Enfrentamento 9 - completa

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enfrentamentomovimento autogestionrioDe toda a riqueza que j produzi nesta vida, s me restou isto que agora se apresentam aos seus olhos.stes tas Des das, de lmas e a rrota tas mar d s de , des m m mo tristes rotou u nchera s b e olho das j lhures s. cera s que a arriga dila eza as b riqu outr

Quando a terra se torna propriedade e as riquezas pertencem a quem no as produziu, o resultado so estes rostos machucados que aqui podem ver.

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E o estado no passa de um comit para gerir os assuntos dos empresrios, latifundirios e exploradores.

Explorad@s e oprimid@s de todo o mundo, unemo-nos!

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9

expedienteissn 1983-1684

A revista Enfrentamento uma publicao do Movimento Autogestionrio. Seu contedo est vinculado perspectiva revolucionria autogestionria e intenta colaborar com a luta das classes e grupos oprimidos de nossa sociedade. O contedo dos textos de responsabilidade exclusiva de quem os assina e no expressa, necessariamente, a concepo do conselho editorial ou do movimento. Textos devem ser enviados para o endereo eletrnico [email protected]. Os textos devem ser enviados em preferencialmente formato .rtf, podendo ser em .odt ou .doc, com o mximo de 10 pginas. As margens devem estar formatadas com 2cm. Fonte Times New Roman 12 para corpo do texto, 11 para citaes maiores de 3 linhas e 10 para notas. O espacejamento deve ser de 1,5. Citaes no corpo do texto devem vir entre aspas e grifo em negrito. O corpo editorial publicar os textos que considerar coerentes com a perspectiva do movimento. Corpo Editorial Hugo Leonnardo Cassimiro Jos Nerivaldo P. da Silva Lucas Maia

Projeto grfico e diagramao Hugo Leonnardo Cassimiro

Os retirantes, (1944) Cndido Portinari Coleo MASP Intervenes na Arte com frases inspiradas em Marx por Hugo L. Cassimiro e Lucas Maia.

enfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

sumrio

editorial proletariado e sindicato na concepo de anton pannekoekedmilson marques

03 05 17

burocracia e intelectualidade: a dinmica da luta de classes no capitalismomateus vieira rio

a importncia de antonio labriola para o materialismo histriconildo viana

27 42 58

acumulao capitalista e tendncia lumpemproletarizaolisandro braga

autogesto social e lutas sociaisleonardo venicius parreira proto

o incio de um ciclo ascendente de lutas e o movimento dos 74 desempregadosroi ferreiro

uma nota sobre o movimento autogestionriolucas maia

88 99

documentos do movimento autogestionriomovimento conselhista

partido ou classe?

enfrentamento. Ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

editorial

No vamos aqui, nesta rpida introduo, apresentar, como de praxe, texto por texto. Deixamos a tarefa de conhecer o contedo de cada uma das contribuies aqui publicadas ao leitor. Consideramos, todavia, necessrio refletir um pouco sobre estes j cinco anos de existncia de nossa Revista. A Enfrentamento surge com o propsito claro de expressar de forma rigorosa, as concepes polticas e tericas do Movimento Autogestonrio. Uma anlise do contedo de todos os nmeros j publicados revela nossa evoluo positiva nesta direo. Quem quiser conhecer melhor o Movaut tem sua disposio um conjunto de textos que expressam bem o que este Movimento. Naturalmente que autores que no so organicamente ligados ao coletivo podem publicar e j publicaram nesta revista. Mas s o fazem se os textos estiverem em consonncia com os princpios, concepes do Movimento autogestionrio. Sendo este o objetivo fulcral de nossa Revista, ou seja, um veculo de expresso terica de nossas concepes, tambm uma ferramenta de divulgao de autores, coletivos, movimentos etc. que j lutaram pela Autogesto Social. Recuperar a obra e memria daqueles que lutaram pela emancipao humana uma tarefa necessria e a internet contribui muito para isto. Recuperar e divulgar a obra de autores revolucionrios no significa entroniz-los e canoniz-los. Pelo contrrio, entendemos que a leitura crtica de nossos antecessores nos permite avanar em termos de compreenso do que hoje nos afeta. O que eles disseram para ns somente o ponto de partida, nunca a palavra final.enfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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Tambm meta desta revista interpretar e analisar os movimentos histricos empreendidos pela classe trabalhadora ao longo de sua histria de lutas. Realizar tal anlise partindo da perspectiva do proletariado uma necessidade urgente, visto as interpretaes dominantes geralmente obscurecerem o carter proletrio de um conjunto de movimentos que j alvoreceram nestes poucos sculos de existncia da sociedade moderna. Assim, esperamos sinceramente que os leitores tenham, com mais este nmero, um conjunto de aportes para a compreenso das tendncias revolucionrias, das obras de alguns autores que contriburam para isto, dos coletivos que lutaram e lutam nesta direo etc. Pois, diante da barbrie e do tdio da vida moderna, somente o Enfrentamento realista.

Conselho Editorial

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enfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

proletariado e sindicalismo na concepo de anton pannekoekedmilson marques** Professor dos cursos de histria e economia da Universidade Estadual de Gois. Doutorando em histria pela Universidade Federal de Gois.

O proletariado de todo mundo convive com diversas questes que lhe proporciona descontentamento na sociedade. A relao de opresso e explorao estabelecida no seu local de trabalho desponta como a questo principal; onde diariamente despende um determinado tempo para se dedicar produo, ao trabalho alienado, penoso e desgastante, em busca de um salrio que lhe possibilite a sobrevivncia. Com o passar dos anos, depois de muito tempo despendido e muito trabalho realizado, percebeu que a sua situao continuou a mesma, enquanto a de seu patro alterou-se consideravelmente, ficou mais rico e mais poderoso diante dele. Em determinados perodos, o descontentamento com a forma de trabalho estabelecido no capitalismo provoca uma reao inesperada dos trabalhadores que se levantam diante dos capitalistas exigindo destes melhores salrios, jornadas de trabalho mais curtas e melhores condies de trabalho. Com o desenvolvimento do capitalismo e perante a histria da relao do proletariado com os capitalistas, as classes exploradas perceberam que aquelas exigncias (melhores salrios, jornadas mais curtas de trabalho e melhores condies de trabalho) embora sejam uma forma de luta contra o capitalismo, acabam sendo um limite instransponvel da situao de classe que a mantm como classe explorada nesta sociedade, caso mantenha estes como nicos objetivos a serem atingidos. quando tomam para si a tarefa fundamental de se unirem e lutarem pela transformao do modo de produo capitalista, da sociedade capitalista, no sentido de colocar em seu lugar um modo de produo gerido pelos prprios trabalhadores, objetivando criar assim a sociedade autogerida por eles mesmos, e no mais, lutarem somente peloenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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salrio, jornadas mais curtas de trabalho e melhores condies de trabalho, mas sim, pelo fim do salrio, o fim da jornada de trabalho estabelecida pelo capital e o fim do trabalho estabelecido no modo de produo capitalista. atravs da luta travada contra os capitalistas que a classe operria descobriu as vrias formas de organizao que lhe serviram de instrumento fundamental para alcanar seus fins. E foi em consequncia disso, principalmente em perodos onde esta luta toma um carter radical e mais claro, quanto determinao fundamental que a faz emergir, que despontam os tericos que sistematizaram o processo de avanos e recuos da luta do proletariado e evidenciam o carter das organizaes que sugiram. Durante a segunda metade do sculo XIX, Marx e Engels se encarregaram de dedicar aos estudos e reflexes do movimento operrio e sistematiz-los para servirem de instrumentos de luta para o proletariado. Depois destes, outros surgiram e seus escritos (de Marx e Engels) se tornaram fundamentais para o avano terico do que veio a ser produzido posteriormente a eles. Mas foi acompanhando o desenvolvimento do capitalismo e da luta do proletariado que ocorreu, concomitantemente, o avano da luta no campo da teoria. Este o caso da teoria desenvolvida por Anton Pannekoek. Paul Mattick, seu principal bigrafo, expressou que a vida de Anton Pannekoek coincide quase inteiramente com a histria do movimento operrio. Outros observaram que ele foi um dos principais tericos revolucionrios do sculo XX. Concordando com estas concepes que apontam a importncia das reflexes e o pensamento de Pannekoek para o movimento operrio que buscaremos compreender a sua concepo sobre qual a importncia dos sindicatos para a luta do proletariado, j que perdura at os dias atuais a idia de que esta organizao representa de fato os interesses das classes exploradas. Para Pannekoek, o sindicato surge como conseqncia da luta daenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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classe proletria, criado para ser o seu instrumento de luta contra os capitalistas, que no seu conjunto enquanto classe quem mantm o estado de coisas e a explorao existente no capitalismo. A reivindicao de melhores salrios, jornadas de trabalho mais curtas e melhores condies de trabalho levou o movimento operrio a avanar sobre o capital e exigir deste a efetivao de suas reivindicaes. A greve foi a resposta imediata e espontnea proveniente desta reivindicao, e fundamentalmente, o meio, enfim, encontrado pelos trabalhadores para a sua unio, para o enfraquecimento do capital, e o meio pelo qual dever utilizar para colocar fim a esta sociedade criada imagem e semelhana da burguesia, o capitalismo. Pannekoek coloca queDa greve nasce a solidariedade, o sentimento de fraternidade entre camaradas de trabalho o sentimento de unio com toda a classe: a primeira aurora do que ser, um dia, o sol da nova sociedade. A ajuda mtua, aparecendo primeiro sob a forma de coletas espontneas e benvolas, cedo toma a forma durvel dum sindicato (PANNEKOEK, 2007, p. 115).

Marx (1981, p. 09) j havia expressado concepo semelhante quando colocou que os operrios se unem para se colocarem em igualdade de condies com o capitalista para o contrato de venda de seu trabalho. Est a razo (a base lgica) dos sindicatos. Como colocamos anteriormente, Pannekoek percebe que os sindicatos surgem como instrumentos de luta da classe operria contra os seus exploradores. Nesse sentido, os sindicatos revolucionrios so o produto do perodo histrico do pequeno capital, onde os oligoplios ainda no haviam se formado, onde o estado ainda no regularizava a organizao sindical etc. (PANNEKOEK, Apud, MAIA, 2010, p. 31).enfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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O sculo 19 marca a sua investida sobre o capital e o sindicalismo emerge como resposta explorao. Segundo Pannekoek,Os trabalhadores tiveram de lutar a maior parte do tempo por si mesmos, para que as condies de desenvolvimento do sindicalismo fossem garantidas. Na Inglaterra, foi a campanha revolucionria do cartismo; na Alemanha, meio sculo mais tarde, a luta da social-democracia, que, impondo o reconhecimento dos direitos sociais dos trabalhadores, lanaram as bases do desenvolvimento dos sindicatos. [...] os trabalhadores j no so mais indivduos impotentes, obrigados pela fome a vender a sua fora de trabalho no importa por que preo. Esto agora protegidos pela fora da sua prpria solidariedade e cooperao, porque cada sindicalizado no s d uma parte do seu salrio para os seus camaradas, como est pronto a arriscar o seu prprio emprego, na defesa da organizao e da comunidade sindical (PANNEKOEK, 2007, p. 115).

Mas Pannekoek percebe que o sindicalismo no consegue por fim explorao capitalista, sociedade capitalista. Abolem os piores abusos de explorao e estabelece uma normalizao do capitalismo, ou seja, cria normas para a explorao a qual constrange a classe trabalhadora a aceitar o seu estado de explorado e a manuteno e reproduo do capitalismo. Assim, estabelece uma norma para os salrios, exigindo que os capitalistas paguem o mnimo necessrio para manter as necessidades vitais dos trabalhadores para evitar que sejam empurrados para a fome, para o desespero de procurar por eles prprios e com suasenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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prprias mos, resolver os problemas que lhes afligem. Estabelece uma norma para a jornada de trabalho, evitando que os trabalhadores sejam explorados a tal ponto que esgotem suas foras e ainda reservem energia para continuar disposto ao trabalho. Pannekoek observa ainda que a burocracia estatal, com sua esperteza em criar estratgias para a reproduo do capital, cria uma regulamentao (leis trabalhistas, legislao sindical etc.) que domesticam a organizao sindical, transformando-os em mais um rgo para o controle da classe operria. Nesse sentido ele expressa queAlguns patres menos espertos no compreendem isto, mas os seus chefes polticos, mais avisados, sabem muito bem que os sindicatos so um elemento essencial ao capitalismo, e que, sem esta fora reguladora que so os sindicatos operrios, o poder capitalista no seria completo (PANNEKOEK, 2007, p. 117).

Assim, de instrumento de luta do proletariado contra o capitalismo, os sindicatos so transformados em rgos do capitalismo para a explorao e controle dos trabalhadores. A partir da, os prprios capitalistas comeam a se organizar em sindicatos patronais. Pannekoek ressalta que o dinheiro que os sindicatos operrios gastam nas greves no se torna preo contra o poder gigantesco dos sindicatos patronais. Os sindicatos operrios comeam a temer a luta contra os capitalistas, e para evitar que estes cessem de lhes repassar o dinheiro que os mantm, fazem concesso e sucumbem ao seu poder. Pannekoek (2007) ressalta que nas negociaes, os delegados tm muitas vezes que aceitar uma degradao das condies de vida para evitar a luta. O proletariado, por sua vez, insiste na luta, sabe que s atravs dela poder atingir a liberdade, o fim da explorao sofrida noenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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capitalismo onde arrancada a sua fora de trabalho da qual emerge todo o poder do capital. Inicia ento, um desentendimento e conflito entre a classe explorada e os dirigentes sindicais. Estes ltimos passam a frear aqueles temendo a reao capitalista, com o objetivo de manter seus privilgios. Aqueles primeiros percebem a direo sindical no mais como rgo de expresso de sua luta, mas sim, um rgo capitalista, a burocracia sindical, um inimigo que desde ento, deve ser destrudo para alcanar a sua libertao. Pannekoek coloca queEstes burocratas sindicais, especialistas, preparam e organizam todas as atividades; ocupam-se das finanas e dispem do dinheiro em todas as ocasies; publicam a imprensa sindical, graas a qual podem difundir e impor as suas prprias idias e pontos de vista pessoais aos restantes filiados (PANNEKOEK, 2007, p. 118).

O autor ainda observa que os sindicatos se transformam cada vez mais em gigantescas organizaes, cuja estrutura interna expressa a mesma organizao interna do estado, com um corpo burocrtico estabelecido em divises hierrquicas tendo frente aqueles que decidem e falam por seus subordinados. No mais tomam decises levando em considerao as preocupaes e problemas inerentes s classes exploradas, mas decidem por eles tendo como referncias seus interesses pessoais respeitando a lgica capitalista com a preocupao de no contrariar o patro nem mesmo o estado, pois, se assim o fizer, corre-se o risco de perder seus privilgios e ser encarado como inimigo. Nesse sentido, prefere a amizade com o capitalista, com o estado, e a inimizade com as classes exploradas.

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O sindicalismo, portanto,No uma fora proletria e os sindicatos no so organizaes operrias e sim burocrticas, neste sentido no meio nem apoio para a transformao social e muito menos so as instituies da futura sociedade comunista, como pregam anarco-sindicalistas e sindicalistas revolucionrios. So instituies burguesas que agrupam mais uma frao da classe social burocrtica, a burocracia sindical (VIANA, 2008, p. 64).

Essa transformao essencial que ocorre com a organizao sindical tornou-se clara em perodos que a classe trabalhadora avanou sobre o capital, nos momentos de luta acirrada e aberta; perodos que o proletariado coloca em uso seus instrumentos de luta, suas armas; momento tambm que descobre novas formas e meios de luta e ao mesmo tempo, percebe quais instrumentos j criados ainda serviam para serem utilizados e quais deveriam ser inutilizados. neste momento que percebe que os sindicatos no mais faziam parte de sua luta e que deveriam ser desprezados como arma da classe trabalhadora, j que se tornou arma da burguesia. Para Pannekoek:Com o aparecimento da revoluo, assim que o proletariado, de membro da sociedade capitalista passa a seu destruidor, o sindicato entra em conflito com o proletariado. O sindicato torna-se legalista, sustentculo declarado do estado e por ele reconhecido, ou ento avana com a palavra de ordem a "reconstruo da economia antes da revoluo" quer dizer manuteno do capitalismo (PANNEKOEK, 2010a, p. 01).

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A aproximao entre sindicato e estado vai se estreitando de tal forma que a partir de determinado perodo da sua histria no mais possvel perceber diferenas entre organizaes sindicais e estado. A sua forma interna se apresenta como equivalente. Ambos se unem na busca pela manuteno da luta de classes e reproduo do capital. A burocracia partidria se torna presente nas organizaes sindicais e estas em determinados momentos se confundem com o prprio partido. Muitos dirigentes sindicais passam a integrar partidos polticos, e seus objetivos passam a ser a luta pelo poder do estado. Isso fica claro quando em momentos de greve, os dirigentes sindicais se aliam burocracia partidria e em muitos casos aparecem de mos dadas publicamente em palanques e mesmo nos bastidores das negociaes entre grevistas e seus patres ou entre grevistas e burocracia. Com isso, todas aquelas reivindicaes realizadas pelo sindicato na sua origem aumento de salrio, diminuio da jornada de trabalho e melhorias no trabalho revertida no seu contrrio; a posio do sindicato na sociedade mudou de lado e suas reivindicaes so realizadas tendo em vista os interesses do lado que agora representa, o lado da burguesia. Segundo Pannekoek:Os chefes das organizaes [sindicais], pela fora e pela mentira impem aos trabalhadores o trabalho pea e o aumento do horrio de trabalho: astuciosamente refinado na Inglaterra, onde esta burocracia sindical - da mesma maneira que o governo - d a impresso de deixar levar contra a sua vontade pelos trabalhadores, enquanto na realidade sabota as suas reivindicaes (PANNEKOEK, 2010a, p. 02).

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Pannekoek ainda observa que no alterando o quadro de funcionrios e dirigentes dos sindicatos que a sua fora contrarevolucionria pode ser enfraquecida e destruda. Isso quer dizerenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

que a sua essncia burocrtica, a de representante do capital, no cessar de existir. A falsa proximidade dos dirigentes sindicais com movimentos grevistas se d por uma questo simples: preciso garantir o apoio de determinadas fraes da classe trabalhadora para continuar sendo o intermediador da sua luta, consequentemente, para continuar tendo a primazia de frear o avano dos trabalhadores e impedi-los de desencadear uma luta aberta e direta com os patres e o estado.Os sindicatos se convertem em instrumentos de mediao entre capitalistas e trabalhadores; fazem acordos com os patres que intencionam os impor aos trabalhadores que resistem. Os chefes aspiram a converter-se em uma parte reconhecida do aparato de poder do capital e o estado que dominam a classe trabalhadora; os sindicatos se convertem em instrumentos do capital monopolista, por intermdio dos quais ditam suas condies aos trabalhadores (PANNEKOEK, 2010b, p. 4).

Nesse sentido, portanto, sem o apoio de uma frao da classe trabalhadora (as mais conservadoras e limitadas em termos de percepo da posio do sindicato), as assemblias e negociaes realizadas pelo sindicato em momentos de acirramento da luta so desacreditadas e perdem sua eficcia; sua posio se torna clara diante dos olhos dos trabalhadores, que so constrangidos cegueira pelos idelogos da burguesia. Enquanto recebe este apoio consegue uma certa garantia na continuao de sua atividade de intermediar a relao entre capitalistas e a classe trabalhadora, j que, se no o tivesse, seria facilmente deixado de lado numa greve. Acontece que o proletariado revolucionrio foi percebendo no processo de luta esta faceta conservadora dos sindicatos e estenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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claro que num momento de luta aberta, num perodo revolucionrio, tero que lutar e vencer o prprio sindicato. Pannekoek esclarece esta questo quando afirma que:A revoluo s pode vencer destruindo tal organizao, transformando por assim dizer radicalmente a forma da organizao, para construir qualquer coisa radicalmente nova: o sistema dos Conselhos. A sua instaurao capaz de extirpar e de eliminar no somente a burocracia estatal, mas tambm a dos sindicatos. [...] portanto, deve ser substituda por uma outra forma que revolucionria na medida em que permite aos trabalhadores decidir activamente por si mesmo sobre tudo (PANNEKOEK, 2010a, p. 02).

O proletariado foi tomando conscincia, portanto, que a libertao dos grilhes capitalistas s pode ser fruto de sua prpria luta, tomando em suas mos as decises e o caminho a seguir, mantendo em suas mos a direo da sua prpria luta.Que pretende dizer com: manter inteiramente nas suas mos a direo da sua prpria luta (ou, se preferirmos, dirigir eles prprios os seus assuntos)? Deve entender-se que toda a iniciativa e deciso emanam dos prprios trabalhadores (PANNEKOEK, 2007, p. 122).

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Para Pannekoek, o proletariado descobriu atravs de suas lutas outras organizaes que superaram e expressam de fato os seus interesses, e estas s foram descobertas pela necessidade de um instrumento de luta eficaz num momento em que o inimigo se colocava em sua frente impedindo-o de avanar; momento em que no poderia retroceder na luta e seguir lutando e avanando com oenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

objetivo de superao da explorao e controle que submetido pelos capitalistas. Portanto, toda forma de organizao que no permita aos trabalhadores:Dominar e dirigir o seu prprio rumo nociva e contra-revolucionria; por esta razo ela deve ser substituda por uma outra forma de organizao que seja revolucionria, por permitir aos prprios operrios decidir ativamente sobre todos os problemas (PANNEKOEK, apud GORTER, 1981, p. 31).

Surgem, portanto, os comits de greve, conselhos de fbrica, de bairro etc., milcias e outras formas de organizaes, atravs das quais emergem os conselhos operrios, rgo desenvolvido pelo proletariado que expressa, alm de sua capacidade organizacional e criativa, que os sindicatos foram superados e no mais so os instrumentos que lhe possibilite lutar contra o capitalismo. Enfim, Pannekoek oferece uma ampla, profunda e clara reflexo que nos possibilita perceber a face oculta existente em torno dos sindicatos na atualidade. A partir da sua concepo, observa-se a existncia de uma ideologia sindical, atravs da qual reproduz a idia de que os sindicatos continuam sendo a expresso mais eficaz da luta dos trabalhadores, e estes devem respeitar e agir conforme suas propostas e determinaes. Pannekoek ainda oferece elementos que possibilitam o avano do movimento operrio, quando deixa claro que num momento de radicalizao da luta, os trabalhadores devero avanar e romper com as organizaes sindicais, caso queiram de fato atingir seus objetivos, e no deixar que a sua luta seja controlada e dirigida pelos dirigentes sindicais, j que estes representam o interesse do capital. Pannekoek , portanto, um importante pensador representante de uma concepo que integrando a histria da luta do proletariadoenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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demonstrou de fato estar teoricamente expressando os interesses das classes exploradas; desenvolveu a teoria dos conselhos operrios e possibilitou o avano terico esclarecendo a face conservadora e contra-revolucionria dos sindicatos.

referencialGORTER, Herman. Carta Aberta ao Companheiro Lnin. In: TRAGTENBERG, Maurcio. Marxismo Heterodoxo. So Paulo: Brasiliense, 1981. MAIA, Lucas. Comunismo de Conselhos e Autogesto Social. Par de Minas: Virtualbooks, 2010. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Sindicalismo. So Paulo: Ched, 1980. PANNEKOEK, Anton. A Revoluo dos Trabalhadores. Santa Catarina: Barba Ruiva, 2007. PANNEKOEK, Anton. A Fora Contra-Revolucionria dos Sindicatos!. Disponvel em http://dominiopublico.qprocura.com.br/dp/667/a-forca-contrarevolucionaria-dos-sindicatos.html, acesso realizado em 21 de dezembro de 2010a. PANNEKOEK, Anton. Tesis Sobre La Lucha de La Clase Obrera Contra el Capitalismo. Disponvel em http://www.leftdis.nl/e/tesis.htm, acesso realizado em 21 de dezembro de 2010b. VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionrio. Rio de Janeiro: Achiam, [email protected]

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burocracia e intelectualidade:a dinmica da luta de classes no capitalismomateus vieira rio** Estudante do curso de Cincias Sociais da Universidade Federal de Gois.

A classe potencialmente revolucionria que necessita romper com o modo de produo capitalista e portanto romper com a diviso em classes sociais bem como com a dominao entre as mesmas encontra obstculos variados. Muitos deles impostos por intelectuais e burocratas, dada a influncia que estes exercem na dinmica do modo de produo. Com o avano tecnolgico e o aumento da explorao, cresce o nmero de trabalhadores que no produzem mais-valor, estes, por terem interesses diferentes dos trabalhadores produtores de mais-valor, exercem sua influncia em prol da manuteno de suas prerrogativas as quais so intrnsecas ao capitalismo. Este estudo trata da distino entre os interesses daqueles que so explorados e os interesses daqueles que possuem autoridade, influncia poltica e privilgios econmicos, como tambm de mecanismos existentes que atuam de maneira a conter o avano da luta de classes rumo igualdade social. Os movimentos de interveno social encontram diversas dificuldades em empreender reivindicaes que representem mudanas sociais efetivas no que diz respeito a romper com a dominao imposta pela burguesia aos explorados. Estas dificuldades possuem vrias origens, desde a disputa de interesses entre as classes sociais, as dificuldades impostas por intelectuais que insistem em conter a radicalizao, o poder de imposio que se encontra nas mos da burocracia, as dificuldades das classes exploradas em ter participao poltica ativa e o fetiche em torno dos partidos. A incorporao, por parte dos explorados, da ideologia neoliberal, juntamente com os ditames da classe dominante e suas classes auxiliares, atuam no condicionamento de interesses das classes exploradas que passam a defender ou legitimar de maneiraenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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ideologizada as imposies da burguesia. Compreendendo as dificuldades do movimento operrio em adotar estratgias que lhe proporcionem maior xito, dadas as diversas experincias realizadas no desenvolvimento do modo de produo capitalista, o progressivo aumento da explorao e as artimanhas adotadas pela burguesia para conter a luta operria, falamos ento nestas contradies nas reivindicaes populares tratando das incoerncias das manifestaes e as constantes retaliaes que sobrepem os valores ideolgicos desta sociedade desigual, enfatizando uma pseudo-liberdade, aos anseios de uma sociedade igualitria onde a liberdade de alguns no implique na escravido de muitos outros. No modo de produo capitalista, enquanto alguns trabalham outros desfrutam. A riqueza expressa no produto nacional lquido de um pas dissimula a fonte deste lucro que so os trabalhadores (MAKHASKY 1981). Enquanto aparece uma produo como comum a todos os habitantes de um pas alguns no tm parte na produo, apenas no consumo. Conforme a modernizao do modo de produo capitalista que, atravs da incorporao de novas tecnologias e da constante diviso e racionalizao do trabalho, aumenta a produtividade individual dos trabalhadores, de maneira que o tempo, que no advento da sociedade moderna onde as condies de trabalho eram bastante piores no que diz respeito segurana e qualidade de vida dos trabalhadores um trabalhador produzia determinada quantidade de mercadorias, hoje, com este mesmo tempo, um trabalhador produz muito mais mercadorias. Conclui-se ento que o lucro que o capitalista obtm de cada trabalhador passa a ser ento bem maior conforme o crescimento das foras produtivas. E isto significa que atualmente os proletrios esto sendo mais explorados, pois mesmo recebendo salrios maiores ou ampliando seus direitos (como frias, aposentadoria, limite de horas de trabalho, etc.) o salrio ganho atualmente proporcionalmenteenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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menor em relao quantidade de capital que o trabalhador produz. Ento se antes ele produzia, por exemplo, 100 mercadorias por ms e seu salrio mensal equivalia ao valor de 10 mercadorias (10%), hoje ele produz 1000 mercadorias e recebe o valor equivalente a 30 mercadorias que um valor superior ao anterior, porm proporcionalmente inferior (3%). Ao invs do aumento das foras produtivas resultar em um consumo maior para toda a sociedade de forma a distribuir o lucro, este mostra-se como um fundo de consumo das classes privilegiadas. O crescimento da explorao proporciona ento uma melhor manuteno da chamada sociedade cultivada. Esta sociedade cultivada, nos termos de Makhasky, compreende os consumidores do lucro nacional lquido, que so indivduos das classes privilegiadas, trabalhadores improdutivos no sentido de que no produzem mais-valor (professores, mdicos, juzes, etc.). Estas classes privilegiadas ento se apropriam do excedente de mais-valor que extrado da atividade produtiva daqueles que, na sociedade, produzem as mercadorias, que so elementares no modo capitalista de produo (MARX, 1985). Deste modo, os membros da sociedade cultivada no so tambm explorados como afirmam muitos defensores da ideologia da vanguarda presente em vrios tericos ditos marxistas. Aqueles que pregam que os intelectuais vivem somente de sua produo intelectual ignoram o fato de que esta classe no produz maisvalor. Neste sentido, os intelectuais no contribuem para o sustento material da humanidade e so, portanto, uma classe que se beneficia da explorao. O fato de um determinado trabalho ser considerado penoso ou til no quer dizer que o respectivo trabalhador esteja sendo explorado, que dele esteja sendo extrado lucro. O avano do capitalismo mostra-se inseparvel do crescimento da sociedade cultivada. Se a contradio entre a modernizao das foras produtivas e a pouca abrangncia do consumo no leva runa o modo de produo capitalista porque satisfaz interesses reais dos indivduos destas classes sociais queenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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passam ento a ter um nvel de vida burgus (MAKHASKY 1981). A intelectualidade historicamente ocupa uma posio de status na sociedade. Os intelectuais podem ser entendidos como uma classe social composta pelos indivduos dedicados exclusivamente ao trabalho intelectual. Esta classe que surge com a separao entre trabalho manual e trabalho intelectual, sempre obteve rendimentos acima da classe explorada e sempre esteve ao lado da classe dominante (VIANA 2006). O saber funcional acumulado, que maior nas classes privilegiadas, um instrumento de manipulao poderoso e confere maior eficcia ao discurso. O status dos intelectuais emprega a eles certa autoridade no sentido de que so tidos como indivduos que possuem um conhecimento mais prximo da verdade, o que lhes d o poder de hegemonia (VIANA 2003; 2006). Segundo Marx, citado por Viana (2006), os intelectuais passam a se dedicar ao trabalho intelectual e o produto do seu trabalho a ideologia. Uma vez produzida, a ideologia passa a legitimar as relaes sociais existentes, naturalizando-as. A luta do intelectual se d num sentido de uma partilha mais justa do lucro nacional em benefcio da sociedade cultivada, exprimindo os privilgios destas classes. Nestes termos, enquanto o proletariado considerar a classe de intelectuais como aliada, a dominao s poder ser percebida dentro dos limites dos interesses desta classe. E estes interesses se do no sentido de manter a contradio entre produo e consumo, mantendo os privilgios da sociedade cultivada com o argumento de que alguns indivduos possuem melhor disposio para o trabalho cientfico, artstico, administrativo, etc. restando aos outros o trabalho manual (MAKHASKI 1981). Os intelectuais se empreendem em uma luta para uma espcie de redistribuio mais justa do que produzido, mas a este interesse est intrnseco o modo capitalista de produo. Aenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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modificao na distribuio como proposto por alguns ditos socialistas nada mais que uma transferncia das atribuies que hoje cabem ao mercado para um Estado soberano onde persistem a propriedade individual e a estratificao social em classes, ou seja, reproduz a dominao (MAKHASKI 1981). O objetivo da luta proletria o fim desta dominao. Para o movimento operrio isso um ideal e um interesse de classe, uma luta contra a servido em favor da igualdade e da inexistncia de classes objetivando a emancipao do ser humano como um todo. E, desta forma, o ideal socialista proletrio oposto a este socialismo reproduzido por alguns intelectuais que pretendem apenas transformar um capital privado em capital estatal. Organizaes institucionais como sindicatos, partidos polticos, ONGs, entidades de representao estudantil, etc. caracterizam-se de imediato por sua burocratizao em que a complexidade dos regimentos, a formalidade e, muitas vezes, a existncia de algum constrangimento financeiro (como taxa de mensalidade ou mesmo investimento em formao intelectual) constituem obstculos para a participao ativa dos proletrios. Organizaes burocrticas tem como caracterstica a hierarquizao, um legado do sistema capitalista nelas reproduzido, ou seja, h a distino entre dirigentes e dirigidos. A burocratizao advm da idia de eficincia, uma necessidade das organizaes com pretenses polticas nesta democracia. H um presidente ou um ncleo diretor que compreende indivduos com condies de atuar de maneira mais ativa e, consequentemente, condies de ter hegemonia. Alm do qu, o indivduo proletrio, devido ao cansao, falta de tempo e menor formao intelectual, acaba tendo menos condies de participar ativamente de uma organizao poltica. Outro fator determinante para os objetivos destas organizaes a origem dos recursos que as financiam, podendo ser de empresrios, igrejas, ou do prprio governo, o que ocasiona em uma convergncia para os objetivos do patrocinador (VIANA 2003).enfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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Os indivduos das classes exploradas, que no possuem condies de se inserir no ncleo de deciso, acabam auxiliando as diretorias destas organizaes a alcanarem seus interesses, pois os proletrios tendo interesses condicionados pelos interesses dos diretores acabam legitimando as decises impostas de cima. A aglomerao de pessoas favorece os interesses do grupo intelectual que as est guiando por conferir a eles maior legitimidade. Os governantes so, deste modo, indivduos em possibilidade de exercer seus interesses legitimados pelo voto popular (VIANA 2003). Os indivduos que, dentro de uma organizao, conseguem status por demonstrarem maior saber funcional acabam se distanciando dos demais e, ao atingirem cargos distintivos dentro da organizao, assumem a posio de burocratas. A crescente burocratizao institui vnculos formais e imperativos que criam novas relaes sociais estabelecendo a burocracia como uma classe social. Os dirigentes das organizaes institucionalizadas acabam possuindo interesses divergentes aos dos demais integrantes do grupo pelo fato de estarem situados na burocracia e assim conservando os interesses referentes a esta classe. Quando um candidato assume o poder ou quando um indivduo adquire um cargo da burocracia estatal por meio de concurso, este sujeito passa a constituir a classe dos burocratas e, por este motivo, ele representa esta classe. Por isso uma iluso acreditar que um candidato eleito ir representar os interesses de operrios, camponeses ou outra classe que no a dominante, dado que a burocracia uma classe auxiliar classe dominante e os imperativos desta posio se fazem valer pela constante reafirmao da eficincia e pela imposio empresarial. Um representante da burocracia estatal incumbido de reproduzir as relaes hierrquicas que se supem serem mais eficientes ao desenvolvimento econmico esperado. A referida iluso constitui a ideologia daenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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representao (VIANA 2003) que motiva os diversos partidos polticos a adotarem discursos que preguem a defesa dos interesses da pluralidade de classes sociais. maneira da Revoluo Francesa quando a burguesia que, tendo conquistado seus interesses, torna-se reacionria (por temer a radicalizao do movimento proletrio) e alia-se nobreza (HOBSBAWM 1988) assim tambm, em um movimento de interveno social, os intelectuais e burocratas ao terem conquistado seus interesses na maioria das vezes meramente reformistas dada sua posio de classe tendem a conter as reivindicaes temendo a radicalizao do movimento, que significaria por em risco os privilgios de sua posio distintiva. Para um gerente de produo mais interessante que o movimento operrio ganhe somente um aumento salarial ao invs de ocupar a fbrica e promover uma greve de ocupao ativa, pois tal maneira de proceder o deixaria ao nvel dos trabalhadores comuns. Tudo isso faz com que aqueles que possuem algum privilgio proclamem, desde o incio, objetivos limitados. Estes objetivos podem ser a conquista de alguma melhoria subsidiria, alguma melhoria para a classe ou um grupo especfico de indivduos, pode ser simplesmente um interesse de divulgao eleitoral, ou ainda, os interesses, quaisquer que sejam, podem ser tambm suprimidos pelo recuo da movimentao em prol do ganho ou perda de indivduos que porventura receberam ou perceberam alguma proposta que os motiva a recuar, por exemplo: o aumento do salrio ou promoo de alguma liderana do movimento ou mesmo a ameaa de demisso ou corte de salrio. Na mesma linha de condicionamento de interesses esto as vrias palestras motivacionais, proferidas por intelectuais nas empresas, que j so comuns no dia-a-dia do operrio e tem o objetivo de destitu-lo de idias que contrariem os interesses do patro, incentivando os trabalhadores a serem racionais de acordo com os valores neoliberais. Estas palestras, bem como os inmerosenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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livros de auto-ajuda estampados nas fachadas das livrarias, tem o objetivo de manter o foco dos trabalhadores apenas no trabalho obstinado, idealizando este como meio nico de chegar felicidade que representa a ascenso social, melhor poder aquisitivo; abrindo portas para melhores relaes sociais, maiores oportunidades; enfatizando at mesmo que um indivduo que trabalha duro tem a possibilidade de trabalhar mais tranquilamente no futuro e at de ter empregados em decorrncia do novo leque de possibilidades que a sociedade moderna neoliberal possibilita a todos aqueles que so esforados em atingir seus objetivos. Estes indivduos obstinados passam ento a incorporar a ideologia do neoliberalismo e no se reconhecem como indivduos de uma classe que explorada por este sistema. Seus objetivos passam a ser ento a mobilidade de classe, o acesso a algum lugar privilegiado em que no haja sofrimento. E com isso a conduta revolucionria aparece como um desvio da conduta obstinada caracterizando-se como perda do foco principal que a ascenso social. Inmeras dificuldades dos movimentos surgem devido incorporao da ideologia burguesa e da fetichizao dos partidos. Em primeiro lugar, os indivduos percebem suas motivaes e possibilidades dentro dos valores burgueses, ou seja, ao invs de fazer a crtica eles incorporam estes valores e a partir deles constroem seus objetivos. Esta falsa conscincia aparece ento como uma camisa de fora ideolgica que possui a funo de condicionar os interesses dos indivduos. Em segundo lugar, os indivduos apenas vem possibilidades de participao poltica atravs dos partidos: quando se pensa em empreender algum movimento poltico pensa-se automaticamente em fazer isso via partido poltico institucionalizado. Ento muitas pessoas procuram os partidos polticos buscando a efetivao de seus interesses. Porm, o partido tem seus prprios interesses que so expresso dos interesses dos dirigentes dos partidos. Tanto partidosenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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polticos como sindicatos, entidades de representao estudantil, ONGs, etc. atuam como aglutinadores de indivduos interessados na mudana social. Porm isto acaba beneficiando a instituio em nome de seus dirigentes (VIANA 2003) A transformao para Marx advm da autogesto social. O partido que atrapalha deve ser combatido, pois impossvel caminhar com pessoas que tendam a suprimir a luta de classes. As organizaes institucionais acabam por dirigir o movimento ao invs de desenvolv-lo (VIANA 2003). O objetivo da luta proletria internacional a supresso da base de dominao moderna [...] (MAKHASKI, 1981) e muitas organizaes caem no erro de assumirem uma perspectiva que no a do proletariado e neste sentido uma perspectiva limitada, no revolucionria e, no mximo, paliativa. A organizao em instituies apenas refora o regime capitalista, pois as instituies caminham nas regras por ele formadas e assim ajudam a legitim-lo. Ento quando um movimento de esquerda conquista algum cargo da burocracia estatal por meio de partido poltico, a tendncia o desencanto de seus membros com a mudana social, pois so obrigados a se enquadrar s regras impostas pelo sistema. A perspectiva do proletariado, que uma perspectiva anti-ideologizante, vai contra a perspectiva dos intelectuais de redistribuio porque a esta est intrnseco a ideologia hierarquizante do talento, que confere legitimidade dominao daqueles que possuem o saber funcional. A emancipao das classes exploradas ento, tal como j dizia Marx citado por Viana (2003), s pode ser obra da prpria classe explorada, que nos termos aqui expostos o conjunto de trabalhadores produtores de mais-valor. As contradies existentes em meio s manifestaes populares s podem ser superadas por meio do avano da luta de classes. Os intelectuais que, contrariando os imperativos de sua classe, ultrapassam a barreira dos interesses individuais assumindo umaenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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postura crtica na perspectiva revolucionria, podem desenvolver teoricamente a conscincia de classe do proletariado articulando-a num universo conceitual, acrescentando novos conceitos e relaes conforme o desenvolvimento de novas experincias de luta. Sendo todas as diversas concepes polticas perpassadas pelo carter de classe, o marxismo (e deve ser unicamente) a expresso terica do movimento operrio (KORSCH, 2008; VIANA, 2008).

referencialHOBSBAWM, Eric J. A Revoluo Francesa in: A Era das Revolues. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. KORSCH, Karl. Estado Atual do Problema (Anticrtica) in: Marxismo e Filosofia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. MAKHASKY , Jan W. Socialismo de Estado in: TRAGTENBERG, M. (org.). Marxismo Heterodoxo. So Paulo: Brasiliense, 1981. Marx, Karl. A Mercadoria in: O Capital, livro 1, v.1. So Paulo: Nova Cultural. 1985. VIANA, Nildo S. A Intelectualidade como Classe Social in: Espao Acadmico. n. 63. Sine loco, 2006. ______. O Que Marxismo? Rio de Janeiro: Elo, 2008. ______ O Que So Partidos Polticos? Goinia: Germinal, 2003. 26

Este trabalho foi escrito para comunicao no I Simpsio Nacional Marxismo Libertrio: Perspectivas e Tendncias da Autogesto Social a se realizar nos dias 9, 10 e 11 de junho de 2010 na Universidade Federal de Gois no seminrio temtico 06, dia 09 de junho de 2010, Os intelectuais e Organizaes Sociais nas Sociedades Capitalistas. O trabalho foi apresentado com o ttulo Anacronismo nas Reivindicaes Populares. O ttulo foi modificado em decorrncia de sugestes recebidas durante a exposio, principalmente por Jos Santana da Silva, que atentaram ao emprego do termo anacronismo, que devido a sua significao, que remete a acontecimentos em desconformidade com a poca em que ocorrem, causava dificuldades de compreenso em de relao ao contedo do texto. Para a publicao na revista Enfrentamento foram realizadas algumas modificaes no texto, o ttulo atual foi sugerido por Lucas Maia.

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a importncia de antnio labriola para o materialismo histriconildo viana** Professor da Faculdade de Cincias Sociais da Universidade Federal de Gois; Doutor em Sociologia pela UnB.

A posio de Antonio Labriola (1843-1904) no interior do marxismo bastante complexa, embora ele tenha atuado no interior da social-democracia, ele no fazia parte de sua ala reformista, bem como no se aliou s suas incipientes tendncias de esquerda (representada por Rosa Luxemburgo na Alemanha, Pannekoek e os tribunistas na Holanda, entre outros). A sua morte antes de se clarear a diviso entre as posies reformistas e revolucionrias acabou dificultando a identificao de seu posicionamento poltico. A sua crtica Bernstein e outros representantes do reformismo so um indcio de que certamente ele se aliaria ao bloco anti1 reformista , sendo que seria difcil delimitar qual corrente no interior deste ele acabaria aderindo. O processo de adeso de Labriola ao marxismo foi, segundo dizem, lento e reflexivo. A sua correspondncia com Engels demonstra suas dvidas e hesitaes. Isto demonstra o carter reflexivo de tal adeso, bem ao contrrio de seu trajeto anterior, perodo em que seria muito influencivel pelas modas ideolgicas (SACRISTN, 1969), afirmao um tanto exagerada, mas que mostra sua indeciso entre as posies filosficas existentes. O filsofo e professor Antonio Labriola dedicou a maior parte dos seus escritos ao materialismo histrico, buscando desenvolver um autoesclarecimento e ao mesmo tempo superar as dificuldades que ele encontrava em tal concepo. Ele discordava em alguns pontos da dialtica engelsiana, que dos principais elementos de sua obra e que teve repercusso obra de Gramsci, e mostra notvel coincidncia com as obras Karl Korsch (1977) e com a obra clssica de juventude um na de de

1 Um indcio disto, alm das crticas a Bernstein e outros, sua crtica ao socialismo de Estado; melhor empregar a expresso socializao democrtica dos meios de produo do que propriedade coletiva, pois esta implica um certo erro terico e por isso que, de princpio, esta pe em lugar do fato real econmico a sua representao jurdica e ademais por que no esprito de mais de um, ela se confunde com o aumento dos monoplios, com a estatizao crescente dos servios pblicos, e com todas as outras fantasmagorias do socialismo de Estado, sempre renascente, cujo nico efeito aumentar os meios econmicos de opresso nas mos da classe de opressores (Labriola, s/d, p. 15).

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Lukcs (1989). Apesar da maioria dos analistas relacionar Labriola e Gramsci, a proximidade terica maior dele com Korsch e o jovem Lukcs. Obviamente que os trs autores (Gramsci, Korsch, Lukcs) so todos posteriores a Labriola, mas produziram suas obras sem leitura de suas obras, tomando conhecimento dela posteriormente, sendo que apenas Gramsci teve contato desde sua juventude com os escritos de Labriola. Porm, uma leitura rigorosa dos textos de Labriola e Gramsci mostra que este ltimo tinha algumas semelhanas com o primeiro, mas elas foram superestimadas, desconsiderando as diferenas profundas no plano metodolgico. Estas interpretaes seriam, como diria Labriola, verbalistas, pois a partir de determinadas palavras (filosofia da prxis, por exemplo) se cria uma identidade que no se encontra em seu contedo, mas apenas formalmente. Da mesma forma, o antieconomicismo presente em ambos os autores parecem idnticos se consideramos apenas o nvel formal, mas ao entender o fundamento da crtica e o que cada um prope para superar o economicismo, as diferenas se tornam visveis. As semelhanas entre Gramsci e Labriola so geralmente exageradas, pois o primeiro apenas se apropria de algumas idias do segundo, deslocando e alterando o significado. Os autores que tentam colocar um como continuador mais aprofundado do outro (SACRISTN, 1969) cometem equvocos de interpretao graves e alguns, apesar de certos equvocos, perceberam isso (VANZULLI, 2008). O vnculo entre Labriola e Gramsci2 foi prejudicial para a interpretao do primeiro, da mesma forma como ocorreu entre Marx e Lnin. A concepo de materialismo histrico e dialtico de Labriola bastante semelhante de Korsch e do Jovem Lukcs e bem distante da de Gramsci, representante do idealismo3. Assim, para entender a produo intelectual de Labriola necessrio no amarr-lo s concepes posteriores e sim partir do estudo do processo gentico de suas idias em suas prprias obras, procedimento que ele defendia de forma correta no caso da anlise das obras de Marx e Engels. A idia de autonomia do marxismo,enfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

2 o que se percebe, por exemplo, da leitura de Sacristn (1969) e outros, que passam a interpretar Labriola a partir de Gramsci e assim realiza uma confuso e se afasta de uma compreenso mais profunda do primeiro. 3 Uma leitura rigorosa (e crtica, ou seja, no dogmtica ou fetichista, que pensa que a afirmao no escrito o real, algo dado e pronto, ao invs de um produto social e histrico, o que significa cair no verbalismo criticado por Labriola, que no ultrapassa a superficialidade e no analisa o processo de gnese e significado dos termos no escrito) de Gramsci mostra sua inverso idealista da concepo marxista, como alguns partidrios dele chegaram a reconhecer (Lacasta, 1981).

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unidade entre ser e conscincia, totalidade, vnculo comunismoproletariado, entre outros aspectos, mostram as semelhanas entre os escritos de Labriola e as abordagens de Korsch e Lukcs. Sua divergncia com as verses predominantes de interpretao do marxismo chegava at as questes terminolgicas, pois ele propunha substituir mtodo dialtico por mtodo gentico e marxismo por comunismo crtico (LABRIOLA, s/d). Obviamente que a razo da divergncia terminolgica residia numa busca de diferenciao do marxismo em relao a outras concepes e, tambm, diferenciao poltica entre ele e as demais interpretaes, bem como esclarecer a novidade e autonomia do marxismo. Desta forma, Labriola no s pensou o marxismo de forma nodogmtica, questionando Engels, por exemplo, como apresentou teses e anlises que contribuem para resgatar elementos do marxismo e abrir caminho para o desenvolvimento do materialismo histrico. Assim, nada mais natural do que o reconhecimento de Karl Korsch de sua importncia para o materialismo histrico:A importncia de Labriola no consiste somente em ser o melhor intrprete do mtodo marxista, particularmente de seus fundamentos metodolgicos e filosficos, e ser ao mesmo tempo um hegeliano radical. H outras duas razes pelas quais ele importante: Labriola se coloca em um ponto de vista histrico fundamental. Em certo sentido o ltimo marxista ortodoxo verdadeiro (KORSCH, 1979, p. 131).

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Labriola fornece uma contribuio importante ao desenvolvimento do pensamento marxista ao buscar explicar a gnese do socialismo moderno. Ele desenvolveu isto no seu ensaio Em Memria do Manifesto Comunista (LABRIOLA, S/d). Segundo ele, o marxismoenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

no nasce imediatamente com o surgimento do proletariado, mas quando esta classe se torna forte o suficiente para compreender a possibilidade e o sentido da mudana social. Labriola parte da idia de que o marxismo surge a partir do Manifesto Comunista, posio 4 controversa e dificilmente aceitvel e que justifica sua concepo do movimento operrio fortalecido como gnese deste escrito clssico. A gnese do Manifesto Comunista est expressa no prprio Manifesto, pois este, ao colocar em evidncia que o motor da histria a luta de classes e descrever as fases de ascenso da burguesia e do proletariado, colocando a necessidade de unio entre comunistas e proletrios, revela o segredo de sua prpria origem. Labriola, em Ensaios Sobre o Materialismo Histrico, oferece um questionamento das deformaes do marxismo. Ele crtica os verbalistas, aqueles que buscam explicar o materialismo histrico atravs da anlise das palavras que denominam tal concepo. Os verbalistas unem materialismo e histria derivando a concepo da palavra, retirando-a do contexto e sem se remeter ao seu processo gentico na obra de Marx (LABRIOLA, s/d). Eles apresentam uma concepo metafsica de matria, tal como ela apresentada no domnio da fsica, da qumica e da biologia. Labriola recorda que o materialismo da concepo materialista da histria uma tentativa de reconstituir, no pensamento, a gnese e o desenvolvimento das relaes sociais no decorrer dos sculos. Labriola critica a concepo cientificista do materialismo, que, segundo ele, apenas revela o afastamento em relao ao marxismo. Esta percepo de Labriola fundamental e se aplica no apenas aos social-reformistas como Bernstein e Kautsky, os alvos de suas crticas, mas tambm aos seus futuros herdeiros russos (LNIN, Stlin, Trotsky), sendo que essa concepo de materialismo ser reproduzida por Lnin (1978) e seus seguidores. A crtica de Labriola ao economicismo remete ao problema da complexidade do mtodo dialtico e ao papel da categoria totalidade. Para ele, insuficiente apresentar o momentoenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

4 Uma leitura rigorosa (e crtica, ou seja, no dogmtica ou fetichista, que pensa que a afirmao no escrito o real, algo dado e pronto, ao invs de um produto social e histrico, o que significa cair no verbalismo criticado por Labriola, que no ultrapassa a superficialidade e no analisa o processo de gnese e significado dos termos no escrito) de Gramsci mostra sua inverso idealista da concepo marxista, como alguns partidrios dele chegaram a reconhecer (Lacasta, 1981).

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econmico, pois a histria deve ser tomada em sua totalidade, na qual, o caroo e a casca formam um todo nico (LABRIOLA, s/d). Disto decorre que preciso explicar, em ltima instncia, os fatos histricos pela estrutura econmica subjacente. A passagem de tal estrutura ao conjunto dos fatos histricos feita com a ajuda de um complexus de noes e conhecimentos que constituem as formas de conscincia social. A concepo materialista da histria um mtodo de pesquisa, um fio condutor (Marx) e no um esquema mecnico determinista (LABRIOLA, s/d), posio idntica a de Karl Korsch (1977). Apesar dos limites terminolgicos (economia ao invs de modo de produo, por exemplo), a concepo de Labriola expressa uma retomada da radicalidade do materialismo histrico perdida com a emergncia da social-democracia. Ele tambm, tal como Plekhnov (1989) na Rssia, no esquecendo as diferenas entre ambos, critica a doutrina dos fatores, que pensa uma diviso abstrata entre fatores econmicos, polticos, etc. Labriola ope a essa concepo restrita, oriunda da ampla gama de fatos existentes e da transformao destes em categorias autnomas, a concepo marxista, que seria uma teoria unitria da concepo materialista da histria. Segundo Labriola:Estes, em outros termos, quero falar dos fatores, nascem no esprito, como uma seqncia da abstrao e da generalizao dos aspectos imediatos do movimento aparente, e tem um valor igual ao de todos os outros conceitos empricos. Qualquer que seja o domnio do saber onde nasceram, eles persistem at que sejam reduzidos e eliminados por uma nova experincia, ou que sejam absorvidos por uma concepo mais geral, gentica, evolutiva ou dialtica (LABRIOLA, s/d, p. 114).

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Os fatores, nesta doutrina, so isolados, como se tivessem vida prpria, o que provoca a idia de ao recproca. Segundo Labriola, os fatores concorrentes, que a abstrao concebe, e isola em seguida, nunca se viu que agissem cada um por si, porque, pelo contrrio, eles agem de tal maneira que d nascimento ao conceito de ao recproca (LABRIOLA, s/d, p. 116). Aqui, novamente, se percebe a semelhana entre a concepo de Labriola e a crtica de Korsch e Lukcs s cincias particulares. Labriola diz que esta concepo de fatores nasce da abstrao e depois se solidifica e isola os fatores, dando nascimentos s diferentes disciplinas prticas. Segundo ele:Ora, com o nascimento e formao de tantas disciplinas, pela inevitvel diviso do trabalho, multiplicaram-se alm da medida os pontos de vista. certo que para a anlise primeira e imediata dos aspectos mltiplos do complexus social, era necessrio um grande trabalho de abstrao parcial: o que tem sempre por conseqncia inevitvel pontos de vistas unilaterais. isto que se pde constatar, duma maneira mais ntida e mais evidente que para qualquer outro domnio, para o direito e para suas diversas generalizaes, a compreendida a Filosofia do Direito. Em conseqncia destas abstraes, que so inevitveis na anlise particular e emprica, e pelo efeito da diviso do trabalho, os diversos lados e as manifestaes diversas do complexus social foram, de tempos em tempos, fixados e imobilizados em conceitos gerais e categorias. As obras, os efeitos, as emanaes, as efuses da atividade humana direito, formas econmicas, princpios de conduta, etc. foram como traduzidos e transformados em leis, em imperativos e em princpios, que permaneceriam colocados acima do prprioenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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homem. E de tempos em tempos se descobriu de novo esta verdade simples: que o nico permanente e certo, isto , o nico dado, donde parte e ao que se refere toda disciplina prtica particular, so os homens agrupados em uma forma social determinada por meio de laos determinados. As diferentes disciplinas analticas, que ilustram os fatos que se desenvolvem na histria, terminaram por fazer nascer a necessidade duma cincia social comum e geral, que torne possvel a unificao dos processos histricos. E a doutrina materialista marca precisamente o termo final, o cimo desta unificao (LABRIOLA, s/d, p. 117).

Aqui Labriola retoma Marx e explicita a crtica da diviso social do trabalho intelectual que caracteriza o pensamento marxista (VIANA, 2007). Claro que alguns problemas de linguagem esto presentes e alguns no se encontravam em Marx assim como no estaro presentes nas abordagens semelhantes de Korsch e Lukcs (a expresso doutrina, por exemplo, bastante utilizada na poca e que hoje mal vista, com exceo da rea do direito). Porm, devido ao isolamento de Labriola nessa poca, a sua retomada do verdadeiro sentido do materialismo histrico-dialtico fundamental. Ele mostra, o que se tornou muito mais comum posteriormente, que uma vez criadas e consolidadas as disciplinas cientficas, criase o hbito de procurar descobrir suas origens remotas em concepo anteriores:Tudo possvel para os eruditos, para os rastreadores de temas de teses, para os doutores iluminados. Assim como conseguiram construir a tica de Herdoto, a psicologia de Pndaro, a geologia de Dante, a entomologia de Shakespeare e a pedagogia deenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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Schompenhauer, assim poderiam a fortiori e com ttulo mais justo escrever sobre a lgica do Capital, e at construir o conjunto da filosofia de Marx, completamente especificada e dividida segundo as sacramentais rubricas da cincia profissional (LABRIOLA, 1969, p. 107).

Labriola no imaginava como isso se tornaria no s uma prtica comum como a ideologia dominante, e que seria popularizada pelos manuais das mais variadas cincias especficas, encontrando psicologia, economia, sociologia, etc., na antiguidade, por exemplo. O procedimento encontrar cincia particular onde esta ainda no existia e forjar seus precursores e criar sua tradio, custa da deformao de pensadores que nem imaginavam o tipo de pensamento que surgiria no futuro. Porm, Labriola tambm foi proftico no caso do marxismo, que at mesmo ganhou sua prpria lgica, a chamada lgica dialtica. No tardou a surgir livros sobre a lgica em O Capital e uma grande diversidade de obras 5 sobre lgica dialtica . Ou seja, ao invs de, como sugeria Labriola, entender o processo gentico da teoria de Marx em sua prpria organizao interna, passou-se a interpret-lo a partir das cincias particulares, tornando-o um socilogo, economista, etc., um representante de determinada cincia particular, embora de vrias, pois ele no cabia em uma s gaveta das cincias particulares, como disse Korsch (1977). Labriola destaca a questo das idias e assim retoma, novamente, o pensamento de Marx. Para ele, as idias no caem do cu, e nada nos vem pelo sonho (LABRIOLA, s/d, p. 122). As idias so constitudas socialmente e no produo arbitrria, concepo que seria absurda. Ele explicita, nesse momento, sua tese de que a conscincia trabalho:

5 Uma leitura rigorosa (e crtica, ou seja, no dogmtica ou fetichista, que pensa que a afirmao no escrito o real, algo dado e pronto, ao invs de um produto social e histrico, o que significa cair no verbalismo criticado por Labriola, que no ultrapassa a superficialidade e no analisa o processo de gnese e significado dos termos no escrito) de Gramsci mostra sua inverso idealista da concepo marxista, como alguns partidrios dele chegaram a reconhecer (Lacasta, 1981).

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As idias no caem do cu, e ainda mais, como todos os outros produtos da atividade humana, elas se formam em dadas circunstncias, na maturidade precisa dos tempos por ao de necessidades determinadas, graas s tentativas repetidas para satisfazer a estas, e pela descoberta de tais ou tais outros meios de prova, que so como os instrumentos de sua produo e elaborao. Mesmo as idias supem um terreno de condies sociais; elas tm sua tcnica: o pensamento , tambm, uma forma de trabalho. Despojar aquelas e este, ou as idias e o pensamento, das condies e do meio de seu nascimento e desenvolvimento, desfigurar-lhes a natureza e a significao (LABRIOLA, s/d, p. 124).

6 Note-se que aqui aparece a tese semelhante de Rosa Luxemburgo, Karl Korsch e Georg Lukcs, da necessidade de aplicao do materialismo histrico a si mesmo (Viana, 2008).

Isso promoveu, entre outras coisas, a prtica intelectual de tomar os indivduos como seres abstratos, separados dos laos histricos e necessidades sociais, procedimento realizado por um processo de abstrao particular, e, depois, transformados em categorias abstratas da psicologia individual que serviram para explicar todos os fatos humanos (LABRIOLA, s/d). Isso se aplica ao prprio marxismo, cuja origem est intimamente ligada ao processo das lutas de classes e da emergncia da conscincia terica do socialismo, o que o faz explicar a origem de seus prprios princpios, sinal de sua maturidade6. O materialismo histrico, se fundamentando na necessidade imanente da histria, aponta o desenvolvimento e o futuro da sociedade humana. A passagem da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade marca a constituio de uma livre associao de seres humanos que controlam seu prprio destino. Labriola destacou a funo revolucionria do marxismo. O marxismo no faz nem prepara as revolues, no o estadoenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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maior dos capites da revoluo proletria. O marxismo forma uma unidade com o movimento operrio, sendo a conscincia da revoluo e de suas dificuldades. A revoluo, por sua vez, produto de vrias lutas e formas de organizao. Segundo suas prprias palavras: O comunismo crtico no fabrica as revolues, no prepara as insurreies, no arma as sublevaes. Forma, certamente, uma coisa nica com o movimento proletrio, mas v e apia esse movimento na plena inteligncia da conexo que ele tem ou pode e deve ter com o conjunto de todas as relaes da vida social. Em suma, no um seminrio onde se forma o estadomaior dos capites da revoluo proletria; mas apenas a conscincia dessa revoluo e, sobretudo, em certas contingncias, a conscincia de suas dificuldades (apud. GERRATANA, 1986, p. 45).

O seu posicionamento o levou a entrar em polmica com Georges Sorel, Benedetto Croce, Masyrik e Bernstein. Sua polmica e seu posicionamento tm um sentido claro, pois sua concepo de marxismo, uma das mais avanadas neste perodo histrico, lhe colocava diretamente contra as simplificaes grosseiras da poca e contra as tentativas de fuso do marxismo com outras tradies filosficas (seja com o hegelianismo, tal como se v em Croce, seja com o kantismo, tal como em Bernstein, entre outros exemplos), pois ele destacava o carter crtico do marxismo e considerava o mtodo dialtico como um fio condutor (tal como Karl Korsch na Alemanha afirmar posteriormente) e no como umenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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modelo ou receita, o que j tinha sido recusado pelos fundadores do marxismo, ao afirmarem que sua concepo de histria no abstrata e modelar, sendo um mtodo de anlise e compreenso, princpios analticos que de forma alguma do, como a filosofia, uma receita ou um esquema onde as pocas podem ser enquadradas (MARX E ENGELS, 1982, p. 38). Alm disso, ele defendia a autonomia intelectual do marxismo, sendo uma concepo de mundo auto-suficiente e unitria, que no precisa de nenhum complemento de qualquer filosofia ou cincia. Esta tese, entre outras de Labriola, receber tratamento semelhante e mais aprofundado por Karl Korsch, em Marxismo e Filosofia (2008) e por Lukcs, em Histria e Conscincia de Classe (1989). A importncia de Labriola para o marxismo italiano e, principalmente, para o materialismo histrico, ainda est por ser avaliada. conhecida a leitura feita de sua obra por Gramsci e outros italianos (desde seu ex-aluno Benedetto Croce at os contemporneos), porm, nesses casos houve mais uma apropriao do que uma leitura rigorosa que expressasse ou aprofundasse suas teses. A herana de Labriola no contou com muitos herdeiros. Isso se deve a diversas determinaes, desde o carter crtico, a singularidade de sua interpretao do materialismo histrico naquele contexto histrico e sua oposio s tendncias dominantes de sua poca e perodo posterior, passando pela interpretao dominante do marxismo derivada delas e pela dificuldade de retomar o carter crtico-revolucionrio de sua obra. Por isso, as obras mais prximas de sua abordagem, a de Korsch e Lukcs, tambm sofreram crticas e ostracismo, principalmente o primeiro e o movimento de recuperao derivado das lutas sociais, tal como no esboo a partir de 1968, aps a ascenso das lutas operrias e estudantis, ou ento a partir de 1999, com a emergncia de novas lutas sociais. Labriola, no entanto, ainda ficaria esquecido at os dias de hoje. Isso reforado pela apropriao do seu pensamento na Itlia, ao fato de no estar ligado a nenhuma tendncia poltica diretamente, e os elementos jenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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aludidos acima. O autor italiano que mais se aproximava de um desdobramento de suas idias foi Rodolfo Mondolfo, que no s manteve, no caso italiano, uma leitura mais rigorosa de Marx e Engels (1956; 1967; 7 1964) , como superou e divergiu das tendncias dominantes, tanto o bolchevismo (1962; 1968), quanto o gramscismo (1967) e outras concepes (1956; 1967). Tambm manteve divergncias com Engels e realizou estudos sobre Feuerbach e manteve proximidade com Erich Fromm e Raya Dunaevskaya. Porm, o prprio Mondolfo no conseguiu uma grande ressonncia e as crticas superficiais de Gramsci (1988a; 1988b) obliteraram um interesse maior por sua obra. Assim, a obra de Labriola uma contribuio fundamental ao marxismo e para compreender sua histria e os poucos que reconheceram isso, no deixaram de ressaltar suas qualidades. Alm de Korsch, j citado, Franz Mehring, na Alemanha, pretendeu traduzir suas obras e o fez parcialmente e o qualificou como um dos melhores continuadores de Marx e Engels (apud. GERRATANA, 1975, p. 194) e Georges Sorel, em prefcio edio francesa, afirmaria que a publicao deste livro marca uma data na histria do socialismo (apud. GERRATANA, 1986, p. 11). Assim, o contexto histrico e as concepes vigentes posteriores ofuscaram um maior interesse pela obra de Labriola, apesar de seus sugestivos ensaios sobre o materialismo histrico, que anteciparam vrios desdobramentos posteriores. A maior profundidade de Korsch e Lukcs em algumas questes produto da poca e das condies sociais de emergncia das lutas proletrias, dando novo flego ao marxismo. Labriola retomou aspectos importantes apontados por Marx, dando-lhe maior ateno e provocando alguns aprofundamentos. Apesar de no ter aprofundado algumas questes importantes que levantou, sua releitura hoje se faz necessria, no s para produzir uma reflexo sobre o marxismo livre dasenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

7 Uma exigncia posta por Labriola e que ele tentou concretizar a leitura aprofundada dos autores do Manifesto Comunista: os escritos de Marx e Engels para voltar a eles, que os principalmente considerados foram alguma vez lido inteiramente por algum externo ao grupo dos amigos e adeptos prximos, isto , dos seguidores e intrpretes diretos dos autores mesmos?(Labriola, 1969, p. 40).

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interpretaes canonizadas e deformantes da tradio socialdemocrata e bolchevista como tambm para perceber os desdobramentos que realizou no que se refere ao materialismo histrico.

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acumulao capitalista e tendncia lumpemproletarizaolisandro braga** Historiador e Cientista Poltico; Professor de Histria Moderna e Contempornea da Universidade Estadual de Gois.

No captulo XXIII do volume 2 de O Capital- A lei geral da acumulao capitalista Karl Marx procurou demonstrar que no processo capitalista de produo de mercadorias h uma tendncia em promover uma acumulao ampliada de capital por um lado e por outro lado, h, tambm, uma tendncia simultnea em promover o crescimento ampliado da misria da classe trabalhadora. Segundo ele,a acumulao de riqueza num plo , portanto, ao mesmo tempo, a acumulao de misria, tormento de trabalho, escravido, ignorncia, brutalizao e degradao moral no plo oposto, isto , do lado da classe que produz seu prprio produto como capital (MARX, 1985, p. 210).

O propsito deste artigo recuperar a discusso terica que Karl Marx realiza nesse captulo, buscando compreender a lei geral da acumulao capitalista, suas tendncias e contratendncias e, ao mesmo tempo, utiliz-la para pensar o processo histrico de formao e ampliao do lumpemproletariado e sua dinmica na contemporaneidade. Para isso, analisaremos o lumpemproletariado luz de uma teoria das classes sociais, considerando-o uma classe social composta pelo exrcito industrial de reserva (desempregados, sem-teto, mendigos, subempregados, delinqentes, prostitutas etc.). Sendo assim, nossa anlise se distancia de algumas anlises dominantes e presentes nos discursos acadmicos e cientficos que busca compreender a sociedade a partir de uma dualidade abstrataenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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que afirma a existncia dos includos/excludos sociais e que, no fundo, no consegue explicar muita coisa, pelo contrrio, obscurece a totalidade das relaes sociais ao ocultar toda a complexidade envolta no processo de lumpemproletarizao que acompanha o desenvolvimento histrico de produo e reproduo do capitalismo e de suas classes sociais. Nesse primeiro momento, o objetivo resgatar a discusso realizada por Karl Marx sobre o processo de acumulao de capital e sua dinmica geradora de uma superpopulao relativa ou exrcito industrial de reserva. Na primeira parte deste captulo intitulada Demanda crescente da fora de trabalho com a acumulao, com composio constante do capital, o autor j apresenta o assunto geral da sua discusso, ou seja, da influncia que o crescimento do capital exerce sobre o destino da classe trabalhadora. Marx considera que a composio do capital e suas modificaes constituem os fatores mais importantes nessa investigao. Com o intuito de melhor compreender essa anlise, trilharemos o mesmo caminho do autor, reconstituindo seu pensamento. De acordo com ele, a composio do capital deve ser entendida a partir de uma dupla perspectiva: primeiramente ele faz uma anlise da perspectiva do valor na qual afirma que a composio orgnica do capital determinada pela proporo em que ele se reparte em capital constante (valor dos meios de produo) e capital varivel (valor da fora de trabalho), soma global dos salrios. Posteriormente, ele apresenta a perspectiva da matria, ou seja, como ela funciona no processo de produo. Nessa anlise, Marx afirma que cada capital se reparte em meios de produo (composio valor) e fora de trabalho viva (composio tcnica). A produo de capital (mais-valor convertido em lucro) formada por dois componentes existentes no processo de produo denominados de trabalho morto(matria-prima, maquinaria e tecnologia em geral) e trabalho vivoque consiste na fora de trabalho operria. O primeiro no tem capacidade de gerar valor eenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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apenas repassa seus custos durante o processo produtivo, j o segundo a nica fora geradora de capital, ou seja, acrescenta mercadoria mais do que o valor gasto na sua produo. Por isso esse capital extra denominado mais-valor. Sendo assim, aps um ciclo gerador de mais-valor, a burguesia tende a aplicar parte desse na expanso da produo o que implica necessidade de ampliao do mercado consumidor e maior demanda por fora de trabalho. Nesse sentido, ocrescimento do capital implica crescimento de sua parcela varivel convertida em fora de trabalho. Uma parcela da mais-valia transformada em capital adicional precisa ser sempre retransformada em capital varivel ou fundo adicional de trabalho (Ibid, 1985, p. 187).

Marx continua sua anlise constatando que, no sculo XIX, com o passar dos anos o nmero de trabalhadores ocupados cresce em relao aos anos anteriores e com isso chega-se ao ponto das necessidades da acumulao crescer alm da costumeira oferta de trabalho e assim tende a ocorrer um aumento salarial. Porm, independentemente do aumento salarial e da gerao de condies mais favorveis para a classe operria e sua multiplicao, isso em nada muda o carter bsico da produo capitalista. Em outras palavras, a explorao do proletariado em sua totalidade mantm-se a mesma, visto que essa explorao revela-se na extrao de mais-valor (sua lei absoluta) e no no preo do salrio, seja ele qual for. vlido ressaltar que o aumento salarial implica apenas na diminuio quantitativa de trabalho no-pago (mais-valor) que o trabalhador concede ao capitalista, no entanto, essa diminuio nunca pode ir at o ponto em que ela ameace o prprio sistema (Ibid, 1985, p. 192). A acumulao capitalista promove na mesma escala a ampliao da classe trabalhadora, visto queenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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A reproduo da fora de trabalho, que incessantemente precisa incorporar-se ao capital como meio de valorizao, no podendo livrar-se dele e cuja subordinao ao capital s velada pela mudana dos capitalistas individuais a que se vende constitui de fato um momento da prpria reproduo do capital. Acumulao do capital , portanto, multiplicao do proletariado (Ibid, 1985, p. 188).

Marx demonstra que esse processo, no entanto, tende a promover um decrscimo na acumulao. Isso significa que a partir do momento em que ocorre uma diminuio na acumulao, ocorre, do mesmo modo, uma diminuio da necessidade por fora de trabalho, ou seja, a desproporo que existia entre capital e fora de trabalho - razo do aumento salarial - desaparece (momentaneamente) e assim o processo de acumulao capitalista elimina seus prprios obstculos. Logo, o salrio volta a decrescer. Adverte-se, no entanto, que at aqui Marx analisava somente uma fase particular desse processo, ou seja, aquela em que o crescimento adicional de capital ocorre com composio tcnica do capital constante. Mas o processo ultrapassa essa fase (Ibid, 1985, 193). O crescimento absoluto do capital durante seu transcurso histrico reflexo da sua capacidade de ampliar o desenvolvimento da produtividade do trabalho social tornando-a sua principal alavanca de acumulao. A principal expresso desse crescente desenvolvimento da produtividade do trabalho advm do volume crescente dos meios de produo em comparao com a fora de trabalho, ou seja, no decrscimo da grandeza do fator subjetivo do processo de trabalho, em comparao com seus fatores objetivos (Ibid, 1985, p. 194). Nesse momento Marx j est tratando da mudana que a composio tcnica do capital (foraenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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de trabalho viva) sofre no decurso do desenvolvimento do modo de produo capitalista. Se na primeira fase de acumulao a multiplicao do capital representava multiplicao do proletariado, agora essa relao tende a se inverter, poisessa mudana na composio tcnica do capital, o crescimento da massa dos meios de produo, comparada massa da fora de trabalho que os vivifica, reflete-se em sua composio em valor, no acrscimo da componente constante do valor do capital custa de sua componente varivel (Ibid, 1985, p. 194).

Aqui j possvel perceber que no processo de desenvolvimento capitalista, a parte do mais-valor reconvertida na ampliao da produo via aumento do trabalho morto (maquinaria e tecnologia em geral) tende a ultrapassar significativamente o trabalho vivo ou o componente varivel da composio orgnica do capital (fora de trabalho) e, consequentemente, diminui a demanda por fora de trabalho aumentando o desemprego. Portanto,esse movimento no sentido de acrescer a parte das mquinas em relao fora-detrabalho, a aumentar a produtividade do trabalho, tende a diminuir a intensidade da demanda de fora-de-trabalho pelos capitalistas, tende, por conseguinte, a criar desemprego, no caso em que oferta de fora-de-trabalho pelos trabalhadores diminua tambm. O progresso tcnico, realizado em condies capitalista de produo, assim um fator de expulso de empregos pelo capital (SALAMA & VALIER, 1975, p. 86).

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Com essa mudana o capitalismo contrai uma tendncia a tornarenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

suprflua ou subsidiria uma parcela populacional significativa da classe trabalhadora que passa a ampliar o exrcito industrial de 1 reserva ou o lumpemproletariado . Vejamos melhor esse processo. Inicialmente a acumulao de capital aparece apenas como uma ampliao quantitativa, porm, percebe-se que ela realiza-se tambm numa alterao qualitativa ininterrupta de sua composio com ampliao crescente dos meios de produo, tais como maquinaria e tecnologia em geral, em detrimento da fora de trabalho empregada numa velocidade infinitamente maior do que a anteriormente existente. O resultado dessa alterao qualitativa apresenta-se da seguinte forma:a acumulao capitalista produz constantemente e isso em proporo sua energia e s suas dimenses - uma populao trabalhadora adicional relativamente suprflua ou subsidiria, ao menos concernentes s necessidades de aproveitamento por parte do capital (...) A populao trabalhadora produz, portanto, em volume crescente, os meios de sua prpria redundncia relativa. Essa uma lei populacional peculiar ao modo de produo capitalista, assim como, de fato, cada modo de produo histrico tem suas leis populacionais particulares, historicamente vlidas (MARX, 1985, p. 199-200).

1 O conceito de lumpemproletariado ser tratado aqui como equivalente ao conceito marxista de exrcito industrial de reserva, ou seja, categoria social formada pelos indivduos que se encontram alijados do mercado de trabalho e do mercado de consumo e, que, na contemporaneidade, formam os setores mais empobrecidos de desempregados, mendigos, semteto, prostitutas, delinqentes, subempregados etc.

Marx denominou essa populao trabalhadora suprflua de superpopulao relativa e a compreendeu como parte imprescindvel do funcionamento do modo de produo capitalista, poisela constitui um exrcito industrial de reserva disponvel, que pertence ao capital de maneira to absoluta, como se ele o tivesseenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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criado sua prpria custa. Ela proporciona s suas mutveis necessidades de valorizao o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acrscimo populacional (Ibid, 1985, p. 200).

Alm da funo de mo-de-obra disponvel para as necessidades do capital, porm nem sempre utilizada, e em grande quantidade na reserva, o exrcito industrial de reserva cumpre outra funo essencial no capitalismo que a de pressionar os salrios para baixo. Ele transforma-se, assim, numa das principais alavancas da acumulao capitalista uma vez que a oscilao dos salrios passa a ser regulada pelo movimento de expanso e contrao desse contingente populacional formado pelo exrcito industrial de reserva. 2 Ao contrrio da teoria populacional malthusiana que possui uma concepo abstrata e ligada aos interesses de classe da burguesia, a teoria da populao em Marx busca analisar a dinmica populacional no interior do modo de produo capitalista, poisA dinmica populacional no pode ser compreendida se extrada, arrancada para fora, do conjunto das relaes sociais nas quais emerge. Este pressuposto metodolgico ser seguido por Marx na sua teoria da populao, que , na verdade, uma teoria da dinmica populacional sob o capitalismo (VIANA, 2006, p.1011).

2 A lei da populao de Malthus se fundamenta na relao entre meios de subsistncia e aumento populacional (e isto gera sua explicao sobre as causas da fome e da misria). Segundo Malthus, a populao cresce em progresso geomtrica (2, 4, 8, 16...) e a produo de alimentos (meios de subsistncia) em progresso aritmtica (1,2,3,4...), o que geraria a escassez, a fome. Marx um severo crtico dessa concepo, opondo-lhe tanto a questo metodolgica quanto os seus equvocos tericos derivados de sua concepo metafsica, ligada a determinados interesses de classe (Viana, 2006, p. 1011).

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Segundo Marx, o exrcito industrial de reserva existe em diversas ocasies possveis e todo trabalhador o compe durante todo o tempo em que est desempregado parcial ou inteiramente. Esse exrcito de reserva ou superpopulao relativa possui trs formas: lquida, latente e estagnada. Nos grandes centros industriais modernos do sculo XIX, os trabalhadores constantemente eram oraenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

repelidos, ora atrados em maior proporo. Isso ocorre de tal forma que, mesmo em proporo decrescente em relao ampliao da produo, o nmero de trabalhadores ocupados crescia. Nesse caso a superpopulao existe em forma lquida (fluente). certo que a acumulao capitalista exige um nmero crescente de fora de trabalho, porm em proporo cada vez menor em relao ao capital constante. Por isso a indstria necessita de trabalhadores at sua idade adulta, todavia atingida tal idade o trabalhador se encontrava de tal forma exaurido que somente uma pequena parcela continuava sendo empregada enquanto maior parte demitida. Esta constitui um elemento da superpopulao fluente, que cresce com o tamanho da indstria. Parte emigra e, de fato, apenas segue atrs o capital emigrante (MARX, 1985, p. 207). Portanto, o capital necessita de massas maiores de trabalhadores em idade jovem e massas menores em idade adulta. Por conta dessa realidade que mesmo existindo uma grande parcela da populao desocupada havia milhares de queixas reclamando a necessidade de braos para o trabalho. preciso lembrar que alm da baixa expectativa de vida entre os trabalhadores, o desgaste da fora de trabalho era to grande que mal o trabalhador atinge a idade mediana ele cai nas fileiras dos excedentes ou passa de um escalo mais alto para um mais baixo. A soluo encontrada pelo capital para esse problema era a promoo de casamentos precoces entre a classe trabalhadora e a premiao para as famlias que oferecessem seus filhos para a explorao. A segunda forma de superpopulao relativa - latente - apontada por Marx proveniente da consolidao do capitalismo na agricultura e que tende a promover uma demanda decrescente absoluta de fora de trabalho. Deste modo, a populao trabalhadora rural sofre uma repulso no acompanhada de maior atrao e, consequentemente,parte da populao rural encontra-se, por isso, continuamente na iminncia deenfrentamento. goinia: ano 5, n. 9, jul./dez. 2010.

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transferir-se para o proletariado urbano ou manufatureiro e espreita de circunstncias favorveis a essa transferncia. Essa fonte da superpopulao flui, portanto, continuamente. Mas seu fluxo constante para as cidades pressupe uma contnua superpopulao latente no prprio campo, cujo volume s se torna visvel assim que os canais de escoamento se abalam excepcionalmente de modo amplo. O trabalhador rural , por isso, rebaixado para o mnimo do salrio e est sempre com um p no pntano do pauperismo (Ibid, 1985, p. 207-208).

A terceira forma de superpopulao relativa denominada de estagnada composta por parcela do exrcito ativo de trabalhadores, no entanto ocupada de forma bastante irregular. Essa categoria fornece ao capital fonte inesgotvel de fora de trabalho disposta a ser explorada uma vez que sua condio de vida encontra-se muito abaixo do nvel normal mdio da classe trabalhadora e que, portanto, faz dessa populao uma(...) base ampla para certos ramos de explorao do capital. caracterizada pelo mximo do tempo de servio e mnimo de salrio (...) Seu volume se expande na medida em que, com o volume e a