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Lucinda Nogueira Persona Entre e outra uma noite

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Lucinda Nogueira Persona

Entre e outra

uma noite

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© 2014. Direitos desta edição reservados para Entrelinhas Editora.

Impresso no Brasil 1ª edição em dezembro de 2014 • 1.000 exemplares

Reprodução proibida Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida ou utilizada – em quaisquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia ou gravação, etc, – nem apropriada ou estocada em

sistema de banco de dados sem expressa autorização.

ENTRELINHAS EDITORA Av. Senador Metello 3.773 • Jardim Cuiabá

Cep 78.030-005 – Cuiabá, MT, Brasil Distribuição e Vendas: (65) 3624 5294 • e-mail: [email protected]

www.entrelinhaseditora.com.br • e-mail: [email protected]

Editora Maria Teresa Carrión Carracedo

Produção gráfica Ricardo Miguel Carrión Carracedo

Design da capa Helton Bastos, com obra de Regina Pena

Paginação Rafael Carracedo Ozelame

Arte finalização Maike Vanni

Revisão Marinaldo Custódio

Assistente na edição Walter Galvão

Imagem da capa e detalhes no interior Obra Noturno na vereda, de Regina Pena (acrílica sobre tela, 25 x 55 cm, 2005)

Persona, Lucinda Nogueira Entre uma noite e outra / Lucinda Nogueira Persona. -- Cuiabá, MT : Entrelinhas, 2014.

ISBN: 978-85-7992-073-8

1. Poesia brasileira I. Título

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia : Literatura brasileira 869.91

14-12889 CDD-869.91

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À memória de meu sobrinho, Mário Spinelli

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Um só dia não me toca, só sei falar de todos os dias

Walt Whitman

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As fendas e os vãos

José Castello1

A matéria da poesia de Lucinda Persona é a insuficiência. A vida – como os farelos beliscados pelos pombos – não passa de um amontoado de ciscos. Trama de restos, ela ainda assim nos maravilha. “Também quero ser / destes que / só tendo sustento e vestes / estão com isso contentes”. O mundo contemporâneo é regido pela ideia fixa da grandeza. Queremos sempre mais e mais – e só a poesia desmascara a miséria dessa fome. A vida, “como soma de moléculas”, é uma representação do frágil. Quase nada, de fato, possuímos: o tempo nos escapa, as coisas nos fogem, a vida é frágil. Corajosa, Lucinda escreve a partir dessas ruínas.

Como todos nós, humanos, também o poeta “tira forças / de onde não tem”. Por isso, ostentamos a insígnia da incerteza. Quem é o poeta – quem é a poeta Lucinda Persona? É aquele (aquela) que se alimenta da hesitação.

1 Escritor, jornalista e crítico literário. Biógrafo de Vinícius de Moraes, Rubem Braga e João Cabral de Melo Neto. Atualmente escreve para o jornal “O Globo”. Recebeu, por duas vezes, o prêmio Jabuti.

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Até porque, sabe Lucinda, o que se vê no topo do caos são as estrelas. Poetas presunçosos, e cheios de si, assassinam a poesia. Em seu nome, domesticam palavras. Os poetas verdadeiros escrevem “com gestos calmos / que nunca chegarão / ao conhecimento do mundo”. A poesia não tem uma utilidade – habita as fendas e os vãos. Não é prática, não produz resultados. Tampouco acredita na salvação, até porque “nenhum dia é seguro / para quem dentro dele respire”. Poesia não é solução – e Lucinda distingue, assim, a escrita da insolência.

Por isso leva uma vida discreta, e escreve mais secretamente ainda. A poesia não traz uma identidade, ao contrário, ela a subtrai. Apesar de todo o esforço, só temos uma parte da vida – e essa parte não chega a compor uma imagem nítida. Poetas são seres sutis, conhecedores das lacunas e do silêncio. Como diz Wislawa Szymborska, citada por Lucinda: “já se avizinha a sexta / com um roteiro que não conheço”. O poeta não apenas não sabe o que faz: ele não sabe o que tem nas mãos. Sabe apenas que “em cada coisa, existe também / aquilo que ela não é”. A matéria da poesia é a ignorância, e por isso os poetas sábios, como Lucinda Persona, se esquivam entre as sombras das palavras. Ali, quieta e perplexa, Lucinda escreve.

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DOMINGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Ameixas em compota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23Vertiginosa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24Chegou da rua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25O que dou à fome . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26Minha janela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27Fios de ovos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28Ai daquele que ficar só . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29Concha de sopa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30Feito ao vivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32Tantas coisas desaparecem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33Excessivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34O vício da escuridão por existir . . . . . . . . . . . . . . . . 35

SEGUNDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37Damascos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39Escrevo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40Do mesmo parto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41Uma coisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42Cisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43Folha de alface . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44Mil vezes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45Ovos às dúzias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46Chuva e tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47Caracóis aos montes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Depois de longa seca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50Esse legado de um céu negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

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TERÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53Penca de bananas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Edifico em amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56Em nossa nudez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57Sacola de pães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58Tomam chá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59Pequeno lago . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60Conselhos gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62Que a recordação seja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63Ao amor maternal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64O tempo é . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66Um pássaro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67Quando ele chega, já é noite . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

QUARTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71Ao figo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73Abismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74Primeira refeição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75Homem no parque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76O sol do Cerrado se põe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78Acaso noturno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

QUINTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81A pera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83Ver rosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84Maço de couves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85Perpétua roxa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86Requentado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87Preta como a noite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

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SEXTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91Pêssego em calda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93Tumulto em larga escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94Não quero mudar nada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95Acendemos velas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96Um amarelo de estrelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97No escuro teto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

SÁBADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101Sereno o avião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103Um hóspede . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104Praça de Cibeles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106Restaurante Pinpilinpausha . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Praça de São Marcos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Era quase noite no Cais da Ribeira . . . . . . . . . . . . 110

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DOMINGO

Aujourd´hui c´est dimanche les cinémas sont pleins

Les oiseaux dans les branches regardent les humains

Jacques Prévert

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Ameixas em compota

Existena vida completaum amor que não aparecee nem repousa tranquilo

ó eterna e doce supervisãodo muito que se tem a conservar

as formigas desfilamnum afrouxado cordãodiante dos meus olhos

(faço o que me agrada)

Meus olhos(em lágrimas paradas)sobrenadamcomo ameixas em compotaem vidros envasadas.