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Ficha de avaliação 4
Memorial do Convento
GRUPO I
70 pontos
A
Lê o texto que se segue.
5
[…] Quando Baltasar entra em casa, ouve o murmúrio que vem da cozinha, é a voz da
mãe, a voz de Blimunda, ora uma, ora outra, mal se conhecem e têm tanto para dizer, é a
grande, interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os
homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não
fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da
casa e do planeta, Deite-me a sua bênção, minha mãe, Deus te abençoe, meu filho, não
falou Blimunda, não lhe falou Baltasar, apenas se olharam, olharem-se era a casa de
ambos.
Há muitos modos de juntar um homem e uma mulher, mas, não sendo isto inventário
nem vademeco de casamentar, fiquem registados apenas dois deles, e o primeiro é
estarem ele e ela perto um do outro, nem te sei nem te conheço, num auto de fé, da
banda de fora, claro está, a ver passar os penitentes, e de repente volta-se a mulher para
o homem e pergunta, Que nome é o seu, não foi inspiração divina, não perguntou por sua
vontade própria, foi ordem mental que lhe veio da própria mãe, a que ia na procissão, a
que tinha visões e revelações, e se, como diz o Santo Ofício, as fingia, não fingiu estas,
não, que bem viu e se lhe revelou ser este soldado maneta o homem que haveria de ser
de sua filha, e desta maneira os juntou. Outro modo é estarem ele e ela longe um do
outro, nem te sei nem te conheço, cada qual em sua corte, ele Lisboa, ela Viena, ele
dezanove anos, ela vinte e cinco, e casaram-nos por procuração uns tantos embaixado-
res, viram-se primeiro os noivos em retratos favorecidos, ele boa figura e pelescurita, ela
roliça e brancaustríaca, e tanto lhes fazia gostarem-se como não, nasceram para casar
assim e não doutra maneira, mas ele vai desforrar-se bem, não ela, coitada, que é
honesta mulher, incapaz de levantar os olhos para outro homem, o que acontece nos
sonhos não conta.
Na guerra de João perdeu a mão Baltasar, na guerra da Inquisição perdeu Blimunda a
mãe, nem João ganhou, que feitas as pazes ficámos como dantes, nem ganhou a
Inquisição, que por cada feiticeira morta nascem dez, sem contar os machos, que tam-
bém não são poucos. Cada qual tem sua contabilidade, seu razão e seu diário, escritura-
ram-se os mortos num lado da página, apuram-se os vivos do outro lado, também há
modos diferentes de pagar e cobrar o imposto, com o dinheiro do sangue e o sangue do
dinheiro, mas há quem prefira a oração, é o caso da rainha, devota parideira que veio ao
mundo só para isso, ao todo dará seis filhos, mas de preces contam-se por milhões,
agora vai à casa do noviciado da Companhia de Jesus, agora à igreja paroquial de S.
Paulo, agora faz a novena de S. Francisco Xavier, agora visita a imagem de Nossa
Senhora das Necessidades, agora vai ao convento de S. Bento dos Loios, e vai à igreja
paroquial da Encarnação, e vai ao convento da Conceição de Marvila, e vai ao convento
de S. Bento da Saúde, e vai visitar a imagem de Nossa Senhora da Luz, e vai à igreja do
Corpo Santo, e vai à igreja de Nossa Senhora da Graça, e à igreja de S. Roque, e à igreja
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da Santíssima Trindade, e ao real convento da Madre de Deus, e visita a imagem de
Nossa Senhora da Lembrança, e vai à igreja de S. Pedro de Alcântara, e à igreja de
Nossa Senhora do Loreto, e ao convento do Bom Sucesso, quando está para sair do
paço às suas devoções rufa o tambor e repenica o pífaro, não ela, claro está, que ideia,
uma rainha a tamborilar e a repenicar, põem-se em ala os alabardeiros, e estando as ruas
sujas, como sempre estão, por mais avisos e decretos que as mandem limpar, vão à
frente da rainha os mariolas com umas tábuas largas às costas, sai ela do coche e eles
colocam as tábuas no chão, é um corrupio, a rainha a andar sobre as tábuas, os mariolas
a levá-las de trás para diante; […]
José Saramago, Memorial do Convento, 50.ª ed., Caminho, 2011
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Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
1. Identifica as diferentes vozes do texto e delimita os segmentos textuaisque lhes correspondem. 20 pontos
2. Traça o retrato de D. Maria Ana, justificando com elementos textuais. 15 pontos
3. Transcreve dois exemplos de crítica social presentes no texto e comenta-os, de acordo com a mensagem global da obra. 20 pontos
4. Explicita o sentido da expressão “olharem-se era a casa de ambos” (ll. 7-8), salientando o valor expressivo da figura de estilo aí utilizada. 15 pontos
B
30 pontos
Atenta no seguinte enunciado:
“No nosso entender, o Memorial do Convento é um romance extremamente peculiar, onde ocorre […] a reescrita da História na perspetiva de personagens perdedoras nas lutas de poder ou simplesmente esquecidas e, por isso, apagadas da História.”
Ana Margarida Ramos, “Memorial do Convento” – da leitura à análise, ASA, 1999
Fazendo apelo à tua experiência de leitura, comenta, num texto de oitenta a cento e trinta palavras, o enunciado acima transcrito, justificando as afirmações aí efetuadas.
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Ficha de avaliação 4Entre Margens, 12.° ano | Caderno do Professor
GRUPO II
50 pontos
Lê o texto que se segue.
5
Tentarei explicar, em breves palavras, as coisas que aprendi com José Saramago,
com quem privei somente numa ocasião mas cuja obra, que li de forma anacrónica,
intensamente admiro.
A primeira coisa que o escritor me ensinou foi que a solidão é a mais bela matéria
narrativa que existe. O diretor desta revista escrevia, no seu blogue, que as personagens
de Saramago são humildes, anónimas e colhidas da multidão; eu acrescentaria que são,
e também, essencialmente solitárias, embora essa solidão seja magnificamente preen-
chida com os “inúmeros” que vivem em nós e de que falava Pessoa. Vejamos: Ricardo
Reis, essencialmente só, embora heterónimo; Tertuliano Máximo Afonso, essencial-
mente só, embora duplicado; o Sr. José, essencialmente só, colecionando vidas alheias;
Jesus de Nazaré, essencialmente só, levado por todos a um cruel martírio. Com a soli-
dão das personagens de Saramago – uma solidão repleta de fantasmas, de vozes
inesperadas, de olhos cegos – aprendi a aceitar a solidão universal do Homem, afinal a
razão pela qual escrevemos (para a combatermos) e pela qual lemos (entre outras
coisas, para não a sentirmos tão presente).
Com os livros de Saramago aprendi também que a literatura não tem geografia. Se é
verdade que tem língua (porque o autor escreveu em português) e que essa língua,
transformada em linguagem, mudou a nossa perceção do romance no que respeita à
forma, abrindo-o a um leque de novíssimas possibilidades formais, é também verdade
que, na progressão da sua obra, as personagens começaram a habitar um mundo que
não se constitui em lado nenhum e que, contudo, se constitui em toda a parte. Que país
habitam os cegos de Ensaio sobre a Cegueira? Que cidade é aquela em que o Sr. José
se perde nas cavernas labirínticas da Conservatória em Todos os Nomes? Que lugar
percorre Tertuliano em busca do seu idêntico em O Homem Duplicado? Saramago criou
um país chamado literatura e, pela primeira vez, mostrou-nos que não temos de estar em
parte alguma para podermos dizer todas as coisas.
Aprendi, ainda, que a voz é o bem mais precioso do escritor. Saramago não apenas
criou um mapa ficcional único como o narrou de uma maneira absolutamente inovadora
e inimitável. A sua voz, muito brevemente anunciada em Manual de Pintura e Caligrafia,
surge, como num passe de mágica, em Memorial do Convento e jamais o (nos)
abandona; é essa a sua maior virtude, é por causa dessa voz – uma das mais fortes de
toda a literatura desde que há memória – que, seja em que língua for ou onde nos
encontremos, um livro de Saramago é imediatamente discernível do de qualquer outro
autor.
Por último, com Saramago aprendi a dizer “não”: aprendi o valor da oposição que
tanto tardou a chegar e a fazer tremer o cânone do romance português. “Não”, dizia o
Nobel, era a palavra mais importante que se podia dizer; eu concordo.
João Tordo, in revista Ler, julho/agosto de 2010
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1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.7., seleciona a única opção que permite obter uma afirmação correta. Escreve, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.
1.1. A expressão “da multidão”, em “colhidas da multidão” (l. 6), assume a funçãosintática de 5 pontos
(A) complemento do nome.
(B) modificador do nome.
(C) complemento do adjetivo.
(D) modificador frásico.
1.2. Na linha 7, a forma verbal “seja” está conjugada no modo conjuntivo porque 5 pontos
(A) se insere numa oração subordinada adverbial.
(B) se segue à conjunção subordinativa concessiva “embora”.
(C) assume obrigatoriamente um valor hipotético.
(D) atualiza uma modalidade deôntica.
1.3. Na linha 22, a expressão “os cegos de Ensaio sobre a Cegueira” desempenha, na oração em que se integra, a função de 5 pontos
(A) complemento direto.
(B) predicativo do sujeito.
(C) complemento oblíquo.
(D) sujeito.
1.4. No complexo verbal “começaram a habitar” (l. 20), o aspeto verbal de “início”é-lhe conferido 5 pontos
(A) pela utilização de um complexo verbal.
(B) pelo facto de o verbo inicial estar no pretérito.
(C) pelo recurso a um tempo composto.
(D) pelo recurso a um verbo auxiliar aspetual.
1.5. Na opinião de João Tordo, uma das maiores virtudes dos textos saramaguianos é 5 pontos
(A) o carácter universal das suas histórias.
(B) a natureza fantasista das suas personagens.
(C) o exotismo dos lugares descritos.
(D) a temática tipicamente portuguesa que adotam.
1.6. Na linha 28, o vocábulo “como” estabelece uma relação de 5 pontos
(A) adição.
(B) causa.
(C) comparação.
(D) exemplificação.
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Ficha de avaliação 4Entre Margens, 12.° ano | Caderno do Professor
1.7. O autor do texto refere também que outra característica da obra de Saramagoé o facto de 5 pontos
(A) a sua tradução ser complexa, dadas as suas particularidades formais.
(B) depois de traduzida, ser semelhante a muitas outras.
(C) a sua inteligibilidade depender do local onde habitam os seus leitores.
(D) a sua autoria ser facilmente identificável, mesmo quando traduzida.
2. Responde de forma correta aos itens apresentados.
2.1. Indica o antecedente de “cuja” (l. 2). 5 pontos
2.2. Classifica a oração “[…] que a literatura não tem geografia.” (l. 16). 5 pontos
2.3. Indica o tempo e o modo em que está conjugada a forma verbal “for” (l. 32). 5 pontos
GRUPO III
50 pontos
Lê com atenção o texto que se segue:
“Do ponto de vista biológico, a idade ideal para procriar é aos 20 anos […]. Focamos muito o problema biológico, como se devêssemos culpar as mulheres por terem filhos [quando são] mais velhas. Há outros interesses nas vidas das mulheres: ver o mundo, a sua carreira – aquilo que vemos como normal na qualidade de homens.”
Guido Pennings, in “A congelação de ovócitos como seguro de fertilidade”[entrevista de Catarina Gomes], in revista Pública, 15 de janeiro de 2012
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresenta uma reflexão sobre o que é afirmado no excerto transcrito.
Para fundamentar o teu ponto de vista, recorre, no mínimo, a dois argumentos, ilustrando cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.
TOTAL: 200 pontos
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