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Em tintas negras: narrativas da história nas páginas de A Voz da Raça (1933 – 1937) Alex Benjamim de Lima (mestrando – UNESP) Em um contexto marcado pelo alijamento político, social e cultural dos afro- descendentes na urbe paulistana, a imprensa negra 1 das primeiras décadas do século XX constitui importante fragmento para se delinear possíveis esboços de seus múltiplos anseios, expectativas e leituras de mundo, em um cenário crivado pelas tensões inerentes à imigração européia, ao sufocamento dos movimentos de massa, à emergência de novas forças políticas, ao aumento da musculatura estatal e ao desejo de ocupar outras posições no reordenamento político e social na primeira metade do século XX. Fruto de esforços individuais e/ou coletivos, esses jornais substanciaram a incursão do negro no universo da cultura letrada, desde longa data hermética aos ocupantes das franjas da tessitura social. A historiografia tem apontado para a existência desses jornais desde fins do século XIX, principalmente no centro-sul do país, tendo São Paulo enquanto seu palco privilegiado. Nesse sentido, a tabela abaixo é bastante significativa, uma vez que permite que se afira, de certo modo, a presença da palavra impressa no meio negro da cidade de São Paulo através de seus periódicos 2 : Periódico Período Informações da publicação A PÁTRIA 1889 Fundado pelo tipógrafo abolicionista Ignácio Araújo Lima. O PROPUGNADOR 1907 Fundado na cidade de São Paulo. A PÉROLA 1911 - 1916 Fundado na cidade de São Paulo por Benedito Prestes, funcionário da Cia. de Gás. O MENELICK 1915 - 1916 Fundado pelo poeta Deocleciano Nascimento (na época, fundidor e estudante do curso noturno de contabilidade do Liceu Salesiano); título em homenagem ao rei etíope Menelick II, líder no processo de independência da Etiópia. BINÓCULO 1915 Fundado por um grupo de rapazes da Barra Funda, era chefiado por Teófilo de Camargo, alfaiate. A PRINCESA DO OESTE 1915 Veiculavam-se críticas à moral e comportamentos sociais da comunidade negra paulistana. A RUA 1916 Jornal que foi lançado no bairro do Brás por Domingos José Fernandes. O XAUTER 1916 Fundado por Deoclecio Mine; em suas folhas veiculava-se notas sociais, crônicas a críticas a comportamentos, seu título significa guia dos caminhantes nos areais da Arábia deserta. O ALFINETE 1918 - 1921 Fundado por Augusto Euzébio de Oliveira, solicitador; publicava fofocas, mexericos e críticas aos “desvios” de comportamento.

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Em Tintas Negras, livro sobre o jornal Voz da Raça, da Frente Negra.

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Em tintas negras: narrativas da histria nas pginas de A Voz da Raa (1933 1937) Alex Benjamim de Lima (mestrando UNESP) Emumcontextomarcadopeloalijamentopoltico,socialeculturaldosafro-descendentesnaurbepaulistana,aimprensanegra1dasprimeirasdcadasdosculoXX constituiimportantefragmentoparasedelinearpossveisesboosdeseusmltiplos anseios, expectativas e leituras de mundo, em um cenrio crivado pelas tenses inerentes imigraoeuropia,aosufocamentodosmovimentosdemassa,emergnciadenovas foraspolticas,aoaumentodamusculaturaestataleaodesejodeocuparoutrasposies no reordenamento poltico e social na primeira metade do sculo XX. Fruto de esforos individuais e/ou coletivos, esses jornais substanciaram a incurso donegronouniversodaculturaletrada,desdelongadatahermticaaosocupantesdas franjasdatessiturasocial.Ahistoriografiatemapontadoparaaexistnciadessesjornais desde fins do sculo XIX, principalmente no centro-sul do pas, tendo So Paulo enquanto seu palco privilegiado. Nesse sentido, a tabela abaixo bastante significativa, uma vez que permite que se afira, de certo modo, a presena da palavra impressa no meio negro da cidade de So Paulo atravs de seus peridicos2: PeridicoPerodoInformaes da publicao A PTRIA1889Fundado pelo tipgrafo abolicionista Igncio Arajo Lima. O PROPUGNADOR1907 Fundado na cidade de So Paulo. A PROLA1911 - 1916 Fundado na cidade de So Paulo por Benedito Prestes, funcionrio da Cia. de Gs. O MENELICK1915 - 1916 FundadopelopoetaDeoclecianoNascimento(napoca,fundidoreestudante do curso noturno de contabilidade do Liceu Salesiano); ttulo em homenagem ao rei etope Menelick II, lder no processo de independncia da Etipia. BINCULO1915 Fundado por um grupo de rapazes da Barra Funda, era chefiado por Tefilo de Camargo, alfaiate. A PRINCESA DO OESTE 1915 Veiculavam-secrticasmoralecomportamentossociaisdacomunidade negra paulistana. A RUA1916Jornal que foi lanado no bairro do Brs por Domingos Jos Fernandes. O XAUTER1916 FundadoporDeoclecioMine;emsuasfolhasveiculava-senotassociais, crnicasacrticasacomportamentos,seuttulosignificaguiados caminhantes nos areais da Arbia deserta. O ALFINETE1918 - 1921 FundadoporAugustoEuzbiodeOliveira,solicitador;publicavafofocas, mexericos e crticas aos desvios de comportamento. O BANDEIRANTE1918 - 1919 FundadoporAntoniodosSantoseJoaquimCambar(militardoExrcito), entre outros. A LIBERDADE1919- 1920Fundado por Gasto R. da Silva, fiscal municipal. A SENTINELA1920Dirigido por Ernesto A. Balthasar.O KOSMOS1922 - 1925 DirigidoporFredericoBatistadeSouza,bedeledepoisamanuenseda FaculdadedeDireitodoLargoSoFrancisco,peridicodeassociao homnima, publicava notcias e ensaios literrios de escritores negros. ELITE1923 - 1924 FundadoporAlfredoE.daSilva,funcionriodaRecebedoriadeRendas; caracterizou-sepelohermetismodogrupodeescritoresedeseuclube recreativo, promoviam bailes, piqueniques e viagens. A PRINCESA DO NORTE 1924Editado por Antonio Silva. O CLARIM DA ALVORADA 1924 - 1940 FundadoporJaimedeAguiar,funcionriopblicoestadual,eJosCorreia Leite, escritor autodidata,que trabalhava em servios de drogaria ou depsito deartigosfarmacuticos;congregounmeroimportantedemilitantese intelectuais do meio negro. NOSSO JORNAL1924Fundado por Tefilo Camargo e Cornlio Aires. AURIVERDE1927 - 1928Fundado na Capital por Joo Augusto de Campos TRIBUNA NEGRA1928 Fundado na cidade de So Paulo. PROGRESSO1928 - 1932 FundadoporArgentinoCelsoWanderley,funcionriodaCia.Telefnica; originou-sedacooperaoparacomemorarocentenriodemortedeLuis Gama. QUILOMBO1929Fundado por Augusto Euzbio de Oliveira CHIBATA1932 FundadoporJosCorreiaLeiteparacriticaraFrenteNegraBrasileira,tivera apenas duas edies. A VOZ DA RAA1933 - 1937 Peridico da Frente Negra Brasileira, fundado em So Paulo, dispunha de um corpo fixo de colaboradores e aceitava a colaborao de voluntrios brancos ou negros desde que se alinhassem linha de atuao do peridico. Todavia, no circunscrita comunidade negra, ao contrrio, a fundao e circulao de jornais, revistas e folhetins, em suma, de uma cultura letrada solidificou-se na cidade em perenetransformao3.SeduranteooitocentosafundaodaAcademiadeDireitodo LargodeSoFranciscoem1828,foraummarcofundantedouniversoletradonacidade, articulando-se ao circuito de casas livreiras, sociedades literrias e bibliotecas, o avanar do sculo XX, com o processo de popularizaodos cdigos da escrita e leitura no cotidiano dos grupos sociais externos s elites, alargara esses circuitos, medida queFazerjornaltornou-seumadasatividadescentraisdegrmiosescolares,das associaes recreativas, danantes e artsticas, dos grupos literrios. Reunir-se para danar,formargruposdramticosemusicais,associaescarnavalescase esportivas era tambm oportunidade para escrever e fazer imprensa4 . Atalponto,queemSoPaulo,arupturadomonopliodapalavraimpressadas elitesletradasedesuasrepresentaessimblicaseimagticas,gerouumaprofusode outrasleituraserepresentaesdedemandasdegrupossociaishmuitoreprimidos. Solidificadasnafundaoecirculaodejornais,revistasefolhetins,entranhadosao cotidianoeaespraiar-seaosmaisvariadosestratossociais,serelacionaradiretamente emergnciadequestesegruposoutroraalijadosdacenasocialecultural,socializando vivncias,leituras,projetoseconcepes,emmuitodissonantesdaordemscio-cultural vigente. A esse respeito o conjunto de jornais redigidos por e para os negros,para alm dos discursosdeletradosdascamadassociaisdominantes,cunharaprojetosepercepesde umaintelectualidadeoutra,alijadadoscrculosculturaishegemnicosedosassdiosdo poderestatal,pormorganicamenteatreladaacontingentessociaispreteridose desqualificados na arena social. Seucarterdiletanteeartesanalacarretaraaosjornaisnegrosumaperiodicidade predominantementeinconstante,detiragemmodestae,namaioriadasvezes,deefmera existncia. Isso se deve sobremaneira s limitaes financeiras e materiais para tal empresa, acarretadas, sobretudo, pela instabilidade e preterio do contingente negro no mercado de trabalho frente ao enorme influxo de mo-de-obra imigrante, aos seus baixos vencimentos e,almdisso,sdificuldadestcnicas,umavezqueosresponsveispelaconstruodo jornaleramconcomitantemente,muitasvezes,seusescritores,editores,operadoresde impresso e principais financiadores, haja vista que as receitas obtidas com sua vendagem, principalmenteembailes,eacrescenteveiculaopublicitriaemsuasfolhas,eram insuficientes para arcar totalmente com seus custos.Todavia a historiografia aponta o jornal A Voz da Raa como dos mais importantes esignificativosnomeionegro,pelasualongevidade,estrutura,organizaoeprestgio poltico-social. Fundado em 1933, circulara at 1937, totalizando 70 edies. Porta voz da FrenteNegraBrasileira(1931-1937),principalagremiaodomeionegronaprimeira metadedosculoXXnopas,ojornaldesfrutaradeumgraudeorganizaoesolidez ausenteentreseuscongnerescontemporneos:recebimentodeverbadaFNB,contrato com as Graphicas Mariano para sua impresso, prestgio alm das plagas paulistas, dentro eforadacomunidadenegra.Palco privilegiadodefluxo,trocas,experinciaseafluncias deprojetoseidias,ojornalforaumespaoprivilegiadodesociabilidade,gestaoe desenvolvimentodaslidesespirituaisobjetivadasnotextoimpresso,acircularetranspor limites sociais e geogrficos. Maisdoquesimplesmanifestaodiscursivadeumaminoriaracial,talempresa pretendiadialogarcommanifestaespolticaseculturaisdecamadassociaisoutras, agentesdefinidoresdosesteiosdanacionalidadeedosvaloresaseremobjetivados,nos quaisasheranasdeorigemafroerampreteridaseextirpadasnoconcertodaretrica nacionalcunhadapelaselitesdirigentes5.Nessesentido,AVozdaRaaaolongodesua existnciaseesforaraemdivulgarearregimentaracoletividadenegraemproldeum projetodeinclusoqueperpassaraquestescomoavalorizaotnica,edeum nacionalismo pautado na valorao de uma histria e memria sob a tica do protagonismo negro, pois anaosomosns[osnegros],comtodososoutrospatrcios[lusoseindgenas] que,comnosco,emquatrocentosanos,criaramoBrasil.Nopodemos,pois, permitirqueimpunementeumageraoatual[deimigrantes],queumsimples momentonavidaeternadaNao,traiaaPtria(...)(AVozdaRaa;n.1,1933, p.1). Talnarrativahistricadisponibilizavaumaoutracartografiademundo,cunhada reveliadosparadigmasinstitudosdesdeasegundametadedoXIX,pormaindaa embrenharouniversoimagticodatessiturasocialnaqualimperavaoraainvisibilidade, ora a desqualificao social e cultural dos negros na nao em formao6.Nessesentido,emsuas70edies,rarasforamasvezesemqueoperidicono veiculavanotas,artigosouchamados,cujoplanoargumentativoseespraiavaparatempos pretritos, a legitimar anseios e demandas quanto ao presente e futuro, Aargilabrasilica,unidaaosangueescravodoNegrocaadonasflorestas africanas,formouaargamassarobustacomquesefezoalicrce,comquese fizramasfundaesdestemomentoindestrutiveleinfracionvelquesechama Brasil! (A Voz da Raa; n.5, 1933, p.1). AHistria,aquientendidaenquantopolissmicasnarrativassobrefragmentosde tempospretritos,sistematizadasnumsistemalgicoecoerente,serviuaosescritores congregados em A Voz da Raa, de prova inconteste da importncia e misso do negro na viabilizaodoBrasilenquantonao.Paratanto,balizastemporaisoutrasforam estabelecidas, a contrapor-se a paradigmas nos quais o negro figurava enquanto assessrio coadjuvante no processo de formao da Nao.Talestratgianoseescoimaradepolemizarcomoutrasnarrativas,emrspidos textos aventados com destaque no layout interno do peridico,espisodios horrendos da escravatura no Brasil, Guerra do Paraguai, e outras tantas cousasquemuitagentebonita,comoporexemploospretensossociologos desconhecem, mesmo porque a historia patria nada diz a respeito, ou quando assim no adulteram tudo, como fizeram os seus historiadores com a gloriosa epopa de Palmares na Serra da Barriga, que deveria constar em nossa historia como uma das maioresgloriasdeumpovo,queemboraoprimidos,deramaomundoemuito especialmente ao Brasil, provas de seu valor moral e material; isso tudo, os homens do Brasil esconderam e continuam escondendo, com o fito unico de menosprezar o valor indiscutivel da raa que fez o Brasil (...) (A Voz da Raa, n.13, p.4). PersonificadosemfigurascomoHenriqueDias,Zumbi,CruzeSousa,LuizGama, Jos do Patrocnio e/ou em momentos como a invaso holandesa, o Quilombo de Palmares, a guerra do Paraguai, o processo abolicionista e o 13 de maio, emergiram enquanto esteios individuais e balizas temporais de uma outra histria, sufocadas por narrativas advindas de outras camadas sociais e culturais. AarrancadagloriosadePalmares,temsidodesvirtuada,porgrandepartedos nossoshistoriadores.Acusamlesosheroisdaquelaepopagloriosadeladres, assassinos e outras coisas feias, esquecidos de que a Historia ou imparcial ou no historia,tapeao[...]Paraqueinjuriar-setantooshomensdePalmares,na mesmapaginadolivroemqueseelogiaescandalosamenteoambicioso aventureiro Domingos Jorge Velho? Porque aqueles ero negros e este era branco? (...) no ha nehum motivo para menosprezar tanto os Palmarinos ao mesmo tempo quesecantaaglriadosbandeirantes,sabendocomoqueestespraticaram muitas faltasna ansia de se enriquecer e escravizar os indigenas. (A Voz da Raa; n.10, p.1). Otextoacima,intituladoEmdefesadePalmares,veiculadocomdestaqueem primeira pgina, ao mesmo tempo em que refora a identidade histrica do negro, enquanto herdeirodiretodessesherisexcomungados,contestaedeslegitimaoparadigma institudosobovernizdobranco-bandeirante.aurahericaecivilizacionaldo bandeirante sobreps-se a de ambicioso e criminoso. Embrenhados na consolidao da Nao, os escritores dA Voz da Raa esforaram-seemaventarumnacionalismooutro,pautadonatradeluso-negro-indgena,soboutra hierarquia, ainda que a referendar o primitivismo do nativo, mas a equiparar e protagonizar opapeldonegrofrenteaobrancoeuropeu(luso)naempresadanao.Essavalorao histricacompuseraummosaiconoqualaafirmaodonegroseconectaaomisterda uniodaraaparaseulevantamentomoral,social,cultural,eintelectualpoisdele dependia o resgate daverdadeira nao. Modelo,contudo,ameaadofrenteaoinfluxomassivodeimigrantesdesdefinsdo XIX na ube paulistana, de modo queo imigrante fora o inimigo a ser combatido nas tintas doperidiconegro.Ameaadordaintegridadenacional,culpadopelasinstabilidades hodiernas,oestrangeirotransforma-senooutroasercombatido,comoemveemente manchete contestatria: No queremos saber de ariano. QUEREMOS O BRASILEIRO NEGRO E MESTIO que nuncatraiunemtrairaNao.Nssomoscontraaimportaodesangue estrangeiro que vem somente atrapalhar a vida do Brasil, a unidade da nossa Ptria, da nossa raa e da nossa Lngua (A Voz da Raa, n.27, p.1; grifos no original). Orquestradossobomesmodiapaso,muitosforamosescritosemqueaimigrao foraveementementecondenada,sejapelasalteraessimblicaeimagticana brasilidade,sejanoaprofundamentodoalijamentodosascendentesafronomundodo trabalho, pois proliferadesastradamentenoBrasil,especialmentenestaterradeSoPaulo,uma doenagrave:amaniadeprotegerexageradamenteoestrangeiro(...)huma infinidade de negros desempregados: os lugares so ocupados por estrangeiros. H patresechefesdeobrasestrangeirosque,sistematicamente,nocontratam operrios brasileiros, sobretudo se so operrios negros (A Voz da Raa, n.44, p.1) Em Fala de negro velho, poema de Arlindo Veiga dos Santos um dos dirigentes dAVozdaRaanota-seumaoutraestratgiadiscursiva,permeadaporumalinguagem metafrica, mas no menos incisiva, em que a temtica dos percalos da comunidade negra comrelaoconcorrnciaadventcia(gentedelonge),odesprestgiosocial(negrono temnome),amarginalizaoeconmica(semservio),aexaltaodamemriada participaonegraemmomentosentendidoscomocruciaisparaanaobrasileira(tanto sangue derramei no Paraguai),e o desfecho com osentimentode injustiado ecredorda histria se fazem presentes, Sabem quem sou? Negro-velho! Negro-velho no tem nome. Antigamente fui tudo... Agora! O Negro nem come! [...] Quandohoje eu passo na rua,Ningum me conhece mais; Veio outra gente de longe Que hoje so os maiorais. Apanhei muito em meu tempo, Mas apanhei de patrcio; Hoje, patrcio e estrangeiro De me xingar tm o vcio. [...] Negro-velho sem servio Vive cavando ano inteiro. Todos dizem: No h mais Servio pra Brasileiro! Pra isso que tanto sangue derramei no Paraguai! E quanto negro morreu sem soluar nem um ai! [...] Sabem quem sou? Negro-velho! Negro-velho no tem nome. Fiz tudo pelo Brasil. Agora? Morro de fome. (A Voz da Raa, 11 maio 1935, p. 1) Assim, longe de ser um mero receptculo ou objeto dos discursos e prticas politico-culturaisengendradasporgrupossociaisoutros,aintelectualidadenegra,distanteda erudioeprestgiodeseuscongnerescooptadospeloaparatoestatal,masembrenhados enquantointegranteerepresentantedesuacoletividade,negouopassadoprontoofertado poroutrasnarrativashistricasressignificandotempospretritosperanteopresenteeo futuro, com vistas a uma integrao da coletividade negra integrante e protagonista em prol da nao. Atentar para seus itinerrios discursivos, matizando-os no bojo das escrituras em A Voz da Raa, so em linhas gerais o mote desta comunicao de pesquisa. 1Conformepontopacficonahistoriografiasobreotema,trataremosporimprensanegraoconjuntode peridicos redigidos, dirigidos e direcionados populao negra.

2Cf.:Ferrara,MiriamN.Aimprensanegrapaulistana:19151963.SoPaulo:FFLCH/USP,1986,pp. 235-277; Domingues, Petronio. A Nova Abolio. So Paulo: Selo Negro Edies, 2008, pp. 19-58. 3CRUZ,H.F.SoPauloempapeletinta.Periodismoevidaurbana18901915.SoPaulo: Educ/Fapesp, 2000, p.33. 4 Cruz, Heloisa de F. So Paulo em revista: Catalogo de publicaes da imprensa cultural e de variedade paulistana (1870-1930). So Paulo: Arquivo do Estado, 1997.1997, p.23 5Cf.:Ferreira,AntonioC.Aepopiabandeirante:letrados,instituies,invenohistrica(1870 1940). So Paulo: Unesp, 2002. 6 Cf.: Schwarcz, Lilia M. O espetculo das raas; cientistas, instituies e questo racial no Brasil,1870-1930.So Paulo: Cia. das Letras,1993.