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Adriana Luziê de Almeida ENSINANDO E APRENDENDO ANÁLISE COMBINATÓRIA COM ÊNFASE NA COMUNICAÇÃO MATEMÁTICA: UM ESTUDO COM O 2º ANO DO ENSINO MÉDIO UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO 2010

ENSINANDO E APRENDENDO ANÁLISE COMBINATÓRIA …‡ÃO... · A Análise Combinatória é um dos núcleos da matemática discreta e parte importante da Probabilidade. Contudo, percebemos,

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Adriana Luzi de Almeida

ENSINANDO E APRENDENDO ANLISE COMBINATRIA COM

NFASE NA COMUNICAO MATEMTICA: UM ESTUDO COM O 2

ANO DO ENSINO MDIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO 2010

ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CINCIAS EXATAS E BIOLGICAS

Adriana Luzi de Almeida

ENSINANDO E APRENDENDO ANLISE COMBINATRIA COM

NFASE NA COMUNICAO MATEMTICA: UM ESTUDO COM O 2

ANO DO ENSINO MDIO

Dissertao apresentada Banca Examinadora, como exigncia parcial obteno do Ttulo de Mestre em Educao Matemtica pelo Mestrado Profissional em Educao Matemtica da Universidade Federal de Ouro Preto, sob orientao da Prof. Dr. Ana Cristina Ferreira.

Ouro Preto, MG 2010

iii

A447e Almeida, Adriana Luzi de.

Ensinando e aprendendo anlise combinatria com nfase na comunicao matemtica [manuscrito] : um estudo de caso com o 2 ano do ensino mdio / Adriana Luzi de Almeida. 2010.

166 f.: il., grafs., tabs. Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Cincias Exatas e Biolgicas. Departamento de Matemtica. rea de concentrao: Educao Matemtica.

1. Matemtica - Teses. 2. Ensino mdio - Teses. 3. Anlise combinatria - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Ttulo.

CDU: 519.1

Catalogao: [email protected]

mailto:[email protected]

iv

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CINCIAS EXATAS E BIOLGICAS

DEPARTAMENTO DE MATEMTICA MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAO MATEMTICA

Ensinando e aprendendo Anlise Combinatria com nfase na Comunicao

Matemtica: um estudo com o 2 ano do Ensino Mdio

Autor(a): Adriana Luzi de Almeida Orientador(a): Prof Dr Ana Cristina Ferreira

Este exemplar corresponde redao final da Dissertao defendida por Adriana

Luzi de Almeida e aprovada pela Comisso Examinadora.

Data: 23 de agosto de 2010

Assinatura:............................................................................................

Orientador(a)

COMISSO EXAMINADORA:

______________________________________

Prof. Dr Vincio de Macedo Santos

______________________________________

Prof Dr Roseli de Alvarenga Corra

2010

v

Dedico este trabalho s trs pessoas mais importantes da minha vida:

Rodrigo, Letcia e Pedro.

vi

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo exemplo!

Aos meus irmos, pela amizade!

Aos familiares (sogro, sogra, cunhados, cunhadas, sobrinhas, afilhadas, afilhados, tios, tias,

primos, primas, avs,...) pela compreenso!

Aos amigos, pelo apoio!

Aos alunos que participaram deste trabalho e amiga Luana, pela colaborao!

professora da turma e direo da Escola onde realizei a pesquisa, pela confiana!

Aos colegas de mestrado, pelo companheirismo!

Aos professores do programa, por partilharem seus conhecimentos!

minha orientadora, Prof Dr Ana Cristina Ferreira, pelos ensinamentos!

Aos professores Roseli de Alvarenga Corra, Maria Manuela M. S. David e Vincio de Macedo

Santos, por aceitarem o convite, contribuindo para a finalizao deste trabalho.

A meu eterno namorado, Rodrigo, pela pacincia, pelo carinho, pelo apoio, enfim, pelo amor!

Aos meus filhos, Letcia e Pedro, razo pela qual vivo, por me deixar am-los!

A Deus, pela VIDA!

vii

RESUMO

A Anlise Combinatria um dos ncleos da matemtica discreta e parte importante da Probabilidade. Contudo, percebemos, ao longo de nossas experincias como professoras, no contato com os colegas e na literatura, que comum o ensino da Anlise Combinatria exclusivamente por meio de manipulao de frmulas ou resolues padronizadas e que os resultados em avaliaes nacionais e regionais no so bons. Por outro lado, existem estudos sobre o desenvolvimento do pensamento combinatrio e os principais erros e dificuldades enfrentados por alunos e professores que trazem contribuies para o processo. Aliamos nesta pesquisa um estudo sobre pensamento combinatrio e comunicao matemtica para construir uma proposta de ensino de Anlise Combinatria. Nosso propsito era responder seguinte questo: Que contribuies uma proposta de ensino que enfatiza a Comunicao Matemtica pode trazer para o ensino e a aprendizagem de Anlise Combinatria em uma turma do 2 ano do Ensino Mdio de uma escola pblica de Itabirito (MG)?. Para isso, desenvolvemos e aplicamos uma proposta de ensino de Anlise Combinatria, fundamentada nos estudos sobre desenvolvimento do pensamento combinatrio e um ambiente de estmulo argumentao e discusso de situaes- problema em pequenos e grande grupos. A coleta de dados se deu por meio de notas de campo (dirio da pesquisadora), gravaes em udio e vdeo de todas as aulas, registros produzidos pelos alunos ao longo das aulas, questionrios e testes diagnsticos. A anlise dos resultados evidencia que a maioria dos alunos participou com interesse da proposta e, gradativamente, passou a se expressar mais e com maior segurana e propriedade sobre os conceitos estudados e alcanou uma compreenso mais profunda dos mesmos, desenvolvendo tanto o pensamento combinatrio quanto a argumentao. A comparao entre os resultados dos testes diagnsticos evidencia em todos os participantes do estudo um significativo crescimento na compreenso dos conceitos e na resoluo de problemas combinatrios. Alm disso, a anlise revela que a nfase na comunicao matemtica foi fundamental para os bons resultados da proposta. Os dados sugerem que as discusses em pequenos e grandes grupos, quando realizadas de modo organizado e mediadas pelo professor, em um clima de respeito mtuo e estmulo argumentao, trazem contribuies para o desenvolvimento do pensamento combinatrio. Tal estudo gerou um produto educacional um livreto com a descrio completa e comentada das atividades realizadas destinado a professores de Matemtica.

Palavras-chave: Ensino Mdio; Anlise Combinatria; Comunicao Matemtica.

viii

ABSTRACT

Combinatorial Analysis is one of the central cores of discrete mathematics and an important part of Probability. However, we perceive through our teaching experiences, conversations with colleagues and in the literature; that Combinatorial Analysis is commonly taught exclusively through manipulation of formulas or the resolution of standardized problems and that the results of national and regional assessments do not correspond to our expectations. On the other hand, there are studies, on the development of combinatorial thinking and the principal errors and difficulties faced by students and teachers, which provide contributions to the teaching and learning process. We bring to our study a study on combinatorial thinking and mathematical communication in order to develop a teaching proposal for Combinatorial Analysis. Our purpose was to answer the following question: "What are possible contributions of a teaching proposal that emphasizes mathematical communication for the teaching and learning of Combinatorial Analysis for juniors in a public high school in Itabirito (MG)?. In order to obtain an answer to the question we developed and applied a teaching proposal for Combinatorial Analysis based on studies regarding the development of combinatorial thinking and an environment to stimulate debate and discussion of situated problems in small and large groups. Data collection was realized through field notes (the researcher's diary), audio and video recordings of all classes, notations produced by the students during the lessons, questionnaires and diagnostic tests. The analysis of the results shows that most students participated with interest, gradually came to express themselves more and with more confidence and ownership of the concepts studied; reaching a deeper understanding of the concepts and developing both combinatorial thinking and debating skills. The comparison with the results of the diagnostic tests shows a significant growth in the understanding of the concepts and in solving combinatorial problems for all participants in the study. Furthermore, the analysis reveals that the emphasis on mathematical communication was fundamental to the success of the proposal. The data suggests that the discussions in small and large groups, when performed in an organized manner, mediated by the teacher in a climate of mutual respect, in a way that encourages debate, contributes to the development of combinatorial thinking. This study generated an educational product - a booklet destined for Mathematics teachers with a complete commented description of the activities realized. Keywords: Secondary Education; Combinatorial Analysis; Mathematical Communication.

ix

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Problemas de seleo ........................................................................................... 22

Figura 2: Trecho do Dirio de Campo (2 dia de observao) ............................................. 65

Figura 3: Resoluo apresentada pelo aluno Vtor Hugo para a questo 2 do teste

diagnstico inicial....................................................................................................................

72

Figura 4: Resoluo apresentada pelo aluno Jangada, para a questo 2 do teste diagnstico

inicial.......................................................................................................................................

73

Figura 5: Resoluo apresentada pelo aluno Grafite, para a questo 2 do teste diagnstico

inicial.......................................................................................................................................

73

Figura 6: Resoluo apresentada pelo aluno Dan, para a questo 2 do teste diagnstico

inicial........................................................................................................................................

74

Figura 7: Resoluo apresentada pela aluna Cla, para a questo 2 do teste diagnstico

inicial........................................................................................................................................

74

Figura 8: Resoluo apresentada pela aluna Jssica para uma questo de formao de

numerais...................................................................................................................................

78

Figura 9: Reproduo da tabela apresentada pelo grupo 1 como estratgia de resoluo da

atividade proposta na 3 semana..............................................................................................

84

Figura 10: Trecho do dirio de campo (5 semana)................................................................ 92

Figura 11: Resoluo do grupo 1 para a questo do calendrio esportivo............................. 94

Figura 12: Resoluo do grupo 1 para a questo do exame anti-doping................................ 95

Figura 13: Resoluo do grupo 2 para a questo do exame anti-doping................................ 97

Figura 14: Texto do aluno Arlindo......................................................................................... 101-102

Figura 15: Resoluo apresentada pelo grupo das alunas Paula e Jussara para a questo das

peas de um domin..........................................................................................................

105

Figura 16: Resoluo apresentada pelo grupo 1 para a questo das peas de um domin... 105

x Figura 17: Resoluo apresentada pelo grupo 2 para a questo das peas de um domin... 106

Figura 18: Resoluo da questo 2 da atividade proposta na 7 semana apresentada por um

grupo.........................................................................................................................................

107

Figura 19: Resoluo da questo 3 da atividade proposta na 7 semana apresentada pelo

grupo 1......................................................................................................................................

108

Figura 20: Resoluo da questo 3 da atividade proposta na 7 semana apresentada pelo

grupo 3......................................................................................................................................

109

Figura 21: Resoluo, construda coletivamente, da questo 3 do teste diagnstico............ 116

Figura 22: Resoluo, construda coletivamente, da questo 4 do teste diagnstico............. 120

Figura 23: Resoluo, construda coletivamente, da questo desafio do teste

diagnstico................................................................................................................................

123

Figura 24: Resoluo apresentada pela aluna Flvia.............................................................. 127

Figura 25: Resolues da aluna Jussara para a questo 1 dos testes diagnsticos inicial e

final...........................................................................................................................................

131

Figura 26: Resoluo do aluno Thiago................................................................................... 132

Figura 27: Resoluo da aluna Alice para a questo 4 do teste diagnstico final.................. 133

Figura 28: Resoluo do aluno Daniel para a questo 3 do teste diagnstico inicial............ 135

Figura 29: Resoluo do aluno Daniel para a questo 5 do teste diagnstico final............... 135

Figura 30: Resoluo apresentada pelos alunos Daniel e Jos para a questo 5 do teste

diagnstico final.......................................................................................................................

136

xi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Exemplos de enunciados de problemas combinatrios

simples.....................................................................................................................................

21

Tabela 2: Modelos combinatrios de seleo e modelos matemticos

correspondentes.......................................................................................................................

22

Tabela 3: Erros mais comuns apresentados pelos alunos ao resolver problemas de

combinatria (extrado de BATANERO, 1997).....................................................................

23-24

Tabela 4: A importncia da Comunicao no processo de ensino e aprendizagem em

Matemtica para alguns autores..............................................................................................

32

Tabela 5: O papel da comunicao nos contextos da Psicolingustica e da Semitica......... 34-35

Tabela 6: Os nveis de Comunicao e as interaes subjacentes segundo Brendefur e

Fykholm (2000 apud MARTINHO, 2007b, p. 25).................................................................

40

Tabela 7: Finalidades das perguntas segundo alguns autores................................................ 44

Tabela 8: Orientaes no sentido de obter um bom questionamento....................................

44-45

Tabela 9: Comparativo entre normas sociais e normas sociomatemticas............................

48

Tabela 10: Nmero de alunos por turma. Escola A. 2008 ....................................................

55

xii

SUMRIO

Introduo ..................................................................................................................................... 14

Captulo 1. O ensino e a aprendizagem de Anlise Combinatria ........................................... 18

Captulo 2. A Comunicao e o ensino-aprendizagem em Matemtica ................................... 29

Definindo Comunicao e Comunicao Matemtica na sala de aula ..................................... 34

Aspectos essenciais da Comunicao: interao e negociao de significados ........................ 36

A argumentao na aula de Matemtica ................................................................................... 47

Captulo 3. Contexto da pesquisa e procedimentos metodolgicos .......................................... 53

3.1. O Estudo Piloto ...................................................................................................................... 54

3.2. O contexto da pesquisa ......................................................................................................... 54

3.2.1 A escola, a professora e os alunos ...................................................................................... 55

3.2.2 O perodo de Ambientao .................................................................................................. 58

3.2.3 A dinmica ............................................................................................................................ 58

3.2.4 As atividades ......................................................................................................................... 59

3.2.5 A coleta de dados ................................................................................................................. 60

3.3. A anlise .................................................................................................................................. 62

Captulo 4. Descrio do processo e anlise dos dados ............................................................. 64

O teste diagnstico inicial ............................................................................................................. 70

Primeiro encontro ......................................................................................................................... 75

xiii

Segundo encontro .......................................................................................................................... 80

Terceiro encontro .......................................................................................................................... 89

Um evento que adiou a realizao de uma atividade ................................................................. 91

Quarto encontro ............................................................................................................................ 93

Quinto encontro ............................................................................................................................ 98

Sexto encontro ............................................................................................................................... 103

O teste diagnstico intermedirio ................................................................................................ 113

Stimo encontro ............................................................................................................................. 116

Oitavo encontro ............................................................................................................................. 117

Nono encontro ............................................................................................................................... 121

Dcimo encontro ............................................................................................................................ 124

Os ltimos encontros ..................................................................................................................... 126

O questionrio ............................................................................................................................... 129

O teste diagnstico final ................................................................................................................ 130

Consideraes Finais .................................................................................................................... 138

Referncias ..................................................................................................................................... 145

Apndices ....................................................................................................................................... 148

INTRODUO

Meu interesse pela Matemtica e seu ensino no recente. Desde o segundo ciclo do Ensino

Fundamental, incentivada por meus professores, estudava com colegas, da mesma turma ou de sries

anteriores, que apresentavam dificuldades para compreender a Matemtica escolar, fato que me

intrigava.

Conclu o curso de Magistrio, tornando-me habilitada a lecionar para turmas da Educao

Infantil e do primeiro ciclo do Ensino Fundamental.

Aps breve experincia lecionando para uma turma de crianas de oito anos, fui convidada a

assumir turmas de 5 srie em uma Escola Estadual e comecei a lecionar tambm em uma escola

particular que iniciava um trabalho com o segundo ciclo do Ensino Fundamental. Em quatro anos,

conclu minha licenciatura em Matemtica, atuando em turmas de 5 a 8 srie.

Assim, relacionando o que aprendia na Faculdade com a prtica em sala de aula, pude observar

que no seria fcil encontrar solues para os questionamentos que comearam a configurar-se no

Ensino Fundamental. Percebi que para ensinar Matemtica no basta saber o contedo. preciso

considerar variveis que influenciam os processos de ensino e aprendizagem como, por exemplo, os

meios e mtodos adotados. Ensinar a memorizar e aplicar frmulas e regras matemticas no era o

suficiente para formar indivduos capazes de pensar criticamente e promover mudanas. No se tratava

de adaptar o aluno Matemtica escolar, e, sim, de apoiar este aluno no processo, transformando esta

Matemtica em um instrumento de crescimento pessoal. A partir dessas reflexes, minhas concepes

acerca do ensino e da aprendizagem da Matemtica sofreram alteraes que me acompanham at hoje.

Concluda a graduao, passei a lecionar, tambm, para turmas do Ensino Mdio em uma escola

particular. No incio foi difcil. Alm de aprender a lidar com adolescentes foi preciso estudar alguns

contedos matemticos que, apesar de constarem dos programas das disciplinas da Faculdade,

precisaram ser revistos. A participao em encontros pedaggicos nos quais se discutia tanto

problemas educacionais quanto contedos matemticos propriamente ditos contribuiu para que eu me

estabelecesse como professora de Ensino Mdio, nvel no qual atuo at hoje.

Ao ingressar no curso de Especializao em Educao Matemtica comecei a me interessar por

estudos relacionados ao pensamento combinatrio, tema que at ento era novo para mim.

Entre 2003 e 2007, participei de vrios cursos de extenso promovidos pelo Ncleo

Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Educao Matemtica (NIEPEM), da Universidade Federal

de Ouro Preto. O projeto, intitulado Repensando o ensino da Matemtica no Ensino Mdio, reunia

15 professores da Universidade, alunos de graduao em Matemtica e professores de Matemtica das

escolas da regio. A cada semestre, definamos coletivamente um contedo matemtico abordado no

Ensino Mdio para estudar.

Nossos encontros ocorriam todas as semanas, durante uma tarde. Promovamos discusses

sobre textos e atividades propostos por pesquisadores, colegas de profisso e estudantes do curso de

Matemtica. Como em geral as reunies aconteciam na quarta-feira, comeamos a nos chamar de

grupo da quarta. As atividades discutidas e planejadas durante os encontros eram aplicadas nas

nossas salas de aula e, posteriormente, analisadas pelo grupo. Temas como os principais erros

apresentados pelos alunos eram discutidos e comparados com informaes obtidas em nossas leituras.

Entre os diversos assuntos abordados, o estudo sobre o ensino de Anlise Combinatria foi o

que mais chamou minha ateno. Na ocasio, fizemos vrias leituras envolvendo a histria e o ensino

deste contedo, o que me levou a perceber que os erros descritos por alguns pesquisadores podiam ser

verificados nos registros de meus alunos. J h algum tempo lecionando para o 2 ano, conhecia os

problemas gerados pelo ensino desse contedo por meio da aplicao de frmulas e j buscava mtodos

alternativos. Um desses mtodos consistia na introduo do contedo a partir da resoluo de

situaes-problema pelos alunos. A participao nesse projeto ajudou-me a repensar minha atuao e a

buscar apoio terico para meu trabalho.

Em 2007, fui aprovada no processo seletivo para o Mestrado Profissional em Educao

Matemtica da UFOP. Iniciei meus estudos em maro de 2008. Nesta ocasio, decidi seguir

investigando o tema que me inquietava h tempos: o ensino e aprendizagem de Anlise Combinatria.

Uma proposta de ensino baseada na valorizao do raciocnio combinatrio, no incentivo

investigao e na socializao de ideias pode contribuir para o processo de ensino e aprendizagem de

Anlise Combinatria na sala de aula. E, para mostrar as contribuies e limitaes de uma proposta

como esta, realizei um estudo de caso que incentivasse professores a utiliz-la em suas salas de aula,

fazendo as adaptaes que julgarem necessrias.

Minha hiptese que possvel ensinar e aprender Anlise Combinatria de modo mais

interessante e significativo para os alunos, quando se desenvolve uma proposta baseada em situaes-

problema discutidas coletivamente.

A utilizao de situaes-problema pode contribuir para a aprendizagem de diversos contedos,

inclusive, da Anlise Combinatria. Mas somente aprender a resolver os problemas, construindo suas

prprias estratgias, no o suficiente para tornar esta aprendizagem eficaz. Atravs da discusso em

pequenos grupos e da troca de experincias entre o professor e seus alunos ou entre os prprios alunos,

16 a aprendizagem potencializada pela oportunidade de aprender consigo mesmo e com o outro. Tais

ideias vm tanto de minha prtica docente quanto das leituras feitas.

Momentos de partilha de saberes, como a apresentao das estratgias utilizadas para solucionar

um determinado problema, nos quais os alunos possam expor suas ideias, propor sugestes, questionar

e refletir proporcionam o desenvolvimento das habilidades de expresso e a autoconfiana. Tambm

reduzem a nfase nos erros cometidos, uma vez que o foco est no processo de elaborao das

respostas e no raciocnio utilizado. O processo de ensino e aprendizagem pode ser potencializado pela

interao entre os alunos e professores, partilhando diferentes vises e negociando significados.

A partir do exposto, desenvolvi, juntamente com minha orientadora, uma pesquisa norteada pela

seguinte questo de investigao: que contribuies uma proposta de ensino que enfatiza a

Comunicao Matemtica pode trazer para o ensino e a aprendizagem de Anlise Combinatria em

uma turma do 2 ano do Ensino Mdio de uma escola pblica de Itabirito (MG)?

Nosso objetivo geral era investigar o potencial da Comunicao Matemtica em uma proposta

de Anlise Combinatria, construda com base na resoluo de situaes-problema, para alunos do 2

ano do Ensino Mdio.

Para isso, traamos alguns objetivos especficos: (1) avaliar a mobilizao dos conhecimentos

combinatrios ao longo da proposta; (2) identificar as principais estratgias utilizadas; (3) analisar o

desenvolvimento dos argumentos utilizados pelos alunos ao longo do estudo, (4) investigar o papel das

discusses em pequenos e grandes grupos, e, (5) identificar como os estudantes avaliaram a proposta de

ensino. Com a finalidade de alcanar estes objetivos, traamos uma estratgia de trabalho.

Inicialmente, revisamos a literatura acerca do ensino e aprendizagem da Anlise Combinatria,

principalmente, no sentido de identificar os principais obstculos e formas de enfrent-los. Quando

buscamos um olhar terico para analisar essa proposta, percebemos que seu diferencial mais que na

estratgia de ensino (resoluo de problemas, investigao matemtica ou cenrios de investigao)

estava no tipo de interao discursiva que se estabelecia na sala de aula, ou seja, no tipo de

comunicao. A partir da, passamos a estudar esse construto, buscando compreend-lo e aplic-lo

neste estudo. Em seguida, uma proposta de ensino foi elaborada e aplicada em uma turma do 2 ano do

Ensino Mdio de uma escola pblica, em Itabirito (MG).

Na presente pesquisa, buscamos uma Comunicao Matemtica entre alunos e professores que

fosse alm da mera troca de informaes. Nosso propsito era desenvolver uma comunicao que

contribusse para uma compreenso mais profunda dos conceitos relacionados Anlise Combinatria

e que estimulasse a argumentao e a expresso. Isso porque nem toda comunicao gera

17 aprendizagem, entretanto, toda aprendizagem produto de algum tipo de comunicao, a partir da

interao de um sujeito com um objeto e/ou com outro sujeito, na medida em que significados so

negociados e novos conhecimentos so construdos.

Durante o desenvolvimento da proposta de ensino, procuramos construir um ambiente de

aprendizagem no qual todos os alunos eram estimulados a expor suas ideias, apresentar sugestes,

argumentar, questionar e refletir. Nesse ambiente, eles se tornaram agentes ativos, co-responsveis pela

prpria aprendizagem.

A preocupao com a criao de um espao de dilogo levou valorizao do trabalho em

grupo. Como Carvalho (2009, p. 15), acreditamos que interagir com um ou mais parceiros pressupes

que se trabalhe em conjunto com outro, e quando se trabalha colaborativamente espera-se que

ocorram certas formas de interaces sociais responsveis pelo activar de mecanismos cognitivos de

aprendizagem, como a mobilizao de conhecimentos.

Eles aprendem a questionar, trocam ideias uns com os outros e aprendem a trabalhar

coletivamente. A experincia coletiva contribui para o desenvolvimento individual e favorece a

cooperao entre indivduos.

Nesse sentido, organizamos o presente relato da seguinte forma: no 1 captulo, apresentamos

nossa reviso de literatura acerca do ensino e da aprendizagem de Anlise Combinatria; no Captulo 2,

discutimos a Comunicao e a sala de aula de Matemtica; no Captulo 3, apresentamos nossas opes

metodolgicas e principais procedimentos adotados no estudo; no Captulo 4, descrevemos e

analisamos a proposta de ensino. Conclumos apresentando as Consideraes Finais, Referncias e

Apndices.

Alm da Dissertao, uma preocupao que norteou todo o trabalho foi a possibilidade de

contribuir de modo efetivo para a melhoria do ensino e da aprendizagem da Anlise Combinatria. Para

isso, todo o estudo se orientou no sentido de analisar as contribuies da proposta de ensino construda,

com o propsito de, ao final, oferecer uma verso mais sinttica, mas no menos cuidada, para os

professores, meus colegas.

18

CAPTULO 1:

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE ANLISE COMBINATRIA

A Anlise Combinatria um dos ncleos da matemtica discreta e parte importante da

Probabilidade. Segundo Roa e Navarro-Pelayo (2001, p.1): os problemas combinatrios e as tcnicas

para sua resoluo tiveram e tm profundas implicaes no desenvolvimento de outras reas da

matemtica como a probabilidade, a teoria dos nmeros, a teoria dos autmatos e inteligncia

artificial, investigao operativa, geometria e topologia combinatrias.

Para esses autores, a combinatria constitui-se em um amplo campo de investigao com

intensa atividade, devido s numerosas aplicaes em diferentes reas (ex. Geologia, Qumica, Gesto

Empresarial, Informtica e Engenharia) e s implicaes em outros ramos da Matemtica. Por exemplo,

quando se descreve o espao amostral de um experimento, utilizado raciocnio combinatrio. Se o

aluno no compreende a Anlise Combinatria, provavelmente ter dificuldade para aprender

Probabilidade. Muitos modelos de distribuio de probabilidade so expressos por meio de operaes

combinatrias, por exemplo, a distribuio binomial. Consequentemente, muitas dificuldades

encontradas no ensino e na aprendizagem desse contedo (ou dessa disciplina) podem estar

relacionadas a um raciocnio combinatrio pobre ou parcamente desenvolvido.

Existe uma relao entre as duas, contudo, a combinatria no apenas uma tcnica de clculo

de probabilidade. Para os autores, o raciocnio combinatrio um componente essencial do

pensamento formal e um pr-requisito importante para o raciocnio lgico geral. E, por estas razes, a

combinatria foi includa nos currculos de Matemtica. Contudo, a realidade do ensino e da

aprendizagem desse tema, nas classes da Educao Bsica, carrega consigo muitos obstculos.

Roa (2000), em sua tese de doutorado, verificou que, em um grupo de estudantes espanhis dos

ltimos perodos de um curso de licenciatura em Matemtica, as dificuldades apresentadas para

resolver problemas de combinatria considerados, por ele, elementares, estavam, entre outros motivos,

na deficincia do ensino oferecido na educao bsica, onde a nfase foi dada ao estudo das frmulas,

em detrimento dos componentes mais primrios como a enumerao sistemtica e o diagrama de

possibilidades.

No Brasil, os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) destacam, dentre outras coisas, a

importncia do raciocnio combinatrio na formao dos alunos do Ensino Mdio e o cuidado que ns,

professores, devemos ter ao abord-lo. Segundo esse documento:

19

As habilidades de descrever e analisar um grande nmero de dados, realizar inferncias e fazer predies com base numa amostra de populao, aplicar as ideias de probabilidade e combinatria a fenmenos naturais e do cotidiano so aplicaes da Matemtica em questes do mundo real que tiveram um crescimento muito grande e se tornaram bastante complexas. Tcnicas e raciocnios estatsticos e probabilsticos so, sem dvida, instrumentos tanto das cincias da Natureza quanto das Cincias Humanas. Isto mostra como ser importante uma cuidadosa abordagem dos contedos de contagem, estatstica e probabilidades no Ensino Mdio... (BRASIL, 1998, p.257).

Contudo, embora as orientaes sejam claras, percebemos, ao longo de nossa experincia como

professoras, no contato com os colegas, que, tambm em nosso pas, comum o ensino da Anlise

Combinatria exclusivamente por meio de manipulao de frmulas ou resolues padronizadas1.

Alm disso, verifica-se facilmente nas avaliaes escolares e testes nacionais (PROVA BRASIL, por

ex.) que a aprendizagem, muitas vezes, no alcanada a partir desses mtodos. Tal fato aponta para

a necessidade de romper com modelos tradicionais e construir e aplicar novas propostas.

A Anlise Combinatria vem sendo estudada por alguns autores que evidenciam sua

importncia como contedo escolar. Eles identificam ainda aspectos que podem influenciar o processo

de ensino aprendizagem desse contedo, como as principais estratgias de resoluo, os tipos de

problemas e os erros mais frequentes.

Kapur (1970 apud BATANERO, 1997, p 1, traduo livre)2 descreve as razes que ratificam a

importncia do ensino de Anlise Combinatria.

"Uma vez que no depende do Clculo, permite considerar problemas adequados para

diferentes nveis, podendo ser discutidos com alunos problemas ainda no resolvidos, de modo

que descubram a necessidade de criar novas matemticas.

Pode ser usado para treinar os alunos na enumerao, a realizao de conjecturas, a

generalizao, otimizao e sistemas de pensamento.

Pode ajudar a desenvolver diversos conceitos, tais como a aplicao, a ordem e as relaes de

equivalncia, funo, programa, conjunto, subconjunto, produto cartesiano, etc.

Pode haver muitas aplicaes em diferentes campos, tais como Qumica, Biologia, Fsica,

Comunicao, Probabilidade, Teoria dos nmeros, grficos, etc. "

1 Entendemos como resolues padronizadas aquelas sugeridas pelo professor como modelo e repetidas pelos alunos nas resolues dos problemas. 2 Texto na lngua original:Puesto que no depende del Clculo, permite plantear problemas apropiados para diferentes niveles; pueden discutirse con los alumnos problemas an no resueltos, de modo que descubran la necesidad de crear nuevas matemticas. Puede emplearse para entrenar a los alumnos en la enumeracin, la realizacin de conjeturas, la generalizacin, la optimizacin y el pensamiento sistemtico. Puede ayudar a desarrollar muchos conceptos, como los de aplicacin, relaciones de orden y equivalencia, funcin, muestra, conjunto, subconjunto, producto cartesiano, etc. Pueden presentarse muchas aplicaciones en diferentes campos, como: Qumica, Biologa, Fsica, Comunicacin, Probabilidad, Teora de nmeros, Grafos, etc.

20

Nesse sentido, a Anlise Combinatria se constitui ferramenta para diversas reas do conhecimento

cientfico, graas ao seu vasto campo de aplicaes. Alm disso, permite a elaborao de situaes-

problema que podem ser discutidas atravs da construo de conjecturas e discusso de ideias,

promovendo o desenvolvimento da capacidade de argumentao em diferentes nveis de ensino.

Apesar do reconhecimento da importncia desse tema, o nmero de pesquisas nessa rea ainda

pequeno. Em um levantamento, realizado em 2009, o grupo GERAO3 verificou que o nmero de

trabalhos envolvendo o tema raciocnio combinatrio apresentado em eventos, tanto em mbito

nacional quanto internacional, nos ltimos anos, muito baixo. Neste arrolamento identificaram que,

nos 23 encontros4 de Educao investigados, ocorridos no perodo de 2004 a 2008, foram apresentados

apenas 28 trabalhos sobre o tema. Em alguns desses eventos, nem mesmo houve a incidncia de

pesquisas nessa rea.

O presente estudo pretende contribuir para o desenvolvimento das reas de Educao

Matemtica e Educao estatstica, mas, principalmente, para o crescimento profissional de professores

que se interessam pelo processo de ensino e aprendizagem de Anlise Combinatria. Para tanto,

buscamos investigar os aspectos que o influenciam.

Segundo Dubois (1984 apud BATANERO, 1997), os enunciados dos problemas combinatrios

simples5 podem ser classificados em trs tipos diferentes: de seleo, de colocao e de partio. O

primeiro est relacionado ideia de amostras que podem configurar agrupamentos ordenados ou no

ordenados, com repetio ou sem repetio de elementos. O segundo traz situaes onde n elementos,

diferentes ou no, devem ocupar m lugares. Ao resolver problemas desse tipo, devemos considerar

algumas peculiaridades que influenciaro o resultado final, como, por exemplo, se os elementos so

iguais ou diferentes, se os lugares possuem uma ordenao, se os elementos sero colocados nesses

lugares de acordo com determinada ordem e se existe a possibilidade de algum lugar ficar vazio. Os

problemas de partio propem dividir grupos em subgrupos.

A seguir, apresentamos alguns problemas que Sturm (1999) extraiu do trabalho de Batanero,

Godino e Navarro-Pelayo (1996) para exemplificar esses trs modelos.

3 Grupo de Estudos em Raciocnio Combinatrio. Criado em 2009 na Universidade Federal de Pernambuco. 4 Psychology of Mathematics Education (2004, 2005 e 2006); International Conference on Teaching Statistics (2006); Conferencia Interamericana de Educacin Matemtica (2003 e 2007); Reunio de Didtica da Matemtica do CONESUL (2006); Seminrio Internacional de Pesquisa em Educao Matemtica (2003 e 2006); Simpsio Internacional de Pesquisa em Educao Matemtica (2006 e 2008); Encontro Nacional de Educao Matemtica (2001, 2004 e 2007); Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao (2000 a 2007); Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino (2006). 5 Segundo Roa (2000, p 21), os problemas combinatrios simples so definidos tanto por Gscon (1988) quanto por Navarro-Pelayo (1994) como sendo aqueles que podem ser resolvidos mediante a aplicao de apenas uma operao combinatria, com ou sem repetio.

http://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=&langpair=pt|enhttp://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=&langpair=pt|enhttp://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=&langpair=pt|enhttp://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=&langpair=pt|en

21

Modelo Exemplos: Seleo Se quer eleger um comit formado por trs membros: presidente, tesoureiro e secretrio:

Para selecion-lo, dispomos de quatro candidatos: Arturo, Baslio, Carlos e David. Quantos comits diferentes se podem eleger com os quatro candidatos? Exemplo: Arturo como presidente, Carlos como tesoureiro e David como secretrio (BATANERO, GODINO e NAVARRO-PELAYO, 1996, p 39 apud STURM, 1999, p 33)

Colocao Dispomos de trs cartas iguais. Desejamos coloc-las em quatro envelopes das cores amarelo, branco, creme e dourado. Se cada envelope s pode conter, no mximo, uma carta, de quantas formas possvel colocar as trs cartas nos quatro envelopes? Exemplo: Podemos colocar uma carta no envelope amarelo, outra no branco e outra no creme. (BATANERO, GODINO e NAVARRO-PELAYO, 1996, p 38 apud STURM, 1999, p 33)

Partio Maria e Carmen tm quatro cromos numerados de 1 a 4. Decidem repart-los entre as duas (dois cromos para cada uma). De quantos modos se podem repartir os objetos? Exemplo: Maria pode ficar com os cromos 1 e 2, e Carmem com os 3 e 4. (BATANERO, GODINO e NAVARRO-PELAYO, 1996, p 39 apud STURM, 1999, p 33)

Tabela 1: Exemplos de enunciados de problemas combinatrios simples.

Roa (2000, p. 17) chama a ateno para o fato de que o modelo criado por Dubois (1984)

restringiu-se a uma esfera terica, enquanto o trabalho de Navarro-Pelayo (1991) e Batanero e Navarro

(1991) avaliaram o efeito que o modelo combinatrio implcito no enunciado tem sobre as

dificuldades e as estratgias dos alunos.

Tomando como ponto de partida os estudos de Navarro-Pelayo (1994), Roa (2000, p. 22)

analisa as categorias propostas como esquemas interpretativos dos enunciados de problemas

combinatrios, denominando-os de esquemas combinatrios, e prope subdividi-los segundo algumas

condies.

O esquema de seleo6 foi subdividido considerando o tipo de agrupamentos: se a ordem de

seleo ou no importante na formao de cada grupo e se os elementos se repetem. Do cruzamento

entre essas possibilidades, estabeleceram-se os quatro modelos combinatrios: seleo ordenada sem

reposio, seleo ordenada com reposio, seleo no ordenada sem reposio e seleo no

ordenada com reposio. Esses modelos so comumente denominados, no Ensino Mdio,

respectivamente, como: Arranjo simples; Arranjo com repetio; Combinao simples e Combinao

com repetio. Tambm no Ensino Mdio trabalhada a Permutao, que nada mais que um caso

especial de Arranjo.

Na figura a seguir, procuramos ilustrar essa ideia.

6 Cuando se requiere (o se interpreta el enunciado de esta manera) seleccionar muestras de un tamao r a partir de un conjunto de n objetos (ROA, 2000, p 22)

22

A ordem da seleo: Os elementos:

IMPORTA

NO IMPORTA

SE REPETEM

NO SE REPETEM

Arranjo com repetio

Combinao com repetio

Arranjo sem repetio

Combinao sem repetio

PROBLEMAS DE SELEO:

Figura 1: Problemas de seleo

Estes modelos geram as operaes combinatrias bsicas cujos modelos matemticos podem ser

observados na tabela a seguir.

Modelos combinatrios de seleo Modelos matemticos7

Arranjo simples An,r = n (n 1) ...(n-r+1) Arranjo com repetio ARn,r = nr

Combinao simples Cn,r = An,r : PrCombinao com repetio CRn,r = Cn+r-1,r.

Tabela 2: Modelos combinatrios de seleo e modelos matemticos correspondentes.

A permutao (Pr) um arranjo onde n = r, da: Pr = Ar,r.

Tais modelos matemticos podem e devem ser conhecidos pelos professores. Para os estudantes

da Educao Bsica, entendemos que a nfase deve ser dada na resoluo de problemas combinatrios,

por meio de mtodos como o diagrama de possibilidades e a observao de padres, o que,

possivelmente, levar generalizao desses modelos. A linguagem utilizada no precisa ser simblica,

pode apenas descrever o modelo.

Roa (2002) ainda prope subdivises para os esquemas de colocao e partio. No presente

estudo, utilizaremos principalmente problemas envolvendo o esquema de seleo, visto que o grau de 7 Nos modelos descritos, n representa a quantidade de elementos disponveis para a seleo e r, o nmero de elementos de cada agrupamento.

23 complexidade que os outros esquemas envolvem est alm do que usualmente desenvolvido em

classes do Ensino Mdio.

Entendemos que identificar o subesquema de seleo de um enunciado contribui para a correta

resoluo de um problema, mas, como mostram algumas pesquisas, no o suficiente. Os alunos

apresentam outras dificuldades e podem cometer outros erros que no estejam ligados ao tipo de

seleo.

Batanero (1997, p 8-9, traduo livre)8 enumerou os onze erros mais comuns apresentados pelos

alunos ao resolver problemas de combinatria. Na tabela a seguir, procuramos organiz-los.

Descrio do erro E1 Troca do tipo de modelo matemtico do enunciado do problema E2 Erro de ordem: Este tipo de erro, descrito por Fischbein y Gazit (1988) consiste em confundir os

critrios de combinao e arranjo; ou seja, considerando a ordem dos elementos quando irrelevante ou, ao contrrio, no considerar a ordem quando essencial.

E3 Erro de repetio: O aluno no considera a possibilidade de repetir os elementos quando isso possvel ou repete os elementos quando no possvel.

E4 Confundir o tipo de objetos: Considerar que os objetos so idnticos quando so distintos ou que objetos diferentes so anlogos.

E5 Enumerao no sistemtica: Este tipo de erro foi descrito por Fischbein e Gazit (1988), e consiste em resolver o problema por enumerao, mediante tentativa e erro, sem um processo recursivo que conduza formao de todas as possibilidades.

E6 Resposta intuitiva errada: Os alunos apenas apresentam uma soluo numrica errda, sem justificar sua resposta.

E7 No recordam a frmula correta da operao combinatria que identificaram corretamente.

8 Texto original Descrio do erro E1 Cambiar el tipo de modelo matemtico en el enunciado del problema E2 Error de orden: Este tipo de error, descrito por Fischbein y Gazit (1988), consiste en confundir los criterios de

combinaciones y variaciones; es decir, considerar el orden de los elementos cuando es irrelevante o, al contrario, no considerar el orden cuando es esencial.

E3 Error de repeticin: El alumno no considera la posibilidad de repetir los elementos cuando sto es posible o repite los elementos cuando no es posible hacerlo.

E4 Confundir el tipo de objetos: Considerar objetos idnticos cuando son distinguibles o que objetos diferentes son indistinguibles.

E5 Enumeracin no sistemtica: Este tipo de error fu descrito por Fischbein y Gazit (1988), y consiste en resolver el problema por enumeracin, mediante ensayo y error, sin un procedimiento recursivo que lleve a la formacin de todas las posibilidades.

E6 Respuesta intuitiva errnea: Los alumnos slo dan una solucin numrica errnea, sin justificar la respuesta. E7 No recordar la frmula correcta de la operacin combinatoria que ha sido identificada correctamente E8 No recordar el significado de los valores de los parmetros en la frmula combinatoria E9 Interpretacin errnea del diagrama en rbol E10 Confusin en el tipo de celdas (tipo de subconjuntos) E11 en las particiones formadas. Esto puede ocurrir en los dos siguientes casos: a) La unin de todos los subconjuntos

en una particin no contiene a todos los elementos del conjunto total. b) Olvidar algunos tipos posibles de particin.

24 E8 No recordam o significado dos valores dos parmetros da frmula combinatria. E9 Interpretao errada do diagrama de rvore. E10 Confuso quanto ao tipo de agrupamento (tipo de subconjuntos) E11 Formao dos grupos. Isso pode ocorrer em dois casos seguintes: a) A unio de todos os subconjuntos

em um grupo que no contm todos os elementos do conjunto. b) Esquecer-se de alguns possveis tipos de grupos.

Tabela 3: Erros mais comuns apresentados pelos alunos ao resolver problemas de combinatria (extrado de BATANERO, 1997).

Como docentes, observamos que os erros tambm podem ser do tipo aritmtico. Em geral,

ocorre quando o nmero de agrupamentos grande o suficiente para inviabilizar a enumerao de

todos e, neste caso, o aluno precisa generalizar os padres observados e criar uma estratgia que

dependa de operaes aritmticas. Acontece de o estudante interpretar o enunciado e definir

corretamente as operaes necessrias para resolver o problema, mas cometer erros na operao. Neste

caso, podemos associar este erro a uma falta de ateno do sujeito ou a dificuldade de resolver

operaes aritmticas.

Alguns pesquisadores descreveram outras dificuldades alm das citadas anteriormente. Hadar e

Hadass (1981, apud ROA e NAVARRO-PELAYO, 2001, p 5-6) evidenciam que as dificuldades tpicas

dos alunos so:

a. Reconhecer o conjunto correto a enumerar; b. Escolher uma notao apropriada, o que agravado com diferentes textos utilizando diferentes notaes; c. Fixar uma ou mais variveis; d. Generalizar a soluo.

Acreditamos que essas dificuldades podem ser minimizadas atravs de uma dinmica que

valorize as discusses, em pequenos ou grandes grupos, de problemas envolvendo diferentes tipos de

situaes. Ao propor essas atividades, necessrio considerar o grau de dificuldade que envolvem.

Para Roa e Navarro-Pelayo (2001, p 7), as dificuldades em relao a problemas combinatrios

aumentam com o tamanho da soluo. Nos problemas mais simples, que necessitam de apenas uma

operao combinatria, o ndice de acertos maior. Uma das principais dificuldades interpretar qual

tipo de elementos combinar, qual esquema combinatrio utilizar e, assim, ver se a ordem importa e se

h repetio.

Em nossa experincia docente, observamos que quando a quantidade de elementos de cada

agrupamento menor, a enumerao, seja ela sistemtica ou no, realizada pelos alunos sem muita

dificuldade, mas quando este nmero aumenta, muitos no so capazes de faz-la, observao

corroborada por Fernandes e Correia (2007, p 1261). Esses autores verificaram, em seu trabalho com

25 27 alunos do 9 ano de uma escola em Portugal, que o ndice de respostas erradas aumenta quando

aumenta o nmero de elementos envolvidos na operao, principalmente quando se amplia o tamanho

da amostra.

Nas discusses entre os participantes do grupo da quarta, verificamos que nossos alunos

cometiam erros similares aos descritos por Batanero (1997) e tambm apresentavam as mesmas

dificuldades enumeradas por Hadar e Hadass (1981), Roa e Navarro-Pelayo (2001) e Fernandes e

Correia (2007). Nesse sentido, observamos que as barreiras estabelecidas para a compreenso da

Anlise Combinatria no obedecem a fronteiras.

preciso conhecer e entender como se processam os erros mais frequentes apresentados pelos

alunos, ao resolver problemas combinatrios, a fim de buscar estratgias para tentar evit-los ou ainda

minimiz-los. Nesse sentido, ao elaborar os problemas que constituiro uma proposta de ensino de

anlise combinatria, preciso considerar que os enunciados dos problemas devem ser claros e

fornecer os dados necessrios para sua soluo.

comum um aluno do 2 ano do Ensino Mdio interrogar seu professor de Matemtica acerca

do tipo de agrupamento envolvido em uma situao, ou mesmo ser capaz de resolver um problema

combinatrio utilizando a enumerao, quando a questo envolve um nmero pequeno de

agrupamentos, mas com dificuldade de estabelecer padres ou generalizar solues para quantidades

maiores.

Buscando sanar essas dificuldades, podemos incentivar nossos alunos a utilizar diferentes

estratgias de resoluo de problemas de combinatria por meio de procedimentos diversos. Incentivar

o aluno a elaborar as prprias estratgias por meio da anlise e discusso de situaes-problema uma

alternativa. Os PCN (1998, p. 266) orientam:

No somente em Matemtica, mas particularmente nessa disciplina, a resoluo de problemas uma importante estratgia de ensino. Os alunos confrontados com situaes-problema novas, mas compatveis com os instrumentos que j possuem ou que possam adquirir no processo, aprendem a desenvolver estratgias de enfrentamento, planejando de etapas, estabelecendo relaes, verificando regularidades, fazendo uso dos prprios erros cometidos para buscar novas alternativas; adquirem esprito de pesquisa, aprendendo a consultar, a experimentar, a organizar dados, a sistematizar resultados, a validar solues; desenvolvem sua capacidade de raciocnio, adquirem autoconfiana e sentido de responsabilidade; e finalmente, ampliam sua autonomia e capacidade de comunicao e de argumentao.

Roa (2000, p 15) resumiu as diversas estratgias intuitivas de enumerao, caracterizadas nas

obras de diversos autores (MAURY, 1986; MENDELSHON, 1981; SCARDAMALIA, 1977), em

cinco tpicos: a) Seleo aleatria dos elementos; b) tentativa de enumerar todos os agrupamentos sem

26 utilizar elementos que j foram utilizados em outros agrupamentos; c) tentativa de encontrar, por meio

de um processo sistemtico, todos os agrupamentos possveis (ex. seleo aleatria de elementos e

permutao cclica entre eles para determinar outros agrupamentos); d) uso de um elemento constante

que servir como referencial para a formao dos agrupamentos e, por ltimo, e) a estratgia

algortmica completa que se caracteriza pela aplicao do elemento de referncia e de um modo cclico

sistemtico e completo.

Dentre as formas apresentadas, a utilizao da ltima estratgia revela a capacidade de

encontrar todos os agrupamentos de modo sistemtico e, consequentemente, de resolver problemas que

envolvem a enumerao de possibilidades. Nessa estratgia, o uso de um elemento de referncia facilita

o processo de generalizao e, ao enumerar de forma sistemtica e cclica, aumentamos a chance de

descrever todas as possibilidades.

Roa e Navarro-Pelayo (2001) afirmam que os estudantes so capazes de identificar

corretamente o tipo de agrupamentos e a repetio que causa uma interferncia. Entretanto, apesar de a

maioria dos alunos interpretar a ordem corretamente, muitos cometem erros ligados combinao ou

quando ignoraram a possibilidade de repetio dos elementos. Os mtodos mais usados so a

enumerao e o uso de frmulas e, muitas vezes, um mtodo utilizado para validar o outro. O uso de

diagrama de rvores escasso. Geralmente, so utilizadas tcnicas de resoluo de problemas como

traduzir o problema a outro equivalente, fixar variveis, regras de soma, produto e quociente, e

decompor o problema em subproblemas.

Em sua pesquisa, Fernandes e Correia (2007) identificaram quatro tipos de estratgias utilizadas

pelos alunos para resolver os problemas de combinatria: a enumerao, o diagrama de rvore, o uso de

frmulas e a operao numrica, utilizadas de forma isolada ou concomitantemente. O maior ndice de

acertos nas respostas para os problemas ocorreu quando as estratgias adotadas foram o diagrama de

rvores e as operaes, seguidas pela enumerao sistemtica. Os autores afirmam que: a estratgia

de enumerao amplamente utilizada pelos alunos. No entanto, quando aumenta o nmero de

elementos envolvidos na operao combinatria, esta estratgia geralmente menos usada e diminuiu

a sua eficcia em termos de percentagem de respostas correctas (FERNANDES e CORREIA, 2007,

p 1266).

Segundo Roa (2000), autores como Piaget e Inhelder concordam que, se apresentarmos

problemas simples envolvendo raciocnio combinatrio a adolescentes, eles sero capazes de resolv-

los utilizando processos tambm simples como a enumerao. Para eles, esse tipo de raciocnio

influencia o desenvolvimento do pensamento formal. Roa (2000) tambm afirma que, para autores

27 como Fischbein, apesar de os adolescentes apresentarem essa capacidade espontnea, nem sempre

possvel alcanar-se um nvel mais elaborado de raciocnio combinatrio, quando no se tem acesso ao

ensino. Nesse sentido, para construirmos uma proposta de ensino de Anlise Combinatria eficaz, faz-

se necessria, inicialmente, uma investigao sobre o nvel de raciocnio combinatrio em que os

alunos se encontram e o que pode ser feito para que possam alcanar patamares mais elevados.

Entretanto, em muitos casos, as frmulas so apresentadas sem uma discusso prvia, apesar de,

em geral, os alunos j apresentarem um raciocnio combinatrio elementar. Esse conhecimento no

considerado e parte-se do princpio do total desconhecimento do assunto em questo. Os problemas

propostos transformam-se em atividades cujos objetivos se restringem aplicao de frmulas.

Batanero (1997) afirma que, para ensinar Anlise Combinatria, deveramos considerar o

raciocnio recursivo e os procedimentos sistemticos de enumerao, em vez de centrar nossos esforos

em aspectos algortmicos e em definies combinatrias.

Para evitar que os alunos apenas memorizem as frmulas e, depois de algum tempo, as

esqueam ou no sejam capazes de aplic-las adequadamente por desconhecer seu sentido,

importante construir todo o processo juntamente com eles, de modo que, efetivamente, compreendam

cada ao realizada, refletindo a respeito do problema e analisando a melhor estratgia para resolv-lo.

Esteves (2001) destaca que o relacionamento dos alunos com o professor, tipos de atividades

propostas e o ambiente de trabalho so alguns dos diversos fatores que podem influenciar o

aprendizado, visto que as atividades devem ter significado e fazer sentido para os alunos e estes tm de

se sentir confiantes perante o professor para que o aprendizado flua de forma favorvel. A autora

destaca tambm a importncia de valorizarmos os diferentes tipos de representaes. Estas facilitam a

visualizao do processo utilizado para chegar formalizao e facilitam a percepo de objetos

abstratos que no so diretamente compreensveis, pois representam um ambiente prximo do

indivduo.

Segundo Vergnaud (1998, apud ESTEVES, 2001, p 74), a representao um reflexo da

realidade, um meio para prever efeitos reais e calcular as aes que se vo realizar. Nesse sentido,

trabalhar com materiais concretos facilita a compreenso por parte do aluno, alm de estimul-lo.

Sendo assim, ensinar Anlise Combinatria a partir da aplicao de frmulas no torna a

aprendizagem mais eficiente. O aluno pode at conseguir resolver alguns problemas mais simples,

entretanto, provavelmente, ter dificuldades em situaes onde os agrupamentos tm alguma

particularidade como, por exemplo, formar numerais pares utilizando alguns algarismos,

principalmente se entre eles estiver o zero. No sentido contrrio, defendemos a ideia de que aulas nas

28 quais so utilizadas dinmicas que estimulam a interao e o dilogo levam o aluno a buscar estratgias

prprias, atribuindo significado ao que est aprendendo, potencializando o ensino e a aprendizagem de

Anlise Combinatria.

Nesse sentido, torna-se essencial compreender a natureza da Comunicao Matemtica que se

estabelece na sala de aula e aspectos que podem potencializ-la. Tais aspectos so centrais na

estruturao e desenvolvimento de nossa proposta de ensino. No prximo captulo, apresentamos os

significados atribudos ao construto neste estudo.

29

CAPTULO 2:

A COMUNICAO E O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM EM MATEMTICA

Na presente investigao, buscamos um referencial terico que nos auxiliasse a construir e

analisar uma proposta de ensino na qual, atravs da discusso de situaes-problema, envolvendo

alunos e professor, em pequenos e grandes grupos, pudssemos potencializar o processo de ensino e

aprendizagem de Anlise Combinatria.

A natureza das atividades que vnhamos desenvolvendo com os alunos em sala de aula, ao

longo dos ltimos anos, nos levou a pensar que, talvez, o referencial estaria relacionado Resoluo

de Problemas, Investigaes na Sala de Aula de Matemtica ou Cenrios para a investigao.

Procuramos conhecer cada uma dessas tendncias, de modo a evidenciar suas caractersticas e

distines, bem como verificar se possuam os elementos necessrios para fundamentar teoricamente

nosso estudo.

As leituras mostraram que, apesar de todas essas tendncias se relacionarem com a proposta que

estvamos desenvolvendo, nenhuma delas atendia totalmente nossas expectativas. Percebemos que o

mais importante em nossa proposta no era a natureza das atividades em si, mas a dinmica na qual

eram desenvolvidas. Ou seja, a interao estabelecida entre professor e alunos e aluno-aluno era o

ponto central. Nesse momento, comeamos a estudar o artigo de Martinho e Ponte (2007a)9 e

estabelecemos nosso primeiro contato com a Comunicao na sala de Aula de Matemtica.

Em experincias anteriores, observamos que a aprendizagem dos alunos no se dava apenas em

funo da atividade proposta em si. . Era o clima criado na sala que fazia a diferena. Ou seja, eram as

discusses em pequenos e grandes grupos, formados por professores e estudantes, e os registros por

elas gerados que influenciavam os sujeitos, atribuindo significado ao que estavam aprendendo. Nesse

sentido, a Comunicao na sala de aula de Matemtica seria o melhor referencial para nosso trabalho.

Apresentamos neste captulo uma sntese de nossas leituras, destacando alguns aspectos que,

alm de centrais para a compreenso do tema, revestem-se de significado ao fundamentar nossas

escolhas metodolgicas e orientar a anlise dos dados.

Para a maioria das pessoas, a comunicao , necessariamente, uma relao dual entre um

emissor e um receptor que trocam informaes, utilizando-se de determinados cdigos.

9 MARTINHO, Maria Helena; PONTE Joo Pedro da. Comunicao na sala de aula de Matemtica: Prticas e reflexo de uma professora de Matemtica. 2007a.

30

Comunicamos-nos ao transmitir alguma informao, mas tambm podemos fazer da

comunicao entre duas ou mais pessoas uma situao privilegiada de ensino e de aprendizagem. Para

tanto preciso garantir que o dilogo estabelecido estimule a construo de novos pensamentos e

argumentos capazes de valid-los. Em um processo comunicativo no qual indivduos apresentam suas

ideias de modo aberto e sem receios, todas as partes tm a possibilidade de ensinar e aprender um com

o outro.

Durante sculos, a comunicao inicialmente oral e depois, oral e escrita exerceu o papel de

instrumento de perpetuao de costumes de um determinado povo, atravs dos ensinamentos

transmitidos de uma gerao para outra, na expectativa de que o conhecimento seja imortalizado

atravs dos tempos. O escritor registra seus pensamentos em um papel que poder ser lido por outras

pessoas e estas construiro seus prprios pensamentos acerca daquilo que acabaram de ler. Entretanto,

a comunicao pode, tambm, exercer um papel controlador dos membros de uma sociedade. Em

algumas situaes, discursos podem ser utilizados para coagir os sujeitos a agirem, no de forma livre,

mas influenciados pelas ideias de outros.

Conversando com outros professores e a partir de nossas experincias como docentes, podemos

afirmar que h, em nosso universo escolar, aulas com procedimentos bem variados: de ambientes que

incentivam a troca de experincias, atravs de discusses em pequenos e grandes grupos, a aulas em

que o aluno incentivado a manter-se isolado ou impossibilitado de expressar suas conjecturas e

dvidas. Em ambientes como este, a interao entre o professor e os alunos baseia-se em uma relao

entre um sujeito que informa e outro que recebe a informao.

Durante os anos de docncia que precederam este trabalho, observamos que a interao

estabelecida entre professor e alunos (bem como entre os alunos), mais especificamente, a forma como

se comunicam em sala de aula influencia, significativamente, os processos de ensino e aprendizagem.

Para DAntonio (2006, p 31), de um modo geral, na sala de aula, a Matemtica tem se

reduzido memorizao de frmulas, smbolos e a clculos incessantes. Este espao, aparentemente

menos democrtico, tende a reforar o autoritarismo do professor e a criar alunos mais submissos e

com dificuldades de argumentao. Nesse contexto, a relao entre professor e aluno segue um padro

hierrquico de manuteno do poder.

Aulas em que o aluno um mero receptor de informaes podem lev-lo a repetir

procedimentos sem atribuir-lhes significado. Entretanto, se o ambiente favorvel a discusses que

valorizam a argumentao, o aluno constri seu prprio conhecimento, a partir do que emite e do que

31

recebe. A reviso de literatura vem corroborar e aprofundar essas noes, construdas a partir de nossa

experincia como docente.

A forma como o professor se relaciona com seus alunos e a dinmica que se estabelece na

classe relacionam-se com a viso de ensino e de aprendizagem de Matemtica que possui esse docente.

Cada abordagem traz, em sua essncia, ecos dessa viso. Dessa forma, encontramos na literatura

diversas abordagens que privilegiam determinados tipos de comunicao que buscam contribuir com o

processo de ensino e aprendizagem. A resoluo de problemas, por exemplo, privilegia uma relao na

qual o aluno no um simples agente passivo nesse processo. Para Menezes (1999, p.5), as

intervenes dos alunos dependem em grande medida do espao discursivo que o professor "reserva",

tendo em conta os modelos de ensino/aprendizagem que privilegia. Numa aula de resoluo de

problemas, por exemplo, ser importante que o professor estimule os alunos a mostrarem, dizerem,

explicarem e criticarem as vrias resolues.

Mais do que ensinar a um aluno como resolver problemas, oferecendo-lhe habilidades e

tcnicas, necessrio garantir o espao de discusses para que possa aprender consigo mesmo e com os

outros. Estabelecer analogias e diferenas entre suas solues e as dos colegas, aprender com os erros,

expressar-se de forma organizada, a fim de defender suas ideias perante os outros, so algumas das

contribuies que este espao pode gerar.

Outra abordagem que destacamos so os cenrios de investigao, propostos por Skovsmose

(2000)10. Para o autor, um Cenrio para Investigao se estabelece quando os alunos so convidados e

aceitam o convite para participar ativamente em processos de explorao e argumentao justificada.

Nesse ambiente de aprendizagem, a comunicao exerce um papel importante. Skovsmose (2000;

200111) vai alm, ao propor que a sala de aula como microssociedade mostre aspectos de

democracia. Assim, em uma sala de aula, tal como em uma democracia, imprescindvel a criao e

manuteno de espaos onde todos os indivduos possam dialogar, em pequenos ou grandes grupos,

gozando a liberdade de expresso. Portanto, necessrio garantir que a sala de aula seja um ambiente

no qual alunos e professores possam se manifestar, de forma organizada, expondo e defendendo suas

ideias. Para que esse meio democrtico seja criado, no basta abrirmos espao na sala de aula para as

discusses. preciso desenvolver nos indivduos a capacidade de se expressar e ser entendido pelo

outro.

Acreditando no valor desse tipo de relao entre professor e alunos (bem como entre alunos),

procuramos aprofundar nossa concepo acerca do termo comunicao.

10 SKOVSMOSE, Ole. Cenrios para investigao. Bolema, ano 13, n 14, p. 66-91, 2000. 11 SKOVSMOSE, O. Educao matemtica crtica: A questo da democracia. Campinas, SP: Papirus, 2001.

32

A influncia da Comunicao no processo de ensino e aprendizagem reconhecida como

valiosa por vrios autores. Em sua tese de doutorado, Martinho (2007) realiza um levantamento da

literatura sobre a comunicao no contexto especfico da sala de aula de Matemtica e nos vrios nveis

de ensino. Ela evidencia que vrios autores (BISHOP e GOFFREE, 1986; VOIGT, 1995; YACKEL e

COBB, 1996; HICKS, 1998; WOOD, 1998; PONTE e SANTOS, 1998; PONTE e SERRAZINA,

2000; ROMO, 2000, dentre outros) reconhecem a importncia da comunicao, destacando os

padres de interao subjacentes e a negociao de significados como essenciais para a aprendizagem

de Matemtica.

Em alguns pases, movimentos educacionais ressaltam a importncia de se discutir o tipo de

comunicao que se estabelece na sala de aula e seu reflexo no processo de ensino e aprendizagem em

diversas reas, entre elas, a Matemtica.

Portugal um deles. Estudos sobre a comunicao vm ganhando projeo, desde a dcada de

1980, quando ocorreu o movimento de reforma no ensino da Matemtica (ex. MENEZES, 1999;

MARTINHO, 2007). Segundo Romo (1998 apud SANTOS, 2009), a importncia atribuda mudana

da comunicao de carter unvoco para o estabelecimento de comunidades discursivas na sala de aula

exerceu um papel de destaque neste movimento.

Menezes (1999), em uma conferncia sobre Matemtica, Linguagem e Comunicao, refere-se

a trs autores que defendem o estudo da comunicao como essencial no desenvolvimento do processo

de ensino e aprendizagem de Matemtica. A tabela a seguir apresenta tais ideias.

Stubbs (1987 apud MENEZES, 1999, p 1)

... ensinar e aprender confundem-se com a prpria comunicao.

Baroody (1993 apud MENEZES (1999, p14)

as principais razes para focar o ensino da Matemtica na comunicao podem ser sintetizadas em dois pontos: a primeira, que a Matemtica essencialmente uma linguagem uma segunda linguagem; a outra, que a Matemtica e o ensino da Matemtica so, no seu mago, actividades sociais".

Long (1992 apud MENEZES, 1999, p 6)

... uma comunicao efectiva na sala de aula contribui para o desenvolvimento da capacidade de pensar e melhora a aprendizagem dos alunos.

Tabela 4: A importncia da Comunicao no processo de ensino e aprendizagem em Matemtica para alguns autores.

No Brasil, no final da dcada de 1990, os PCN (1999, p 125) sugerem a necessidade de

mudanas no processo de ensino-aprendizagem. Dentre estas, propem um trabalho sistemtico e

organizado com a linguagem, a fim de desenvolver um conjunto de disposies e atitudes como

pesquisar, selecionar informaes, analisar, sintetizar, argumentar, negociar significados, cooperar,

33 buscando capacitar o aluno a participar da sociedade como cidado, sendo capaz de prosseguir seus

estudos e preparar-se para o trabalho.

Alm disso, vrios trabalhos (FANIZZI, 2008; D ANTONIO, 2006; GOMES, 2007;

BENITES, 2006; VACCARI, 2007; SILVA, 2007; FERREIRA, 2007; entre outros), em diversas reas

da Educao Matemtica, citam a comunicao como um veculo eficaz no desenvolvimento do

processo de ensino e aprendizagem. Em alguns, como em nossa pesquisa, o assunto tratado,

concomitantemente, com contedos matemticos especficos. Seguem alguns exemplos.

Ferreira (2007) investiga as dificuldades que alunos de uma turma de 1 ano do Ensino Mdio

apresentam diante de situaes de argumentao e prova, envolvendo o teorema de Pitgoras.

Gomes (2007), ao estudar sobre aulas investigativas na Educao de Jovens e Adultos, afirma

que a riqueza das tarefas propostas encontra-se, entre outros motivos, nos processos de argumentao e

validao das diversas estratgias de resoluo, bem como na comunicao das ideias. Alguns

trabalhos dedicam-se a discutir no a Comunicao ou a Comunicao Matemtica, mas investigam

assuntos correlacionados, como, por exemplo, a argumentao, a linguagem e as interaes na sala de

aula.

Fanizzi (2008), Vaccari (2007) e Benites (2006), em suas dissertaes, evidenciaram a

importncia das interaes entre alunos e professores no desenvolvimento do processo de ensino e

aprendizagem. Por outro lado, Silva (2007) reflete sobre como a argumentao pode contribuir no

ensino e na aprendizagem de Fsica.

Outro estudo interessante o de DAntonio (2006). Ela investigou se e de que forma as

interaes estabelecidas entre professor e alunos contribuem para o aprendizado de Matemtica. A

partir da observao das aulas de duas professoras, verificou-se que os alunos se esforam em

responder o que acreditam que seu professor deseja ouvir e este, por sua vez, influencia as respostas

por meio de gestos, entonao de voz, desenhos e questionamentos. Dessa forma, o aluno induzido a

responder como seu professor espera que faa sem, necessariamente, compreender os argumentos que

levaram quela resposta. Segundo a autora, o discurso do professor muitas vezes usado para impor

sua opinio em detrimento das ideias dos estudantes. DAntnio (2006, p 110-111) afirma que:

O professor procura, por meio de seu discurso, convencer seus alunos de que o caminho por ele indicado o mais correto e seguro. Todavia, tais argumentos so, muitas vezes, mais usados para impor uma opinio do que para contrapor um ponto de vista a partir de um dilogo pretendido pelos alunos, visto que muitas das perguntas levantadas por estes e pelos docentes no so respondidas.

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Por fim, a autora ressalta a necessidade de professores e alunos vivenciarem uma prtica

dialogada, abrindo espao para que o aluno participe ativamente do processo de ensino e aprendizagem.

Estes estudos confirmam o interesse de professores e pesquisadores pela investigao da

Comunicao Matemtica na sala de aula. Entretanto, o que entendemos por comunicao? E

comunicao matemtica?

Definindo Comunicao e Comunicao Matemtica na sala de aula

Comunicao um termo que apresenta vrias definies. No senso comum, a comunicao

entendida como a transmisso de informaes entre indivduos. Para Menezes (1999, p. 3):

Quando afirmamos que dois homens comunicam, consideramos duas realidades complementares, entendendo a palavra em dois sentidos: no sentido etimolgico, "comunicar" est ligado ao adjectivo comum e ao substantivo comunidade. Comunicar ser neste sentido "tornar comum", "pr em comum", ou ainda, "estabelecer comunidade".

Segundo Martinho (2007b, p 14), a comunicao, como definio elementar, pode ser entendida

como mensagem trocada entre um receptor e um emissor e, de acordo com os autores Mounier

(1960 apud MARTINHO, 2007b) e Kierkegaard (1941 apud MARTINHO, 2007b), como,

respectivamente, experincia estruturante da pessoa ou uma relao existencial entre indivduos

singulares e concretos.

Na presente pesquisa, a comunicao percebida como um processo mais complexo que uma

troca de mensagens ou uma relao entre indivduos. um processo capaz de criar interaes e

influenciar os sujeitos envolvidos.

A comunicao pode ser enfocada de distintas formas, segundo o contexto no qual pretendemos

analis-la. Martinho (2007, p 16) exemplifica os aspectos que so destacados em dois desses contextos,

como podemos acompanhar no quadro a seguir.

Contextos: Papel da comunicao:

Psicolingustica

... vista como um intercmbio de mensagens informativas, analisando-se principalmente a actuao dos intervenientes sobre os significados. Assim, as caractersticas pessoais dos intervenientes, os seus modos de percepo, as formas como processam informao, as expresses mais utilizadas, so consideradas muito relevantes (MARTINHO, 2007, p 16).

Semitica

Ao colocar a comunicao exclusivamente ao nvel do signo, esta torna-se num

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objecto, independente do contexto, dos intervenientes e da relao entre eles estabelecida. No entanto, por si s, esta viso limitada (MARTINHO, 2007, p 16).

Tabela 5: O papel da comunicao nos contextos da Psicolingustica e da Semitica. A comunicao no contexto da Semitica contrape-se Psicolingustica, quando deixa de

considerar quem so e o meio em que os interlocutores esto inseridos. No ambiente de sala de aula, o

processo comunicativo no apresenta caractersticas relacionadas exclusivamente a apenas um destes

contextos. Utiliza-se daqueles aspectos que podem contribuir para a educao como, por exemplo, a

linguagem e as caractersticas dos sujeitos envolvidos no intercmbio de informaes.

Para Menezes (1999), apesar de as interaes na aula de Matemtica e a Comunicao

apresentarem zonas de interseo, so conceitos diferentes. A interao pode ser entendida como

aes que indivduos exercem sobre outros (MENEZES, 1999, p 2), sem, necessariamente,

apresentar finalidades comunicativas do tipo que transferem alguma informao, enquanto a

Comunicao tem essa transferncia como objetivo. Entretanto, o autor afirma que o intercmbio

acontece em vrios meios, inclusive meios alm do sistema lingustico, e as informaes recebidas pelo

receptor podem no ter origem lingustica. Dessa forma, entende a comunicao humana como uma

forma de interao social entre indivduos.

Para Saramona (1987 apud MARTINHO, 2007b, p. 16), comunicao e transmisso so

conceitos diferentes. A primeira ocorre quando a informao significativamente interiorizada pelo

receptor, e a segunda, quando no atribudo nenhum significado.

Na sala de aula, professores e alunos estabelecem relaes e estas geram consequncias que

tanto podem contribuir quanto prejudicar o desenvolvimento do processo comunicativo. evidente que

os profissionais da educao no tm interesse em influenciar negativamente o aprendizado de seus

alunos e alunas, mas, sem uma reflexo adequada sobre o tipo de comunicao que se pretende

promover no ambiente da sala de aula, podem, involuntariamente, cometer este erro.

Nesse sentido, uma comunicao capaz de influenciar os sujeitos positivamente pode contribuir

para o processo de ensino e aprendizagem de Anlise Combinatria.

Para Martinho e Ponte (2007, p 2): a comunicao constitui um processo social onde os

participantes interagem trocando informaes e influenciando-se mutuamente. Nessa perspectiva, os

sujeitos, ao participarem do processo comunicativo, interagem trocando informaes e sendo

influenciados por elas. Nesse sentido, alunos e professores poderiam ser incentivados a dialogar e a

36 desenvolver argumentos consistentes, mostrando-se capazes de defender suas ideias e construir o

prprio conhecimento.

Influenciados por Martinho (2007), entendemos a Comunicao Matemtica como sendo a

Comunicao estabelecida nas aulas de Matemtica, envolvendo, especificamente, saberes matemticos

ou a eles relacionados.

No presente estudo, investigamos a Comunicao e a Comunicao Matemtica no ambiente

especfico da sala de aula. Para tanto, adotamos a definio utilizada por diversos autores e compilada

por Santos (2009, p 117), na aula de matemtica, a comunicao pode ser entendida, com diferentes

autores que tm se ocupado dela, como todas as formas de discursos, linguagens utilizadas por

professores e alunos para representar, informar, falar, argumentar, negociar significados.

Tais aes tm influncia direta no processo de ensino e aprendizagem e podem potencializ-lo

na medida em que so direcionadas para a aprendizagem.

Em uma aula na qual se deseja promover a Comunicao Matemtica, capaz de levar o

estudante a apropriar-se de conhecimentos atravs de questionamentos acerca do que pensa saber e das

novas informaes que lhe so oferecidas, essencial promover momentos de discusso de ideias entre

os sujeitos. Ao expressar-se, elaborando argumentos, o indivduo atribui significado e se apropria do

conhecimento, potencializando assim maior autonomia no processo de ensino e aprendizagem.

Para DAntonio (2006, p 27), um grande nmero de educadores defende, se fundamentando

em diferentes enfoques tericos, que a atividade do sujeito essencial para a construo de seus

saberes. Quando o estudante tem a oportunidade de elaborar suas conjecturas acerca de determinado

assunto e defender suas ideias perante outros indivduos, torna-se intelectualmente mais autnomo,

portanto, torna-se capaz de construir estratgias prprias de resoluo de problemas, ao invs de repetir

aquela ensinada pelo professor, aprende a reconhecer diferentes resolues, compar-las e adquirir um

conhecimento com significado.

Aspectos essenciais da comunicao: interao e negociao de significados

Martinho (2007) destaca dois aspectos essenciais: a interao e a negociao de significados. A

interao constitui a dinmica do processo comunicativo entre os presentes na sala de aula e a

negociao de significados, o modo como estes sujeitos partilham, desenvolvem, ajustam e apropriam-

se de conceitos e processos matemticos.

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Segundo Menezes (1999, p 4),

a qualidade do trabalho desenvolvido por uma turma, e consequentemente o tipo de linguagem e a qualidade da comunicao, depende, em grande medida, da forma como o professor organiza as situaes de ensino/aprendizagem, da forma como organiza o trabalho dos alunos, de como os orienta e das tarefas que apresenta.

Contudo, no cotidiano escolar

o livro e o professor so as fontes donde brotam correntes de palavras, muitas delas com pouco significado para os alunos; a comunicao dos alunos, nas aulas, restringe-se a respostas curtas a perguntas formuladas oralmente pelo professor e a exerccios escritos modelados anteriormente. Nestas aulas, os alunos no so chamados a explicar as suas ideias, nem a confront-las com as dos colegas. Apesar de os alunos estarem agrupados em turmas com duas a trs dezenas de elementos, a aprendizagem faz-se no mais perfeito isolamento, como se aqueles no tivessem condies fsicas de estabelecer comunicao (MENEZES, 1999, s/n)12.

Dificilmente, em uma aula em que prevalece a exposio de contedo pelo professor e uma

atitude passiva por parte dos alunos, pode-se encontrar um ambiente propcio para uma relao que

privilegia a negociao de significados. Em contrapartida, aulas investigativas ou de resoluo de

problemas que instigam os estudantes a criarem estratgias, a trabalhar em grupos, nos quais estas

estratgias so partilhadas e discutidas, exigem um esforo maior na direo de criar argumentos

consistentes.

Concordamos com Menezes (1999, p 14): a comunicao entre os alunos, tanto oral como

escrita, constitui um aspecto que o professor deve incrementar, porque permite o desenvolvimento de

capacidades, de atitudes e de conhecimentos. Dessa forma, essencial estabelecer uma interao

entre professor e alunos na qual exista espao para a troca de saberes, a argumentao e a construo

coletiva de conhecimento, mais que a transmisso de informaes. Ou seja,

a interao, alm de uma fonte para a aprendizagem da cooperao, torna-se uma fonte de construo de conhecimentos compartilhados, visto que quando professor e alunos colaboram e interagem no debate de assuntos e problemas, diferentes pontos de vista podem surgir e serem negociados (DANTONIO, 2006, p 17).

Na sala de aula so desencadeados vrios processos interativos. Os contextos em que ocorrem

so diversos e as formas de expresso tambm. As relaes professor/aluno e aluno/aluno processam-se

de forma diferente. Na primeira, existe uma assimetria que pode ser (e, muitas vezes, tem sido)

acentuada pela forma como muitos de ns, professores, conduzimos nossa aula. Em geral, o professor

12 MENEZES, Luis. Matemtica, linguagem e comunicao. Ata do PROFMAT 99, 1999, Lisboa, APM, Disponvel em http://www.ipv.pt/millenium/20_ect3.htm

http://www.ipv.pt/millenium/20_ect3.htm

38 comea a aula explicando o contedo aos alunos e, em seguida, prope uma srie de exerccios para

serem resolvidos de acordo com os modelos apresentados anteriormente. O aluno no tem a

oportunidade de utilizar seus conhecimentos prvios e, em alguns casos, nem mesmo pode questionar

as informaes transmitidas pelo professor que, nesse contexto, o nico detentor de conhecimento.

Em discusses envolvendo professor e aluno, este tende a submeter-se ao discurso do primeiro e

esforar-se menos para julgar at que ponto a ideia apresentada significativa. Para o professor, muitas

vezes, difcil ouvir sem interferir no discurso do aluno, visto que, habitualmente, define o que est

certo ou errado na sala de aula. Mas essa relao pode ser mais democrtica quando professor e alunos,

juntos, buscam aprender, utilizando recursos que possibilitem uma interao capaz de gerar

conhecimento. As interaes estabelecidas na sala de aula podem interferir positivamente no processo

de ensino e aprendizagem, na medida em que tornam possvel aprender com o outro.

Na relao estabelecida entre estudantes podemos ainda observar certa hierarquia. Em grupos

de alunos resolvendo determinada atividade proposta pelo professor, possvel verificar que alguns

assumem o papel de lder, enquanto outros preferem seguir as orientaes. Essa diviso de funes no

necessariamente prejudicial ao processo, mas preciso garantir que todos tenham a oportunidade de

participar, expondo suas ideias. Um lder pode organizar a dinmica do grupo, mas no deve assumir

para si toda a responsabilidade de resolver a atividade proposta.

Em geral, em grupos de alunos, a comunicao flui com mais facilidade, visto que a linguagem

utilizada comum aos indivduos e a fora da hierarquia menor. As discusses costumam ser mais

independentes quando o grupo formado por crianas. Elas geralmente resolvem suas diferenas sem a

necessidade da interveno de um adulto. Estes que insistem em participar e muitas vezes interferem

de forma negativa, inibindo a criatividade dos estudantes. Com o tempo, os alunos perdem a habilidade

de procurar aprender com o outro e comeam a buscar o professor para saber a resposta certa. Assim,

ao trabalharmos com adolescentes, precisamos levar em considerao que uma relao de dependncia

j foi estabelecida anteriormente e modific-la no uma tarefa fcil.

no trabalho cooperativo estabelecido nas rel