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EM NOME DA LEI: O CONGRESSO LEGISLATIVO COMO LUGAR DE

PRODUÇÃO DA “INSTRUÇÃO QUE É DESTINADA A FAZER DO MENINO

UM CIDADÃO”.

O propósito deste texto é o de apresentar e analisar a tramitação da legislação

educacional ocorrida no Congresso Legislativo Mineiro, na primeira década da

República. Esta análise será encaminhada em duas direções: uma na direção do

entendimento da trama de produção da legislação, nos aspectos relativos às

negociações, defesas de pontos de vistas e interesses partidários, do governo e de

classes e, a outra, na do conhecimento da produção do projeto de educação por parte dos

legisladores.

ABSTRACT

ON BEHALF OF THE LAW: THE LEGISLATIVE CONGRESS AS THE

PLACE OF PRODUCTION OF EDUCATION INTENDED TO TRANSFORM

THE BOY INTO A CITIZEN.

This paper aims to present and analyze the legal channels of the educational legislation

in the Legislative Congress of Minas Gerais which occurred in the first decade of the

Republic. This analysis will be sent in two ways. The first one is towards the

understanding of the plot of producing the legislation on aspects related to negotiations,

defense of views and political interests of government and classes. The second one is

about the knowlegde of the development of the educational project by the legislators.

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EM NOME DA LEI: O CONGRESSO LEGISLATIVO COMO LUGAR DE

PRODUÇÃO DA “INSTRUÇÃO QUE É DESTINADA A FAZER DO MENINO

UM CIDADÃO”1

O propósito deste texto é o de apresentar e de submeter ao debate a análise da

tramitação da legislação educacional ocorrida no Congresso Legislativo – Câmaras dos

Deputados e dos Senadores -, na primeira década da República. Esta análise será

encaminhada em duas direções: uma, na direção do entendimento da trama de produção

da legislação, nos aspectos relativos às negociações, defesas de pontos de vista e

interesses partidários, do governo e de classes, e a outra, na do conhecimento da

produção do projeto de educação por parte dos legisladores mineiros. Para alcançar esse

intento, tomei como referência basilar as seguintes premissas: 1ª – Falar da produção da

legislação educacional na República é falar da produção da própria República. O

mesmo movimento de construção da República é, intrinsecamente, o movimento de

construção dos projetos de educação e de instrução. A República não nasceu pronta,

assim como não se tinha projetos de educação predefinidos; 2ª – Falar em projeto de

educação e de instrução na República é falar no plural, projetos. Assim, numa República

plural, também plural serão os projetos de sociedade, de nação e de cidadania; 3ª – Os

projetos de educação dos republicanos, principalmente o escolar, foram produzidos para

produzir a República.

É de José Murilo de Carvalho a afirmação de que a preocupação com as questões da

formação da nação e da cidadania não foram centrais para o Império brasileiro, que

somente concentrou-se na “organização do Estado em seus aspectos político,

administrativo e judicial”, buscando a garantia da “sobrevivência da unidade política do

país”, por meio de um governo preocupado com a manutenção da união das províncias e

da ordem social (CARVALHO, 2005, p.91). Tais questões somente passaram a ser

pauta dos interesses de políticos e intelectuais no final do Império, e com o seu fim,

ficou para a República essa tarefa de construção de uma identidade de nação para o

Brasil e de cidadania para o povo brasileiro. Assim, com a proclamação da República a

1 Este texto é produto da pesquisa A ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHADOR MINEIRO: as políticas

públicas para a educação profissional (1889-1930) que venho coordenando no CEFET-MG. A pesquisa

conta com o apoio financeiro da FAPEMIG e do CNPq e com bolsas de iniciação científica. Participaram

da pesquisa os alunos: Jader Silvério Santana, Guilherme Leopoldo Gomes e Saulo Germano Weber

Fernandes, todos são alunos do Curso de Engenharia Mecânica do CEFET-MG.

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tarefa a ser enfrentada não fora somente a de substituição de um governo monárquico

para um republicano, mas, sobretudo, a de construir uma nação, e esta particularmente

republicana. Esse intento de construção da identidade de nação e de cidadania tem nos

projetos de educação relevos significativos que precisam ser considerados. O que se

quer aqui é desenvolver um esforço para compreender o lugar de produção dos projetos

de educação e de instrução e, bem assim, concomitantemente, dos projetos de república.

A íntima relação entre as propostas educativas e de instrução com as propostas de

constituição de uma nação civilizada, a necessidade de educar e instruir o povo para a

garantia da ordem social e a formação técnica, meio para incorporação do povo à nação,

são questões que perpassaram os discursos de intelectuais, políticos e legisladores que

estiveram imbuídos do pensar a educação republicana. Em Minas, assim como em

outras unidades da federação brasileira, não era raro encontrar, no discurso dos

governantes e legisladores, a idéia de que a educação era instrumento transformador da

sociedade, como pode ser visto nos argumentos do Senador Mello Franco2, quando do

encaminhamento do projeto de lei no Senado mineiro, em 1892, que propunha reformar

a instrução pública em Minas Gerais:

Costuma-se dizer que a instrução pública é o fator mais direto e mais

poderoso na obra progressiva da civilização; mas convém atender-se

que a instrução é um simples instrumento de que se pode fazer bom

ou mau uso e não convém isolá-la no meio circundante em que o povo

vive; mas dá-la de acordo com o estado atual do desenvolvimento

social, porque não é possível assim, de chofre, alterar o estado de

civilização. (FRANCO, 1892)

Da mesma maneira, será afirmado pelo Senador Joaquim Cândido da Costa Senna que a

instrução primária deveria levar a criança à condição de cidadã, conforme relata:

A instrução, porém, sr Presidente, que chamamos primária, deve e

deve sempre correr por conta do Estado, porque é essa instrução que

abre aos meninos as portas de seus direito, deveres e interesses; é esta

instrução que é a destinada a fazer do menino um cidadão. (SENNA,

1892)

Essa sua afirmação consiste no que concebia ser o papel da escola. Segundo ele, a

escola deveria ensinar a leitura, a escrita e a contagem, além das noções de moral, de

ciências naturais, de física, de química, de geografia e de história. Irá afirmar que se

essas noções fossem aprendidas pelas crianças, já seria um grande progresso no ensino

primário a serviço da formação da cidadania. Dessa forma, para ele, o Estado seria

2 Anais do Senado mineiro da primeira legislatura, 1892.

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obrigado a dar às crianças um mínimo de instrução, um mínimo que

lhe é indispensável à compreensão de seus direitos, de seus deveres e

de seus próprios interesses. Esta instrução nada tem de especial, nada

tem de profissional, ela não tem por fim criar empregados públicos,

não tem por fim criar funcionários, nem classes, nem hierarquias; tem

por fim, única e exclusivamente, formar o cidadão. (SENNA, 1892)

É fato que nos tempos iniciais da fundação da República as novas demandas, postas

pelas mudanças advindas da necessidade de integração do povo à nova ordem

republicana e à alocação do trabalhador livre ao mercado de trabalho, evidenciaram a

necessidade de reinvenção da escola, como imperativo de atendimento ao projeto de

modernização da sociedade. Primeiro, como forma de superação do atraso que ela vinha

representando, especialmente pelas suas manifestações de precariedade; segundo, pelo

que poderia representar como alternativa de um projeto de sociedade civilizada,

republicana, portanto, que atendesse aos novos reclames de controle e homogeneização

social.

Essa perspectiva de reinvenção da escola por meio das políticas educacionais, na última

década do século XIX, evidencia a contribuição que ela, a escola, poderia dar ao projeto

de homogeneização social, pelo menos na intenção de seus construtores. A esse

respeito, tomando a defesa da criação dos grupos escolares como referência, Faria Filho

(2000, p. 31) assim se expressou:

A criação dos grupos escolares era defendida não apenas para

„organizar‟ o ensino, mas, principalmente, como forma de „reinventar‟

a escola, objetivando tornar mais efetiva a sua contribuição aos

projetos de homogeneização cultural e política da sociedade (e dos

sujeitos sociais), pretendidos pelas elites mineiras. Reinventar a escola

significa, dentre outras coisas, organizar o ensino, suas metodologias e

conteúdos; formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços

e tempos ao ensino; repensar a relação com as crianças, famílias e

com a própria cidade.

Produzir uma nova escola mediante o desafio de produzir uma nova forma de

organização da sociedade, do Estado, foi o desafio posto para aqueles sujeitos que

vieram a ocupar os lugares de gestão e de controle da vida da população mineira.

Tal desafio é encontrado, por exemplo, nas mensagens que os presidentes do Estado

enviavam anualmente ao Congresso Legislativo, nos relatórios que os secretários

produziram e nos Anais da Câmara dos Deputados e do Senado. Nesses documentos é

possível encontrar e recuperar a explicitação da trama que esteve implicada no processo

de produção da escola, de produção da República, principalmente pela revelação dos

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lugares de produção que representavam. Nesses lugares tramaram-se os acordos,

revelaram-se as discórdias, os ideais, entre outras coisas.

Mas, valho-me da seguinte indagação: quais lugares são esses? Esses lugares são

evidenciados nas fontes com as quais tive contato e analisei. Primeiramente, nas

mensagens dos presidentes tem-se a revelação do lugar do executivo, no qual eles, ao

enviarem as suas mensagens ao Congresso Legislativo o faziam atendendo a duas

perspectivas, entre outras. Uma informativa, para prestar contas das ações do governo

no transcurso do ano administrativo que se findou, e outra político-administrativa, para

mostrar aos legisladores as demandas postas pelo governo, uma vez que era da

competência do Congresso a votação dos projetos encaminhados pelo Executivo. O

lugar,3 portanto, a que estou me referindo é o daquele que, de um lado, exercia o poder

de executar as ações, de criar, reformar, executar e, de outro, daquele que precisava

negociar para ver os seus projetos aprovados.

Já nos Anais do Congresso Legislativo4, o lugar é o da produção da lei, no qual se

encontram os registros dos debates e embates de tramitação e de produção da legislação.

Isto porque, segundo a Constituição do Estado era da competência do Congresso fazer

leis, interpretá-las e suspendê-las. Uma produção legislativa que contemplava vários

âmbitos da vida social, entre os quais o educacional, conforme rezava a Constituição:

Art. 30. Compete privativamente ao Congresso:

1º. Fazer leis, interpretá-las, suspendê-las; [...]

5º. Legislar sobre o ensino secundário e superior, que será livre em

todos os graus; [...]

27. Promover no Estado o desenvolvimento da educação pública, da

agricultura, da indústria, do comércio, da imigração e das artes; [...]

Art. 31. Compete também ao Congresso:

5º. Legislar sobre instrução primária.

Ademais, esses lugares são, no dizer de Certeau, suscetíveis “de ser circunscrito como

algo próprio a ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de

alvos e ameaças”. Lugar de produção das estratégias que visavam impor o querer e o

3 A especificação do lugar que se quer retratar diz respeito à opção de uma escala de observação que

contribui com a redução e a localização daquilo que se quer ver. Nesse sentido, como observa Lepetit

(1998, p. 94), “a adoção de uma escala é antes de mais nada a escolha de um ponto de vista de

conhecimento”.

4 O Poder Legislativo, conforme a Constituição de 1891, era delegado a um Congresso, organizado pelo

sistema bicameral, isto é, de duas Câmaras: a dos Deputados e a dos Senadores.

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fazer. Circunscrevem-se num próprio, que “é a vitória sobre o tempo, o lugar do querer

e do poder”, conforme salientou. (CERTEAU, 2000, p. 99)

Estratégia, para Certeau (2000, p. 46), é ainda o “calculo das relações de forças que se

torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de

um „ambiente‟”. Como postulante de um lugar próprio, um próprio que “é uma vitória

sobre o tempo”, a estratégia “permite capitalizar vantagens conquistadas, preparar

expansões futuras e obter assim uma independência em relação à variabilidade das

circunstâncias” (CERTEAU, 2000, p. 99). Do mesmo modo, também permite “um

domínio dos lugares pela vista”, isto é, “uma prática panóptica a partir de um lugar de

onde a vista transforma as forças estranhas em objetos que se podem observar e medir,

controlar, portanto, e „incluir‟ na sua visão”. A estratégia postula, ainda, “um poder que

é a preliminar” de um saber, principalmente por permitir e comandar as suas

características, pois é nele (no poder) que o saber se produz. (CERTEAU, 2000, p. 100)

O lugar que quero chamar a atenção neste trabalho é o do Congresso legislativo como

lugar de produção da escola, promotor de uma instrução que visava fazer da criança um

cidadão. O interesse particular nessa análise dos Anais do legislativo como fonte tem a

ver com, pelo menos, duas situações. A primeira é que nas pesquisas que venho

realizando, e de igual maneira muito dos pesquisadores em História da Educação, a

legislação tem sido uma fonte recorrente. No trabalho com essa fonte sempre ficou para

mim o sentimento de que na legislação encerrava-se uma prescrição ou uma norma

reguladora, como se a realidade fosse possível de ser simulada, antecipada e assumida

como neutra e previsível. Ainda, como se o texto da legislação fosse algo mágico,

surgido apenas de uma ideologia de algum grupo político/partidário ou mesmo,

concebida sem ser protestada, refutada e mesmo desvinculada da realidade social mais

ampla.

A segunda situação, bem relacionada à anterior, é que a recorrência aos Anais da

Câmara dos Deputados e do Senado foi motivada pelo meu interesse de conhecer como

a legislação educacional, em Minas, foi produzida. Aliado a isso, o interesse do

entendimento das concepções de educação, sociedade, homens, mulheres, crianças,

cidadania, entre outras. Essa preocupação tem a ver com a maneira como venho

concebendo a legislação. Nesse caso, comungo com a afirmação de que a lei é produto

de uma prática social e mantêm relação direta com a vida social em sua amplitude, tanto

no aspecto do quando de sua elaboração ou concepção, quanto no quando da sua prática

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pela sociedade. Sobre isso, chama atenção Thompson (2008) para o caso da sociedade

inglesa quando afirmará que a legislação mantém um contínuo diálogo com a cultura,

com a economia e com a vida social.

Assim, na primeira década da República, em Minas Gerais, podem ser selecionadas

onze5 leis que tramitaram no Congresso e tiveram como objetivo a reforma ou a

modificação da instrução pública. Tais modificações ocorreram principalmente na

instrução pública primária. É oportuno afirmar que a Lei de número 41, sancionada em

3 de agosto de 1892, foi a que primeiro tramitou na Câmara dos Deputados e no

Senado, no período Republicano.

Fazendo uso dos referenciais da cultura política é possível perceber que, mediante tantas

modificações, os investimentos envidados para reformar a instrução, ensejando

melhorias na funcionalidade da escola, ocorreram sob a crença na eficácia da escola

como viabilizadora da produção e reprodução das formas sociais de vida e de inclusão

da criança na sociedade, por meio da divulgação da instrução intelectual, física e moral.

Essa crença na escola, denotada no entrelaçamento entre projetos de sociedade e

projetos de educação tem relação direta com o que é chamado, por Berstein, de vetores,

pelos quais passam a integração de múltiplas referências culturais, responsáveis pelo

estabelecimento das normas e valores determinantes da representação que a sociedade

irá fazer de si mesma e, tendo, no caso da República brasileira, o estabelecimento

daquelas referências que, além de dar respostas às crises, angústias e problemas da

sociedade, desempenharam o papel dominante, criando os espaços férteis para a geração

de uma cultura republicana nascente. Não são respostas fortuitas e nem espaçadas no

5 1. Lei n

o 41 – de 3 de agosto 1892 - Dá nova organização à instrução pública do Estado de Minas; 2. Lei

nº 73 - 27/07/1893 - Autoriza o governo do estado a por gradativamente em execução as disposições da

lei nº41 de 3 de agosto de 1893, relativa ao ensino agrícola e zootécnico, expedindo o respectivo

regulamento, e a subvencionar as municipalidades que fundarem e mantiverem fazendas modelo, escolas

agrícolas, industriais ou pastoris, estações agronômicas, etc.; 3. Lei no 77 – de 19 de dezembro de 1893 -

Divide o Estado em 10 circunscrições literárias, tendo por sede as cidades em que há Escolas Normais. –

Altera diversas disposições da lei no 41 de 3 de agosto do ano passado e dá outras providências; 4. Lei n

o

103 - 24/07/1894 - Autoriza o Presidente do Estado a fundar duas escolas agrícolas nas cidades de

Oliveira e Entre Rios; 5. Lei no 104 - 24/07/1894 - Cria junto a cidade do Curvelo, uma fazenda escola,

destinada ao ensino prático de agricultura e industria pastoril, e contém outras disposições a respeito.; 6.

Lei no 140 - 20/07/1895 - Reforma o ensino agrícola e zootécnico do Estado; 7. Lei de n

o 203 – de 18 de

setembro de 1896 - Organiza o ensino profissional primário; 8. Lei no 221 – de 14 de setembro de 1897 -

Contém disposições relativas à instrução pública primária e secundária; 9. Lei no 234 – de 27 de agosto de

1898 - Regula a substituição dos lentes e professores dos estabelecimentos de ensino e contêm outras

disposições; 10. Lei no 259 – de 10 de agosto de 1899 - Cria cadeiras de instrução primária em diversas

localidades; 11. Lei no 281 – de 16 de setembro de 1899 - Dá nova organização à instrução pública do

Estado de Minas Gerais.

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tempo, mas, “respostas com fundamento bastante para que se inscrevessem na duração e

atravessassem gerações”. São respostas que somente com o tempo conseguiriam se

impor, penetrar “nos espíritos sob forma de um conjunto de representações de caráter

normativo e acabasse por surgir como evidente a um grupo importante de cidadãos”.

(BERSTEIN, 1998, p. 355 - 356)

Foi com a intenção de estabelecer as normas e valores que a Lei 41 tramitou no

Congresso Legislativo, e isso a partir da Câmara dos Deputados6, sendo apresentada

pela comissão de instrução pública, em setembro de 1891, dois meses após a decretação

e promulgação da Constituição do Estado de Minas. Mesmo sendo uma lei ampla e

complexa, por ter que contemplar os vários níveis da instrução pública (primária,

secundária, superior e profissional) e, ainda, ter que se adequar às novas formas de

organização da República, o seu tempo de tramitação teve uma duração curta, de

somente onze meses. Em função disso, as sessões da Câmara, ocorridas no segundo

semestre de 18917, foram intensificadas para dar conta de remeter, no final daquele ano,

o projeto ao Senado, como ocorreu em dezembro do mesmo ano.

Já na sua primeira discussão, o projeto, mesmo sofrendo duras críticas, recebeu alguns

louvores dos deputados, como o que foi expresso pelo deputado Manoel Teixeira da

Costa ao afirmar que:

A nobre comissão apresentou um projeto que a honra (apoiados),

porque vai inaugurar uma nova era para o nosso Estado que precisa

deveras da instrução; eu não compreendo como se possa entrar em um

sistema novo como o atual, em que se dá o direito de voto só a quem

sabe ler e escrever, sem que haja a instrução, e esta regular e

compatível com nossas circunstâncias.

Por isso entendo que todos devemos nos reunir em um só pensamento,

e desta união nascerá uma reforma digna do Estado e que faça a sua

felicidade (Muito bem!). (COSTA, 1891)

O que está expresso na fala do deputado, quanto ao fato de a proposição inaugurar uma

nova era no Estado, diz respeito à necessária adequação do projeto ao modelo de

República que se estava concebendo no Estado. Nesse sentido é pertinente o exame de

como esta questão apareceu no debate da Câmara e do Senado.

6 O projeto de lei recebeu na Câmara dos Deputados o número 25, portanto era referenciado como projeto

n. 25. Um projeto de lei poderia ter com origem tanto a Câmara como o Senado, mas tinha que,

obrigatoriamente, tramitar nas duas casas.

7 O projeto de lei começou a tramitar na Câmara em 21 de setembro de 1891.

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Primeiramente, vale o registro de que para os legisladores a relação instrução e a forma

de governo era bastante estreita. Isto pode ser visto, por exemplo, na afirmação do

Deputado Gomes Freire quando afirmou que “foi a instrução pública em todos os

tempos uma arma política de que serviam os grupos que se revezavam no poder”

(FREIRE, 1891). Segundo ele, não foi diferente no Império e não o seria, portanto, na

República. Por isso, os esforços envidados deveriam ser desdobrados, principalmente

quanto ao trato dos investimentos financeiros, quer para construção de prédios

escolares, melhora da remuneração do professorado e alternativas de busca de recursos

para o financiamento da instrução, como o estabelecimento do Fundo Escolar, por

exemplo. Alia-se a isto o investimento de uma proposta de instrução que garantisse o

preparo do cidadão para o serviço de sua Pátria, com a efetivação da obrigatoriedade. O

cidadão em referência era a criança matriculada na escola primária que receberia nela

uma formação cidadã.

Quanto à questão do investimento financeiro para custear a instrução, afirmou o

Deputado Severiano Nunes Cardoso de Resende que o Congresso não deveria “regatear

dinheiro”, porque entendia “que todos os sacrifícios” seriam poucos para o

levantamento do “nível moral dos nossos conterrâneos” (RESENDE, 1891). Nesse

sentido, defendia na Câmara a tese de que a lei produzida deveria provocar o aumento

do nível moral do povo, pois dessa forma elevaria também o nível moral do país. Ainda,

acrescentou que a Câmara não deveria afastar de seus olhos o dever “de colocar o povo

na altura da compreensão de seus direitos e de seus deveres”, pois isso seria, segundo a

sua intervenção, “preparar cidadãos”, que é “a verdadeira política republicana”.

(RESENDE, 1891)

A preocupação econômica teve um lugar importante nas discussões dos deputados,

principalmente pelo fato de haver na proposta da reforma novidades que demandariam

investimentos e gastos públicos. A proposta incluía o aumento dos vencimentos dos

professores, a construção de prédios escolares e a criação das escolas primárias

superiores, entre outras demandas. O que pude perceber é que o Congresso, tanto na

Câmara como no Senado, esteve divido entre esta questão, estando de um lado os

defensores da redução dos gastos públicos e, de outro, os que defendiam a tese de que

não deveria haver economia no investimento da instrução pública. Na Câmara, por

exemplo, no mesmo tom dado pelo Deputado Severiano, de que não se deveria

“regatear dinheiro”, conforme já aludimos, outros irão corroborar com a idéia. O

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Deputado Eduardo Pimentel, membro da Comissão de Instrução e um dos autores do

projeto, precavendo-se das alterações que porventura viriam a modificar os aspectos que

considerava essencial no projeto, argumentou:

Consta-me, Sr presidente, que alguns colegas nossos vão apresentar

emendas, adiando o estabelecimento e provimento nas escolas

superiores para quando o Congresso votar verbas para esse fim. Isso

parece-me que corresponde ao adiamento para as calendas gregas8

(PIMENTEL, 1891)

Sobre isso irá lembrar que as promessas já feitas no passado, como o Regulamento

Imperial número 100, não se cumpriram. Disse ele:

o Reg. n. 100 criou diversas instituições, e utilíssimas até, como

sejam: conferências pedagógicas, jardins da infância, os inspetores

extraordinários, e nunca foram postos em prática estas instituições,

porque nunca a Assembléia votou verbas para isso, e me parece que é

o que vai acontecer se se votar a emenda, que me consta vai ser

apresentada. (PIMENTEL, 1891)

Os que defendiam a redução dos gastos eram veementes nos seus discursos, com o

objetivo de convencimento dos demais deputados quanto à ausência de pertinência de se

investir grandes cifras em dinheiro, em construção de prédios, por exemplo. Vale neste

caso, citar a fala do Deputado Leopoldino dos Passos ao referir-se à construção de

prédios escolares: “Convém notar que a construção de prédios para escolas constitui

uma despesa dispensável e de urgência duvidosa [...] não se venha pedir ao Congresso

verbas exorbitantes para edificação de prédios para as escolas” (PASSOS, 1891). Num

tom mais conciliatório, mas chamando à atenção para os riscos de se onerar o erário

público, o Deputado Bernardino de Lima sugeriu que se refizessem as contas e que se

levassem em conta a distribuição equitativa do orçamento público na sua relação com a

previsão das despesas. Considerando tal alvitre, assim se expressou:

[...] é claro que devemos procurar conciliar as disposições do mesmo

projeto com os nossos recursos financeiros, para que outros serviços

que tratamos de criar, como por exemplo, os da magistratura, da

polícia, das terras e colonização, e tantos outros, não sejam

prejudicados.

É preciso que nós, calculando o total das rendas, com que podemos

contar, façamos também uma distribuição proporcional aos diferentes

serviços que são todos considerados de 1ª ordem, considerados

necessários. (LIMA, 1891)

8 A expressão latina ad kalendas Graecas é uma expressão que significa não chegar a lugar nenhum ou

mesmo manifestar a intenção de não realizar o que é prometido. Os gregos não tinham o primeiro dia do

mês (calendas) como os romanos, por isso lugar nenhum.

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Pensando no entrelaçamento da produção da República e da produção da escola em

concomitância, as discussões do projeto de lei da instrução giraram em torno de uma

conformação que visava adequá-lo ao modelo de República. Esse esforço ocorreu na

Câmara, conforme já visto, e de igual modo no Senado. Nesse sentido, o que disse o

Senador Virgílio M. de Mello Franco, aludido anteriormente, sobre a instrução pública

como fator direto e poderoso “na obra progressiva da civilização”, reforça-se na sua

própria afirmação de que a formação de professores e a criação de escolas seriam

prevenções contra a criminalidade. A esse respeito, disse o Senador:

Diz-se, sr Presidente, que a instrução pública é tão essencial que se

pode ter como um axioma que, a criação de um mestre é a supressão

de um carrasco e a criação de uma escola, a supressão de uma cadeia,

que a estatística da criminalidade anda paralelo com a instrução

generalizada. (FRANCO, 1892)

Em cima dessa afirmação, Melo Franco chamou à atenção do Senado para o papel que

os legisladores tinham na produção de leis que visavam difundir a instrução. Para ele,

não era suficiente para o legislador produzir leis somente com a finalidade de difusão da

instrução e para apenas iluminar a consciência do povo. Tem o legislador, segundo ele,

que se preocupar com a fortificação do caráter do povo e “melhorar as suas condições

econômicas”. (FRANCO, 1892)

Essa afirmação do Senador relacionava-se com a tese por ele defendida, a partir da

crítica à proposta da lei centrada mais na instrução do que na educação, de que a lei não

somente deveria se preocupar com a instrução, mas também com a educação. A

instrução referida por Mello Franco consistia no ensino da leitura, da escrita e da

aritmética, além de algumas noções de ciências naturais, de física, de química, de

geografia e de história.

Para Senador o projeto cogitava “mais da instrução do que da educação”. Assim,

chamou à atenção dos colegas para a função educativa da escola na “formação do

caráter” da criança, pois era essa formação que tinha “importância na sociedade”. Disse

isso para ressaltar a necessidade de se associar a proposta ao princípio republicano que

se iniciava (a República havia sido proclamada há menos de quatro anos). (FRANCO,

1892)

Essa posição assumida pelos políticos que ocupavam o espaço do Congresso Legislativo

mineiro, de educar o caráter da criança, faz coro com as posições de outros intelectuais

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brasileiros e mineiros, principalmente advogados e médicos. Nesse sentido, como

afirmado por Alvarez, houve, nos tempos iniciais da República, uma preocupação com a

crescente pobreza urbana e com o aumento significativo do número de crianças pobres,

abandonadas e delinqüentes, o que motivava uma mobilização de busca de estratégias

“que visavam não apenas criar novos instrumentos de controle social”, mas também,

adequar as condutas “às exigências colocadas pela marcha da civilização e do

progresso”. Assim, surgiram ações efetivas, nos vários campos da vida social, que

visavam “promover uma moralização dos modos de vida das populações urbanas”

(ALVAREZ, 2003, p. 158). Nesse contexto, a educação ganhou um lugar de

proeminência, principalmente, a educação moral e a educação pelo trabalho. No interior

das discussões da criminologia, pensava-se numa educação moral para aquelas crianças

que ainda não haviam se delinqüido, mas que representavam riscos potenciais à

delinqüência e, a educação pelo trabalho, para aquelas crianças já consideradas

delinqüentes, nos espaços das oficinas, cursos de formação profissional, escolas

públicas e privadas.

Nas leis que sucederam a de número 41 foram produzidas alterações muito mais para

aprimorá-la que propriamente para modificá-la. Ainda assim, as modificações se deram

a partir de uma argumentação de que viriam contribuir para a melhoria do estado de

degradação em que se encontrava o ensino em Minas. Modificar a lei poderia, para uns,

e entre eles os presidentes, ser sinônimo de melhoria das condições do ensino. É o caso,

por exemplo, do presidente Bias Fortes que, na sua mensagem, em 1898, exigia do

Congresso Legislativo a dotação de recursos para a construção de casas onde pudessem

funcionar as escolas de instrução primária e de material para melhor difusão do ensino.

Nesse sentido dirigiu um veemente discurso afirmando:

Tornar-se preciso, para complemento dessas medidas, que doteis o

Poder Executivo de recursos para a construção de casas onde

funcionem as escolas de instrução primária e para a aquisição do

material preciso para melhor difusão do ensino, de acordo com os

modernos preceitos pedagógicos.

Em muitas localidades, principalmente nas cidades, não existem

edifícios para as necessidades da instrução e em muitas outras os

destinados para esse fim são de todo imprestáveis, que tenham em

vista a higiene e a pedagogia, quer as comodidades do professor.

Em geral mal remunerada, tem ainda o professor primário, em muitas

localidades do Estado, o encargo de pagar o aluguel de casa onde

funcione a escola que rege, e a casa nessas condições adquiridas é

quase sempre má. Mesmo os edifícios pertencentes ao Estado,

existentes em diversas localidades e destinados às escolas públicas,

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não satisfazem as condições exigidas pela pedagogia moderna e

muitos deles precisam de consertos radicais para sua conservação.

Com os escassos recursos que têm sido votados nos orçamentos de

anos anteriores, para aquisição de mobília e material escolar para as

escolas primárias do Estado, quase todas as cadeiras existentes nas

cidades tem sido dotadas com este melhoramento na proporção da

verba orçamentária.

É indispensável habilitardes o Governo com os preciosos meios para

aquisição de mobília e material escolar para todas as escolas

primárias. (BIAS FORTES,1898, p. 13)

Para outros, as modificações demandadas relacionavam-se aos defeitos encontrados na

lei predecessora. Assim, é expressiva a fala do Deputado Rodrigues Chaves na 49ª

sessão ordinária da Câmara dos Deputados, no ano de 18999, quando relata que um

determinado colega atribuía a causa da improficuidade do ensino primário aos defeitos

encontrados na Lei 41. Afirmou o Deputado em seu discurso:

Sr Presidente, há muito que se denuncia a improficuidade do ensino

primário no Estado. Essas acusações, apesar de não se fundarem em

dados por onde se pudesse julgar de procedência dos mesmos,

contudo, tem sido tantas e tão repetidas que deverão ter calado no

espírito publico.

Sendo submetido o projeto à 1ª discussão, um ilustre representante do

5º. Distrito, aceitando o fato, atribuiu como causa do mesmo os

defeitos da lei n. 41.

O nobre relator da comissão de Instrução Pública, por sua vez,

conquanto reconhecesse o merecimento dessa lei, disse que por ela as

cadeiras mais aproveitam aos professores que aos alunos, não tendo

dado nenhum resultado prático, devido a sua organização

espetaculosa.

Esses conceitos dos nobres deputados ressentem-se dos mesmos

defeitos indicados por mim, são afirmações que não se apoiaram em

base segura, mas que apesar disto terão levado muito desgosto àquela

parte do professorado mineiro que tem a consciência do cumprimento

do dever. (CHAVES, 1899).

Mediante a indignação das posturas dos colegas, o deputado sintetiza o argumento na

seguinte afirmação: “eu acredito que não é o professorado, não é à Lei número 41 que

se devem atribuir esses males, mas, especialmente, à falta de cumprimento de uma de

suas disposições” (CHAVES, 1899). O que fica entendido na fala do Deputado é que o

problema da instrução não se relacionava diretamente com a legislação em vigor e sim

com a ausência de cumprimentos dos seus preceitos.

9 A sessão ordinária referida diz respeito ao trâmite do projeto de reforma da instrução que virá a será Lei

de número 281.

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Também para outros, e não são poucos, a mudança da legislação, ou a reforma da

instrução, tinham uma preocupação econômica. Tal assertiva é recorrente nos vários

momentos em que a questão da instrução se encontrava na pauta dos debates

parlamentares. É sui generis o diálogo entre dois deputados sobre o projeto de Lei que

tramitou na Câmara dos Deputados na 46ª sessão ordinária, em 11 de agosto de 1899.

Nessa sessão, disse o deputado Luiz Cassiano referindo-se à comissão de instrução

pública, responsável pelo encaminhamento do projeto para discussão:

Eu sei, sr. presidente, que a comissão deixou-se levar muito

nobremente pela necessidade atualmente existente e concorrermos

para as necessárias economias com a redução de despesas públicas

afim de podermos equilibrar o nosso orçamento e estabelecermos as

finanças do Estado. (CASSIANO, 1899)

Intervindo na fala do deputado, o outro colega deputado, João Pio, pede um aparte e

afirma: “A comissão deve tratar de reformar a instrução pública, mas não deve tratar de

fazer economias nela”. (Pio, 1899)

O deputado Luiz Cassiano foi reconhecedor da necessária economia que o Estado

precisava fazer para equilibrar as suas contas, entretanto, ao retomar a sua fala

considerou que o assunto, mesmo sendo “de tal magnitude e importância”, não deveria

ser motivo para “a diminuição nem cortes no serviço de instrução do Estado”, por mais

precárias que fossem “as suas circunstâncias” (CASSIANO, 1899). Por isso, não

concordava e nem autorizava uma mudança na condução da instrução motivada apenas

pela questão econômica.

Na mensagem proferida no Congresso, o Presidente do Estado, Affonso Penna, em

189310

, no primeiro ano de seu mandato, comentou que, nas primeiras iniciativas do seu

governo, a preocupação primeira foi a de dar governabilidade à administração cuidando

da organização dos serviços públicos. Nesse caso, incluiu-se a instrução primária que

recebeu, pela Lei nº 41, de 3 de agosto, 1892 e pelo Decreto nº 655, de outubro de 1893,

a organização republicana reclamada naquele momento.

Naquele contexto de uma nova política para a sociedade, qual a representação atribuída

à educação primária, no texto da lei da reforma? Procurando responder a essa questão,

faço coro a uma afirmação feita por Nunes (2000, p. 374), ao referir-se à importância da

escola na constituição do Estado republicano: “Por baixo e por dentro das modificações

10

Mensagem proferida pelo presidente Affonso Penna ao Congresso, em 1983.

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produzidas na organização escolar, o que estava em jogo era uma reforma do espírito

público”.

A produção de uma reforma da instrução que viria a atender a essas demandas da

sociedade aliou-se também às próprias condições da escola e do ensino primário. A

leitura que se fazia daquela realidade era a de:

a) freqüência reduzida, em relação à população em idade escolar;

b) número pequeno de alunos anualmente considerado aprovado;

c) melhor freqüência somente nas escolas em que os professores eram mais zelosos

no cumprimento dos seus deveres;

d) inspeção ineficaz;

e) professorado sem estímulo;

f) ensino pouco prático.

Assim, em 1892, a partir da leitura da realidade do Estado e, bem assim, da escola

existente, o legislativo decretou e o governo sancionou a reforma da instrução, que

abarcava: o ensino primário, o ensino secundário e o ensino profissional.

Quanto ao ensino primário, a reforma contemplou um universo de medidas

significativas, com vista a fazer frente ao mau estado no qual se encontrava aquela

modalidade de ensino e reforçar a importância que estava sendo dada à formação das

novas gerações. Além da preocupação com a formação do professorado e da expansão

do programa de ensino, outras também se destacaram: a organização de tempos e

espaços, a materialidade da escola e o acesso ao ensino.

A reforma, por conseguinte, ofereceu uma pauta de estratégias de implementação de um

modelo escolar por parte do Poder Público, privilegiando os vários aspetos relacionados

ao espaço e ao tempo, às disciplinas escolares, aos atores, à materialidade e ao acesso à

escolarização.

Quanto ao ensino agrícola e profissional, para o legislativo e executivo foram

merecedores de atenção especial. Consideravam que a difusão dessas modalidades viria

atender ao que o momento reclamava, além de possibilitar ao Estado uma antecipação

do seu processo de crescimento. Sobre esse assunto, o Senador Costa Senna chamou à

atenção do legislativo para a pertinência de o Estado ser o promotor de tal modalidade

de ensino. Dessa forma é que irá ressaltar:

Quanto ao ensino profissional, penso que o governo só deve criar

alguns estabelecimentos que, mantidos à suas custas sirvam de modelo

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aos que devem ser fundados pela iniciativa particular, sob a

fiscalização dos poderes públicos. Não pode o Estado deixar de

intervir em assunto de tanta magnitude, porque, na expressão de

Dreyfus-Brisac, ele faltaria gravemente à sua missão social e

civilizadora se abandonasse ao acaso e às especulações da indústria

particular, aos caprichos da moda e a todas as fantasias individuais,

a cultura do espírito e o aumento geral das luzes. (Muito bem.)

(SENNA, 1892)

No mesmo sentido, assim se expressou o Presidente: “Talhado pela sua situação

geográfica e pelos recursos naturais de que dispõe para um brilhante papel, entre os

países industriais, o Estado de Minas deve cuidar de lançar as bases da sua futura

grandeza, preparando obreiros e artistas para as suas indústrias”. (PENNA, 1893)

Com o mesmo caráter de ensino profissional, o governo também promoveu a reforma

do ensino normal, tendo em vista formar o profissional que viria atuar no ensino

primário, conforme o art. 158 da Lei n° 41:

A escola normal, sob a forma de externato misto, é um

estabelecimento de ensino profissional, destinado a dar aos candidatos

à carreira do magistério primário a educação intelectual, moral e

prática necessária e suficiente para o bom empenho dos deveres de

professor, regenerando progressivamente a escola pública de instrução

primária.

A reforma do ensino normal trouxe consigo uma grande expectativa, principalmente por

parte do governo, pelo fato de esta proposta estar ligada à remodelação do ensino

primário, uma vez que a proposição de formar o professor era fundamental para a

reforma. Segundo o governo, com a ampliação do programa de ensino nas escolas

primárias, maior seria a exigência da habilitação do professorado. Por isso, elevar o

nível do professorado era o seu maior interesse, conforme aludiu:

É minha opinião que a principal medida para levantar o nível do

ensino primário entre nós é o emprego de maior escrúpulo na escolha

do pessoal docente, banindo-se de vez o hábito antigo de patronato,

que tantos males tem causado aos créditos da administração. Nasce

desse vício administrativo a crença de que todos são aptos para tudo,

desde que disponha de boa proteção, por outro lado é preciso dar ao

professor garantia de que não será removido ou punido, segundo os

caprichos de quem quer que seja nas localidades. O professor só deve

recear ou esperar dos seus próprios atos e não ficar dependente dos

vai-e-vem da política. (PENNA, 1893, p.31, 32)

Finalmente, ressalto a observação de que desde o início da fundação da República, no

Brasil e Minas em particular, as questões relacionadas à construção de uma nova ordem

social e política, baseada no modelo de uma sociedade republicana sob a égide da

modernidade e com influência marcadamente liberal e positivista, tomou conta das

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preocupações de políticos e intelectuais, como já venho trabalhando. Para eles, pensar

em reformar a sociedade incluía não somente o desenvolvimento do progresso material,

mas, também, do progresso da mente.

A esse respeito, é pertinente a afirmação de Veiga e Faria Filho (1997, p. 204) de que

urbanistas e educadores de finais do século XIX e início do século XX

se aproximaram na produção de reformas que atendessem aos apelos

da modernidade: aliar o progresso das mentes numa sociedade

convulsionada por novas técnicas, novas ciências e novas formas de

interferência na sua estrutura política. Em seus projetos ganha

destaque as preocupações em torno de como incorporar culturalmente

os sujeitos sociais em suas diferentes manifestações, na perspectiva da

formação de homens e mulheres civilizados e educados.

Enfim, o interesse pela construção de uma nova ordem social e política colocava em

evidência o processo de escolarização como forma de produzir e fortalecer o Estado

republicano. Nesse sentido, em Minas Gerais, legisladores e governo investiram na

viabilização das condições para a implementação de uma educação e de uma instrução

que contribuíssem para a constituição da ordem e do progresso.

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