emancipacao da mulher

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    ALZIRA SORIANOE a Emancipao Poltica da Mulher Brasileira

    AO ASSUMIR EM 1929, A PREFEITURA DE LAJES, LUIZAALZIRA TEIXEIRA SORIANO TORNOU-SE A PRIMEIRAPREFEITA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE E,TAMBM, A PRIMEIRA MULHER ELEITA PREFEITA, NO

    BRASIL.

    No incio do sculo XX, a concepo da mulher como cidad,politicamente emancipada, era tema de reivindicao e de conquistasem pases como Sucia, Dinamarca, Noruega, Estados Unidos e

    Inglaterra. No Brasil, coube ao Estado do Rio Grande do Norte, emcarter pioneiro, conquistar para a mulher o direito legal de votar etambm ser votada. A reivindicao das feministas lideradas porBertha Lutz, teve, no deputado e candidato ao governo do Estado,Juvenal Lamartine, um apoio inusitado o que j tinha se tornadoconsenso de grande parte de legisladores e de administradores nopas.

    Jos Augusto Bezerra de Medeiros, Governador do RioGrande do Norte na poca em que foi sancionada a Lei, relatou oseguinte dilogo com o ento Deputado Federal Juvenal Lamartine:

    - Se no Brasil no h voto feminino, como vai haver no RioGrande do Norte?

    - perfeitamente constitucional. A Constituio fala apenas emcidados, no distinguindo se homem ou mulher; de modo que amulher tem tanto direito quanto o homem. Ento por que o homemvota e a mulher no vota?

    Assim fez-se o voto feminino, atravs de um trabalho deLamartine e um projeto, a pedido dele, apresentado pelo DeputadoEstadual Adauto da Cmara. Eu era Governador e o sancionei. Foramas mulheres do Rio Grande do Norte as primeiras a votar no Brasil. Eainda posso acrescentar o seguinte: fui a primeira pessoa votada pormulher no Brasil, graas a essa iniciativa de Lamartine.

    De fato, em plena campanha poltica para ser eleito Presidente do

    Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine j questionava apossibilidade da mulher brasileira ser eleitora com base na

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    Constituio ento vigente, de 1891, e, respaldando-se no argumentode que competiria, tambm, ao Estado-membro legislar sobre direitoeleitoral, conseguiu que constasse no artigo 77 da Lei 660 de 25 deoutubro de 1927 que No Rio Grande do Norte, podero votar e servotados, sem distino de sexo, todos os cidados que reunirem ascondies exigidas por esta Lei.

    Foi assim que a demanda para as inscries do eleitoradofeminino no se fez esperar e, desta forma, ainda em 1927, CelinaGuimares Viana, em Mossor, RN e Jlia Barbosa em Natal, RN,entraram para a Histria como as primeiras eleitoras do Brasil. Aseleies se processaram em setembro de 1928. a lei propiciou aeleio da prefeita Alzira Soriano e tambm, das primeiras intendentesque desempenhavam funes similares a um conselho de vereadores,

    como foi o caso da professora Joana Cacilda de Besser que fez o seualistamento eleitoral no municpio de Pau dos Ferros, em 28 dedezembro de 1927, vindo a ocupar neste mesmo municpio, essecargo. Em 1935, Maria do Cu Fernandes, eleita Deputada Estadual,deu, tambm, ao Rio Grande do Norte, o ttulo de primeiro Estado aeleger uma mulher para a Assemblia Legislativa. A onda de adesoteve o apoio dos cidados norte-rio-grandenses de uma forma geral,demonstrando a seriedade da proposta e a confiana que j se faziasentir pelo desempenho da mulher na administrao pblica. Provadeste consenso est no fato irrefutvel de terem sido eleitas. Porm,

    como no seria de estranhar, em termos nacionais, a conquista dasmulheres com apoio dos polticos e legisladores no Estado do RioGrande do Norte foi tambm motivo de galhofa. Era comum seencontrar em pasquins da poca, de circulao nacional, chargesironizando o voto feminino (deixaria de ser secreto?...) e tambmsobre o forte poder de atrao exercido pelo governador JuvenalLamartine sobre o sexo feminino. O jornal O Malho do Rio de Janeiro,foi prdigo em charges humorsticas sobre a adeso de Lamartine causa feminista como tambm ironizava o poder que as mulheres

    passariam a usufruir, invertendo valores relacionados com os queeram at ento consignados apenas ao sexo oposto. Ao consultar,seu ex-professor e amigo, o grande jurista Clvis Bevilqua, redatordo Cdigo Civil, sobre a possibilidade do voto feminino, recebeu acarta que respaldaria ainda mais as suas convices:

    Meu caro Lamartine:Quer voc saber a minha opinio sobre a capacidade poltica da

    mulher brasileira em face da constituio. esse um assunto que estna ordem do dia. Portanto, natural que tenha eu, como todos,

    volvido o pensamento para ele. No vejo onde se possa abrigarobjeo ao direito legal de ser a mulher brasileira eleitora e elegvel

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    para os cargos que se preenchem pelo sufrgio popular. No medeterei na apreciao do elemento histrico da lei fundamental doBrasil. Olho somente o seu dispositivo claro. A mulher cidad. Abrasileira (art. 69) no perde a sua qualidade de brasileira pelo

    casamento. Antes, influi para tornar o seu conjugue brasileiro, se secasa com estrangeiro. Quer isto dizer que, no sistema constitucionalque nos rege, a cidadania qualidade que a lei assegura mulher domodo mais completo. Conseqentemente, os deveres e direitos dobrasileiro lhe competem como ao homem. Assim, quando aConstituio declara, no art. 7, que so eleitores os candidatosmaiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei, abrange homense mulheres. Ambos so cidados. E, como sabido, onde a lei no

    distingue, no deve o intrprete distinguir. Alm disso, se aConstituio quisessem excluir a mulher dos direitos conferidos no art.7, de princpio t-la-ia includo nas excluses constantes do pargrafo1. No o fez. Logo, ela est compreendida, de princpio, na clusula.A urgncia da resposta no permite encarar o assunto por outrosprismas. Mas, voc pede duas linhas e eu escrevo muito mais do queisso.Do amigo e admirador, Clvis Bevilqua

    Edgar Barbosa ao se referir ao voto feminino em todo o territriobrasileiro observa o seguinte: As Constituies que se seguiram Revoluo de 30 legitimaram a participao da mulher naconcorrncia poltica e segue relacionando exemplos tais como a de1934 (o art. 109 inclui a mulher como obrigada a se alistar e a votar,no caso de esta exercer funo pblica) e as subseqentes, queconsagraram o direito do voto feminino. tambm de Edgar o textoelogioso do feito norte-rio-grandense no artigo Juvenal Lamartine e o

    voto feminino:Antes de qualquer homem do Estado brasileiro, Juvenal

    Lamartine foi o precursor da mudana no status feminino alforriandoa mulher da servido secular, sem que ela perdesse ou renunciasseaos deveres que lhe corriam no dualismo domstico. Com o direito devotar, que era a sua carta de cidadania, a mulher brasileira conquistouacesso s universidades, aos empregos pblicos, s assemblias, aospoderes Executivo e Judicirio.

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    O Rio Grande do Norte registra a histria de rebeldia e luta demulheres que se destacaram pela coragem, pelo talento literrio, e atmesmo por gestos isolados, mas de grande significado histrico. Soexemplos conhecidos o da guerreira e ndia Clara Camaro que,

    juntamente com o seu marido o ndio Poti, mo sculo XVII, participoudos confrontos contra a dominao holandesa; o das mulheres que,na revoluo deflagrada de 1817 dentro dos diversos movimentosrepublicanos, tiveram destemidamente gestos que as colocaram nahistria tais como o de Clara de Castro a irm de Frei Miguelino queprotegeu os revolucionrios queimando documentos reservados e ode Ritinha Coelho que, ao ver o corpo do lder da Revoluo no RioGrande do Norte, Andr de Albuquerque Maranho, exposto em

    execrao pblica, enfrentou o poder e cobriu o cadver; a arrojadaNsia Floresta, educadora, sociloga, romancista, poeta e precursoradas idias sobre a liberdade da mulher, rompeu limites geogrficos epassou a conviver com os intelectuais do positivismo que surgia e seexpendia no final do sculo XIX; a escritora e educadora IzabelGondim que se destacou no incio do sculo XIX; a doce poetisa Autade Souza que, nascida na dcada de 70 do sculo XIX permaneceimortal com seus sonetos. A escritora que entrou na Academia Norte-rio-grandense de Letras, Carolina Wanderley nascida em 1891 e umadas primeiras a se integrar no movimento feminista; a destemida AnaFloriano que, em Mossor, sob o temor da repetio dos desmandosde uma Guerra como a do Paraguai, lidera uma rebelio de mulherese rasga o edital que obrigava todos os homens a participarem dorecrutamento para o servio militar. E outras, muitas outras, escritoras,educadoras e privilegiadas eleitoras que consolidaram a suacidadania, tambm pioneiramente, sob os auspcios da Constituiodo Estado. Dceis mas no submissas, algumas muito bonitas e

    tambm inteligentes, registraram na histria do Estado umaparticipao que no pode ser relegada ao esquecimento.

    Alzira Soriano, mulher bonita, decidida, de temperamento forte ecom uma inteligncia privilegiada, ao chegar no cargo de Prefeita erainvestida tambm na primazia de se tornar a primeira mulher a exercerum cargo na administrao pblica municipal, no Brasil. O maisimportante do seu feito o fato de tambm ter demonstrado que aoportunidade que lhe foi repassada se fundamentava na sua

    capacidade e na sua idoneidade. Seu discurso de posse um

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    testemunho de sua percepo sob a responsabilidade que passava areceber diante de si mesma, diante da luta internacional dos direitoshumanos da mulher e diante do seu povo: No me prevaleci do cargopara fazer favores a amigos e ainda menos para negar justia a

    adversrios. No abusarei dele para obter proventos seja qual for anatureza destes. O infortnio do meu estado civil ensinou-me atrabalhar e a viver modestamente com honra, e no trocarei jamais acalma da conscincia e altivez da mediania por vantagens mais oumenos suspeitas que pudesse auferir da funo pblica.

    A sua administrao foi marcada tambm por aspectosinovadores como a convocao de intelectuais do Estado para umquadro de Secretrios que a ajudassem a intervir em reas tais como

    estradas, educao, urbanizao e sade.

    Quando se considera que no ensino formal teve apenas o bsico,depreende-se que na sua formao o grande papel adveio da suaexperincia de vida, como, por exemplo, no aprendizado poltico como seu pai; com o seu marido, o Promotor Soriano, na curta convivnciapelo falecimento em 9 de janeiro de 1919, aps o quarto ano decasamento, vtima, aos 19 anos, da gripe espanhola, deixando-agrvida; com o seu sogro, em Recife, aps a viuvez, e com a leitura eos contatos com pessoas ligadas movimentos polticos eminoritrios. Sua vida uma demonstrao de que a sua inteligncia,aliada sua experincia, acumulou sabedoria e determinao.

    Nasceu em 29 de abril de 1896 em Jardim de Angicos, RN, sendoseus pais Miguel Teixeira de Vasconcelos e Margarida Teixeira deVasconcelos. Morreu em 28 de maio de 1963 aos 67 anos de idade,vtima de um cncer. Sua terra natal, Jardim de Angicos perdeu a

    emancipao de 1914 e passou a ser distrito de Lajes em razo docrescimento deste municpio por causa da passagem da via frrea. Odesmembramento s se processou em 1962, pela Lei nmero 2.755de 8 de maio de 1962 no Governo de Alusio Alves.

    O nome Soriano, veio do seu casamento em 29 de abril de 1914data em que completava 18 anos, como o Promotor, Dr. ThomazSoriano de Souza Filho que a deixou viva aos 22 anos. Do secasamento teve as filhas Snia (1915), Ismnia (1917), Maria do Cu

    (1918 faleceu com um ms) e Ivonilde (maro de 1919) que nasceumeses aps a morte do pai. Esta ltima reside em Jardim de Angicos

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    preservando a histria e a casa onde residiu com sua me.Atualmente, vem mantendo contatos com o Governo do Estadoatravs da Fundao Jos Augusto e com a Prefeitura de Jardim deAngicos para dar incio ao processo de tombamento e de organizao

    de um Memorial.

    Alzira foi prefeita aos 31 anos. Seu pai foi um homemconsiderado como grande poltico da regio central do Rio Grande doNorte. Segundo a jornalista Helosa Pinheiro Souza Alzira tambmcomeou a participar das conversas polticas do pai, levadas a efeitona Fazenda Primavera, j quela poca, parada obrigatria dospolticos e centro das decises polticas da regio. Nada se passavaou acontecia por aquelas bandas sem o conhecimento do coronel

    Miguel Teixeira de Vasconcelos. A participao de Alzira chamou aateno da advogada feminista Bertha Lutz , quando, em companhiado ento governador Juvenal Lamartine, visitou Lajes, influenciando-ona indicao de uma mulher para governar o municpio.

    O caderno Cidades do jornal Dirio de Natal, no artigoMemria: Alzira Soriano, o centenrio da primeira prefeita do Brasil(DN: 28.04.1996) faz a referncia grande repercusso desta eleio:O fato de ser a primeira mulher prefeita do Brasil e da Amrica Latina,fez com que os jornais do mundo inteiro noticiassem o acontecimento,tornando Alzira Soriano bastante conhecida e festejada (...) Importantetambm o destaque que se d sua gesto, como tendo sido degrande competncia e integridade: Com o fim das comemoraespela vitria, a prefeita Alzira Soriano partir para fazer umaadministrao que chamava a ateno pela organizao, tratando logode nomear secretrios e solicitou do governador a ajuda deescriturrios do Estado para os trabalhos administrativos. Com uma

    receita de 60 contos de ris, marcou seu mandato com a construode novas estradas, mercados pblicos distritais, escolas e iluminao(DN, 28.04.1996). Esta norte-rio-grandense que venceu preconceitos,tornou-se um exemplo para o movimento feminista do pas, pela suainteligncia e pela sua determinao.

    Sobre a participao da mulher em especial sobre Alzira Soriano,a biloga e lder feminista Bertha Lutz, declarou no Jornal A Repblicade 2 de dezembro de 1928:

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    ... O acontecimento mais notvel foi a eleio da Sra. AlziraTeixeira Soriano, para prefeita de Lajes. uma mulher inteligente,enrgica, com larga capacidade administrativa e prtica, jovemindependente e digna. Considera a eleio de elemento como este

    uma abundante recompensa de todo o trabalho despendido por mim,em dez longos anos em prol da causa feminina, pois constituem umagarantia slida da continuidade da campanha sociolgica que tive ahonra de iniciar.

    No mesmo depoimento Bertha Lutz faz aluso primeiraorganizao eleitoral feminina, a Associao de eleitoras Norte-rio-grandenses criada com o objetivo de propiciar a educao cvica doeleitorado feminino, o preparo da mulher para a participao na vida

    pblica e a colaborao prtica e administrativa nas medias dealcance social: Uma das recordaes mais satisfatrias da minhavisita ao Rio Grande do Norte foi a fundao da Associao deeleitoras Norte-rio-grandenses (...). presidida a Associao pela Sra.Francisca Dantas, elemento de grande destaque social, sendosecretrias as Sras. Celina Viana, uma das primeiras eleitoraspotiguares; Stelita Paiva, senhora inteligente e ponderada e AntoniaFontoura, o elemento mais entusiasta de que o movimento feminino

    norte-rio-grandense pode orgulhar-se. So tesoureiras Belm Cmarae Maria Dulce Lamartine. A presidente de honra a Exma. Sra. SilvinaBezerra de Faria e as vice-Presidentes elementos de defesas social eintelectual.

    Com a revoluo de 30 e a conseqente deposio de todos osgovernantes. Alzira Soriano destacou-se ao recusar, do governo quese instalava, a oferta para se transformar em Interventor Municipal.Tornou-se, portanto, a primeira mulher a ser defenestrada do Poder,

    com a perda do mandato ganho nas urnas... (DN, 28.04.1996).

    Anos mais tarde, em 1945, Alzira Soriano volta vida pblica,candidatando-se vereadora, tendo sido reeleita mais duas vezesconsecutiva. Liderando a bancada da UDN, chegou presidncia daCmara por mais de uma vez. A sua coerncia passava tambm porgestos destemidos: conta-se que aps a sua deposio, ao escutar deadversrios insinuaes depreciativas sobre o uso da fora e doaoite, na sua gesto e, conseqentemente na do governadorLamartine o tempo da virola acabou!... Alzira Soriano esbofeteia o

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    oponente e responde que brao de mulher no tinha se acabadono. E completaramos que o seu exemplo tambm no. AlziraTeixeira Soriano motivou e encorajou mulheres, foi tema de estudo emEscolas de outros pases sua filha Ivonilde conta que ela se

    correspondia atm com estudantes franceses que ficaramimpressionados com a sua experincia quebrou preconceitos e,acima de qualquer diferena de gnero, deixou o exemplo decapacidade administrativa e probidade na conduta poltica.

    ESCOLA EST. OLMPIO PROCPIO DE MOURA