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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CURSO DE LICENCIATURA EM ARTE - TEATRO Simone Grande: do teatro à narração de histórias. A pesquisa da atriz/narradora no trânsito entre as linguagens. Luciana Maria Cavichioli G. Almeida LAT III

Ensaio e entrevista com narradora de histórias

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Ensaio acadêmico

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTE - TEATRO

Simone Grande: do teatro narrao de histrias. A pesquisa da atriz/narradora no trnsito entre as linguagens.

Luciana Maria Cavichioli G. Almeida LAT III

So Paulo2013

Ao mesmo tempo eu fui descobrindo as diferenas do que contar histrias e do que fazer teatro, mas sem perder de vista que um poderia ajudar o outro. Eu no precisaria deixar de ser atriz para contar histrias e nem conseguiria. Mas eu percebi que eu poderia juntar as experincias do teatro com a narrao. [footnoteRef:1] [1: Trecho de entrevista realizada em 2014 com Simone Grande, ver anexo 1 p. 12]

Mesmo com muitos aspectos em comum, o teatro e a contao de histrias so linguagens artsticas diferentes. O teatro est mais relacionado a imagem, ao passo que a contao de histrias est mais ligada a palavra. Durante a contao de histrias o ouvinte cria as imagens em sua imaginao, ele imagina os cenrios ou como so as personagens a partir de sua prpria subjetividade. O narrador de histrias no se aprofunda na interpretao das personagens, no usa figurinos ou cenrios, quando usa uma voz diferente, ou um trejeito para dizer a fala de determinada personagem, logo retorna a sua posio de narrador[footnoteRef:2]. [2: ROSENFELD, Anatol. O Teatro pico. So Paulo: Perspectiva, 2010 P 25]

A presena de um narrador no teatro pico traz diversos elementos da narrao para o acontecimento teatral, mas as linguagem ainda so bastante distintas, a narrao acontece cotidianamente, em uma roda de amigos, entre familiares, no exige ensaios e o narrador geralmente conduz as histrias sozinho[footnoteRef:3]. J o teatro, mesmo quando acontece na rua, em praas ou em feiras um acontecimento estranho ao cotidiano, diferentemente da narrao de histrias. [3: PAVIS, Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 1999. P 69]

Embora existam muitos monlogos e atores que trabalham sozinhos, o teatro geralmente envolve um grupo de pessoas, vrios atores, a figura de um diretor, de um cengrafo e outros. Em um monlogo pode existir um trnsito pico entre narrador e personagem, mas geralmente o aprofundamento na interpretao das personagens difere o monlogo da narrao de histrias.O narrador de histrias se aproxima dos sbios e dos professores no sentido de que compartilha experincias, suas e que lhe atravessaram, mesmo quando conta uma histria de outrem, ele reconta a partir de uma assimilao pessoal, fazendo do que conta a sua prpria histria. A narrao de histrias envolve o ensinamento, a troca. As histrias so uma maneira de aprender a conviver com o inexplicvel[footnoteRef:4]. Segundo Walter Benjamin em O Narrador: [4: MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos terico-poticos da arte de contar histrias. So Paulo: DCL, 2004. P 23]

(...) o narrador entra na categoria dos professores e dos sbios. Ele d conselho no como provrbio: para alguns casos mas como o sbio: para muitos. Pois lhe dado recorrer a toda uma vida. (Uma vida, alis, que abarca no s a prpria experincia, mas tambm a dos outros. quilo que mais prprio do narrador acrescenta-se tambm o que ele aprendeu ouvindo. (BENJAMIN, 1994: 221)

Acredito que, de maneira diferente o ator tambm compartilha desse desejo de trocar experincias e trazer com sua arte uma espcie de reflexo. Nesse sentido o trabalho do ator e do narrador se aproximam. O ator no teatro pico usa de elementos da narrao para aproximar-se do pblico, o que pode ser um facilitador da comunicao entre ator e expectador.Simone Grande atriz e contadora de histrias, atua h mais de 15 anos em seus grupos: A fabulosa cia e As meninas do Conto. Ambos os grupos esto sediados na Casa da Histria, espao fundado pela Simone que recebe diversos trabalhos relacionados ao teatro e a narrao de histrias.Simone Grande nasceu na Zona Leste da cidade de So Paulo, em uma casa com quintal grande e rvores. O pai trabalhava com transporte de coisas, fazia mudanas, transportava moveis e cargas, por isso ficava muito tempo longe. Simone e as irms ficavam com a me que tinha o costume de contar histrias depois das refeies. Simone conta que sua famlia no costumava levantar rpido da mesa, e que at hoje ela gosta de ouvir histrias nesse momento, depois de comer. A me tambm levava Simone e as Irms a biblioteca com frequncia, mas durante a infncia Simone lembra que no gostava muito de ler. A paixo pelos livros veio mais tarde na adolescncia, fase em que tambm comeou a fazer teatro. No tinha artistas na famlia e teve dificuldades pra escolher esse caminho, tendo inclusive que fugir de casa algumas vezes para fazer teatro. Simone comeou a contar histrias a convite de uma editora, ela conta que na poca a narrao de histrias no tinha a visibilidade que tem hoje, era menos material terico sobre o assunto. O desenvolvimento de uma maneira de contar prpria da Simone e com uso de elementos teatrais foi fundamental para o crescimento do grupo As meninas do conto e a pra consolidao do trabalho.Foi exatamente o uso de elementos do teatro que fez com que o trabalho se diferenciasse e ganhasse espao. Simone conta que no comeo ela no acreditava muito no poder das palavras, buscava muitos outros elementos como objetos e acessrios, por influncia das suas experincias teatraisUm aprendizado que ela diz ter trazido do teatro a possibilidade de experimentar. O seu trabalho de narrao de histrias passou por transformaes e a experimentao junto com a recepo e participao do pblico foi importante nesse processo de constituio de um repertrio e de uma maneira de contar.Simone aponta tambm como um aprendizado do teatro que ela levou para narrao a preservao do texto ao sair do literrio e ir para oralidade.

Tem palavras que so lindas no contexto do livro mas quando vem para oralidade elas atrapalham. A gente anuncia o texto de determinado autor no teatro, a gente no quer mudar as palavras, a gente quer aprender como se diz aquela palavra e isso tambm me ajudou a viver certas palavras nas histrias.[footnoteRef:5] [5: Trecho de entrevista realizada em 2014 com Simone Grande, ver anexo 1 p. 12. ]

A relao com a palavra nas duas linguagens (teatro e narrao de histrias) um pouco diferente, no teatro as imagens so essenciais para o entendimento de uma narrativa ou para interpretao da obra. Na narrao a responsabilidade maior da palavra, ela que conduz a imaginao do pblico, diferentemente do teatro, que em algumas vezes at no usa, ou usa muito pouca a palavra, explorando mais a expresso corporal dos atores e elementos cnicos como luz, sombra, cenografia, figurino, msica etc.A articulao das palavras no trabalho do ator pode ser um processo que facilita o contador de histrias pois o ajuda a naturalizar algumas palavras e traze-las para o contexto da narrao. A palavra no uma ideia fechada o narrador pode transforma-la e explora-la, essa a essncia da arte do narrador, usar sua criatividade para elaborar uma maneira especial contar uma mesma histria com as mesmas palavras. Simone diz:

Acho que muito legal poder trabalhar com palavras que te do outras possibilidades, e outros caminhos. Eu gosto muito de trabalhar com isso, palavras, criao, um texto de um livro que de repente pode vir para minha boca e virar outra coisa, acho que isso muito vivo, essa vida que se d o que eu acho muito legal do contador de histrias.[footnoteRef:6] [6: Trecho de entrevista realizada em 2014 com Simone Grande, ver anexo 1 p. 16. ]

Porm no foi s o teatro que fomentou seu trabalho de narradora. O contato com o universo da narrao de histrias teve papel importante no desenvolvimento dos trabalhos como atriz que Simone Grande realizou e realiza na Fabulosa Cia. Simone aponta:

Eu considero muito o pblico e o contador de histrias considera muito o pblico. E no acho que eu deixo de fazer teatro por isso. A narrao me trouxe uma facilidade para olhar para esse pblico. Muitos atores tem dificuldade em estabelecer essa relao. Tem formas teatrais que exigem que esse contato no acontea, mas acho que o trabalho que eu fao no teatro est impregnado disso.[footnoteRef:7] [7: Trecho de entrevista realizada em 2014 com Simone Grande, ver anexo 1 p. 13. ]

Alm da linguagem teatral, Simone aponta como influncia importante na sua maneira de contar histrias as tcnicas do palhao. O palhao para ela no est presente apenas na maneira de contar, mas tambm na maneira de olhar para as histrias, de interpreta-las, independente de tratar-se de uma histria alegre, ou triste, cmica ou trgica.Simone j tinha um trabalho bastante slido como atriz e narradora quando surgem em So Paulo encontros nacionais e internacionais de narradores de histrias, cursos de formao e diversos estudos sobre essa linguagem. Simone participou de muitos desses encontros contribuindo para formao de contadores e ainda hoje d aulas de contao de histrias em Bibliotecas, Oficinas Culturais e no seu prprio espao, A casa da histria.Para ela o essencial para ser um bom narrador de histrias ter muitas histrias para contar. Saber ouvir o que as histrias querem dizer. Ela diz: Como a pessoa narra que o bonito, a histria a gente pode at conhecer, pode ser uma histria conhecida, a forma que ele narra que faz a diferena[footnoteRef:8]. [8: Trecho de entrevista realizada em 2014 com Simone Grande, ver anexo 1 p. 14. ]

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, Walter. O Narrador: consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov In: Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo: Brasiliense, 1994, p-p 197-221BONDA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experincia e o saber de experincia In: Revista Brasileira de Educao. Rio de Janeiro, jan/fev/mar/abr.2002, n. 19, p-p. 20-28.LACOMBE, Ana Lusa (Org). Teia de Experincias: reflexes sobre formao de contadores de histrias. So Paulo: CSMB, 2013.MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos terico-poticos da arte de contar histrias. So Paulo: DCL, 2004.PAVIS, Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 1999.ROSENFELD, Anatol. O Teatro pico. So Paulo: Perspectiva, 2010.

Anexo1 Entrevista com a contadora de histrias Simone Grande.

Simone, gostaria de comear a entrevista, perguntando sobre como foi sua infncia.

Eu sou a segunda filha de quatro meninas, a minha irm mais nova tem oito anos de diferena. Primeiro ns crescemos as trs juntas. Morvamos em uma casa que tinha um quintal grande, em So Paulo, e tinha algumas rvores no quintal, a gente brincava muito, montava coisas nas rvores e em baixo das rvores. Foi uma infncia boa, mas meu pai era uma pessoa muito agressiva, ento por outro lado tinha isso da violncia, ele brincava pouco com a gente. Meu pai era caminhoneiro e tinha um caminho onde ele fazia mudanas, ento muitas vezes ele no estava em casa e isso era legal (risos), quando ele chegava tinha uma questo meio apreensiva da nossa parte, como ele iria chegar, o que iria acontecer, o que teramos que fazer.A minha me ela no trabalhava fora de casa, ela ficava com a gente, e isso era bom, se ela trabalhasse fora com toda essa situao teria sido muito complicado.Eu estudei sempre em escola pblica, morava na zona leste de So Paulo... Eu brincava muito com minhas irms, quando era adolescente, na poca que eu tinha namorado eu fugia muito de casa, fechava a porta para o meu pai pensar que eu estava l e fugia, mais tarde continuei fugindo para fazer teatro, na minha famlia no tinha nenhum artista, e tinha isso de quem faz teatro no boa gente, ento eu fugia.

Voc tem uma primeira recordao de um contato com as histrias, algum que te contava ou um lugar onde voc lia?

Na verdade eu detestava ler quando criana, eu comecei a gostar de ler com uns 15 para 16 anos. Minha me insistia, levava a gente em bibliotecas pblicas, minhas irm pegavam livros, minha me pegava para mim, mas eu no lia. Agora uma coisa que eu gostava muito, e que eu fao at hoje ... Quando a gente terminava de comer l em casa, minha me no levantava rpido, ela ficava na mesa e ficava contando coisas de quando ela era criana, coisas da famlia ou a histria de uma prima, e eu adorava, era a uma das coisas que eu mais adorava, acho que de alguma maneira eram histrias e eu gostava de ouvir.

E do teatro? Voc tem uma primeira recordao?

A primeira vez que eu fui ao teatro? Eu me lembro, foi quando minha me iria ter minha quarta irm e ela foi para o hospital, eu tinha 7 para 8 anos. Meu pai foi junto com minha me e minha tia, irm do meu pai, ficou com a gente e ela no sabia o que fazer, levou a gente para assistir O Rapto das Cebolinhas. Da Maria Clara Machado, ento foi a primeira vez que eu assisti teatro.

Voc considera que as experincias que voc teve com teatro e com as histrias na sua infncia influenciam seu trabalho hoje de alguma maneira?

Acho que sim, toda histria te forma, o jeito como voc e como voc v as coisas, voc de alguma maneira carrega isso para sua vida para o bem e para o mal. Agora o que voc vai fazer com isso outra questo. Como voc usa isso? O que voc faz com isso?

Voc reconhece no seu trabalho, algumas influncias principais?

Entre as minhas influncias tem pouco de autor, acho que tem mais uma relao em si com a histria, tem a ver com cada momento da minha vida. Tem histrias que eu conto h 15 anos, as vezes eu me encho delas e tal, mas ento eu penso: eu conto to bem essa histria, ela est to na minha mo, to fcil... No tenho muito isso de preferir tal autor, apesar de ultimamente eu ter selecionado algumas histrias de autor, por exemplo: eu nunca tinha contado uma histria da Marina Colasanti, teve uma dela que eu gostei muito e pensei: acho que essa eu poderia contar. uma questo de maturidade tambm, sua maturidade com relao a histria, como voc olha para ela, como ela chega em voc, e quando voc se sente preparado para contar.

Voc se lembra de algum artista que voc ouviu contar e que te marcou de alguma maneira, talvez durante o incio, ou at posteriormente na sua carreira?

Quando eu comecei a contar histrias eu no sabia o que era isso, no era uma coisa que acontecia tanto, que tanta gente fazia, no tinha muita literatura sobre isso, eu acho que ainda hoje temos pouca literatura sobe isso, mas temos certos livros que falam sobre o assunto, sobre o que contar histrias. Eu realmente no tinha essa referncia. Eu comecei a contar histrias em uma editora, e eu me apaixonava por alguns autores: Ana Maria Machado, Ruth Rocha, eu apaixonava por histrias de alguns autores. Principalmente por que eu contava com o livro na mo, eu tambm tinha uma paixo pela ilustrao, isso casava bastante. Quando eu comecei a constituir o meu repertrio eu parti disso, de histrias que eu j conhecia, eu contava contos tradicionais e de alguns autores contemporneos. No meu repertrio, poucas vezes eu contei histrias que algum me contou, mas tem duas que conto at hoje e que elas me marcaram bastante, uma delas a histria do berimbau, de como surgiu o berimbau. um conto afro-brasileiro... E eu sempre fiz capoeira na minha vida, ento essa histria tinha muito a ver comigo. Eu ouvi essa histria em um curso, foi o primeiro curso do brincante, o prprio Antnio Nobrega e a mulher dele que davam aula, na poca o Adelsin, ele um arte educador que trabalha com brinquedos e conta histrias tambm, ele contou essa histria e a gente, digo a gente porque tinha mais pessoas ouvindo, a gente ficou com vontade de adaptar essa histria, mas a nica que teve coragem de contar fui eu. Eu tocava berimbau ento eu fiz uma msica final, uma msica onde o berimbau aparece, ento eu tive muito carinho por essa histria.

Por que voc disse que s voc teve coragem de contar essa histria?

Porque ela era longa e porque nem todo mundo tem essa afinidade com determinada histria ah no, essa histria difcil para mim.... Os outros no quiseram contar a histria, e eu me apropriei tanto dela, criei tanto os personagens, tive muito carinho.

E a outra histria?

Tem outra histria, que chama A menina e o lobo, eu no sei o nome que ela tem, mas eu dei esse nome, eu ouvi de um contador canadense em um primeiro Boca do Cu em 2008. Ele contou essa histria no curso, ele contou em ingls e tinha uma pessoa traduzindo. E eu fui guardando as partes dela, e eu gostei tanto dessa histria, tanto que eu no precisei nem escrever, ela grudou em mim. Ela tinha uma msica, eu adoro histria com msica. Mas eu no entendia a msica porque a tradutora no dizia o que significava msica, ento eu criei minha prpria msica, a partir do que eu lembrava da melodia, mas eu no sei se era a melodia mesmo porque eu no gravei nada. E eu estava fazendo um trabalho, que era um trabalho performtico para inaugurao do primeiro SESC Belenzinho. E ento uma diretora, que eu sou muito influenciada por ela e que eu gosto muito, chamada Quito, chamou algumas pessoas para fazer essa inaugurao e falou: olha Simone voc vai apresentar algo do seu repertrio, nessa inaugurao teria msica, dana, cada artista faria algo na sua rea, do seu repertrio e eu contaria histrias. Ento e comecei a contar essa histria, recebia muitas crianas, recebia muita gente e cada vez foi melhorando, eu ia criando uma estrutura conforme eu contava. Criava um jeito de contar junto com as pessoas, com o pblico.

Voc falou sobre influncia, uma influncia muito grande que eu tenho, no s para contar histrias, mas na maneira de olhar as histrias, com um certo humor, foi que durante muitos anos eu fiz trabalhos com clown e com a Quito, isso tambm me influenciava bastante. No que eu conte s histrias engraadas, eu sou uma contadora que conta um pouco de tudo, o que quero dizer que o clown influenciou muito o meu jeito de olhar para as histrias.

Voc falou sobre o clown e tambm sobre seu trabalho como atriz, eu gostaria de saber como o teatro se relaciona com seu trabalho narrando histrias?

Acho que so duas coisas bem diferentes (teatro e contao de histrias), mas acho que elas se complementam bastante, como eu disse quando eu comecei eu no sabia o que eu estava fazendo, ento partia para o dramtico. No comeo eu queria fazer personagens mesmo, eu tinha que ter um objeto, tinha que ter um adereo, eu no me conformava em acreditar no poder da palavra, eu achava que s isso no era suficiente. E acho que o nosso grupo cresceu bastante tambm porque isso (uso de aspectos teatrais) era um diferencial de como as pessoas contavam... E eu no estava nem ai pra como as pessoas contavam, eu nem me preocupava em com isso... Contando histrias eu me divertia muito, isso sempre foi uma coisa legal, isso era importante. Outra coisa legal tambm, que eu acho que o teatro me ajuda na leitura das histrias. No teatro se aprende a preservar um pouco as palavras do autor, isso me ajudou bastante, preservar o texto ao sair do literrio e ir para oralidade, essa transio eu aprendi fazendo. Tem palavras que so lindas no contexto do livro mas quando vem para oralidade elas atrapalham. A gente anuncia o texto de determinado autor no teatro, a gente no quer mudar as palavras, a gente quer aprender como se diz aquela palavra e isso tambm me ajudou a viver certas palavras nas histrias.

Eu acho que algumas coisas em que o teatro ajudou muito no comeo e que me impulsionaram a contar histrias sem medo e sem problemas foi pensar que pode ser legal experimentar. O teatro ensina isso, a no querer fazer o certo desde o comeo, o teatro nos estimula a experimentar, ver se vai dar certo, usar adereos, usar coisas... Ao mesmo tempo eu fui descobrindo as diferenas do que contar histrias e do que fazer teatro, mas sem perder de vista que um poderia ajudar o outro. Eu no precisaria deixar de ser atriz para contar histrias e nem conseguiria. Mas eu percebi que eu poderia juntar as experincias do teatro com a narrao.

Hoje em voc percebe que a sua experincia narrando histrias influencia na maneira como voc faz teatro atualmente?

Eu acho que sim, a influncia aparece sim, os nossos espetculos mostram isso porque eu considero muito o pblico e o contador de histrias considera muito o pblico. E no acho que eu deixo de fazer teatro por isso. A narrao me trouxe uma facilidade para olhar para esse pblico. Muitos atores tem dificuldade em estabelecer essa relao. Tem formas teatrais que exigem que esse contato no acontea, mas acho que o trabalho que eu fao no teatro est impregnado disso (risos).

Uma pergunta que eu j te fiz a muito tempo, e que hoje eu gostaria de fazer de novo : Como voc definiria um contador de histrias, quem um contador de histrias?

Eu acho que te falei que era a pessoa que tinha muitas histrias para contar (risos). O trabalho do contador de histrias pode acontecer em qualquer lugar e isso traz muita mobilidade, traz muitas possibilidades diferentes, no como um ator que depende de muitas outras coisas para cena dele... O contador no ele pode contar em qualquer lugar, qualquer momento, pode acontecer de qualquer jeito desde que ele tenha uma boa histrias para contar. Acho que isso algo que acontece.

Voc v alguma diferena entre um contador de histrias que faz isso profissionalmente, e uma pessoa como sua me, por exemplo, que contava histrias no dia-dia?

Acho importante, independente de outras coisas, para o contador de histrias como ele mantem um certo fio, como ele narra. Eu me interessava pelas histrias que minha me contava porque ela tinha alguma coisa para manter um fio da histria que mantinha a histrias interessante, algo para manter esse fio esticado, ou frouxo, no sei, mas de um jeito que era bom.Acho que sim, o nome contador de histrias da conta dos dois, acho que tem mais a ver como a pessoa pem a vida dela naquilo, minha me se empenhava muito em contar, ela fazia a partes, ela ia contar de uma prima, no porque essa prima... acabou de casar, mas essa prima eu lembro dela quando ela era criana e falava um monte de coisas... Tinha a ver como ela mantinha o interesse, como ela narrava isso.Com os contadores de histrias, a forma como se narra o que faz a diferena. Como a pessoa narra que o bonito, a histria a gente pode at conhecer, pode ser uma histria conhecida, a forma que ele narra que faz a diferena.

Voc conseguiria definir alguns critrios, o que preciso para ser um bom contador de histrias?

O primeiro ter vontade, querer contar aquela histria, querer se relacionar com o pblico, porque podem acontecer coisas. Por exemplo as vezes como se algum perguntasse: Quem quer? E depois tirasse o po. Ai chato. preciso querer dividir com as pessoas.

Outra coisa o repertrio, achar uma histria. preciso gostar muito da histria que se vai contar, achar ela importante, de alguma maneira um incentivo para voc, no pode ser s uma histria bacana, ela tem que fazer algum sentido para voc. Porque ai voc vai contar com verdade.

Como voc definiria uma boa histria, uma boa histria aquela que...

Que me pega. A gente fazia muito isso aqui na Casa da Histria[footnoteRef:9], separvamos vrios livros, vrias histrias, comevamos a ler. Ento no momento que se comeava a ler j percebamos que em algumas histria algumas coisas no estavam claras, eu precisaria explicar mais do que o autor explicou, ento aquilo passava a no me interessar tanto. Acho que na primeira leitura, quando voc l e fala Nossa! E a histria te surpreende alm do tema dela, ou ela tem uma narrativa que no to linear, mas ao mesmo tempo ela tem um entendimento fcil, porque a oralidade tem isso tambm voc no pode querer trazer um conto que muito rebuscado, com muito personagens. Normalmente voc conta histrias para todo mundo, as vezes para crianas, e ai preciso separar, mas em geral a histria tem que ser para todo mundo. [9: Casa da histria a sede da Fabulosa Cia e da Cia As meninas do Conto, as quais a Entrevistada Simone Grande fundadora.]

Mas acho importante ouvir a historia que voc quer contar e ver se ela esta te chamando se ela tem alguma coisa, se ela tem esse fio que te segura nela.

E tem algo especial que te prende?

Eu gosto de histrias que tem musica, como eu te falei. Contamos histrias com msica e isso sempre me atraiu. Mas eu conto histrias muito diferentes, no tenho algo do tipo, s gosto de contos caipiras, ento s vou contar contos caipiras, ou s vou contar histrias com final feliz ou final triste. Dos contos tradicionais eu conto um pouco de tudo e tambm no busco contar histrias com o mesmo perfil. Conto muitas histrias que acontecem coisas com meninas, e tambm muitas que contam histrias com meninos... E o que acontece com uma menina em uma histria diferente do que acontece com outra, ento... Eu gosto de contar coisas diferente. Se algum me pedir para s contar contos de fadas eu vou tentar achar nas histrias coisas diferentes

Ento, em geral voc busca histrias para contar em livros?

Sim, eu diria isso e tambm que tive algumas experincias diferentes, como eu te contei, de ouvir alguns contos e contar do meu jeito.

Gostaria, para finalizar que voc comentasse a importncia de narra histrias para quem conta e para quem escuta.

Acredito que cada vez mais estamos distante do ato de ouvir, independente se uma histria ou no. As pessoas chegam em casa ligam a televiso, comem na televiso. Acho que as imagens prontas esto muito fortes, ento acho que resgatar a possibilidade de ouvir dar liberdade para as pessoas poderem imaginar, coisas que talvez elas nunca tenha pensado, mas que elas tenham esse poder de imaginar. Acho que isso e uma das maiores importncias de se contar historias, devolver para o pblico esse bem que a gente tem, que o de imaginar.Gosto de pensar a plateia como algum ativo, no como passivo, no como algum que ouve minha histria e nada acontece, gosto que o pblico busque recursos da sua prpria histria para imaginar a histria que eu estou contando, mesmo que inconscientemente. A outra pergunta qual era?

Eu perguntei a importncia para quem ouve histrias e para quem conta.

Para mim, acho que as histrias tiveram e tem um grande poder de cura, porque as histrias elas so fortes, so carregadas de smbolos, pra mim elas sempre tiveram um poder curativo, mas quando eu comecei a contar histrias eu no pensava nisso. Eu comecei a descobrir depois que essas historias me ajudam a me entender, ento esse tambm um caminho bom para o contador de histrias, para ele no ser apenas um papagaio, que sabe e conta uma histria decorada, que a histria seja algo que passou por ele, algo que fez ele refletir. E isso as vezes inconscientes, as vezes ela passa para voc uma situao, uma palavra, um personagem, uma palavra mgica, sei l, coisas que as histrias tem. Acho que poder ver alm, as histrias sempre mostram que voc pode ver alm . Acho que isso, muito legal poder trabalhar com palavras que te do outras possibilidades, e outros caminhos.Eu gosto muito de trabalhar com isso, palavras, criao, um texto de um livro que de repente pode vir para minha boca e virar outra coisa, acho que isso muito vivo, essa vida que se d o que eu acho muito legal do contador de histrias. As vezes parece que seu repertrio pequeno, que voc no sabe contar nenhuma histria, as vezes d essa sensao, mas bom, isso d uma vontade de querer sempre saber mais.

Tem algo mais que voc gostaria de comentar? Algo que voc considera que ficou pra trs em alguma pergunta?

Falamos tantas coisas! Acho que o repertrio voc descobre fazendo, no tem uma receita voc deve comear por tal lugar. Os contos de Nasrudin eu demorei para contar porque eu no entendia direito, no via o propsito... isso acho que uma constante construo, essa coisa do pblico ouvir voc, voc tambm tem que se ouvir, entender um pouco qual momento voc est. E quais voos voc quer dar para fazer seu repertrio.Tem que comear comeando, comear talvez com alguma coisa e que talvez daqui algum tempo voc diga : por que eu comecei com essa histria?

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