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Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica. LAVILLE Jean-Louis & NYSSENS Marthe (2004). « Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica », in NUNES Brasilmar Ferreira & MARTINS Paulo Henrique (eds.), A nova ordem social: Perspectivas da solidariedade contemporânea, Paralelo 15, Brasília, pp. 165-191. http://www.jeanlouislaville.net Copyright © Jean-Louis Laville 2009. All rights reserved.

Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica. · fenômeno de empresas sociais é o último desenvolviinento na evolução da economia social que começou no Século XIX, incorporando

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Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica.

LAVILLE Jean-Louis & NYSSENS Marthe (2004). « Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica », in NUNES Brasilmar Ferreira & MARTINS Paulo Henrique (eds.), A nova ordem social: Perspectivas da solidariedade contemporânea, Paralelo 15, Brasília, pp. 165-191.

http://www.jeanlouislaville.net

Copyright © Jean-Louis Laville 2009. All rights reserved.

Capítulo 8

Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teóriw

Jean-Louis Laville C Marthe Nyssens

introdução

fenômeno de empresas sociais é o último desenvolviinento na evolução da economia social que começou no Século XIX, incorporando as organizações

como cooperativas, sociedades de lucro mútuo e associações. Na Europa, o termo "economia social" é identificado com o assim chamado terceiro setor, esse último setor sendo o termo mais frequentemente empregado internacionalmente. Em ou- tras palavras, o terceiro setor não compreende apenas organizações sem fins lucrati- vos, mas ainda todas as organizações nas quais o interesse material de investidores de capital está sujeito a limites, onde a criação de um patrimônio comum que é prioritá- rio ao retorno de investiinentos individuais. Mas, a comparação de empresas sociais com as tradicionais organizações do terceiro setor revelam algumas diferenças: em contraste com as cooperativas tradicionais, as empresas sociais são iniciadas por gru- pos de cidadãos que procuram prover um grande leque de serviços e uma maior abertura para a comunidade local. Comparada às sociedades de lucro mútuo ou asso- ciações tradicionais, as empresas sociais colocam um valor maior em sua independên- cia e nos riscos econômicos relacionados às atividades em andanierito.

Conseqüentemente, pode ser dito que o termo genérico "empresa social" não representa uma quebra conceitual com instituições da economia social, mas uma nova dinâmica dentro do terceiro setor, igualmente a uma reorientação e um alargamento

:% Traduzido do origiiial francês para o inglês por Stuart hthony Stilitz; traduzido do inglês para o português por Suzaiia Vaieiiça.

de suas possíveis formas. Ainda assim, a emersão de empresas sociais sugere questões sobre o desenvolvimento socioeconômico de noçsa sociedade e joga luz sobre a pos- sibilidade de estabelecer uma economia solidária dentro das democracias modernas.' A empresa social parece estar em uma encluzdhada: é uma forma de empresa diferente das enipresas públicas e privadas sem fins lucrativos. Enqu'dnto sua lógica é diferente daquela da empresa privada tradicional - na medida em que seu poder não é baseado na posse do capital - a empresa social, conhido, desenvolve atividades de mercado. Devido a sua independência, a empresa social é também diferente da corporação pública, apesar do fato de que ela Gequeiitemetite se beneficia de subsídios públicos.

Diversos autores têm voltado sua atenção para o fato de que há realmente, um número de princípios socioeconôniicos e tipos de lógica organiza~ional.~ Alguns analistas abordam a organização econômica usando um inodelo tripolar. Neste en- saio, iremos também usar unia marcação analítica tripolar das atividades socioeco- nômicas para clarificar as dinâmicas da empresa social. Mas, enquanto existem vastas referências a estes três pólos, suas características ainda hoje cotitinuam vaga- mente definidas e alteram de autor para autor. Para defini-las mais precisamente, iremos analisar, por enquanto, três aspectos das organizações socioeconômicas.

Primeimente analisaremos a estrutura da propriedade, que determina o objetivo da empresa. Para empresas sociais que não estão unicamente na mão de investidores, várias formas de propriedade são possíveis. Eni segundo lugar, identificaremos as formas de capital social associados a empresas sociais. Se o capital social está presente em todos os tipos de empresa, o tipo e a forma de mobilização social, contudo, são específicos às empresas sociais. Após essas duas partes, que são focadas rias relações internas, examinaremos, numa terceira sessão, os tipos de relações econômicas entre empresas sociais e seu ambiente. Descreveremos várias maneiras de distribuição de inercadorias e de serviços econômicos - relações de câmbio, redistribuição e recipro- cidade - para andisar essa combinação nas empresas sociais. Conio veremos, uma

I Cf. Jean-Louis I.aville, L'écoaomie solihire, Paris, Desclée de Brouwer, 1994.

2 Por exemplo, Marcel Mauss, François Perroux e Karl Polanyi, para citar apenas alguiis. Essc tipo de análise tripolar tem sido retoinado tios últimos anos (cf. Jean-1.ouis Laville, op cit.), em traballios na economia solidária e civil, e atesta a existência de unia variedade de possíveis princípios socioeconôinicos. Por uma análise do "pluralismo do betn-estar" e da "economia plural", cf. Jean-I.ouis Laville etalii, "Tiers système: Une définition européeiine", in Les eelztreprises et orguelziscitltioelzs du troisiènze .ylstè~?ze. Uelz eelzjeu strutégique pour Z'emnjloi, Action pilote, "Troisièine système et etnploi" de Ia Commission Enropéenne, Bruxelas, Ceiitre Inter~~ational de I<eclierclies et Information sur I'Economie Publiq~ie, Sociale et Coopérative - Ciriec, 2000. Victor Pesto ff (Beyond murket aelzd Stute, social ente p i ses und civil denzocrucy ielz a weqare society, Ashgate, Aldersliot-Bookfield, 1998) também discute a análise tripolar referente à segurança social. Até o Banco Mundial, em seu Relatório Anual de 1997, observa as formas orgaiiizacionais tripolares (cf. Banque Mondiale, versão francesa, p. 116).

característica das empresas sociais é que parte de seus recursos vem de um capital social baseado em relações rec$rocas desenvolvidas na esfra pública.

A aninálise mostrará um largo espectro de empresas sociais. Contudo, este tipo de relatório não analisa os benefícios e os fracassos de cada configuração possível; na verdade, tenta explorar alguinas dimensões chave para entender a lógica das empre- sas sociais. Metodologicamente, este relatório utiliza uma abordagem compreensiva, começando pelos estudos de casos nacionais reunidos neste livro, acrescentando duas contribuições teóricas anteriores para propor uin "tipo ideal" de empresa social, tendo múltiplos depositários como proprietários e múltiplos objetivos e estru- turas, combinando vários tipos de relayão econôinica. Como expresso por Weber, que introduziu esse conceito,

um tipo ideal é obtido eiifatizando-se untiateralmeilte uin dos poiitos de vista e elac cio- iiaiido diversos feiiôineilos isolados ... arranjados de acordo coin o ponto anterior e ~inilateralrneiite escolhido para formar u1i1 rnodelo hoinogêneo de pensame~ito.~

Este modelo de pensamento não é uma representação exata da realidade, mas eiifatiza certas características com propósitos de pesquisa.

Empresas sociais: Propriedade, fatores de produção e objetivos

Nesta sessão, anulisamos como a estrutura de propriedade de uma empresa influen- cia seus objetivos. O grupo de pessoas possuindo direito de propriedade determina os objetivos da empresa. De fato, como Razeto destaca, aqueles que detêm a propriedade têm o poder de alinhar os objetivos da empresa com seus próprios interesses.%azeto sugere o emprego da expressão "fator dominante" para designar este grupo que sujeita todos os fatores da produção a seus próprios objetivos. Em suma, os objetivos últimos de urna empresa dependem do tipo de propriedade utilizado.

As organizações do terceiro setor pertencenz aos depositdrios e não aos investidores

Na teoria neoclássica, o modelo padrão de empresa diz que os direitos de proprieda- de são dos investidores. Neste modelo, os objetivos das empresas apontam para a maxi- mização dos lucros, isto é, para a acumulação de capital financeiro. A anáhse de empresas do terceiro setor - que diferem tanto das firmas privadas como das corporações públi-

3 Max Weber, Essai sz~s Ia théorie de lu scieizce, Paris, Plon, 1959 [I918 J

4 Luis Razeto, "Economia de solidaridad y mercado democrático", Fuizdame~ztos de uiza teoria ecoizónzica conzj)~eizsiua, Santiago, PBT, 1988.

Jean-Louis I~v i l le & Marthe Nyssazs

cas - questiona a visão monolítica da propriedade e da lógica empreendedora tipifica- da no modelo padrão, mantendo sua intluência persuasiva na teoria econômica.

De fato, essa análise demonstra a diversidade das formas de propriedade, isto é, a diversidade de pessoas que podem possuir o direito de propriedade e determi- nar os objetivos da empresa. Por exemplo, a literatura da auto-administração tem examinado empresas organizadas por trabalhadores e análises de firmas cooperati- vas têm mostrado a existência de einpresas cujos proprietários são consumidores e fornecedores. Os objetivos de uma empresa social dependem da sua estrutura de propriedade, isto é, dependem do depositário com direitos de propriedade^.^ Em contraste com a situação de empresas capitalistas, os proprietários do terceiro setor não são investidores, portanto, seus objetivos são diferentes da acumulação de capi- tal. Nas organizações do terceiro setor, se os investidores podem ser incluídos entre os proprietários, eles não são os únicos proprietários. Como Henri Hansmann e Benedetto Gui destacaram, há potencialmente tantas formas de direito de proprieda- de como categorias de depositários: traballiadores, consumidores, beneficiários, investidores e outros."

Um dos objetivos das empresas sociais é servir a comunidade

Ao contrário das empresas capitalistas, as organizações do terceiro setor não são motivadas, ein primeira instância, pelo interesse financeiro que subordina o ato empreendedor à possibilidade de um rápido retorno do investimento. Diferente- mente das corporações do setor público, as organizações do terceiro não são de- pendentes dos tipos de interesses coletivos, cujos padrões devem ser estabelecidos pelos mecanisinos da democracia representativa. E, ao contrário de algumas organiza- ções do terceiro setor que limitam suas atividades para perseguir apenas os interesses de seus membros - como é o caso de muitas cooperativas agrárias e trabalhistas -, einpresas sociais incorporam um objetivo de servir a comunidade.

Servir à comunidade pode ser definido como a inelhoraria das questões coletivas de externalidade e de igualdade. As externalidades surgem quando as ações de certos agentes têm um impacto - positivo ou negativo - no bem-estar de outros

5 Por depositários queremos dizer "qualquer indivíduo o11 grupo que tenha ucn interesse direto em assegurar que a empresa conduza atividades rentáveis e sustentáveis". P. Milgrome L. Roberts, Ecoizomics, orgaizisatio~z and maizagement, Nova York, Prentice Hall, 1992, p. 790.

6 Cf. Henri Baiisinarin, The ow~zersh@ of enteqrise, Cambridge, IIaward University Press, 1996; Beiiedetto Gui, "Tlie economic rationale for the tliird sector", inAiznals ofPublic and Cooperative Ecoizomics, Vol. 4,1991.

B?nI)resas sociais: Rzlmo a zlnza abordagenz leórica

agentes não regulados pelo sistema de preços e elas são de natureza coletiva quando dizem respeito à comunidade como um todo, quando, por exemplo, envolvem coe- são social, saúde pública ou desenvolvimento local. Aqui, os benefícios coletivos não são simplesmente induzidos por atividades econômicas, mas, na verdade, pela di- mensão dada por aqueles que de fato promovem e realizam as atividades. A busca por benefícios coletivos, associada à produção de bens ou serviços, constitui um dos incentivos e explica o compromisso dos indivíduos que criam a empresa social. Se nas erripresa privadas, como diz Michel Callon, "as externalidades positivas desenco- rajam o investimento privado por socializar o benefício",' na empresa social as externalidades positivas são uma das razões de os depositários se unirem em ação coletiva para a criação de uma atividade econômica.

Se tomarmos o exemplo das empresas sociais que ajudaram trabalhadores - anteriormente excluídos do mercado de trabalho -, é possível perceber que seu objetivo primário não é acumular ou distribuir lucros. Os depositários são motivu- dos por uma luta contra o recorrente desemprego, bem como por sua determinação em agir localmente por um objetivo de integração social. Ao tomar o exemplo de empresas sociais no setor de serviços humanos, observamos uma preocupação com a justiça social em relação ao acesso aos serviços prestados, um desejo de promover benefícios para a comunidade como um todo, particularmente quando se trata de coesão social e educação.

O ohjetivo do serviço comunitário requer uma forma especial de propriedade?

Claramente, análises de empresas sociais não revelam um modelo de proprieda- de, mesmo assim, algumas de suas características estruturais refletem o elemento de serviço comunitário.

Primeiramente, como já afirmamos, as empresas do terceiro setor - portanto, empresas sociais - tendem a promover benefícios coletivos e são administradas por depositários que não são apenas investidores. Enquanto os investidores focam no retorno de capital, proprietários de eiiipresas do terceiro setor promovem outro tipo de objetivo, como o retorno de um trabalho realizado, a quaiidade das merca- dorias produzidas ou a acessibilidade ao serviço prestado. Isso não quer dizer que as empresas do terceiro setor sempre incorporam o objetivo de servir à comunida- de, mas podemos assumir que dão maior ênfase a esse aspecto que as empresas tradicionais. Alguns autores notam que o objetivo de servir à coinuiiidade é uma

7 Cf. Michel Calloii, "La sociologie peut-elle enricliir l'analyse économique des externalités? Essai sur Ia notioii de débordemeiit", in Doininique Poray e Jacques Mairesse, I~znovatiolzs etperfor- mames. Ap~roches interdi.~ciplz'~zaires, Paris, Edições da Ecole des Ilautes Etudes en Sciences Sociales - Ehess, 1999.

característica de organizações sem fins lucrativos. Preston, por exemplo, afirma que é preocupação das organizações com fins não-lucrativos as externalidades sociais, que as distingueni das organizações que buscam lucro.

Ein segundo lugar - e essa é a característica mais frequentemente apontada pela literatura -, a natureza sem fins lucrativos das organizações, isto é, o fato de que diferentes grupos possuem "direitos de controle residual" e "direitos à renda resi- dual", é destacado. Na verdade, análises de microeconomia, particularmente aque- les relativos a novas instituições econômi~as,~ distinguem duas formas de direito de propriedade: primeiramente, os "direitos de controle residual", ou seja, com maior poder de decisão;l e, depois, os "direitos à renda residual", que se refere à renda ol~tida por "requerente residual", isto é, obtida em virtude do direito de apropriação da rede de renda de uma empresa, uina vez que todas as despesas tenham sido pagas. Frequentemente, esses direitos são fixados. Analises das organizações do terceiro setor, associações particulares, demonstram que esses direitos de proprie- dade são, de fato, divisíveis.

A partir da distiiição entre esses dois tipos de direito de propriedade, Benedetto Gui apresenta os conceitos de "categoria dominante", isto é, categoria composta por iridivídiios que rnantêm o máximo controle, e "categoria dos beneficiários", forma- du por aqueles que obtêm benefícios residuais.1° Quando as duas categorias se fundem, a organização passa a ser considerada de "interesse mútuo". Se esses direi- tos são detidos por diferentes grupos, diz-se que a organização é de "interesse geral". As novas instituições econômicas inostranl como a ligação entre o controle residual e os direitos à renda é um incentivo extremamente poderoso; todavia, análises de asso- ciações demoilstram que dois grupos diferentes podem possuir tais direitos. No caso da einpresa social, a separação de direito é um reconheciinento da primazia dos serviços coinunitários sobre os interesses financeiros dos membros. Fixar limites para a distribuição de lucro constitui uma forma atenuada desse reconhecimento.

Em terceiro lugar, recentes análises baseadas na idéia de "empresa de múlti- plos depositários" têm sugerido a possibilidade de o grupo proprietário ser hete- rogêiieo." Os proprietários de cooperativas sociais italianas, por exemplo, podem ser usuirios, voluntários ou trabalhadores assalariados. A criação de empresas de inúltiplos depositários proporciona uma forma de reconhecimento aos benefícios

8 Cf. P. Milgroine I.. Roberts, op. cit.

9 Isso pode levar à eleição de indivíduos para adininistrar a einpresa.

10 Cf. Beiiedetto Gui, 011. cit.

11 Cf. Carlo Borzaga e Luigi Mittoiie, "Tlie multistakeholders uersus tlie nonprofit organisation", Universita degli Studi di Trento, Paper 11. 7, 1997; Victor Pestoff, op. cit. Note-se que, para ser mais preciso, deveríamos falar de empresas de propriedade de múltiplos depositários.

Empresas sociais: Rumo a zuna abor~iugem teórica

coletivos. Por mobilizar muitos tipos diferentes de agentes - traballiadores, usuá- rios e voluntários - revelam o real aspecto coletivo dos benefícios, um aspecto que permanece, muitas vezes, oculto. Quando voluntários aderem a uma empresa desse tipo, seus objetivos excluem ganhos financeiros pessoais e devem ser asso- ciados a busca de benefícios coletivo~. '~ Essa especificidade das empresas sociais não significa que empresas administradas por investidores nunca levam em conta as externalidades. l? óbvio que empresas administradas por investidores reconhe- cem as externalidudes coletivas. Mas é também claro que os objetivos de obter retorno do capital investido não constitui uin incentivo para o reconlieciinento dessas externalidades, mesmo que outros fatores - como a consciência geral e a pressão de coiisuniidores e governos - possam promover tal recotilieciniento.

De acordo com Sabel, muitas parcerias locais provocam tensões,

pois Iiá uma contradição entre a] mobilização gerd de recursos requeridos para garantir o sucesso de cada projeto [e a] distribuição dos frutos dessasnobilização entre os poucos indiví- duos proprietários da empresaou que terão aopostunidade de serem empregados por ela.'"

Empresas sociais têm uma distinta Iiabilidade de reduzir tais tensões: a proprie- dade dividida por várias categorias de depositários nas empresas sociais, os limites impostos por estatutos que regulam a distribuição de excedentes e a criayão de um patrimonio comum são maneiras de garantir - ao menos parcialmente - que as conquistas da empresa não sejam reduzidas apenas a interesses pessoais. Isso au- menta a confiança na hora de montar unia empresa social. Ein contraste, pelo fato de a propriedade ser Iieterogênea em empresas de múltiplos depositários, levanta-se a questão da governabilidade no contexto de pontos de vista e interesses lieterogêne- os. A contrapartida do comportamento itiovador das empresas sociais é a inconstân- cia gerada pela diversidade dos depositários, que, algumas vezes, leva a uma lideran- ça carismática e ao estabelecimento progressivo da propriedade de um único depo- sitário, eliminando a Iieterogeneidade original.

Empresas sociais e capital social

J. S. Colemaii e R. D. Puttiam estavam entre os primeiros a usar o termo "capital social" na literatura so~iológica. '~ Coleman define-o como

12 Este argumento assemellia-se àquele apresentado por Avner Ben-Ner, e Tlieresa Van IIooinissen ("Non profit organisations in tlie mixed economy"). Os autores eiifatizam a importância da representação de depositários bcneficiários em orgatiizações que produzem mercadorias iiáo- competitivas, preocupadas, portanto, com os benefícios coletivos.

13 Cf. Cliarles Sabel, "Partetiariats locaux et innovation sociale", Paris, Orgaiiisatioii de Cooperatioti et de Développeinent Economique - OCDE, 1996.

14 Cf. Jarnes Colemati, Foundatioizs of social theory, Cambridge, Harvard Uiiiversi!y Press, 1990.

o conjunto de recursos inerentes a reiações familiares e em organizações sociais coinuni- tárias e que são úteis para o desenvolviineiito social e cogiiitivo de uma criança ou de um jovem,15

situando-o, assim, no 2nlbito do desenvolvimento pessoal. De acordo com a defini- ção de Putnam, que associa o capital social com operações organizacionais, inclui "características das organizações sociais, tais como: redes, normas e confiança, que facilitam a coordenação e a cooperação com benefícios mútuos".r6

O conceito de capital social está agora largamente difundido na literatura, embora permaneça, de certa forma, vago. Permite-nos, mesmo assim, de demonstrar o papel ecoriômico de recursos que não podem ser reduzidos ao capital financeiro, físico ou Iiuinano. A distinção proposta por Razeto entre um recurso econômico e um fator de produção é iluminados neste contexto. Os recursos econômicos são todos aque- les que, potencialmente, contribuem para a atividade econôrnica. Um recurso transfor- ma-se em fator de produção quando se torna parte concreta de um processo de produção. Indivíduos à procura de emprego, por exemplo, constituem, entre outras coisas, um recursos econômico. Quando admitidos por uma empresa, adquirem o status de fator de produção. O capital social também se constitui em recurso que pode ser nlobilizado, em maior ou menor grau, dentro de um proces- so de produção, para melhorar sua performance. Mas é tambéin um fim em si inesrno, pois, como Adalbert Evers o rotulou, é um capital "civil" que contribui para um processo deinocratizado. O capital socíal está presente em grupos, redes e no tecido social local, visto que é - pelo menos parcialmente - indivisível, portanto não pode ser apropriado por um único indivíduo. O capital social é uina mercadoria (quase) pública.

O capital social reduz os czcstos das transações

A definição de capital social oferecida por Putnam pode ser vinculada ao conceito de custo de transações, que desempenha um papel-chave nas novas instituições econô- ~nicas preocupadas coin modos de organização que minimizam os custos de transa- ções - custos de coordenação e motiv;ição - entre depositários. Os custos de mutiva- ção variam com os incentivos introduzidos dentro de um contexto de informação imperfeita, para facilitar a coopeiação entre os depositários e encorajá-los a evitar um comportamento oportunista. De fato, as organizações socioeconômicas encaram

Robert Putnam, "Tlie prosperous commuiiily: Social capital and public life", The Arnerica:alz Prospect, 11. 13, 1993; R. D. Putiiam, Makijzg democracy work. Ciuic traditions in rnodem Italy , New Jersey, I>riricetoii University Press, 1993.

15 Jaines Coleinaii, op. cit., p. 300

16 Robeit Putriam, "Tlie prosperous commuiiity: Social capital aiid public life", op. cit.

Emf~resas sociais: Rumo a uma abordqgem teórica

numerosas incertezas e, portanto, custos de motivação. Como os usuários podem garantir um serviço de qualidade de fornecedores que eles não conhecem? Como os doadores podem confiar na maneira como suas contribuições são aplicadas? Como o Estado pode manter o controle sobre os serviços, quando estes são subsidiados e delegados? Como os administradores de empresas de serviços pessoais podem sal- vaguardar-se de coinportamentos oportunistas por parte de seus empregados?

Diante desses tipos de incertezas, o capitd social mobilizado diminui os custos de transações entre os depositários externos - consumidores, doadores, autoridades pú- blicas - e a empresa. O capital social também pode contribuir para o melhorainento da produtividade do fator de traballio mediante o desenvolvimento do comportamento cooperativo. Razeto até pondera a existência de um novo fator de produtividade que coexiste com o capital e o trabalho, o fator c, que ele define como "a formação de um grupo que facilita a cooperação e a coordenação de forma a aumentar a eficiência de uma organização econômica"." Sua formulação sugere que, em diferentes graus, o capital social está presente e reduz os custos de transações em todo tipo de empresa.

Ao mobilizar o capital social, a empresa social provavelmente reduzirá seus custos de transações, especialmente aqueles que são associados com a falta de confiança. Embora grupos externos possam ver o próprio status sem fins l~crativos '~ como uin sit~al de confiança, torna-se cada vez mais claro que apenas esse status é insuficiente para construir relações de confiança." A ausência de lucro não impede os administra- dores de associações a perseguirem objetivos diferentes de lucros explícitos, que não coincidem, necessariamente, com os interesses dos beneficiários. Por exemplo, algu- mas associações toleram remunerações excessivas e o comando de objetivos coletivos por pequenos grupos que têm o poder de tirar a associação de seus objetivos originais. Mas, formas sustentáveis de capital social - frequentemente presentes em empresas sociais - podem impedir a emersão de tal fenômeno, estabelecendo a confiança, dimi- nuindo, assim, os incentivos para o comportaniento oportunista.

O capital social reduz os cztstos de produção

A integração entre usuários e consumidores em empresas sociais e o recurso de presentes e doações são práticas associados com a mobilização e o desenvolvimento do capital social. Servir à comunidade facilita a integração de voluntários e usuário, bem como o acesso às doações. Quando a dimensão do serviço à comunidade está presente, torna-se possível criar uma rede de suporte social, cuja composição pode

17 Luis Razeto, op. cit., p. 46.

18 Heiiri Haiismann, Tbe ow?zership of ente-prise, Cmbridge, I-iarvard University Press, 1996.

19 Cf. Aiidreas Ortinaiin e Mark Schlesinger, "Trust, repute and the role of non-profit Enterprise": Voh~?ztas, I?ztematiolzalJozcnzalof Voluntary anclNo~z-Profit Organisatb?zs, Vol. 8, 1997.

variar, iras seus inernbros compartilham uma sensibilidade ao dado problema, pres- sionando e requerendo ação. O incentivo para dar um impulso a uma atividade econômica vem da percepção, partill~ada por vários depositários, de que falta uma resposta apropriada para um problema identificado. Assim, o empreendedor que se arrisca no projeto não age sozinho, mas age como catalisador que confia no griipo de indivíduos, no qual cada um se compromete vol~ntariarnente.~~

Até os trabalhadores assalariados podem contribuir para a criação de traballios voluntários, na medida em que podem optar por uma remuneração mais baixa do que receberiam em outras organizações, obtendo, no lugar, certos benefícios não- monetários de sua contribuição produtiva. A inobilização desses recursos não seria possível sem capital social. Ainda assim, os benefícios não devem mascarar os riscos envolvidos: o trabalho voluntário pode acabar como traballio tolerado, devido à falta de verba, os trabalhadores assalariados não obtêm o status comum da lei e os direitos coletivos - em termos de proteção social - aos quais reivindicam o direito.

O capital social é zciiz fim em si inesino

Enquanto a rnobilizaçiio do capital social é importante em cada processo de produção, os objetivos fundameiitais podem variar consideravelmente de uma situa- ção para a outra. Em empresas controladas por depositários, o capital social melho- ra a produtividade de fatores de produção e o retorno do capital financeiro. Aqui, proprietários einpregain o capital social para favorecer seus interesses financeiros. Em empresas sociais, o capital social cristaliza-se em torno de projetos que incorpo- ram a dirnensão de serviço comunitário.

Neste contexto, 6 relevante a distinção feita por Benedetto Gui entre os benefícios intrínsecos e instrumentais do capital social. Gui une o conceito de capital social ao de mercadorias relacionais, definidas como "espólios capitais intangíveis advindos de relações interpessoais duradouras". Destaca ainda que as mercadorias relacionais podein ter valor tanto como uin instrumento como um fim em si mesmo; mostra que o desenvolvimento do capital social depende do grau de valor dado aos seus benefícios int~zízsecos.~' EIII empresas sociais, podemos supor que essa acumulação de capital social, parte de um projeto coletivo, tem valor e finalidade, e essa é a razão das empre- sas sociais não apenas ~ n o b ~ a r e m capital social, iras ainda reproduzi-10.~~

20 Cf. Jeari-Louis 1.aville e 1.. Gardin (ed), Les i~zitbtive.~ locales en Ezwope. Rila?z économiqzie et sociul, Riris, Comriiissioii Européenne, Crida/l.SCI/CNIIS, 1996.

21 Benedetto Gui , "Ori 'relational goods': strategic implications of iiivestment in relationsliips", Veiieza, Dipartimeiito di Scienze Ecorioriiiche, Uiiiversidade de Veneza, 1995.

22 Adalbert Evers, "Part of tlie welfare mix: Tlie tliird sector as an intermediate area", Voluiztas, hzter~zatio?zalJour~zal of Volzintary anrl No?$-Projt Organisatio7zs, Vol. 6, n. 2, 1995, p. 54.

Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica

De fato, o desenvolvimento de projetos coletivos é fortemente ligado a mobiliza- ção de capital social. Por meio de seu envolvimento voluntário, os participantes cultivam um senso de pertencimento a uma comunidade, que reforça um parentes- co herdado - conio família ou etnia - ou desenvolve com outros indivíduos um projeto no qual "suas identidades civis os motivam a agir". O encontro interpessoal vai além da instrumentalidade ou da estratégia e cria oportunidades de um entendi- mento mútuo maior, por meio do "pertencimento a um grupo cujos membros estão cientes de que dividem urn destino c o m u ~ n " , ~ ~ tal como Alexis de Tocqueville e Alain Touraine já haviam o b ~ e r v a d o . ~ ~ s s a abordagem dá ênfase às forças associativas das empresas sociais. Uma pesquisa conduzida em organizações da economia social mostrou que frequentemente essas forças associativas emergem por meio de um processo que transcende interesses pessoais e adquirem força por intermédio de um entendimento mútuo que exerce influência positiva na performance econômica.

Historicamente, a mobilização de capital social no terceiro setor - ou na econo- mia social - tem ocorrido quando há ligação social unindo os membros de uma categoria homogênea:Essa constante histórica não foi confirmada, contudo, por todos os tipos de empresas sociais contemporâneas, e pesquisas recentes demons- tram "um grau muito baixo de homogeneidade entre os grupos f~ndadores" ,~~ em empresas com múltiplos depositários, por exemplo. Nesses casos, o projeto é basea- do menos numa identidade comum que na crença compartilhada de que certos problemas não podem ser resolvidos por meio das instituições existentes.

Empresas sociais promovem o capital social como fntor de democratização

A clarificação do processo pelo qual os indivíduos - reunidos por um problema particular - obtêm sucesso em designar uma atividade econômica implica em reunir as dimensões econômicas e políticas das enipresas sociais. Análises econômicas e socio- logia política representam diferentes disciplinas de pesquisa, mas elas devem ser com- binadas para capturar a especificidade do capital social em empresas sociais, que promovem um tipo especial de capital social, por permitirem que os cidadãos interj- rum em problemas da vida cotidiana. Então, para entender a existência das empresas sociais, é necessário introduzir o conceito político de "espaço público" - ou de "esfera pública" -, definido por autores como Jurgen Habermas ou Anthony Giddens.

23 Jacques Defourny, Louis Favreau e Jean-Louis Laviiie, Insertion et nouzle//e économie sociule, Paris, Desclée de Brouwer, 1988, p. 31.

24 Aiexis de Tocqueviiie, De lu démocratie en Amérique, Paris, Gaiiimard, 1991; Alain Touraine, l>roduction de lu société, Paris, Seuil, 1973.

25 Jacques Defourny, Louis Favreau e Jean-louis Laviile, op. cit., p. 330.

Jean-LouW. Lauille & Marthe Nyssens

As empresas sociais demonstram sua habilidade de inovação econômica ao se constituírem em "áreas intermediária^",^^ que mobilizam capital social transferindo- o da esfera privada para a pública. A esfera pública pode ser definida como

um reino de nossa Mda social onde algo aproximado i opinião pública pode ser formado. O acesso é garantido a todos os cidadãos ... Cidadãos atum como corpos públicos quando deliberam de maneiraisrestrita- quer dizer, com agarantiadeliberdade de reunião, associa- ção e a liberdade de expressar e publicar sua opinião sobre assuntos de interesse geral?'

Conseqüentemente, a esfera pública difere da esfera privada. Na esfera pública, membros de uma mesma comunidade política empregam argumentos racionais para colaborar com a formação de opinião. Essa dimensão normativa da esfera pública refere-se ainda a uma realidade empírica, particularmente para "esferas públicas autônomas, que servem como fóruns para os debates livres e a dissipação de contr~vérsias".~"ssas esferas públicas abertas para discussões locais entre dife- rentes depositários agem como espaços públicos autônomos e permitem uma ex- pressão direta do povo para o desenvolvimento de um entendimento compartilhado das mercadorias públicas comuns.29 Elas podem ser consideradas como desenvolvi- mento da reflexão na sociedade civil ao problematizar aspectos das relações sociais que não eram discutidos anteriormente, exceto por alguns poucos e~pecialistas.~~

A medida que emergem, as empresas sociais - da mesma maneira que outras formas de associações - são "uma dimensão do espaço público na sociedade ~ivrl",~' e criam, a partir de sua proximidade, esferas públicas autônomas na sociedade civil. Ao colocarem cidadãos em uma situação diferente daquelas que os detêm como consu- midores ou sujeitos de auxílio, essas esferas permitem que as empresas sociais organi- zem atividades que julgam relevantes para os problemas enfrentados. Elas são orga- nizadas a partir de relações interpessoais e, desde o início, de parte da "esfera con- creta de inter subjetividades", caracterizada por certos códigos de cultura, e inventam produções de mercadorias e serviços por uma ação coletiva. As diferenças entre eco- nomia doméstica, informal e underground vêm, primariamente, da abertura dessas "esferas públicas de proximidade". Elas questionam o papel da esfera privada,

26 Adalbert Evers, op. cit.

27 Jurgen Ilaberinas, L'espacepzcblic, Paris, Payot, 1986 [1974], p. 49.

28 Jurgen Habermas, "Cespace public, 30 ais après",Quaderni, 11. 18, autumn 1992; Bernard Eme, "Lecture d'Haberinas et éléments provisoires d'uiie problématique du social solidariste d'intervention", Paris, Crida/l,SCI, Iresco-CNRS, 1993, inimeo.

29 Antliony Giddens, BeyolzdleJtandright - The futureof rdicalpolitics, Cambridge, Polity Press, 1994.

30 Adalbert Evers, op. cit., p. 159.

31 Como expressam Jacques Godbout e Alain Cailé (L'esprit du dou, Paris, La Découverte, 1992).

Empresa sociais.. Rzlnzo a uma abordagem leórica

abrem espaços para o úiáiogo público, invadindo os aspectos do domínio discursivo da conduta social que anteriormente não eram debatidos, ou eram decididos por práticas tradicionai~.~~

Empresas sociais na área de serviços pessoais ilustram particularmente bem essas especificidades. As empresas sociais no setor de serviço facilitam a igualdade de acesso e são responsáveis pela demanda do usuário. A primeira tarefa de orga- nizações que oferecem serviços domésticos, por exeinplo, é manter o equilíbrio da família. Aqui, a intervenção profissional une-se a certas tensões, ao envolver os mais velhos e suas famílias na definição dos contornos da assistência doméstica. A relação de três pontas que faz a associação, seus usuários e seus trabalhadores assalariados não apenas dão às famílias um papel ativo, mas ainda as capacita a afastar-se e a avaliar a situação coletivamente. Como Ben-Ner e Van Hoomissen ob~ervaram,~~ é o papel exercido pelos usuários - ou outros depositários em seu nome - que se mostra decisivo na elaboração de uma proposta para estabelecer uma empresa social, seja por iniciativa própria, seja por associação de empreendedores, seja por meio de intervenção de profissionais que, devido a seu constante envolvimento ria prestação de serviços, conhecem a demanda insatisfeita. Além de afiliações institucionais, o envolvimento pessoal é crucial, pois são as conexões feitas entre sistemas geralmente separados e tipos de lógica que mudam o foco do problema, permitindo que sejam abordados diferentemente e que revelem ainda seus potenciais escondidos.

A natureza autônoma da esfera de proximidade pública é decisiva. É ainda mais importante que as parceiras interinstitucionais. O objetivo essencial é transferir a lógica funcional e abordar serviços do ponto de vista da "experiência real" do usuário - para usar novamente o termo de Habermas - com auxílio da mobilização do capital social. Empresas sociais têm uma fundação tripla: a prática diária das pessoas, as trocas e as relações simbólicas, oferecendo o modelo diário davida da comunidade e as aspirações, os valores e os desejos das pessoas. Ao levar em conta essa realidade multifacetada para a esfera pública, as ofertas e as demandas ajustam-se. A distinção desses serviços, da perspectiva do usuário, é que eles tendem a ser ativamente envolvidos no projeto do serviço. Os serviços não refletem meramente o uso das melhores pesquisas de mercado ou das tecnologias de planejamento público, por isso os projetos podem superar um grande desafio de crescimento em serviços relacionais, o que envolve a entrada na vida privada de um usuário. O obstáculo é a iinperfeição das informações dadas - não meramente o fato de que as informações disponíveis são assimétricas -, o que causa insegurança no usuário. A criação de esferas públicas locais auxika a forma- ção de uma relação de confiança possível. Ao observar a maneira com que elas trans-

32 hthony Giddeiis, op. cit., p. 120.

33 Avner Ben-Ner, e Tlierese Vaii Hoomissen, op. cit.

Jean-LouW1 buille & Marthe Nyssens

mitem informações, os projetos podem ajudar os usuários a superar o medo de ver agentes solidários invadindo sua vida privada. Eles podem, então, formalizar deman- das bastante heterogêneas enquanto desenvolvem o fornecimento de serviços.34

A sociedade é afetada na medida em que a mobilização social das empresas sociais, em sua fase de emersão, tem conseqüências tanto externas como internas. Isso foi demonstrado na área de serviços pessoais e em outras áreas. Como menci- onado na primeira sessão, a perseguição de benefícios coletivos por empresas so- ciais é parte de uma iniciativa empreendedora. Uma perspectiva sociológica ajuda a explicar porquê o processo se torna possível: esses benefícios coletivos são social- mente construídos nas esferas de proximidade pública, que consiste de "esferas de socialização e individualização, permitindo aos indivíduos a integração em socieda- de".z5 Por meio de suas ações, as empresas sociais promovem laços sociais de natureza democrática; expandindo redes sociais baseadas nos princípios do envol- vimento voluntário - autonomia legal e igualdade entre membros - atraem grupos que poderiam, em outros casos, ser privados de tais laços.

Empresas sociais mobilizam e reproduzem uma forma especqica de capital social

Uma das dificuldades levantadas pela noção de capital social é sua polissemia. A definição de Coleman se refere às habilidades sociais praticadas por famílias e às redes que integram os indivíduos, enquanto a definição de Putnam se refere ao funcionamento das redes e das organizações. Essas duas definições genéricas dife- rem estatisticamente, mas envolvem limitações idênticas, embora idealizem as comu- nidades mascarando as relações de dominação e de dependência presentes. Elas tam- bém têm outro ponto em comum na medida em que identificam o desenvolvimento social com os interesses coletivos, sem notar que o capital social pode também ser usado para o benefício de interesses privados.36

As características descritas acima permitem-nos definir as especificidades do capital social associado com empresas sociais. Mostrar que as empresas sociais

34 Jean-Louis Laville e Marthc Nyssens, "Solidarity-based third sector organizations in the 'proximity services' field: A europeaii francophone perspective", Voluntus, InternationalJournal of Voluntary andNon-ProBt Organisatatbns, Vol. 11,2000, pp. 76-77.

35 Bernard Eme, op. cit., p. 217.

36 Cf. M. Paci, "Alle origini della imprenditorialita e della fiducia interpersonale nelle aree ad ecoiiomia diffusa", in Jean-Louis Laville e Enzo Mingione (orgs), "Nuova sociologica-economica. Prospcttiva europea", Sociologia de1 Lauoro, n. 73, 1')')'); Luisa Bianco e Michael Eve, "I due volti de1 capitale sociale. 11 capitale sociale individuale nello studio delle diseguagkanze", Jean- Louis Ldville e Enzo Mingione (orgs), "Nuova sociologica-economica. Prospettiva europea", Sociologia de1 Lauoro, n. 73, 1999.

Empresas sociab: Rumo a uma abordagem teórica

mobilizam capital social concretamente, criando esferas de proximidade pública, significa clarificar que tipo de capital social está envolvido. Não estamos lidando aqui com o capital social centrado na família, ou com o capital social baseado nas rela- ções interpessoais da esfera privada, mas aquele localizado no domínio público. Ele também é diferente do uso do capital social no reforço do particularismo local, poder de clientela, discrição ou opacidade. O capital social que lidamos nas empre- sas sociais pode ser identificado com o capital cívico.

Se essas empresas têm a capacidade de gerar esse capital social é porque estão fundadas em regras formais envolvendo o compromisso livre e a igualdade entre os membros. O resultado é que, diferentemente das corporações apoiadas em capital, elas não aceitam relações desiguais nas quais o poder é proporcional ao investimen- to, ou a contribuição de trabalho é subordinada à contribuição financeira.

Outras ambigüidades associadas ao conceito de capital social vêm de sua ori- gem. A maioria das análises leva em conta a existência do capital social como um fato e desenvolvem-se focando a perspectiva da mobilização. Isso explica a visão &ter- minista do desenvolvimento em que áreas com doação de capital social constroem automaticamente suas capacidades socioeconômicas, enquanto as áreas sem capi- tal social estão fechadas, em estado de subdesenvolvimento e anomia social. Esse argumento acaba sendo circular, pois o aumento do capital social seria possível apenas ali onde já existe. Contudo, podemos ir além deste esquema simplificado e mostrar como o capital cívico é mobilizado e estruturado na prática.

Em áreas onde o capital social é denso e já afeta a estrutura da vida pública, a empresa social facilita a proliferação do capital cívico. Mas, mesmo em áreas onde o capital social é subdesenvolvido, a possibilidade de criação de empresas sociais não deve ser impossibilitada. Enquanto os obstáculos encontrados podem ser numerosos, a visão da empresa social de serviço à comunidade pode gerar iniciativa. O melhora- mento da vida diária da comunidade torna-se a referência comum para determinar as ações econômicas coletivas e transferir da esfera pública para o capital social previa- mente confinado à esfera privada. Por esse processo, essas ações podem contribuir para "a construção de capital social em circunstâncias - como aquelas do sul italiano - quando ele tem sido historicamente a~sente".~' Uma transposição desse tipo, embora difícil em ambiente desfavorável, pode exercer um papel no desenvolvimen- to endógeno - contanto que seja reforçado por uma intervenção pública que con- trole cuidadosamente as forças locais e as provenha com um apoio de longo prazo. A política de apoiar empresas sociais pode, dessa maneira, prover uma estratégia

37 Johii Harris e Paolo De Renzio, '"Missing link' or analytically missing? - The concept of social capital", Journal of InternationalDevelopment, Vol. 9, n. 7, 1997, p. 923.

Jean-Lozlis Lauille C Marthe Nyssms

alternativa para investir em projetos de infra-estrutura e, apesar dos obstáculos, auxilia áreas vistas anteriormente como desprovidas de capital social a tomar um caminho mais democrático para o desenvolvimento.

Em resumo, os aspectos políticos e econômicos das empresas sociais são insepa- ráveis, dito ein termos econômicos, uma das forças motoras por trás do envolvimen- to coletivo em empresas sociais é o objetivo de benefícios coletivos associados com bons serviços ou mercadorias produzidas. Claramente, análises das empresas so- ciais não dão destaque apenas ao modelo de propriedade; a única característica que todas compartilham - a respeito da propriedade - é sua administração, realizada por depositários e não investidores. Assim, algumas características estruturais pode- riam refletir sua dimensão de serviço comunitário. Essas características incluem, entre outras, o confinainento aos fins não-lucrativos ou, no limite, a distribuições do superávit e o desenvolvimento da propriedade em forma de múltiplos depositários. A busca por benefícios coletivos permite formas específicas de mobilização social, como o envolvimento de voluntários, doações, e o desenvolvimento de parcerias locais. Em termos políticos, a afiliação comum para instigar as pessoas a uma ação coletiva conecta-se com o senso comum de pertencimento a uma comunidade polí- tica, explicando o envolvimento em esferas públicas autônomas, em torno de um bem comum.

As empresas sociais e as relações econômicas

Assim como as empresas sociais são capazes de mobilizar vários recursos eco- nômicos e diferentes formas de propriedade, são também capazes de ativar vários meios de distribuição de bens e serviços. Ao menos essa é a hipótese formulada por teóricos que defendem a abordagem substantiva da economia. Eles propõem a exis- tência de um conceito de economia, no qual todas as ações derivam da dependência das pessoas da natureza e da companhia de outro ser humano. Isso contrasta com a abordagem formal e mais restritiva que enxerga a economia em termos de escolhas racionais de inaximização aplicadas em condições de escassez. Ao seguir a formula- ção de Polanyi de uma abordagem substantiva," a economia pode ser concebida como de modo plural," misturando em diferentes contextos sociopolíticos princí- pios de reciprocidade, mercado e redistribuição.

O princípio de mercado refere-se à combinação de oferta e demanda de mer- cadorias e serviços objetivando a troca facilitada pelo mecanismo de estabeleci- mento de preços. A relação entre o comprador e o vendedor é estabelecida em

38 Karl Polanyi, The liuelihood of man, Nova YorMSan FranciscoíLondres, Academic Press, 1997. 39 Cf. Organisation de Cooperation et de Développement Economique - OCDE, Reconciling economy

and socbty. Tozuards aplural economy, Paris, OCDE, 1996.

Empresas socbk: Rumo a uma abordagem teórica

bases contratuais. O princípio de mercado não presume que agentes irão se imer- gir em relações sociais, já que estas são "vistas atualmente pela cultura ocidental, como sendo separadas das instituições de vocação tradicional ou estritamente econô- mica".*O Assim, em contraste com os dois princípios econômicos citados abaixo, os princípios de mercado não se encaixam necessariamente no sistema social.

Redistribuição é o principio pelo qual a produção é passada para uma autoridade central cuja responsabilidade é dividi-la. Isso pressupõe o estabelecimento de regras para a taxação e a redistribuição. Uma relação é, portanto, com o tempo, estabelecido entre uma autoridade central taxadora e outros agentes a ela submetidos. Redistribuição pode tomar forma de benefícios em dinheiro ou em produtos. Redistribuição é privada quan- do se origina de uma instituição privada, ou seja, de uma entidade corporativa cujos administradores têm a autoridade para usar uma porcentagem do superávit para doa- ções ou patrocínios. Um das maneiras de canalizar esse excesso é por meio de funda- ções privadas, contudo a redistribuição é primariamente pública. A forma moderna de redistribuição pública - sustentada por deduções compulsórias e fonte de reconheci- mentos atestando direitos sociais - foi organizada ao redor do bem-estar estatal.

O princípio de reciprocidade descreve um tipo específico de circulação de bens e serviços entre grupos e indivíduos. Ele faz sentido apenas quando usado para expressar uma ligação social particular entre depositários. A reciprocidade é um autêntico princípio da atividade econôniica baseada na idéia de que um presente ou uma doação é um fato social básico. Mas a reciprocidade tem uma dimensão para- doxal, já que grupos ou indivíduos que recebem as doações devem exercitar seu "livre arbítrio" dando contra-doações. Na prática, enquanto aqueles que recebem presentes são encorajados a repetir o gesto, eles não são sujeitos a nenhuma pressão externa para fazê-lo, a decisão pertence apenas a eles. Conseqüentemente, a doação não é sinônimo de altruísmo, mas dar algo em troca de nada é, na verdade, um misto complexo de abnegação e interesse. O ciclo da reciprocidade difere daquele da troca comercial, já que envolve relações humanas nas quais estão envolvidos os desejos pelo reconhecimento e poder, e das trocas redistributivas porque não são impostas por uma autoridade central. Uma forma de reciprocidade é aquela exercida dentro da unidade familiar básica, a qual Polanyi chamou de administração doméstica.

Através da história, várias combinações desses três princípios básicos têm surgi- do. A combinação específica refletida pela economia contemporânea pode ser divi- dida em três pólos:

o A economia de mercado. Aqui, o mercado tem a responsabilidade primordial na circulação de bens e serviços. Não se pode achar que isso signifique que a

40 Jérôme Maucourant, Jean-Michel Servet e André Tiran, La vrodernitéde&r1Pokcnyi, éntroductlon générale, CHarmattan, Paris, 1998.

,lean-Louis Lauzlle G Martbe Nyssens

economia de mercado é produto apenas do mercado, ela dá prioridade ao mercado e um papel inferior às relações não-mercantis e não-monetárias.

o A economia não-mercantil. Essa é a economia na qual a responsabilidade primordial pela circulação de bens e serviços fica na jurisdição do bem-estar estatal. Aqui, o setor público é sujeito a regras inatas de autoridades públicas que, por sua vez, são sujeitas a controles democráticos e redistribui recursos.

o A economia não-monetária. Essa é a economia na qual a circulação de bens e serviços depende primariamente da reciprocidade. Embora seja verdade que um certo número de relações recíprocas adotein formas monetárias - como doa- ções - é, de fato, dentro da economia não-monetária que se observa o principal efeito da reciprocidade - na forma de autoprodução e de economia doméstica.

A empresa sockde os trêspólos econômicos

Como já mencionado, uma empresa social cristaliza-se em torno de um projeto que fornece serviços para a comunidade graças a sua habilidade de mobilizar capital social. A mobilização de capital social é baseada em relações recíprocas desenvolvidas na esfera pública. Portanto, as origens da empresa social são apoiadas por "normas de reciprocidade e redes de engajamento cí~ico".~' Após sua fase inicial, a empresa social é fortalecida por sua capacidade de longo prazo em ligar, de várias maneiras, depen- dendo de cada organização, os três pólos da economia. De acordo com um conceito plural da economia e com uma inetodologia de tipo ideal, é possível argumentar que a capacidade de sustentar uma empresa social, de acordo com sua lógica inicial, pressupõe uma capacidade de continuamente misturar os três pólos da econo- mia para que siruam ao projeto. Embora empresas sociais sejam especializadas em mobilizar doações e voluntários, elas podem utilizar relações de mercado ven- dendo seus serviços e relações redistribuidoras candidatando-se a financiamentos do governo. Isso não significa que empresas sociais misturam partes iguais de recur- sos mercantis, não-mercantis e monetários; isso apenas quer dizer que o hibridismo é uma estratégia de consolidação para empresas sociais cuja identidade já esteja formada. A complement.dridade entre as relações monetárias e não-monetárias em uma empresa social garante a autonomia de seus serviços - uma autonomia baseada em múltiplas relações - e sua viabilidade econômica. O hibridismo não apenas s igd - ca confiar em três tipos de relação econômicas mobilizadas em um longo período, significa também balancear de maneira consistente essas relações econômicas por meio de negociações entre os parceiros com vista aos objetivos do projeto. Dessa

41 Kobert Putnarn, Making democracy work. Civic traditions in modem Italy, op. cit., p. 171.

184

Empresas sociak: Rumo a uma aborliagem teórica

forma, contrasta com a abordagem adotada anteriormente, quando era possível fi- nanciar o objetivo da utilidade social primariamente por meio de redistribuição.

A hibridização também significa que as três economias estão trabalhando juntas e não isoladas umas das outras. Isso ajuda a explicar a criação de benefícios coletivos. Por exemplo, o papel exercido pelas relações redistributivas e recíprocas podem ser explicados pela dimensão do serviço comunitário. Em outras palavras, a presença de benefícios coletivos torna ineficientes as finanças baseadas no mercado. Os mecanis- mos de mercado podem nunca internaiizar externaiidades coletivas ou questões de igualdade, a intervenção do estado é então justificável. Mas, a natureza intrinsecamente padronizada das ações do governo e sua dependência do processo politicamente instituído significam que ele é limitado em suas habilidade em identificar demandas em andamento e em responder de maneira nova. Teóricos das organizações sem fins lucrativos destacam que uma vez que essas organizações tiveram um contato mais próximo com as novas demandas sociais e que são autônomas, elas exercem um papel especial na inovação social, respondendo rapidamente a tais demandas.42

Os voluntários e doadores de uma empresa social estão, portanto, na posição de introduzir inovações. Ainda assim, as associações têm limitações intrínsecas, tais como ter de mobilizar recursos voluntários, algo que o subsídio do Estado pode ajudar a superar. Salamon chama essa limitação "complemento Mantrópico". Outras limitações incluem a tendência de apoiar grupos ou causas específicas - "pluraiismo Mantrópico" - e o fato de que certos indivíduos podem determinar que serviços serão oferecidos já que são a fonte dos recursos - "paternaiismo filantrópico". A sustentabilidade e o futuro crescimento da empresa social estão ligados ao reconhecimento por fontes de financia- mentos do governo de que a empresa social contribui distintamente para a comunida- de em termos de serviço que outras formas de empresas falharam em prover.

A questão aqui é a maneira como a empresas social distingue-se de outras empre- sas. Não é apenas o desenvolvimento de novas combinações de fundos privados e públicos que a caracteriza; é a mobilização do capital social, por meio de relações recíprocas, em torno de um projeto cujo objetivo integra a dimensão do serviço comu- nitário, que é o que legitima a empresa social em seu princípio.

Essa dimensão do serviço à comunidade capacita a empresa social a criar um ambiente de relações recíprocas de apoio - na forma de envolvimento - e a controlar certos custos. Com a finalidade de tornar híbrido, de várias formas, os três pólos econô- micos, as empresas sociais procuram usar cada um desses tipos relações consistentes com a lógica de seus projetos. Além disso, essa hibridização é desenvolvida nas esferas públicas de importância primária quando se trata de mobilizar ou gerar capital social.

42 Lester Salamon, "Of market failure, voluntary failure, and third party of government relations in the modem welfare State", Joumal of Voluntary Action Kesearch, Vol. 16, n 2, 1987, pp. 29-49.

Jean-Louk Laville & Marthe Nyssens

Hibridização como resistência ao isomorJsmo institucional

Finalmente, a credibilidade e a durabilidade das empresas sociais derivam de sua habilidade em estar constantemente enraizada na perspectiva de uma economia solidária e civil. Em outras palavras: para ser relevante para sua economia, a ativida- de deve ser imbuída de solidariedade, nos princípios de justiça e igualdade. Iniciati- va e solidariedade estão apaziguadas quando indivíduos se unem voluntariamente para realizar uma ação conjunta que cria atividade econômica e empregos, enquan- to forjam simultaneamente uma nova solidariedade social e reforça a coesão social.

Experiências com iniciativas na economia social têm mostrado que se, com o tempo, os traços distintos que caracterizam essa "terceira força" forem diminuídos, as iniciativas tendem a se desviar em direção do isomorfismo instit~cional.~~ Algumas cooperativas gradualmente passam a se assemelhar a outras formar de empresa na economia de mercado.44 De forma semelliante, certas sociedades de benefícios múl- tiplos, por meio de sua integração no sistema de bem-estar social, têm se tornado cópias virtuais das organizações da administração pública. Com um grau significativo, essa trajetória reflete a reorientação de sua missão original.

Enquanto o papel da empresa social na descoberta de demandas sociais e intro- dução de práticas inovadoras deve ser reconhecido, um financiamento assumido pelo governo pode sugerir que as relações recíprocas vindas das mobilizações de capital social podem desaparecer com o tempo. Para evitar tal evolução, a produção de exter- nalidades coletivas, associadas com aprestação de certos serviços, pode ser levada em conta pela introdução de novas formas de políticas de redistribuição, das quais as empresas podem se beneficiar num contexto mais competitivo. Por meio de políticas ativas, todas as empresas podem ser encorajadas a reintegrar trabalhadores margi- nalizados pelo mercado de trabalho.

Ainda assim, mesmo que os governos provejam financiamento para a produção de bens coletivos, a experiência mostra que o engajamento cívico e a mobilização de

43 Para a iioção de isomorfismo institucional, cf. Paul Di Maggio e Walter Powell, "The iron cage revisited: Institutional isomorphism and colective rationality in organizational fields", American Sociological Reuiew, Vol. 48, abr 1993; Bernard Enjolras, "Associations et isomorphisme institutionnel", Reme des Etudes Cooperatives Mutuulistes et Associatives, Vol. 75, n. 261, 1996.

44 Dito isso, deve-se notar que elas geraram discussões dentro do movimento cooperativo produti- vo, levando à adoção do seguinte texto em seu Congresso Lille, de outubro de 1997: "o movimento cooperativo trabalhará segundo um status específico baseado na imagem das cooperativas sociais italianas, refletindo um novo espírito de parceria entre usuários, voluiitários e trabalha- dores assalariados".

Empresas sociais: Rumo a uma abordagem teórica

recursos recíprocos continuam centrais para a criação de certos bens coletivos. Em- presas sociais, por meio de mobilização de voluntários e de redes sociais, têm uma habilidade específica de fortalecer o capital social. Da mesma forma, se os depositários - voluntários, usuários e trabalhadores - envolvem-se, isso pode gerar um capital de sólida confiança, o que é fundamental para certos serviços. Essa é a maneira de conter comportamentos oportunistas, que, possivelmente, surgiram em decorrência da administração da empresa social, deixando-a vulnerável às incertezas da econo- mia de mercado, já que sua interação com as políticas públicas a deixa dependente dos fundos de redistribuição.

Conclusão

A abordagem teórica que propusemos aqui, como aquela apresentada pela econo- mia neo-institu~ional,~~ analisa, a princípio, as instituições econômicas existentes. Ao mesmo tempo, vai além do funcionalismo, o qual, baseado no critério de eficiência relacionado à redução de custos de transações, observa instituições existentes como as únicas possíveis. Para evitar naturalização ou a "absolutização" das instituições exis- t e n t e ~ ~ ~ em tais análises é preciso entender sua origem, o que demanda uma análise sociológica, histórica e legal.47

Claramente, as análises das empresas sociais não levantam apenas um modelo de propriedade, mas destacam o fato de que elas são administradas por depositários e não por investidores. As empresas sociais tomam como seu ponto inicial a mobilização de capital social em torno de um projeto cujo objetivo inclui a dimensão do serviço comunitário. Algumas características estruturais podem refletir essa dimensão de servi- ço comunitário como o confinamento aos fins não lucrativos ou o limite a distribuições do superávit e o desenvolvimento da propriedade em forma de múltiplos depositários.

A busca por benefícios coletivos permite formas específicas de mobilização social como o envolvimento de voluntários, doações e o desenvolvimento de parcerias locais. Em outras palavras, projetos econômicos emergem das relações de recipro- cidade na esfera pública. Os depositários dos projetos envolvem-se por acreditarem que, ao criar benefícios coletivos para outros atores ou para a sociedade como um todo, estarão ajudando a democratizar as relações econômicas. Uma das forças

45 Como tipificado por Oliver Williamson, Markets and bierarcbies, Nova York, Free Press, 1975..

46 De acordo com o termo empregado por Bernard Barber, "AI1 Economies Are Embedded: The Career of a Concept, and Beyond", SocialKesearcb, Vol. 62, n. 2, summer 1995.

47 Para uma visão crítica da economia neo-institucional desenvolvida neste argumento, cf. Mark Granovetter, "Economic action and social structure: The problem of embeddedness", Ameri- can Joumal of Sociology, Vol. 91, n. 3, 1985.

motoras por trás de seu compromisso deriva de seu desejo por benefícios coletivos. O empreendimento cívico e social intrínseco às empresas sociais é caracterizado tanto por esse traço como pelo clamor por liberdade administrativa que pode distanciá-las da propriedade do governo ou dos depositários.

Além dos subsídios dos consumidores e do quase-mercado por meio do qual uma parte delas e outros tipos de empresas obtêm fundos, o destino das empresas sociais depende de sua capacidade de segurar seu financiamento de redistribuição para ga- rantir a produção de bens coletivos. Sua trajetória é independente das políticas públi- cas. Por essa razão, a questão do futuro das empresas sociais continua em aberto.

O processo pelo qual elas são institucionalizadas procura fazê-las cada vez mais autônomas evitando dependência de apenas uma fonte e permitindo que elas dedi- quem-se aos objetivos dos projetos iniciais. Mas para fazer isso, elas devem confrontar a questão do capital social sustentável e conseguir isso com a mobilização de fundos obtidos via receitas vindas da redistribuição e da conquista de financiamento de merca- do financeiro consistente! hn resumo, a tensão entre isomor&smo institucional e autono- mia baseada em liibridização econômica tripolar é uma característica da empresa social.

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