto custo. Os sujeitos não desejam

apenas um telefone para comunicar-se, mas algo para ostentar o poder de ter. O

poder de compra. Em contrapartida, os sujeitos seguem sofrendo com baixos

índices de saúde, de lazer, de segurança e de escolaridade. A mídia de

massa contribui para colocar na cabeça dos pobres que importa antes ter um

celular iphone do que pagar a consulta do dentista para prevenir os males das

doenças bucais. Fica uma dúvida: isso é liberdade? Isso é uma vida livre? A

vida que consome não consome para estar livre, mas para ser escrava daquilo

que consome, daquilo que compra. A vida livre é a vida que tem o dom da

vida. A vida estéril não é vida (COMBLIN, 2005). A vida é coletividade e inclusão

14Escola de Frankfurt – uma escola clássica de pensamento surgida na Alemanha, mais precisamente, no ano de 1931, sob a direção do filósofo Max Horkheimer. Seu objetivo encontrava-se em discutir as teorias sociais, sem reduzi-las ao pensamento sociológico formal. Buscava-se uma teoria crítica constante capaz de cortar visceralmente as clássicas teorias do desenvolvimento. Para isso, estimulavam-se intuições de caráter filosófico em perfil dialético com as teorias econômicas, sociológicas, educacionais, religiosas. SOARES, Jorge Coelho; EWALD, Ariane P. Escola de Frankfurt: o elogio da sombra. Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia. n.1. v.11. Rio de Janeiro. 2011. 9-22pp.

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dos sujeitos uns com outros. Ter o dom da vida traduz-se por gerar vida e acolher

outras vidas dentro do nosso meio social. Gerar, produzir e incluir. Deus é vida, pois

em Deus há o Filho – Jesus. Em pesquisa sem abdicar dos métodos clássicos.

Em Deus há geração de vida. Ele é o Pai e a Mãe. Ele é uma família. Ao

constituir-se Deus, o fez em Trindade, três. Isto significa que Deus não se percebe

sozinho, mas em família. Este é o Deus inclusivo que a todos acolhe em suas asas

carinhosas. Se Deus é vida, logo ele não participa da exclusão. A vida

perfeita de Deus não se contradiz na exclusão. A vida acolhe, resgata, ama,

ampara, empodera, direciona. A vida perfeita divina entende toda a humanidade

como fruto do dom perfeito. Dessa forma, toda imperfeição é gerada pela anti-

vida, anti-matéria, anti-Deus. E isso exemplifica porque criamos sociedades em

desequilíbrio e porque uns sujeitos possuem muita renda e outros renda

nenhuma. Tudo o que é contrário ao dom perfeito de Deus resulta em anti-vida.

Se a vida inclui, a anti-vida exclui. Pensar em anti-vida é entender que podemos

negar o dom perfeito de Deus seccionando a sociedade em grupos de

capazes e incapazes, prósperos e pobres, inclusos e exclusos. Viver não é

existir como um objeto qualquer, afirma Comblin (2005). Viver é

Agir, produzir, ser fecundo. Viver é poder dar. Na vida é que se realiza a liberdade. A humanidade é chamada à liberdade porque nasceu para a vida. Esta vida segue um curso biológico, ficando restrita aos limites do mundo em que está inserida. Por isso a liberdade realiza-se por etapas e no tempo, assim como a vida. Pois a vida humana está condicionada pela corporeidade (COMBLIN, 2005, p.64).

O efeito das políticas liberalistas dos séculos 18 ao 20, mas especificamente

a partir do ano 1789 com a ascensão das ideias de “liberdade, igualdade e

fraternidade” eclodindo da Europa para o globo. Por entre nós, latinos, os

efeitos desse idealismo resultaram na intensiva segmentação do trabalho humano.

Aliada ao fato da divisão do trabalho, surge a emancipação humana possibilitando a

cada cidadão ter o direito sobre suas propriedades adquiridas. Agora cada um

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trabalharia de per si. Sociedade feudal passa a ser matizada pelas cores da

burguesia. Sociedade burguesa. Ricos e pobres. Contudo, pobres com ‘plenas’

liberdades individuais para possuir terras, bens e moeda. O indíviduo está livre, mas

está preso em si mesmo. Tem a liberdade política adquirida para acumular capital,

entretanto não tem educação para juntar capital. Não foi educado a trabalhar para si

mesmo e trabalhará para os novos senhores do momento – a burguesia.

Estaria o pobre fadado eternamente à sua condição de pobreza? A liberdade

adquirida pela política parlamentar do século XVIII não foi suficiente para distribuir

renda de modo igualitário? (HOP, 1995). Fatalmente as respostas possuirão o teor

da negatividade – não e não.

Sim, os pobres não conseguiram liberdade com a ascensão da

burguesia e o desfecho do período feudal na economia latina sobre bases

políticas do parlamentarismo. O que favoreceu ao pobre acessar as passarelas

iniciais de liberdade foi a decisão de unir-se em movimentos populares

promovidos pelas paróquias cristãs católicas. Nesse sentido, sim, o cristianismo

de libertação introduziu-se no pobre e por ele foi introduzido no caminho de

liberdade histórica que negou o determinismo do trabalho escravo para todos os

que anteriormente só teriam condições de arar terras de propriedades feudais.

Arariam algo que jamais lhes pertenceriam. Dessa maneira, pode-se dizer que

a burguesia capitalista contribuiu com flashes de liberdade para a libertação

dos menos favorecidos ao possibilitar aos empregados que acumulassem

pequenos capitais, adquirissem curtas extensões territoriais, construíssem casas

para que, finalmente, nelas pudesse morar.

Exilados dos feudos, os empregados da burguesia puderam repensar

sua forma de sobrevivência e ousar acumular capital. De acordo com o

pensamento freiriano, todo exílio está encharcado da probabilidade de transformar-

se em agentes culturais mais completos. O exílio nos empurra para re-inventar o

mundo. Todavia, sem consciência de sua palavra, o sujeito nada poderá re-inventar.

São as palavras do cotidiano experiencial que materializam-se em ações de

liberdade. Tanto o feudo-colonialismo, quanto o processo de descolonização

carregam problemas de ordem estrutural quando se quer emancipar os sujeitos

sociais. Na colônia, o sujeito tem pão, mas não tem terra; ao passo que, na não-

colônia, o sujeito tem a terra, porém não tem o dinheiro e nem as ferramentas para a

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produção do trigo que lhe dará o pão. Freire ao exilar-se experimentou as

agruras que outros sujeitos de outras culturas já experimentavam antes dele. Ao

intercambiar a perspectiva do sofrimento nordestino com as realidades de outros

pobres produziu em si o diálogo intercultural. Dialogou com outras culturas e por

elas foi dialogo, interrogado, questionado, inquirido (ANDREOLA; RIBEIRO,

2005). A experiência intercultural freiriana produziu educabilidade para a ação de

educar e emancipar outros sujeitos, a partir da cosmovisão recifense-brasileira,

tal como Freire afirma em

Não, o que quero dizer é que sou, existencialmente, um bicho universal. Mas só sou porque sou profundamente recifense, profundamente brasileiro. E por isso comecei a ser profundamente latino-americano e depois mundial (FREIRE apud ANDREOLA; RIBEIRO, 2005).

3.3 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS MISSIONÁRIO TRANSCULTURAL

Representantes do cristianismo de libertação atuaram em cenários

transculturais diversificados por momentos históricos não-lineares. Vez por outra, a

gênese que essencializa o pensamento que conduz às fontes da reflexão libertadora

deixa-se perceber na veia de um missionário, sobretudo, os missionários

transculturais. Para exemplificar, sugerimos alguns parágrafos sobre o trabalho

missionário transcultural do Frei Bartolomeu de Las Casas, teólogo espanhol

com atuação em favor dos pobres das Índias, em meados do século XVI. Para Las

Casas, a vida do índio colonizado, empobrecido e impelido à morte justificava o

evangelho de Jesus Cristo em favor dos pobres, excluídos, violentados,

anomizados. Invisíveis pobres. Presentes pobres. Contradição de um capitalismo

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que depende do pobre para sua manutenção, todavia não reconhece a

identidade da coletividade gigantesca de pobres que o abastece em posição de

dominação. “Para ele – Las Casas – os desprezados deste mundo são os

primeiros” (GUTIERREZ, 1995, p.27). Ao pensar em que todos os sujeitos sociais

possuem o direito à liberdade, deve-se dissecar o termo ‘todos’ em pequenos

fragmentos de matriz holística integralizadora.

O ‘todo’ é genérico e generalista. Mas o ‘um’ é pontual e específico. O ‘dois’,

ou o ‘três’, até o ‘grupo’, que representa a parte do todo. Exceto o todo pelo todo,

que nada identifica. Por não identificar também não concebe semanticamente o

perfil de ‘todo’ e faceta de ‘um’. Acerca de que ‘todo’ se fala, o que, ao falar

invisibiliza o sujeito? Por isso, cuidar-se-á em delimitar, justificar, objetivar e

sinalizar especificamente o tipo de dor, o tipo de pobre, o tipo de escassez, o tipo de

exclusão e o tipo de opressão que encontram-se materializadas em cada sujeito ou

grupos de sujeitos sociais. O missionarismo lascasiano sedimenta-se na graça do

Cristo que compreende tempo presente e tempo existencial. O cristianismo que

liberta a alma e salva conjuntamente o corpo. Que não demoniza o terreno,

entretanto, o diviniza, pois sabe-se alvo do agir do Cristo. Num dos momentos

da conscientização da igreja em relação ao mal que fazia contra os pobres por

subjugar-lhes a pesados trabalhos, destacou-se o sermão do Frei Antón

Montesino a quem Las Casas referiu-se em citação textual direta, e Gutierrez

sinaliza

Todos estais em pecado mortal e nele viveis e morreis, por causa da crueldade e da tirania, que empregais com estas gentes inocentes. Dizei: com que direito e com que justiça conservais em tão cruel e horrível servidão a estes índios? Com que autoridade desencadeastes tão detestáveis guerras contra estes povos que estavam em suas terras mansos e pacíficos, acabando com um número tão grande de pessoas com mortes e estragos nunca ouvidos? Como os conservais tão oprimidos e cansados, sem darlhes de comer, nem curá-los em suas enfermidades, que morreram por causa dos excessivos trabalhos que lhes dais, quer dizer, os matais no trabalho de extrair e adquirir ouro cada dia? E qual é a vossa preocupação para que sejam doutrinados e conheçam a seu Deus e criador, sejam batizados, ouçam missa, guardem as festas e os domingos? Não são eles homens? Não têm almas racionais? Não sois obrigados a amá-los como a vós

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mesmos? Não entendeis isto? Não sentis isto? Como podeis permanecer adormecidos num sono letárgico tão profundo? Tende por certo, que no estado em que estais, não os podeis salvar mais do que os mouros ou os turcos que carecem e não querem a fé em Jesus Cristo (MONTESINO - H. III c.4; II, 176 apud GUTIÉRREZ, 1995).

História aberta em teologia da libertação é como uma mensagem

escatológica do prenúncio da educação libertadora freiriana. Carlos René

Padilla (2005) afirma que o evangelho vivo da presença material do Cristo entre os

sujeitos confirma a validade da história aberta vetero-testamentária, uma vez que a

vida do Cristo cumpre os ideais de esperança mapeados na antiguidade

bíblica. A contribuição de Freire para a religião cristã, seja de matriz protestante ou

de matriz católica, encontra-se nos fundamentos do seu ensino libertador, de

sua história sempre aberta às possibilidades de transformações humanas. O

sujeito liberto, somente o é quando se percebe liberto na consciência livre das

amarras do preconceito, da soberba, da inferioridade, da superioridade, da

marginalidade, do sectarismo deformador social. O missionarismo não está

reduzido aos projetos evangelísticos, e sim a toda e qualquer tentativa de levar a

outros uma mensagem libertadora. Neste sentido, Schipani (2002) entende que

o ‘missionário’ Freire propagou sua fé na utopia da educação, obtendo confluências

com as ideologias da Teologia da Libertação no entendimento aproximado de

ambos a respeito da salvação existencial dos sujeitos por meio da emancipação

social.

A igreja cristã oferece impulso para a ordem social dominante quando motiva

seus seguidores a alcançarem os favores divinos para o sucesso nas

relações sociais, sobretudo, o sucesso do capital acumulado. A defesa da

ideologia cristã está consonante aos interesses de classe. Lamentavelmente, não

são os interesses de classe desfavorecida, mas da classe dominante. Que

classe dominante? Obviamente aquela que divulga e impõe suas ideologias de

capital, alegando que os mais pobres são preguiçosos ou resistentes ao ensino

formal, o que não é verdade. Esse neoliberalismo descarado eleva os

dominadores ao lugar de heróis e os dominados ao lugar de fracassados.

Contradição e cinismo social desde os séculos dos séculos, até a

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contemporaneidade, até o futuro dos tempos. Não apenas a igreja cristã serve aos

interesses políticos da elite opressora, mas também a educação formal

tecnicista o faz constantemente. A reciprocidade do pensamento freiriano com

as ideias da TdL revela o quanto a obra Pedagogia do Oprimido possui beleza

acadêmica e a magia de atualizar-se a cada novo momento sócio-econômico. Freire

teorizou a beleza que está na ação de emancipar o pobre pela libertação da

educação tornando a sua metodologia quase uma espiritualidade da educação. Não

necessariamente uma religião deformada pela estrutura engessada dos interesses

difusos do capital com a missão social, todavia, uma espiritualidade educacional que

extrapola os interesses pragmáticos da religião ritualística.

Em Freire, temos a noção de necrofilia que assassina o outro que já está para

morrer. É o mesmo que negar atendimento de saúde pública para quem

depende exclusivamente do serviço de saúde pública. Terminar de matar quem já

tem menos-vida, que já está para morrer. Sadismo. Os necrófilos – ou produtores de

morte, ou amigos da morte – estão em todos os lugares, como na teologia, na

Academia, na educação ou na economia. São amantes de si mesmos e dos seus

bolsos lotados de capital que os assegura. São fúteis, desumanos e

desumanizadores. Jamais sobreviveriam numa favela carioca, sem água, sem

esgoto, sem carro, sem plano de saúde. Seriam estes os reais mortos? Matam

outros porque só sabem gerar morte, e, assim expõe o quanto também encontram-

se desumanizados do ideal de vida igualitária. Seguindo os insights freirianos,

destacamos o trecho que segue

O sadismo aparece, assim, como uma das características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto, é que seu amor é um amor às avessas – um amor à morte e não à vida. Na medida em que, para dominar, se esforçam por deter a ânsia de busca, a inquietação, o poder de criar, que caracterizam a vida; os opressores matam a vida (FREIRE, 2010, p.52).

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Por vezes, a igreja propõe-se a um comportamento neutro em questões

polêmicas e plenamente sociais. Sejam de matriz educacional, de gênero, política,

econômica, biomédica ou outras. Enfim, a igreja fica em cima do muro

quando a sociedade lhe traz temas que causam desconforto ao se chocarem

com os fundamentos radicais de sua fé e devoção. Entretanto, não é concebível a

ideia de neutralidade da igreja ou do cristianismo. Toda prática religiosa ocorre

dentro de um grupo social, portanto, jamais será neutra. O risco da postura de

neutralidade é o fato da igreja corroborar ações de violência por conta do

silêncio fantasioso que imprime nos seus cultos e nas pessoas que os praticam.

Um silêncio que passa a falsa ideia de que tudo está perfeito e confortável, quando

não está nem um pouco. Nessa linha, não há neutralidade nas diversas formas

de opressão, sendo todas intencionais.

O Cristo de Freire provavelmente foi o Cristo do povo, apresentado a ele pela

Teologia da Libertação. Quando Freire se declarava cristão, queria expressar

não uma ligação com uma forma dogmática de crença, mas com a prática

pela emancipação das classes sociais desfavorecidas. Ele creu na qualidade

de vida defendida pela teologia de seu tempo e com ela comprometeu-se

(SCHIPANI, 2002). A partir disso ele desenvolve sua práxis pedagógica por meio de

uma filosofia educacional onde a libertação presencia-se em reflexos de libertação

que os sujeitos acessam para sua salvação. Este viés de salvação está na

materialidade histórica da equiparação de classes. O único meio de

desenvolver isso, nesse tempo histórico, foi por meio da utopia da educação

das massas. Utopia não como algo distante, mas como algo totalmente acima

daquilo que aceitamos como condição naturalizante. E, por isso, deve ser

perseguido como alvo de melhoria e de transformação. Gostamos de pensar na

utopia como a linha do horizonte para o qual se caminha, ainda que ele se distancie

cada vez mais e mais. Contudo, o fato do horizonte distanciar-se não significa que

os sujeitos que caminharam em direção a ele, ficaram estagnados na miséria da

inércia social. Não, estes sujeitos caminharam. E, ao caminhar, movimentam

outras relações, outras possibilidades de transformação. E a transformação

acontece, pouco a pouco, num efeito dominó.

Mas, a transformação social e a emancipação são plenamente reais e

exeqüíveis. Freire provou que ambas são possíveis. O pensamento freiriano,

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aparentemente, induz-nos a sensação de que tudo está repetindo-se na sequencia

dos seus livros: pedagogia do oprimido, pedagogia da esperança, pedagogia da

autonomia, dentre outros similares de sua autoria. Mas, nada está se

repetindo. A sua práxis educacional alcançou tal relevância e veracidade de

resultados entre aqueles que executaram sua metodologia que seria impossível

Freire escrever livros com teorias vazias e desconexas da gênese de seu

pensamento. A cada livro, sua teoria confirmava-se como válida, como

legítima. A Pedagogia do Oprimido tem características de um livro de cabeceira,

para ser lido, pensado, praticado, revisto, debatido, atualizado, desdobrado. Nunca

esquecido numa estante.

Dialeticamente, pode-se ver o Cristo através do povo ou o povo através do

Cristo. Parece-nos que o próprio Cristo escolheu ver o povo antes dos dogmas. E

Freire também escolheu ver o povo. Crer no povo. A pedagogia freiriana demonstra

que ele, ao olhar o povo, encontrou o Cristo. E isso lhe deu sentido para dialogar

com a teologia da libertação e, nela identificar elementos que reforçassem

sua crença no povo. Não apenas viu o povo, mas ouviu o povo. Procurou entender

as falas do povo, o porquê destas falas, as nuances destas, as sugestões de falas e

a ausência das falas. Na Pedagogia do Oprimido, Freire fala no ‘conforto’ que

os deterministas sociais encontram ao atribuir as opressões humanas aos desígnios

de um Deus: “Quase sempre este fatalismo está referido ao poder do destino ou da

sina ou do fado – potências irremovíveis – ou a uma distorcida visão de Deus.

Dentro do mundo mágico ou místico em que se encontra a consciência

oprimida, sobretudo camponesa, quase imersa na natureza, encontra no

sofrimento, produto da exploração em que está, a vontade de Deus, como se

Ele fosse o fazedor desta ‘desordem organizada’. Na imersão em que se

encontram não podem os oprimidos divisar, claramente, a ‘ordem’ que serve aos

opressores que, de certa forma, ‘vivem neles’ (FREIRE, 2010, p.55).

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3.4 SUJEITO-HISTÓRICO, HISTÓRIA ABERTA E NEGAÇÃO DA HISTÓRIA

Os sujeitos-históricos são capazes de intervir no mundo. Historicizar é

se perceber enquanto sujeito-histórico, apto para ver o conhecimento como

produção histórica. Sendo produção, o conhecimento pode dispor do saber

acumulado existente. E também deve abrir-se ao saber em construção que não está

na posição de ‘existente’, mas de ‘em processo de existência’. O conhecer dá-se

pela busca. Todos os educandos e educadores encontram-se igualmente

envolvidos na busca do conhecer e na curiosidade epistemológica. Ensinar exige

pesquisa rigorosa sobre o contexto dos alunos, não apenas sobre os conteúdos

disciplinares do conhecimento (FREIRE, 2011). Ensinar na via do respeito ao

saber popular e comunitário do senso comum do educando. Educar as

massas não é tomada de poder, não é subversão, mas emancipação de toda

a sociedade. Na metodologia que se propõe a emancipar as classes C, D e E o

ensino está pautado na realidade concreta destas classes, nos desejos,

frustrações e expectativas. Às vezes, a proximidade com a dor e a morte é

muito mais freqüente do que as propostas educacionais românticas da

esperança que se distancia da realidade.

A curiosidade epistemológica é curiosidade criticizada, em vez de um

despertar ingênuo. Ela está sistematizada e mais aproximada do objeto cognoscível.

A atividade pedagógica é formadora. E formar é equipar com atributos para a

condição existencial de ‘vir-a-ser’. Formar é cooperar com os sujeitos no processo

de valoração. Dentro deste processo, abrir espaço para a possibilidade de

transgressão. Educar é substantivamente formar. Quando falamos de formação de

caráter para o desenvolvimento de atitudes por meio do processo pedagógico não

estamos excluindo a importância dos saberes técnicos. A tecnologia e a mídia digital

são imprescindíveis para o crescimento dos alunos, porém devem estar

sempre abertas às críticas, em vez de ser aceitas na totalidade dos seus

formatos propostos. Contudo, isso dependerá do uso ético que a educação faz

de cada recurso técnico a ela apresentado (FREIRE, 2011).

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O pensar certo está no pensar ético. Todo pensar certo conduz à coerência.

Quem mudar assumirá que mudou. A mudança ficará visível no processo de

transformação dos sujeitos. De acordo com Freire, a rigorosidade do pensar certo

critica a fórmula farisaica e conteudista do: ‘faça o que eu ensino, mesmo que este

ensino não lhe sirva para nada’. Desta forma, para fugir do conteudismo e

do farisaísmo o exercício do pensar certo deve produzir um agir certo (FREIRE,

2011). Ele é crítico de si mesmo enquanto teórico. Ao descrever o que é

‘pensar certo’ avalia que esta teoria só é válida se o pensar estiver coerente com o

agir. Pensar certo, para ele, é validado com o testemunho da prática pautada neste

pensar. É um pensar dinâmico, dialético, dialógico.

O sentido da educação encontra-se na crença de que os humanos se fazem e

se refazem ao aprender. Educar é indignar-se. Indignar-se contra injustiças e contra

o desamor. Nesta direção, os educadores são politizadores. O ‘quefazer’

pedagógico-político não pode dicotomizar do quefazer político-pedagógico.

Pedagogia e política a partir das ações das comunidades, mesmo sem a tomada do

poder dominante (FREIRE, 2000). A pedagogia-política se depara com

obstáculos surgidos na caminhada, os quais tentam imobilizar os sujeitos e distorcer

a verdade de que as relações sociais são objeto de mutações na dialética

ensino-aprendizagem. Com o intuito de que a imobilidade não alcance os

processos politico-pedagógicos, Freire coloca a virtude da esperança como

disciplina interdisciplinar. As políticas públicas em geral se apóiam no mito do pré-

estabelecido incondicional. São absorvidas ideias de que a corrupção dos

sistemas governamentais jamais colocará a questão educacional como prioridade.

Ou na ideia de que aqueles que nasceram pobres jamais chegarão a ter condições

de libertação porque os sistemas econômicos não lhes permite tempo para

estudar. Estas são realidades com as quais convivemos, mas não precisam ser

realidades factuais ou imutáveis. Ter esperança é negar os condicionamentos

sociais, no sentido de recusá-los (FREIRE, 2000). A esperança problematiza a

sociedade na busca de outras respostas para as mesmas perguntas.

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3.5 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ESPERANÇA: ENSAIOS REVOLUCIONÁRIOS CONTEMPORÂNEOS

A matriz da esperança é a mesma da educabilidade dos sujeitos. A

educabilidade que os torna conscientes de seu ser inacabado, porém não aceita as

respostas prontas. Inclusive, respostas formatadas para perguntas que os próprios

sujeitos não as fizeram. A indução midiática conduz às perguntas direcionadas por

ideologias de outros, numa espécie de saber viciado e tendencioso. Para fazer as

perguntas certas é preciso uma imersão no hoje, no agora. Molharmo-nos do tempo

em que vivemos para ter condições de pensar o amanhã. Pensar o amanhã

é profetizar ao anunciar novas realidades possíveis (FREIRE, 2000). Os seres

inanimados não podem reagir aos estímulos externos, sejam eles negativos

ou positivos. Ao passo que os seres humanos podem reagir, e não apenas reagir

mas questionar cada ação do seu meio. Assim, para a sobrevivência, precisamos

corrigir nossas histórias dando-lhes novos significados, com ações libertárias. Os

sujeitos em ação libertária possuem a capacidade de autopoiesis. O termo

“autopoiese” origina-se em uma combinação de vocábulos gregos: “autos” = próprio;

“poien”= fazer. Na autopoiese, nos fazemos e refazemos. Podemos reescrever

nossas histórias para que alcancem condições de uma vivência em liberdade e

longe da dominação social (SUNG, 2006). A virulência dos processos de dominação

social pode contaminar os sujeitos de tal maneira que estes não consigam mais se

libertar.

Dependendo do grau de nocividade ativa, os sistemas humanos de

autodesenvolvimento ficam comprometidos. Os sujeitos que se encontram nesse

estágio tendem a comportar-se como o “hospedeiro do dominador”, alertado

por Freire (2010). Ao hospedar seu próprio algoz dentro de sua subjetividade,

o sujeito não pode discernir a si mesmo e nem discernir o outro que o está

oprimindo. Poderá até mesmo vir a tornar-se um sujeito tão nocivo como

aquele que está “hospedado” dentro dele. Ou, como na maioria dos casos, se

autodestrói, aos poucos, pelo modelo de dependência identitária. Obviamente,

não desejamos aqui estimular o discurso pessimista do pragmatismo neoliberal

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ao afirmarmos que os sujeitos dominados nem sempre chegarão ao estágio

de libertação. Nossa fala, porém, reside na lacuna da realidade possível mediada

pela capacidade da vida em criar novos sistemas de desenvolvimento. Tal como os

microorganismos celulares que se reorganizam nos sistemas da vida,

similarmente, os sujeitos envolvidos neste sistema também detêm os meios

para reorganizar suas vidas e suas sociedades quando necessário (SUNG,

2006). Sim, isto entendemos. Mas, fica a questão: Por que os sujeitos aptos ao

seu desenvolvimento e à sua reorganização não se desenvolvem e não se

reorganizam com regularidade? O que ocorre no meio do processo?

Desenvolver-se e organizar-se constituem atributos plenamente

complexos. Nem sempre os processos de desenvolvimento e organização sociais

acontecem de forma direita e justa. Para isso, os teólogos sugerem a

intervenção em favor dos pobres ou injustiçados. A questão do

desenvolvimento social pode induzir a uma falsa ideia de linearidade causal. Esta

é a lógica ocidental da causa-efeito, mas que não considerava os processos

estudados pelas teorias da complexidade e do caos. As relações humanas não

ocorrem de modo linear, mas dependem de fatores múltiplos. A partir destes

fatores de impedimento à libertação, perguntamos: Onde entra a questão da justiça?

A justiça torna-se necessária quando um dos sujeitos se atrapalha no meio do

desenvolvimento social e fica excluído do núcleo de benefícios do grupo. Isto é,

fica à margem da sociedade, periferizado. De acordo com Gutiérrez

Não é suficiente, porém, dizer que Deus revela-se na história e que, por conseguinte, a fé de Israel tem uma ossatura histórica. Também é necessário levar em conta que o Deus da Bíblia não é só um Deus que governa a história, mas também um Deus que a orienta no sentido do estabelecimento da justiça e do direito (GUTIÉRREZ, 1981, p.20).

Cada sujeito marginalizado está desprovido de justiça social e do

exercício pleno do seu direito enquanto cidadão. Para Gutiérrez (1981), Deus toma o

partido em favor dos excluídos.

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3.5.1 Olhares de esperança

De acordo com Celso de Rui Beisiegel, Freire sofria a angústia de

meditar, constantemente, acerca daquilo que já tinha pensado e refletido nos seus

escritos anteriores. Nesse sentido, cada novo livro era um esforço para

averiguar se a pedagogia libertadora havia sido colocada em prática. Uma

forma de constatar a triste realidade de que muitos dos educadores e

pesquisadores até entendiam suas reflexões, entretanto, não procuravam

desenvolver os métodos para tornar a pedagogia libertadora uma pedagogia

exeqüível (BEISIEGEL apud ROMÃO, 1996). Quando pensamos em uma

pedagogia que trabalhe a realidade também consideramos uma pedagogia que

torne o aprendizado possível. Não basta falar na realidade, mas avaliar o que dessa

realidade é possível de ser transformada para o pleno desenvolvimento equilibrado

de todos os setores de uma sociedade. Os oprimidos vivem imersos numa

espécie de tráfico ideológico, onde tudo que é absorvido no seu pensamento

tem origem em ideologias bem distantes da realidade dolorosa de classes (ROMÃO,

1996). Quem conviveu com Paulo Freire afirma que ele transmitia para sua equipe

de trabalho a sua angústia reflexiva na direção de conduzir o discurso da

libertação para uma educação libertadora de fato, sobretudo, na educação

popular e alfabetização.

Moacir Gadotti, diretor-geral do Instituto Paulo Freire, é também um dos

biógrafos de Freire. Sobre seu primeiro encontro pessoal com Freire, em 1974,

anuncia que Freire tinha o hábito de ler para ele como que um pássaro

emitindo seus sons onde pudesse ser ouvido. Além de escrever, Freire queria

ser ouvido. Acredito que essa tenha sido uma das mais lindas experiências vividas

por Freire e Gadotti juntos. Imagina a sensação de expor suas idéias em

primeira-mão, ainda manuscritas, para alguém que delas tenha o interesse de

conhecer (GADOTTI, 1996). No ano de 1978, mesmo durante o período de

proibição de sua volta ao Brasil, Freire participou – à distância – de uma

conferência na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, sob o tema: “I

Seminário de Educação Brasileira”. É claro que sua participação foi por telefone,

uma vez que ainda não dispunham dos recursos da internet nessa época.

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Algum tempo depois, a reitoria desta universidade convidou Freire para

compor seu quadro de docentes. Contudo, Freire só pôde retornar ao Brasil em

1980, quando o regime militar o autorizou a regressar à sua terra natal. Ao tomar

conhecimento de que Freire estava por retornar ao Brasil, o Chanceller da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP – Dom Paulo Evaristo

Arns, tomou a iniciativa de oferecer uma cadeira para Freire ocupar na

docência, ao que Freire aceitou e lecionou até sua morte em 1997.

Segundo Carlos Alberto Torres (1996), Freire provavelmente foi o

educador latino de maior projeção internacional. Seu trabalho intelectual esteve

apoiado nas seguintes áreas: Conscientização/ Alfabetização/ Educação como Ação

Cultural. A legitimidade do trabalho de Freire se relaciona com o fato de que

a situação de aprendizagem, em muitos contextos sociais assimétricos, tem a ver

com situações de dor e conflitos sérios. Torres estudou o trabalho freiriano

desde seu início em terras brasileiras, ainda na década de 50. Em seguida,

acompanhou sua trajetória educacional pelo Chile e os esforços por viabilizar seu

método libertador pedagógico em diversos locais da África. Sua investigação se

estende à década de 90, quando Freire já havia retornado ao Brasil. A fala de Torres

nos interessa exatamente pela metodologia de acompanhar toda a trajetória de

Freire no que diz respeito à sua prática em ambientes culturais completamente

diversificados entre si. Ele afirma que Freire produziu sua primeira literatura ainda

em 1959, no Brasil, sob o título: “Educação e Atualidade Brasileira”. Esta obra foi

atualizada por Freire e passou a chamar-se “Educação Como Prática da

Liberdade”, impresso no Brasil no ano de 1967, quando Freire já estava sob

exílio político no Chile. Antes do golpe militar que o conduziu ao exílio, porém, o

Brasil contava com força e motivação educacional do então presidente João Goulart

– conhecido como Jango – que possibilitou a criação do ISEB – Instituto Superior

de Estudos Brasileiros, vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura. O

ISEB promovia encontros para analisar o pensamento dos teóricos que mais lhes

influenciaram, como: Spengler, Weber, Scheller – ligados à antropologia alemã dos

anos 30. E os pensadores: Ortega, Sartre, Jaspers, Gasset e Heiddeger – estes da

filosofia existencialista. Acerca dos temas sociológicos, os autores de referência

foram: Weber, Toynbee e Pareto.

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Os autores acima influenciavam os pensadores brasileiros deste

período. Contudo, a dialética freiriana se orquestra em torno de alguns parâmetros

teóricos que podemos chamar de fases freirianas. A primeira fase freiriana seria a

fase do “cristianismo pessoal”, amplamente criticada por adeptos do marxismo

ortordoxo. Autores como Emmanuel Mounier e Tristão de Ataíde exerceram

suas asserções cristãs sobre a formulação do pensamento freiriano. A

segunda fase pode ser definida como a fase teórico-crítica advinda das teorias de

John Dewey e Antonio Gramsci. Isso explica porque a construção do pensamento

freiriano teve um alcance muito grande em vários idiomas e culturas

diversificadas. Freire estava em consonância com fortes e eloquentes teorias

mundiais do seu tempo. Aliás, para o seu tempo uma síntese destes pensadores

era considerada arrojada novidade (TORRES, 1996). O ponto comum entre os

teóricos preferidos de Freire pode ser visualizado na luta pela humanização dos

oprimidos que estes pensadores demonstraram. Cujo objetivo maior era o de

reintegrar as classes sociais em camadas igualitárias. Gramsci criticou

ferozmente a burguesia no que diz respeito aos empecilhos que esta coloca para a

emancipação dos pobres, impedindo-lhes o acesso aos mecanismos de construção

ideológicos dominantes. Isto quer dizer que a burguesia dominadora se valia de

ideologias para promover sua cultura de dominação (GRAMSCI apud

HEIJMANS, 2006). Numa análise da perspectiva da distribuição de renda e da

simetria das camadas sociais posteriormente à revolução americana, Hannah Arendt

afirma que

O problema que colocavam não era social, e sim político; referia-se não à ordem da sociedade e sim a forma de governo (ARENDT, 2011, p.103)

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3.5.2 Revolucionar para além da questão social

Para Arendt (2011) a revolução americana teve sucesso por estar

apoiada nos valores políticos que possibilitariam o crescimento de todas as classes

sociais juntas. Quando ela diz que o problema visto pelos EUA “não era

social”, significa que o problema da pobreza estadunidense era encarado pelas

tramas da política. E, ao mapear sua situação de calamidade financeira como

problema político, os estadunidenses não colocariam o foco nas revoluções sociais

em favor dos pobres, e sim nos mecanismos políticos que projetassem esses

pobres - a médio prazo -para condições igualitárias de vida em relação àqueles

que antes os dominavam economicamente. Concomitantemente, ela tece uma

crítica a forma como a revolução francesa foi projetada e desenvolvida. A

revolução francesa foi um insucesso porque não contou com a presença efetiva e

politizadora dos pobres. Os pobres foram representados por outras classes sociais

desenvolvidas, as quais não tinham elementos legítimos para representar a

realidade cotidiana dos mais pobres. ‘Representar’, segundo Arendt (2011), é enviar

a presença de alguém para anunciar um outro alguém. Representação também

pode ser autopreservação onde os trabalhadores se protegem da imtromissão/

intervenção do governo. Porém, para que a representação seja transformada

em autopreservação de uma classe será necessário que aqueles que

representam outros tenham legitimidade para tal. Representação é diferente de

presença. O que impede a representação de atuar com legitimidade é a

preocupação das classes dominadoras em evitar que as classes ex-dominadas –

os pobres de ontem – criem por si mesmos mecanismos de ‘empowerment’ -

empoderamento (2011). Uma vez empoderados os ex-dominados poderão criar seu

próprio código de conduta e o impor ao corpo político total.

Arendt (2011) entende a revolução francesa como noção de necessidade

histórica onde os atores revolucionários não eram ingênuos coadjuvantes. Podiam

até não possuir forças políticas para tal realização, mas tinham consciência de

que deveriam reagir às condições de alienação em que se encontravam. O

que atrapalhou o progresso da revolução francesa não foi a falta de

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conscientização dos pobres que participaram da revolução. Estes foram

prejudicados por serem representados pelos próprios dominadores deles. A

temática da revolução francesa era ajudar aos pobres. Todavia, é certo que

nenhuma ajuda será efetiva quando há dominadores no controle de uma

situação privilegiada. A ajuda revolucionária só pode ser considerada ajuda

quando traduz-se em ajuda mútua. Quando todas as classes se comprometem com

os problemas que atingem todas elas, ao ponto de dispensar esforços

reflexivos e práticos para a reforma política desta ou daquela sociedade. Do

contrário, as revoluções em favor dos pobres reduzir-se-ão em ações subjetivas,

lacunares e estéreis.

De acordo com Freire (2010), a subjetividade da pretensa ‘ajuda aos pobres’

precisa ser substituída pela objetividade da inserção crítica na realidade. Quem olha

de fora, vê apenas a superfície. Provavelmente, prefere olhar de fora para não correr

o risco de sentir o desconforto do reconhecimento da realidade do outro.

Para reconhecer, será necessário assumir a contradição instalada e vivenciada por

quem está no poder. Por isso, é mais fácil racionalizar as complexas situações dos

pobres com ideologias simplistas ou políticas de espetáculo que oferecem

propostas mirabolantes de resolução da pobreza, as quais só servem para angariar

votos em períodos eleitorais. Freire chama esse comportamento cínico dos

mais ricos de comportamento neurótico, em

A tendência deste é, então, comportar-se “neuroticamente”. O fato existe, mas tanto ele quanto o que dele talvez resulte lhe podem ser adversos. Daí que seja necessário, numa indiscutível “racionalização”, não propriamente negá-lo, mas vê-lo de forma diferente. A “racionalização”, como mecanismo de defesa, termina por identificar-se com o subjetivismo. Ao não negar o fato, mas distorcer suas verdades, a racionalização retira as bases objetivas do mesmo. O fato deixa de ser ele concretamente e passa a ser um mito criado para a defesa da classe do que fez o reconhecimento, que, assim, se torna falso. Desta forma, mais uma vez é impossível a inserção crítica que só existe na dialeticidade objetividade-subjetividade (FREIRE, 2010, p. 43).

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Ettore Gelpi, conheceu Freire em 1975, em Genebra. Ele atuou como

consultor da UNESCO, em Paris, por longo período. Segundo Gelpi (1996),

Freire seguia dotado de uma humanidade singular. A humanidade em Freire

se fazia coerente com aquilo que ele escrevia. Freire escrevia o que vivia e

vivia o que escrevia. Para aqueles que insistiam em seguir a Freire como um

‘doutor’ do pensamento ele avisava que: “A melhor maneira de me seguir é

não seguir-me” (FREIRE apud GELPI, 1996, p.238). Essa postura revela a

capacidade de desapegar-se se suas próprias certezas, sobretudo, porque para

Freire as certezas só teriam valor se fossem abertas a outras certezas de

outros sujeitos.

Principalmente, certezas abertas às certezas dos ‘analfabetos’, dos mais

pobres, do povo, da multidão desejosa de falar e aprender novas certezas. Em suas

palestras, ele procurava ouvir o que o público tinha a contribuir. Seu objetivo não era

receber suas idéias como um depósito bancário de um ‘doutor’ na cabeça de um

aprendiz receptivo. Em suas passagens pelos continentes, sobretudo em terras

africanas de língua portuguesa, ele procurou aprender-ensinar a partir do saber

cultural das tribos, das cidades, das matriarcas. O saber, para Freire, não se faz na

ortodoxia, mas na ortopraxia. Na ortodoxia¹, a teoria é priorizada de modo que o

conteúdo seja transmitido em sua máxima totalidade possível para que o

cronograma curricular de ensino seja cumprido. Entretanto, na ortodoxia, o conteúdo

pode ser absorvido sem ser aprendido. Ao passo que, na ‘ortopraxia’, o

conteúdo continuará sendo fundamental, mas a aplicação do conteúdo na vida

cotidiana do aluno ocupará um lugar essencial. Denis Fortin (1996) acredita na

eficácia da ortopraxia freiriana que mobiliza tanto intelectuais progressistas quanto

outros agentes sociais leigos, para a veiculação da justiça social, mediada pela

ética e praticada em ações de solidariedade. Ele ministrou durante quatorze anos

– 1980 a 1994 – um seminário sobre o método educacional de Paulo Freire na

Schoolof Social Work – Escola de Serviço Social, da Tunísia. Também atuou em

Quebec, Canadá, na crença de que as necessitam de atenção, tratamento,

recursos financeiros, solidariedade dos amigos e familiares e, idéias libertárias

da Pedagogia do Oprimido precisavam expandir-se para as reflexões acerca

dos mais variados tipos de opressão social, que não se reduz ao binômio

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oprimido-pobre. Fortin (1996) nos alerta para a urgência de libertarmos outros

oprimidos, tais como os que encontram-se em situações de: violência sexual,

ausência de habitação e transtornos psicológicos. De fato, estas são opressões

sérias que principalmente educação libertadora para que os oprimidos consigam

libertar-se a si mesmos, cada dia mais um pouco. Libertação continuada. Neste

tópico estamos expondo a visão de diversos teóricos e pesquisadores que, de

alguma forma, tiveram contato com a obra de Freire ou mesmo conviveram

pessoalmente com ele. Para fechar esta seção ‘bio-bibliográfica freiriana’, trazemos

ao palco a voz da Ana Maria Araújo Freire, esposa de Freire, que já esteve presente

em outros momentos desta pesquisa. De maneira muito especial, registraremos as

falas amorosas e também a percepção da esposa-professora-pesquisadora do

pensamento de seu marido

Escrever uma biografia de Paulo Freire tem para mim um sentido muito especial. Justifico: primeiro, porque somos mulher e marido, unidos por laços de amor e paixão; segundo, porque venho pesquisando a história da educação brasileira há muitos anos, e, assim, falar sobre este educador é reviver também o processo de sua inserção nela, e isso é provocador e gratificante; (...) Assim, com a percepção de mulher-esposa, de mulher-historiadora, e, ao mesmo tempo, de mulher-amiga, pretendo registrar aqui algumas informações sobre a vida e a obra dele. Como seria impossível elencar todos os esforços de Paulo Freire, seja no Brasil, seja os espalhados pelos mais diversos países, mencionarei algumas de suas contribuições (FREIRE, Ana, 1996, p.27).

Algo por demais curioso na trajetória de Freire é sua lucidez teórica

que concedeu-lhe o título de doutor sem a necessidade de cursar os quatro

exaustivos anos de curso de doutoramento. Seu pensamento já despontava como

originalidade no final da década de 50. Assim, em 1959, ele prestou concurso

público e obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação. Para isso,

precisou compilar e defender a tese de doutoramento sob o título: “Educação e

Atualidade Brasileira”. Consequentemente, agora como Professor-Doutor, Paulo

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Freire, obteve autorização do Estado do Pernambuco, mediante a portaria n.30, de

30 de novembro de 1960, para lecionar na Universidade do Recife (A. FREIRE,

1996). Sobre o Método Educacional que Freire desenvolveu, ela adianta que o

método não pode reduzir-se à ideia de alfabetização de adultos, ainda que esta

tenha sido sua bandeira. Freire entendia que o método de educar um adulto se dá

na perspectiva de facilitá-lo a ver a si mesmo como mulher ou homem integral.

O grande desafio do método é contribuir para que os sujeitos consigam se

inserir novamente na sociedade de onde foram excluídos (A. FREIRE, 1996).

Filosoficamente, o sujeito liberto pela educação e pelo método alfabetizador de

Freire também será aquele que não mais olhará para si mesmo como alguém menor

ou menos que outro sujeito. O ser-menos existencial precisa ser combatido em

cada atitude educacional visando à emancipação e libertação integral do

sujeito. Após, o acesso aos mecanismos da educação libertadora, o sujeito

entenderá que é possível adentrar o caminho do ser-mais do que ele foi até o

momento presente. E, ao ser-mais, descobrir-se a si e descobrir ao outro para que

ambos cheguem ao consenso de que não precisam ostentar o ‘mais’ e nem

aceitar o ‘menos’, e, contudo, apenas viver em comunhão. Educação é algo onde

a teoria se testa na prática. Os que negam a pedagogicidade, na defesa de

não se envolverem com a política, são tão políticos quanto (FREIRE, 2000). Não há

sociedade e nem educação sem política, mesmo quando não se faz uma opção

partidária ou ideológica. Alguém vai decidir por nós, e, estaremos, dessa maneira,

de algum lado político. Como educador, Freire jamais aceitou que sua passagem no

mundo fosse preestabelecida por padrões fixados ou predeterminados por aqueles

que acreditam, equivocadamente, dominar o saber por meio de conteúdos

acumulados. A importância da atividade pedagógica se apresenta como

atividade profética que contém a relação: denúncia e anúncio. A denúncia da

realidade perversa e excludente social. E o anúncio esperançoso de uma

realidade diferente e possível. Se o mundo é complexo e os sujeitos

apresentam tantas complexidades, a imprevisibilidade da vida provoca contradições,

que por sua vez, podem resultar em superações. “Mudar o mundo é tão difícil quanto

possível” (FREIRE, 2000, p.20).

Se a educação não pode mais ser considerada como a mola

propulsora de transformação do mundo, tampouco sem ela o mundo poderá

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melhorar. A tarefa político-pedagógica reforça que algo está errado, e que algo

precisa ser feito para mudar o que está errado. Mas a pedagogia conscientizada

sabe que não vai salvar todos os sujeitos. A pedagogia é a ciência do

despertar. Pedagogia se faz na superação de obstáculos, e do caminhar junto.

Inclusive, caminhar junto com outras ciências para lhes servir de instrumento

mediador nos processos de desenvolvimento humano. Todo desenvolvimento é

processual e vai se construindo nas diversas tomadas de decisão. A

responsabilidade do sujeito na condução das decisões que afetam sua vida gera

autonomia (FREIRE, 2011). E a autonomia do ser conduz a libertação das

opressões. O que inibe a autonomia dos sujeitos? As ideologias dominantes e as

decisões arbitrárias em nome de toda uma sociedade. A ideologia neoliberal, por

exemplo, insinua a neutralidade da educação.Mas isso é reacionarismo sutil e

violento (FREIRE, 2011). A eticidade na atividade pedagógica está no revelar de si

mesmo e acerca dos processos educacionais. Os alunos precisam conhecer ‘como’

as coisas acontecem, e não apenas o resultado delas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Libertar é ouvir. Libertar é ler. A libertação da opressão social instalada inicia

seu movimento quando estamos dispostos a ouvir a pauta trazida por aqueles que

sofrem. A partir disso, o nosso ouvir deve motivar a leitura. Mas que leitura? A leitura

da realidade social do outro. Paulo Freire chamou essa leitura social de ‘leitura de

mundo’. Ao ler o mundo, não estamos isentos da afetação que a situação do outro

nos provocará. Uma leitura de mundo sem a justa compreensão daquilo que

oprimidos tentam falar não passará de uma escuta parcial e tendenciosa. A

educação libertadora compromete-se com a transformação da opressão social

emmatizes graduais de libertação. Daquela libertação que se sabe parte de

uma negação histórica. Da negação do presente fatalista, determinista e

formatador de rótulos de fracasso. Educadores que sobrepõe-se aos alunos pela

inferiorização da competência destes alunos emitem seus próprios atestados de

educadores fracassados. Um fracasso educacional surge a partir de múltiplas

relações complexas sociais. O fracasso do sistema brasileiro educacional não

depende apenas da corrupção financeira e política na administração dos recursos

públicos, mas está ligado às nossas alianças educacionais que referem-se às

posturas filosóficas que adotamos ao nos tornar educadores.

Acreditamos que a maioria dos educadores brasileiros estão cansados e

desanimados dos projetos ousados que possuíam quando iniciaram seus cursos de

magistério, de pedagogia, de licenciatura, de mestrado ou doutorado. Excesso

de academia e escassez de comprometimento educacional. Na academia se teoriza

e na educação se realiza. Realizar para transformar histórias fechadas e

fadadas à pobreza. Foi exatamente para isso que Paulo Freire alimentou a pequena

chama de esperança que existia dentro dele. Decidiu não apenas teorizar, mas

testar a eficácia de suas filosofias educacionais por meio da práxis educacional

libertadora. Para ele, palavras que possuíam seus significados dispostos em

consensos gramaticais saltaram das páginas para adquirir novos significados

permeados de ações libertadoras. Foi assim que ele, criou um vocábulo

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particular que re-significasse a essência de conceitos já desgastados e

esquecidos na educação brasileira. Seu contexto histórico-temporal dentro do

período ditatorial brasileiro contribuiu para impulsionar esta espécie de ‘filologia

neologística’ que rasgou as fronteiras da educação brasileira para alcançar a

Suíça, os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Chile, Angola, Guiné-Bissau,

Moçambique, Argentina, Peru, França, Portugal... Termos como: ‘esperança’,

‘inacabado’, ‘cognoscente’, ‘autonomia’ receberam novos sentidos na cartografia

intelectual freiriana. O conceito de ‘esperança’ passa a ser conjugado no neologismo

‘esperançar’. Em Freire, ‘esperança’ reduz-se a ação de ‘esperar,’ enquanto

‘esperançar’ diz respeito a mobilizar-se em favor de um bem maior. Como

percebem, Paulo Reglus Neves Freire pensou para atuar e atuou para pensar. Sua

práxis revelou uma dicotomia intrínseca possível de realizar-se sem polarizar-

se. Nele, a dicotomia faz parte de uma dialogicidade, em vez de confrontar-se. O

diálogo proposto pelo libertador Paulo Freire encontrou ressonância nos ideais

cristãos quando estes foram cutucados pela agenda social da década de 60.O

diálogo em favor da educação dos pobres não poderia transitar do lado de fora da

igreja cristã. Se isso acontecesse, melhor seria lacrar as portas das paróquias.

Dessa forma, os teólogos latinos desse período emitiram suas considerações

acerca do que Freire estava propondo como instrumento de emancipação do pobre.

Mais educação, mais leitores e mais leitura de mundo. Nada que a igreja já não

soubesse. Tudo o que a igreja não consegue fazer até hoje. Quando o faz

restringe-se aos debates acadêmicos educacionais. Esbarra na força política

opressora que intenciona paralisar aqueles que educam. Freire saiu do Brasil para o

mundo. Sua leitura censurada no país, não conteve-se em si mesma.

A repetição dos conceitos fundamentais do pensamento freiriano nos

seus próprios livros e nas obras que dele falam deve-se ao fato de que a

academia continua tornando o debate educacional utópico, romântico e

periférico, quando devia torná-lo visceral. A arrogância acadêmica de outras áreas

do conhecimento, sobretudo num país de injusta distribuição de renda como o

nosso, denota o quanto os ensaios educativos precisam percorrer trilhas extensas a

sua frente para realocar a posição e o espaço da educação e dos educadores

na demanda técnica das reformas políticas. A desqualificação dos pedagogos,

dos pobres, dos sem-casa, nos leva a desejar unir cada vez mais esforços para

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permitir acesso dos oprimidospobres nas cadeiras de mestrado, doutorado e pós-

doutorado. A academia vai tentar calar a voz dos oprimidos. Vai pressionar e

intensificar a opressão contra aqueles que se movimentam visceralmente contra as

pesadas regras do sistema social. Um sistema que dignifica uns por meio da

demonização de outros. Um sistema que prega a libertação, mas pratica a

opressão. Culpa do sistema? Não. Responsabilidade nossa. A transformação só

pode ocorrer por meio da resistência interna, ainda que tenhamos que pagar alto

preço pessoal para isso. Ainda que venhamos a perder os bens, o status, a casa,

o emprego, a fama, o ‘tapinha-nas-costas’, o ‘quem-indica-dos-poderosos’, a

saúde. Será?! Talvez não precisemos chegar a tanto. Ainda há educadores

comprometidos com a libertação social e a libertação do sujeito dentro das

academia. Como afirmou o teólogo Leonardo Boff: “E todos suspiramos pela

situação ‘onde a morte não existirá mais’” – numa referência ao texto bíblico

do apocalipse (BOFF, 1988, p.99). A morte de quem sonha, a morte do sorriso,

a morte da pesquisa, a morte da educação e a morte das ‘topias’ em nome da

pretensa ‘utopia’. No conceito de ‘topia’, o aluno sempre aprende e sempre

cresce, enquanto na utopia um professor incompetente joga todas as suas

frutrações e ausência de produtividade sobre os seus alunos. Assim, um

fracasso tem como meta gerar outro fracasso. Sobretudo, nos alunos com

maior dificuldade de aprendizagem ou de adaptação. Para esses alunos, a

‘camisa-de-força’ dos rótulos pejorativos da desqualificação que se pode

operar contra um sujeito.

A pretensa legitimidade acadêmica da utopia filosófica anuncia que estamos

apegados aos eixos clássicos de pensamento oriundos daquela filosofia que

há muito parou de viver. A filosofia morta e que produz morte nos outros sujeitos.

Aqui, a ideia de filosofia não refere-se às escolas filosóficas de pensamento, mas

àquela filosofia que adotamos em nossas práticas educacionais. A filosofia

educacional do pessimismo, que faz um aluno piorar consideravelmente sua

produção ao avaliar seu aprendizado pelas categorias unilaterais autoritárias de

ensino. Se esta filosofia estivesse correta, os cerca de 300 trabalhadores de

Jaboatão dos Guararapesjamais chegariam ao domínio da faculdade de ler e

escrever. Pois, fora do sistemaformal de ensino, tiveram seus sonhos assassinados

pela educação do seu tempo.

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ANEXO 01 – FREIRE

Paulo Freire, com o filho Lutgardes, em Nova Iorque, por conta do exílio (1969).

Fonte: http://www.paulofreire.org/

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ANEXO 02 – FREIRE

Diário de Pernambuco

FONTE: http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Paulo+

Freire&ltr=p&id_perso=265

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ANEXO 03 – FREIRE

Imagem da publicação da Lei que Declara Paulo Freire como

“Patrono da Educação Brasileira”

Redação do Diário de Pernambuco http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Paulo+Freire&ltr=p&id_perso=265

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ANEXO 04 - GUSTAVO GUTIÉRREZ

Wikipedia: Gustavo Gutiérrez

http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Gustavo_gutierrez.jpg

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ANEXO 05 – LEONARDO BOFF

Leonardo Boff

http://www.leonardoboff.com/site/lboff.htm

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ANEXO 07 – RUBEM ALVES

Rubem Alves – Quem sou eu

http://www.rubemalves.com.br/rubemalves.php

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ANEXO 08 – JOSÉ COMBLIN

Morre Padre José Comblin

http://dac.ieab.org.br/2011/03/29/morre-padre-jose-comblin/

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