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Escola da Vila Simpósio Interno 2009 “Ensinar a estudar: conquistas e desafios” Clarice Camargo e Mariana Volkmer Resumo O presente trabalho tem como objetivo ampliar a reflexão sobre a formação dos alunos como estudantes, compartilhar algumas intervenções realizadas no 5º ano que estiveram a serviço dessa formação e apresentar uma análise das mesmas. As propostas realizadas em classe nos permitiram rever o estudo como conteúdo a ser ensinado, assim como, favoreceram a concepção de novas propostas que podem potencializar a formação de nossos alunos enquanto estudantes. Primeiramente, o trabalho apresenta os motivos que justificam a escolha do tema a ser desenvolvido e situa algumas considerações teóricas que contribuíram para essa reflexão, permearam a intencionalidade dos professores e fundamentaram as decisões tomadas durante todo o processo de reflexão e análise. Em seguida, expõe as intervenções realizadas e conclusões encontradas em duas áreas do conhecimento trabalhadas na escola: um olhar reflexivo sobre estudar em matemática e em práticas de linguagem. Justificativa “O estudo hoje é um o elo perdido entre um ensino que parece querer controlar todo o processo didático e uma aprendizagem cada vez mais debilitada por uma exigência de que se “produza” como uma consequência imediata, quase instantânea, do ensino. Pretendemos restituir o estudo ao lugar que o corresponde: o coração do projeto educativo de nossa sociedade. (...) Propomos considerar a educação de maneira mais ampla como um projeto de estudo cujos principais protagonistas são os alunos. O professor dirige o estudo, o aluno estuda” (tradução livre) Retirado do livro “Estudiar matemáticas. El eslabón perdido entre enseñanza y aprendizaje” Yves Chevallard, Marianna Bosch, Joseph Gascón. Estudar é uma tarefa imprescindível para o processo de aprendizagem. Os alunos, ao longo da escolaridade, precisam desenvolver estratégias que possam ser usadas dentro e fora da escola, desenvolver um projeto pessoal de estudo.

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Escola da Vila – Simpósio Interno 2009

“Ensinar a estudar: conquistas e desafios”

Clarice Camargo e Mariana Volkmer

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo ampliar a reflexão sobre a

formação dos alunos como estudantes, compartilhar algumas intervenções

realizadas no 5º ano que estiveram a serviço dessa formação e apresentar uma

análise das mesmas. As propostas realizadas em classe nos permitiram rever o

estudo como conteúdo a ser ensinado, assim como, favoreceram a concepção de

novas propostas que podem potencializar a formação de nossos alunos enquanto

estudantes.

Primeiramente, o trabalho apresenta os motivos que justificam a escolha

do tema a ser desenvolvido e situa algumas considerações teóricas que

contribuíram para essa reflexão, permearam a intencionalidade dos professores e

fundamentaram as decisões tomadas durante todo o processo de reflexão e

análise. Em seguida, expõe as intervenções realizadas e conclusões encontradas

em duas áreas do conhecimento trabalhadas na escola: um olhar reflexivo sobre

estudar em matemática e em práticas de linguagem.

Justificativa

“O estudo hoje é um o elo perdido entre um ensino que parece querer controlar

todo o processo didático e uma aprendizagem cada vez mais debilitada por uma

exigência de que se “produza” como uma consequência imediata, quase

instantânea, do ensino. Pretendemos restituir o estudo ao lugar que o

corresponde: o coração do projeto educativo de nossa sociedade. (...) Propomos

considerar a educação de maneira mais ampla como um projeto de estudo cujos

principais protagonistas são os alunos. O professor dirige o estudo, o aluno

estuda” (tradução livre)

Retirado do livro “Estudiar matemáticas. El eslabón perdido entre enseñanza y aprendizaje” Yves

Chevallard, Marianna Bosch, Joseph Gascón.

Estudar é uma tarefa imprescindível para o processo de aprendizagem. Os

alunos, ao longo da escolaridade, precisam desenvolver estratégias que possam

ser usadas dentro e fora da escola, desenvolver um projeto pessoal de estudo.

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Assim, a satisfação passa a estar cada vez mais em “aprender” e não apenas em

“ganhar o reconhecimento do professor ou dos pais”.

Ao considerar o estudo a partir dessa perspectiva, estamos trabalhando

diretamente com uma das mais importantes finalidades da educação. Precisamos

garantir que os alunos dominem os meios necessários para continuar seu

processo de aprendizagem por toda a vida. Sendo assim, ensiná-los a estudar é

um dos objetivos da escola.

Ao longo da escolaridade, os alunos passam por situações formativas de

diversas naturezas que atuam diretamente na construção da relação deles com o

conhecimento, com o “saber”.

Quando entram nessa escola, aprendem o funcionamento da mesma e o

significado das tarefas escolares. Desenvolvem formas de trabalhar em parceria

aprendendo a cooperar, a respeitar as diferenças, a valorizar os demais, a

confiar nos outros, a participar de discussões, a expressar ideias e justificá-las,

assim como, escutar as ideias dos colegas e organizar um trabalho em equipe.

Mais tarde, os alunos são inseridos em situações de aprendizagem de

maior complexidade no que diz respeito ao propósito, aos prazos previstos e as

formas de avaliação. Com isso, a gestão do tempo dentro e fora da escola, a

organização de uma agenda de trabalho, a busca de alternativas se as fontes de

informações previstas falharem são alguns dos assuntos que um aluno, enquanto

estudante, precisa se ater.

Nessa fase da escolaridade é necessário que o professor dedique parte do

tempo a ensinar a estudar. Não podemos esquecer de que o estudo deve ser o

objetivo principal do processo didático e que os alunos vão à escola para estudar

qualquer que seja a área do conhecimento. Dessa forma o próprio ensino se

constitui em um instrumento de apoio para o estudo, ou seja, a maneira como o

professor desenvolve o trabalho em sala de aula vai influenciar o modo como

cada um se relaciona com a construção do conhecimento e percebe o estudo.

O professor serve de modelo para ensinar muitos conteúdos do currículo

escolar; ao fazer um resumo com as ideias principais de um texto, ao realizar

uma comparação, ao expor um questionamento, ao utilizar o índice de um livro o

professor contribui para a formação de estudante de seus alunos, e, para isso ele

precisa de tempo e espaço especialmente planejados. As intervenções para

favorecer aprendizagens dos alunos enquanto estudantes devem orientar o

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estudo e serem capazes de gerar novas propostas que, apropriadas por eles,

tornam-se procedimentos pessoais de estudo. Ser estudante implica em saber

recriar, demonstrando compreensão, generalizando conceitos e construindo

conhecimentos por aproximações sucessivas.

Além de atuar como modelo, para que o estudo como conteúdo seja

aprendido, o professor precisa de ações sistemáticas que promovam o

desenvolvimento dos alunos para que alcançassem maior autonomia nesse

processo. Essa autonomia não se produz como um mero efeito da passagem do

tempo na escola, ela deve ser apoiada por meio de um trabalho pedagógico.

Desenvolver a autonomia dos alunos, estudantes, significa tomar decisões

didáticas que favoreçam, de fato, esse desenvolvimento. Como, por exemplo,

abrir espaço para que progressivamente os alunos tomem mais decisões sobre

seus próprios trabalhos, promover situações em que eles mesmos tenham que

eleger os procedimentos e os meios materiais que são mais adequados à

proposta do enunciado entre outros. E, paralelamente, aproximá-los da ideia de

que o tempo e o espaço da aprendizagem não são somente o tempo e espaço da

escola. Por isso as tarefas escolares para serem realizadas em casa, nesse

momento da escolaridade, implicam uma maior elaboração e organização por

parte do aluno, somente assim elas poderão favorecer o desenvolvimento dessa

autonomia de estudante.

Segundo Paulo Freire, Considerações em torno do ato de estudar (1982,

p.9), “... estudar é, realmente um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma

postura crítica sistemática. Exige disciplina intelectual que não se ganha a não

ser praticando-a.” Enfim só se aprende estudar, estudando.

Essa postura crítica, essencial para o ato de estudar, requer do estudante

uma postura também responsável (de sujeito do processo), uma postura curiosa,

reflexiva (que lança perguntas, que se inquieta e que busca) e humilde (que

reconhece o desafio e sai em busca de instrumentos para vencê-lo).

Para estudar o aluno precisa estar motivado. E essa motivação não é

externa, mas sim interna e esbarra no desejo de conhecer e saber algo. Estudar

um conceito envolve, entre outras coisas, relacioná-lo com outros, identificar

situações nas quais ele pode ou não ser aplicado e reconhecer erros comuns

decorrentes do uso inadequado daquele conceito, entre outras competências que

são desenvolvidas na ação de buscar um conhecimento.

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Precisamos nos atentar, também, para o fato de que cada área tem uma

especificidade em seu fazer. Para cada uma delas existe uma maneira de

produzir, de comunicar e de validar os conhecimentos. É necessário que o aluno

conheça essas particularidades para obter sucesso em seus estudos.

Pensando em tal questão, procuramos esse ano nos dedicar a olhar para a

formação do estudante nas diferentes áreas do conhecimento. Iniciamos uma

reflexão a partir da supervisão da Patricia Sadovsky sobre a avaliação em

matemática. Reformulamos os encaminhamentos de algumas provas e

especialmente as orientações de estudo para que as crianças se preparassem

para realizá-las. Além de termos o foco na construção de procedimentos de

estudos, o nosso objetivo era o de, também, fazê-las protagonistas desse

processo. Os alunos, ao participarem ativamente nesses momentos, fazem das

propostas além de instrumentos de avaliação, espaços privilegiados de

aprendizagem.

As mudanças na área de matemática contribuíram muito para o olhar que

tínhamos em relação ao “ensinar a estudar” e temos buscado realizar mudanças

da mesma natureza na área de práticas de linguagem. Ao pensar sobre isso logo

percebemos que o “estudar na área de práticas de linguagem” não é igual ao

“estudar na área de matemática”. Sendo assim, seguimos com uma reflexão a

respeito de como planejar e proporcionar situações que ampliem o repertório de

estratégias de estudo também na área de práticas de linguagem. Conseguimos

identificar o que já temos feito a esse respeito e pensar sobre o que podemos

incluir no trabalho.

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Um olhar, reflexivo, sobre a área de Matemática

A avaliação em matemática foi um tema recorrente nas discussões em

equipe realizadas no ano de 2008 e início de 2009. No 5º ano, os instrumentos

de avaliação nessa área eram bastante restritos, em geral usávamos mais provas

tanto para avaliar quanto para dar aos alunos o retorno sobre sua aprendizagem.

Além disso, as propostas formuladas nas provas pareciam uma reprodução

exageradamente semelhante às atividades realizadas em classe, ou seja,

dávamos as mesmas atividades com variações dos números. Essa realidade

gerava um incômodo e fomos percebendo que por trás desse incômodo estavam

algumas dúvidas: o que devemos avaliar? Como avaliar determinados

conteúdos? Estratégia de cálculo mental é um conteúdo a ser avaliado? De que

forma? Isoladamente ou inserido no contexto da resolução de problemas?

Avaliam-se estratégias específicas ou a possibilidade de calcular mentalmente?

Como avaliar essa possibilidade? Qual grau de aprendizagem se espera para

determinado conteúdo?

No primeiro semestre de 2009, tivemos uma supervisão com a Patricia

Sadovsky sobre avaliação. As contribuições trazidas por ela foram fundamentais

para que ressignificássemos nossa prática. Destacamos algumas que se

relacionam mais diretamente com esse trabalho e justificam as mudanças

realizadas que vamos relatar.

No que diz respeito à avaliação de uma forma mais geral, Patricia destacou

que nem tudo o que é trabalhado em classe precisa ser avaliado. Esta

preocupação em avaliar tudo significa uma tentativa de controle que não é

possível, já que avaliar não é algo totalmente objetivo. Quando se pensa em

atribuição de conceito e definição de aprovação, é necessário definir o que é

central e essencial do trabalho da série para avaliar. A questão não se coloca da

mesma maneira quando avaliamos para saber o que sabem ou não os alunos e

assim definirmos os próximos passos das sequências de ensino/aprendizagem.

Nesse caso, cabe ao professor ampliar o seu olhar.

Em relação às provas, retomou que elas retratam um momento e não um

processo. Para avaliar o processo precisamos propor outros instrumentos. Além

disso, colocou que os momentos de avaliação precisam ser também momentos

potentes de aprendizagem.

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A respeito do estudo, Patricia destacou a necessidade de proporcionar

espaço para os alunos tirarem dúvidas em diferentes momentos. Disse que é

fundamental que os alunos conheçam o seu processo de aprendizagem, saibam o

que estão aprendendo, onde encontram dificuldade, o que já sabem bem etc.

Considerando isso, as orientações de estudo devem servir também como um

momento de autoavaliação.

A supervisão trouxe novas questões que estão sendo importantes para

repensar o trabalho. Por outro lado, também tocou em questões já conhecidas,

mas que ganharam um novo sentido, pois, naquele momento, estavam atreladas

a nossa prática. Saímos envolvidas com todas essas questões e nos apoiamos

nas contribuições trazidas a fim de planejar mudanças.

A primeira delas foi definir que as próximas duas avaliações seriam

realizadas em dupla, porém de formas diferentes. Preparamos uma prova de

fração para ser feita inteiramente em dupla, ou seja, os alunos teriam que entrar

em acordo sobre estratégias e respostas, o que não é uma tarefa fácil. A opção

pelo trabalho em dupla tinha o objetivo de também avaliar a competência dos

alunos em discutir, argumentar, convencer, deixar-se convencer, entrar em

acordo, compreender o raciocínio do colega etc.. Aumentamos o desafio

cognitivo apresentado nas propostas e alteramos o contexto em que apareciam

os conteúdos trabalhados, para garantir que as situações realmente gerassem

discussão. Planejamos também uma prova de cálculo mental para ser resolvida

em parceria, mas dessa vez, a proposta era para que os alunos discutissem os

problemas e respondessem sozinhos em sua folha. Neste caso era possível

apresentar soluções diferentes e o professor podia ter uma avaliação mais

individual.

As situações de realização de provas em dupla e parceria representam

momentos potentes de aprendizagem, pois o aluno entra em contato com outra

forma de pensar que não é só a sua e precisa explicar a estratégia que usaria e

compreender a do colega, entre outras coisas. Foi interessante observar, por

exemplo, que no caso da prova de cálculo mental apesar de compartilhar

estratégias, como a prova era em parceria, cada um podia dar a sua resposta e

as crianças acabavam optando pela estratégia que as deixava mais seguras,

mesmo não sendo a mais eficiente para a situação. Com isso, o professor podia

avaliar melhor em que momento da aprendizagem cada aluno estava.

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Considerando a discussão a respeito da avaliação de estratégias de cálculo

mental, a questão da prova representar um momento e não um processo e ainda

as nossas dificuldades em elaborar boas atividades para avaliar esse conteúdo,

fizemos algumas mudanças também nas questões planejadas. Procuramos criar

propostas que nos davam uma noção maior do processo e das possibilidades de

cálculo mental de cada criança. Antes dávamos um cálculo com o intuito de que

o aluno usasse a estratégia estudada. Dessa vez pensamos, por exemplo, em

uma atividade em que apresentávamos uma lista de cálculos variados para que

os alunos marcassem quais resolveriam mentalmente e por meio de qual

estratégia. Assim, o professor podia avaliar dois aspectos: as escolhas dos

alunos e a adequação das estratégias, mas sem obrigar a criança a usar uma

específica

Após planejar as provas, seguimos pensando sobre a supervisão e

focamos nosso olhar nas orientações de estudo. Patricia apontou nas orientações

do 5º ano que foram mostradas a falta de propostas que levassem o aluno a

estabelecer uma relação entre o momento de estudo realizado na classe e o

momento de avaliação. Propúnhamos, em geral, uma sequência de exercícios

que retomavam os conteúdos trabalhados e algumas orientações para que o

aluno estudasse com seu material.

Já sabíamos que os alunos ainda não tinham repertório e experiência

suficiente para se prepararem autonomamente para as provas. Mas fomos

percebendo que alguns não conseguiam sequer localizar nas apostilas as páginas

realizadas ou no caderno quadriculado as anotações e atividades sobre o tema.

Identificar os conteúdos envolvidos, então, era algo muito distante. Percebemos

que as propostas realizadas até então não davam conta de desenvolver a

autonomia do aluno como estudante e nem permitiam uma autorregulação.

Diante disso, reformulamos as orientações de estudo inserindo propostas

com a intenção de desenvolver essa autonomia e possibilitar uma autoavaliação

em relação às aprendizagens conforme discutiu-se na supervisão. Nessa nova

proposta o aluno participou da elaboração do material de apoio para o estudo,

realizando tarefas como: recordar e localizar as atividades referentes ao

conteúdo avaliado na prova, realizadas nos diferentes materiais (cadernos

pedagógicos, folhas avulsas, caderno quadriculado); identificar nessas atividades

os conteúdos matemáticos envolvidos; eleger e compartilhar estratégias de

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estudo; estudar utilizando alguma dessas estratégias; revisar os conteúdos e

reconhecer quais são suas principais dúvidas; elaborar exercícios para a sua

dupla estudar e corrigi-los (ver anexo I).

Todas essas tarefas propostas aos alunos, nessa nova orientação, tinham

a intenção de colocá-los em contato com procedimentos de estudos que também

são utilizados durante a construção do conhecimento nas aulas e tirá-los do lugar

em que estavam no qual concebiam, fortemente, o estudo como uma exercitação

sem relação com o que fazemos durante o período das aulas. Além disso, tendo

em vista o fato de terem participado da elaboração das orientações, ao contrário

do que costumava ocorrer quando as recebiam prontas dos professores, os

alunos tiveram mais um espaço para desenvolver-se enquanto estudantes

autônomos. Conseguimos inserir propostas em que os alunos precisavam

recordar, revisar, explicar, refletir, analisar, reorganizar, reclassificar e com isso

darem-se conta do quanto estavam aprendendo. Puderam, assim, compreender

melhor como estudar para uma avaliação de matemática e, mais amplamente,

construir procedimentos de estudo que poderão utilizar em outros momentos da

escolaridade e a serviço de outros campos do saber.

Quando pedimos para que eles recordem o que foi estudado durante um

período de aulas estamos trabalhando para que possam refletir sobre o que já foi

feito e tematizado. Ao recordar o que foi feito ou mesmo com que problemas

trabalhamos durante as aulas, os alunos repensam os problemas e quais

procedimentos de resolução foram utilizados para resolvê-los. Assim, para os

alunos que compreenderam os conteúdos trabalhados, recordar significa uma

oportunidade de revisitar esses conteúdos sob outra perspectiva, refletindo sobre

eles. Já para os alunos que não compreenderam, recordar significa uma nova

oportunidade para que isso aconteça e uma razão para fazê-lo, pois terão que

falar a respeito do que foi estudado. É nesse momento que alguns alunos sentem

a necessidade de refazer alguns problemas e exercícios para poderem retomar o

que foi trabalhado. E, para isso, além de encontrar a solução do problema terão

que falar sobre ela, o que favorece o estudo propriamente.

A tarefa de recordar o que trabalhamos tem várias funções, mas uma

delas é de suma importância. Quando fazemos com que os alunos recordem o

que foi trabalhado e, consequentemente, revemos as resoluções dadas por eles

contribuímos para que eles descontextualizem e tenham a possibilidade de

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estabelecer relações entre os novos conhecimentos e os conhecimentos já

construídos.

Revisar as ideias e conceitos já trabalhados é uma tarefa inerente ao

processo de aprendizagem. Entretanto, o aluno deve ser capaz e ter a

oportunidade de dizer o que precisa revisar; geralmente é o professor quem diz

o que precisa ser revisado, tirando do aluno a responsabilidade sobre o processo

de aprendizagem. Ao devolver essa responsabilidade o professor consegue

identificar o que os alunos consideram importante e o que parece não ter sido

tão bem compreendido por alguns. Somente assim ele conseguirá promover

momentos produtivos de estudo. Além disso, ao deparar-se com a tarefa de

explicar um conteúdo já trabalhado o aluno precisa necessariamente reorganizar

o que foi aprendido, recordando e revisando, ou seja, estudando.

A realização da orientação de estudo não foi uma tarefa fácil para os

alunos, eles tiveram dificuldade para reconhecer e localizar as propostas

realizadas e bastante dificuldade para reconhecer e explicitar os conteúdos

matemáticos envolvidos nelas, entre outras que foram objeto de discussão,

reflexão e aprendizagem. A orientação serviu como um importante instrumento

de avaliação para o professor. Pudemos identificar onde estava a dificuldade de

cada aluno no processo de estudo e que representação eles têm do que foi

trabalhado. Com isso, o aluno pôde viver uma situação potente de aprendizagem

a respeito de procedimentos de estudo.

Concluímos que parte das dificuldades encontradas por eles está

relacionada com a faixa etária e com o momento da escolaridade. Por outro lado

vimos que propostas como essas, que fazem o aluno refletir sobre o objeto de

conhecimento, precisam estar presentes ao longo do ano letivo e não apenas nos

momentos que antecedem a prova. Sabemos que o estudo precisa ser uma

atividade permanente e pretendemos olhar cada vez com mais cuidado para isso.

Todas essas situações que promovem maior reflexão dos alunos e favorecem a

formação dos mesmos como estudantes precisam ser a essência do ensino.

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Um olhar reflexivo sobre a área de Práticas de Linguagem

Conforme já foi apontado, estudar é uma prática imprescindível para o

processo de aprendizagem do aluno. Ganhar autonomia para o estudo,

desenvolvendo estratégias potentes e adequando o uso dessas estratégias às

diferentes situações com as quais se depara, deve ser um dos objetivos

principais de aprendizagem do aluno, estabelecido pela escola. Também já

colocamos que, diante disso, uma das tarefas da escola é ensinar o aluno a

estudar e, portanto, é responsabilidade do professor garantir na sala de aula

espaço e promover propostas que apóiem o aluno na construção dos

procedimentos de estudo e o instrumentalizem para que ele possa, cada vez

mais, responsabilizar-se por suas aprendizagens e trabalhar para avançar na

construção de seus conhecimentos.

Considerando, ainda, que as diferentes áreas apresentam suas

particularidades tanto no que diz respeito à construção dos conhecimentos

quanto à didática específica, devemos esperar que as estratégias de estudo

também variem. Pensando mais especificamente no que estamos discutindo

nesse trabalho, podemos dizer que estudar em matemática nem sempre vai ser

igual a estudar em práticas de linguagem, especialmente porque são

conhecimentos de naturezas bastante distintas.

As reflexões na área de matemática foram nosso ponto de partida. Foi

depois de realizar o trabalho relatado que começamos a pensar o “estudar” em

práticas de linguagem. Ao voltar nosso olhar para essa outra área acabamos

percorrendo um caminho distinto e identificamos questões semelhantes e

também outras bastante diferentes. O trabalho em matemática estava com um

foco bem específico nas orientações de estudo e nas provas, pois foram elas que

representaram o incômodo que deu início a nossa reflexão. Não existia em

práticas de linguagem o mesmo incômodo referente a esse instrumento (a

prova), pois ele não ocupa o mesmo lugar dentro do processo de avaliação para

nós nessa área. Os conteúdos avaliados em provas em práticas de linguagem

estão mais focados nos aspectos notacionais e gramaticais, que não constituem a

maior parte do trabalho. O foco aqui está fundamentalmente ligado aos fazeres

do leitor e do escritor e o maior investimento está no ensino dos aspectos

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discursivos e os instrumentos de avaliação mais importantes são as produções e

situações de leitura.

Diante disso começamos a pensar sobre o momento do estudo em práticas

de linguagem, os conteúdos que os alunos devem estudar, os recursos que

podem usar para esse estudo etc. Para que um aluno seja um estudante em

língua portuguesa é importante que em relação à leitura ele, entre outras coisas,

aprenda a buscar informações em fontes diversas, aprenda a localizar a

informação que procura num texto, atue como leitor crítico que questiona o que

foi lido, confronta o que foi lido com o que sabe, identifica e diferencia dados,

exemplos, hipóteses e opiniões. Em relação à escrita é importante que ele tome

notas, resuma, planeje a própria escrita, revise o que está escrevendo enquanto

produz, recorra a distintos materiais de consulta e utilize uma linguagem

adequada ao gênero que está escrevendo etc. Já em relação à oralidade, é

importante que ele planeje uma exposição ou um debate, se exponha para

diferentes destinatários do contexto escolar, proponha critérios para encaminhar

uma discussão, narre experiências próprias que se relacionem com assuntos

estudados e reflita sobre a exposição que está fazendo reorganizando-a se

necessário etc.

Definir os conteúdos envolvidos na área é essencial para pensar como o

estudo deve se articular e, consequentemente, quais serão as intervenções

planejadas e realizadas pelo professor. No entanto, quando fizemos isso e fomos

discutir a respeito de práticas de linguagem, nos deparamos com algumas

dúvidas centrais do trabalho. A princípio tivemos a impressão de que não

estávamos ensinando o aluno a estudar em língua, pois identificamos

pouquíssimas propostas voltadas para isso. Em seguida percebemos que

estávamos olhando para práticas de linguagem com o mesmo olhar que tivemos

para matemática e revendo essa postura passamos a identificar outros aspectos

do trabalho que contribuíam para a formação do estudante. Mesmo assim, ainda

estávamos com certa dificuldade para identificar o que era ensinado, como e em

que momento. Procurando identificar a origem dessas dúvidas, nos demos conta

de uma particularidade da área: o que se aprende em língua apoia a

aprendizagem de todas as outras áreas e ao mesmo tempo o trabalho realizado

nas demais áreas apoia a aprendizagem dos conteúdos de língua. Além disso,

apesar dessa relação fundamental, existem conteúdos específicos da área de

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língua que o aluno deve aprender e ser capaz de reconhecer como conteúdos

aprendidos e por isso deve estudá-los. A seguir vamos desenvolver melhor essas

ideias que nos ajudaram a olhar para o estudo em práticas de linguagem e

apresentar alguns trabalhos e propostas realizadas que levam em consideração o

que colocamos.

Estudar conceitos em Ciências Sociais, Ciências Naturais e na própria

Matemática exige do aluno competências relacionadas às práticas de linguagem.

Ler e escrever, conteúdos fundamentais das práticas de linguagem, são tarefas

imprescindíveis nas situações de aprendizagem e estudo. Diante disso, muitas

das “ferramentas” de estudo dessa área são potentes para o estudo das demais

disciplinas.

Além disso, considerando que a aprendizagem acontece em situações de

uso, será também nas demais áreas que os alunos aprenderão conteúdos de

língua. Ou seja, o trabalho para desenvolver as competências nos alunos no uso

da linguagem oral e escrita está atrelado aos trabalhos desenvolvidos em outras

áreas do conhecimento.

Mirta Castedo (2009) destaca que assim como escrever se aprende

escrevendo, ler se aprende lendo, estudar se aprende estudando. A

aprendizagem dos procedimentos e de ferramentas de estudo deve acontecer de

forma contextualizada e a serviço da aprendizagem dos conteúdos de

responsabilidade da escola. A tomada de notas, por exemplo, é um procedimento

essencial da formação do estudante e deve acontecer dentro das propostas da

série, a serviço de algum trabalho ou projeto do grupo. Assim, tomar notas em

Ciências Sociais, em Ciências Naturais ou em Matemática, é uma prática que

deve estar presente ao longo de todo o ano e sempre com o objetivo de apoiar o

ensino do conteúdo dessas disciplinas em questão.

Tomar notas exige do aluno um trabalho árduo de seleção daquilo que é

mais importante de registrar. Para tomar notas o aluno precisa ter algum

domínio do assunto em questão, como lembra Mirta (2009). .

A questão da tomada de notas vem sendo, justamente, objeto de estudo

entre os professores de EFI da escola da Vila e foco de discussões e propostas.

Temos, nos últimos anos, realizado um esforço no sentido de garantir um

trabalho com isso desde as séries iniciais do EF, trazendo inclusive para os

critérios de avaliação do boletim o eixo “Práticas de escrita em contexto de

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estudo”, no qual se inclui esse conteúdo. Também se inclui nesse eixo o trabalho

com resumos. No 5º ano os alunos produzem resumo de texto informativo na

área de Ciências Sociais para apoiar o estudo.

Como apontamos no início do texto, parte dos conteúdos de práticas de

linguagem estão vinculados às outras áreas, mas há, certamente, um conjunto

amplo de conhecimentos específicos dessa área, que requerem investimentos por

parte dos alunos. Sabemos que para se apropriar do fazer do estudante e se

responsabilizar pelo seu estudo, dentro e fora da escola, o aluno precisa ganhar

maior consciência a respeito daquilo que se aprende. Já apresentamos

anteriormente o trabalho realizado com as orientações de estudo para provas de

matemática, que trouxe a questão dos conteúdos ensinados e da representação

que as crianças fazem daquilo que aprendem. Uma das tarefas mais difíceis para

os alunos foi a de identificar o que estavam aprendendo com o trabalho na sala

e, com o apoio do professor, conseguiram se aproximar de algumas ideias.

Na área de práticas de linguagem fica mais fácil para as crianças

identificarem o que estão aprendendo a respeito de aspectos mais formais da

língua (ortografia e gramática) e consequentemente podem planejar seu estudo

e se avaliar com maior propriedade. Quando falamos dos fazeres do leitor e do

escritor, quando falamos das práticas relacionadas com o discurso a questão

parece se complicar. O que aprendem os alunos quando trabalham com contos

de assombração? Aprendem a escrever contos de assombração? Quais são as

propostas que estão presentes em sala de aula que ajudam o aluno a se dar

conta daquilo que está aprendendo?

Só que aqui o problema não se restringe apenas a questão da sala de aula

e do aluno. Sabemos que o trabalho de práticas de linguagem apresenta outras

questões aos professores a respeito do que se ensina, do que se sistematiza, do

que se avalia. Nós mesmos temos dúvida a respeito disso, especialmente no que

diz respeito a sistematização e avaliação. Sabemos que ao trabalhar com um

projeto que envolve um gênero específico e no qual o aluno vai se dedicar a

estudar esse gênero, lendo, analisando, discutindo e produzindo, ele pode

aprender a: planejar um texto, reconhecer um conto de qualidade, identificar

características do gênero, identificar recursos utilizados pelo autor e fazer uso

dos mesmos em suas produções, consultar modelos, revisar seu texto ou o texto

de um colega a partir dos critérios eleitos etc. No entanto, ao tentar definir disso

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tudo o que deve ser sistematizado e como vai ocorrer essa sistematização e mais

o quê e como avaliar, surgem dúvidas. Temos maior clareza a respeito disso em

relação ao trabalho de ortografia e de gramática, mas não temos a mesma

clareza a respeito do que é necessário sistematizar sobre os fazeres do escritor

ou sobre um gênero textual. Sendo assim, dentro de um projeto como o jornal,

por exemplo, o que o aluno precisa estudar? O que precisa ser avaliado? Como

garantir a sistematização? De quais conteúdos?

Apesar dessas questões estarem relacionadas com o tema do estudo,

tratado aqui, a discussão a respeito delas demandaria uma outra proposta de

texto para o simpósio. Para não correr o risco de nos desviarmos do nosso tema,

vamos apresentar algumas ideias a respeito desse assunto e um relato de uma

pequena proposta realizada na sala, mas não vamos aprofundar essa discussão.

Pensando especificamente no trabalho com produção textual que fazemos

na escola e ainda mais especificamente no trabalho com o conto de

assombração, que toma grande parte do tempo didático no 5º ano (série na qual

atuamos), propomos um trabalho com registros que apóiem a produção, mas

que também apontem aos alunos o que eles estão aprendendo sobre leitura e

escrita, assim como coloca Mirta, enquanto o aluno faz anotações sobre

determinado gênero que está trabalhando “o que se vai aprofundando não é

somente a possibilidade das crianças de tomar nota senão também o

conhecimento das crianças sobre o tema.” (Digital para el dia a día en la escuela.

2009. Ano 1. Número 2. pp 2-4.) Um exemplo disso seria os registros que

fazemos sobre os recursos que os autores utilizam para criar um clima de

suspense nos contos. As crianças leem o texto, identificam o recurso, discutem

sobre ele, marcam para ter um modelo ao qual recorrer e fazem um registro.

Nesse sentido, a elaboração dessas anotações que, no processo de

trabalho, visam fomentar a produção final, também pode ter um papel de

retomada. Aqui, alguns conhecimentos sobre o gênero podem ser

sistematizados. Se a proposta é a produção de contos de assombração, seguindo

o exemplo dado, consultar modelos e listar bons inícios pode permitir a

construção da ideia de que este tipo de texto permite uma ordem cronológica

inversa dos fatos. Essa anotação pode acompanhar os exemplos de inícios e ser

retomada em diferentes momentos do processo; ainda que seja a serviço da

textualização ou da revisão, essa retomada pode, sim, representar uma situação

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de estudo: o que já sei sobre contos de assombração e preciso reapresentar no

conto que estou escrevendo.

Estamos, ainda, revendo os registros que vínhamos propondo e iniciando o

planejamento de outros registros que favoreçam sistematizações e retomadas,

mas já pudemos identificar que, ao contrário de nossa impressão inicial, temos

sim realizado propostas importantes que favorecem a construção da autonomia

do estudante. Mirta Castedo, em recente supervisão realizada, comentou que os

alunos, em geral, não reconhecem a língua como um campo de conhecimentos;

sempre entendem ler, escrever, falar e ouvir como ações a serviço de outras

aprendizagens. É necessário que, para além da avaliação, possamos favorecer

situações em que as crianças aproximem-se, cada vez mais, da ideia de que a

língua é, sim, um conjunto de conhecimentos, que não se restringe aos aspectos

mais formais (como a ortografia) e sobre os quais se pode discutir, aprender e

estudar.

Considerando o que foi apontado, parece ficar clara a necessidade e inserir

ao longo do trabalho momentos que favoreçam ao aluno uma reflexão e uma

tomada de consciência a respeito do que se aprende em práticas de linguagem. E

isso deve ocorrer nas diferentes situações que envolvem conteúdos dessa área,

mesmo que ocorram em outras aulas.

Para finalizar essa parte, relatamos a seguir um pequeno trabalho

realizado no 5º ano que nos parece ser um bom exemplo do que acabamos de

dizer. O objetivo era discutir estratégias e procedimentos de leitura de texto

informativo. Mas tínhamos, também, a intenção de que os alunos percebessem

isso como um conteúdo da área de práticas de linguagem, a ser aprendido e

considerado em outros momentos de estudo. Sendo assim, o trabalho contou

com 3 momentos. O primeiro momento surgiu na aula de Ciências Naturais e

disparou a discussão a respeito da leitura de texto informativo de um modo

geral. Num segundo momento os alunos identificaram estratégias de leitura e

procedimentos de apoio e registraram no caderno de língua. O terceiro momento

foi de uso do que foi discutido, em uma aula de Ciências Sociais. A seguir o

relato.

As crianças leram um texto sobre o sistema digestório com o objetivo de

responder algumas questões levantadas no início do nosso estudo. Alguns alunos

encontraram dificuldade na leitura sendo que dois deles voltaram para classe

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dizendo não terem entendido nada do texto. Em classe foi encaminhada uma

discussão a respeito dessa situação e da maneira como cada um realizou a

leitura.

O texto de duas páginas apresentava separações por subtítulos, palavras

em negrito (nome dos órgãos do sistema digestório) e alguns “BOX” com

curiosidades no meio. Duas questões principais permearam a aula. A primeira

delas foi colocada logo no início para a classe e abriu a discussão: Existe uma

maneira “correta” de ler esse texto? (Por exemplo, em que momento devo ler o

box?). As crianças discutiram bastante sobre isso. Para alguns alunos era óbvio

que só existia uma forma ideal, enquanto outros defendiam que o leitor podia

fazer escolhas durante a leitura. A outra pergunta surgiu no meio da discussão

quando retomamos as dificuldades encontradas e foi referente aos

procedimentos que o leitor pode usar para apoiar a leitura e sua interpretação do

que lê (marcações, anotações, destaques, releitura, busca no dicionário etc.).

Ao final da discussão os alunos tiveram que realizar um registro a respeito

disso que contemplasse o que eles aprenderam sobre leitura de texto

informativo. Ao problematizar a leitura o professor evidenciou um conteúdo da

área de práticas de linguagem e contribuiu para que as crianças tomassem

consciência de suas aprendizagens. Dois dias depois os alunos tiveram uma

atividade na aula de Ciências Sociais que envolvia a leitura de um texto

informativo. O professor retomou em classe o que havia sido discutido a respeito

dos procedimentos de leitura e solicitou que as crianças considerassem o que

aprenderam nessa nova atividade, inclusive consultando seus registros. Quase

todos fizeram marcações em seus textos grifando ou sublinhando partes e

muitos fizeram anotações ao lado indicando dúvidas, destacando ideias

importantes e apresentando interpretações que ajudaram na hora de discussão.

Montamos um glossário que também foi tematizado como um recurso importante

de ser construído a partir de algumas situações de leitura.

Perceber que ao ler um texto estamos atuando como leitores com um

objetivo determinado e que diante desse objetivo vamos lançar mão de

estratégias variadas para apoiar a interpretação é fundamental aos nossos

alunos. E para garantir essa consciência uma única proposta não é suficiente. Os

alunos devem, ao longo da escolaridade, entrar em contato com um número

grande de textos variados, realizando a leitura com diferentes propósitos. Devem

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refletir sobre os fazeres do leitor e poder comparar os diferentes propósitos e os

diferentes procedimentos, devem ampliar a consciência que possuem a respeito

do que aprendem em práticas de linguagem e se tornarem cada vez mais

autônomos no uso desses procedimentos. No relato descrito a professora apoia

os alunos, retomando a discussão sobre leitura e solicitando que usem o que foi

aprendido. A intenção é que ao longo do tempo os próprios alunos façam isso

com maior autonomia.

Sistematizar conhecimentos em práticas de linguagem – vinculados aos

fazeres do usuário, aos gêneros com os quais se trabalha ou às próprias

situações comunicativas, avaliar esses conhecimentos e ajudar o aluno a estudá-

los se mantém sendo desafios sobre os quais necessitamos nos debruçar ainda

mais.

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Conclusão

Esse trabalho veio com a intenção de ressaltar a importância do estudo na

formação dos nossos alunos, para reforçar que a escola deve se responsabilizar

por ensiná-los a estudar e que, portanto, o professor precisa planejar e

promover situações de aprendizagem que realmente os desenvolvam como

estudantes autônomos.

Consideramos que a apresentação e análise das propostas contribuiu para

explicitar que esse objetivo, de ensinar o aluno a estudar, deve permear a

prática do professor, deve ser objeto de reflexão do mesmo e estar presente

durante todo o processo de ensino e aprendizagem. É fundamental que o ele

promova situações que levem o aluno a identificar os conteúdos que estão sendo

trabalhados, para que assim saibam o que estão aprendendo e ganhem

autonomia no estudo.

Pudemos perceber que levar o aluno a reconhecer os conteúdos

trabalhados, identificar suas aprendizagens e dar sentido ao que se estuda nas

áreas de matemática e de práticas de linguagem são tarefas que demandam um

intenso trabalho a ser desenvolvido ao longo de toda a escolaridade. Criar

estudantes autônomos e responsáveis é uma construção que pressupõe uma

intencionalidade por parte da escola e exige um olhar constante por parte do

professor.

Realizando essa reflexão e escrevendo esse texto, pudemos ganhar maior

consciência da relação que existe entre o ensino e a aprendizagem. Parece uma

relação simples e, para nós educadores, óbvia. Quando falamos que o ensino

determina, influencia e direciona a aprendizagem dos alunos, precisamos

considerar que eles aprendem “o quê” e “como” ensinamos, e essa é uma

relação complexa.

Apesar de não compactuarmos com a ideia de que estudamos para

sermos avaliados, em muitos momentos contribuímos para que os alunos

construam essa concepção de estudo. E é nossa a responsabilidade de

desconstruirmos essa ideia que, infelizmente, é amplamente fomentada pela

sociedade. Não que não estudamos para avaliações, mas precisamos esclarecer

aos alunos que estudar é a essência do processo criativo, que faz do homem

construtor do conhecimento. E quando falamos em construção rapidamente

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estabelecemos relação com a ideia de sustentação, uma vez que não somos

realizados se construirmos “conhecimentos” que não sejam sustentáveis. Para

enriquecer essa ideia fomos buscar uma passagem que lemos em um livro

chamado Cidades Invisíveis de Italo Clavino.

“Marcopolo descreve uma ponte, pedra por pedra.

- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan.

- A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco -, mas

pela curva do arco que estas formam.

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:

- Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.

Pólo responde:

- Sem pedras o arco não existe.”

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Companhia das letras, 1990. 1º edição (le città invisibili, 1972)

tradução Diogo Mainardi

Pensamos que essa ideia que está poeticamente narrada no trecho acima

e que representa uma prática da nossa sociedade, de olharmos diretamente para

o arco é que precisamos trabalhar com nossos alunos. Não existe o arco sem as

pedras assim como não existe o conhecimento sem o estudo. Eis a nossa tarefa,

fazê-los desejar e conquistar a construção do arco sem esquecer de que ele é a

associação de muitas pedras juntas.

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ANEXO 1

ORIENTAÇÃO DE ESTUDOS DE CÁLCULO MENTAL E PROBLEMAS

ETAPA 1 – LIÇÃO DE CASA PARA O DIA__________

No dia ________ você vai realizar em dupla uma prova de cálculo mental e problemas.

Para darmos continuidade ao nosso trabalho de “aprender a estudar” vamos novamente

construir uma ficha de estudos. No entanto, dessa vez você terá uma tarefa a mais.

Como a prova é em dupla você vai se responsabilizar pelo seu estudo e também por

colaborar com estudo da sua dupla.

Para começar você tem duas tarefas:

1. Consulte os seus cadernos e localize as atividades de problemas e cálculo mental

que foram realizadas no 2º trimestre. Registre nas linhas a seguir as páginas do

caderno de matemática 1 que foram feitas e as datas e títulos dos registros feitos

no quadriculado.

2. Olhando para as atividades que você localizou, anote qual é o conteúdo

contemplado nessas sequências.

ETAPA 2 – NA CLASSE

1. Em dupla analise as atividades que realizamos e faça o que se pede:

a. Indique quais problemas da sequência 4 são mais desafiadores para você.

b. Liste o que você aprendeu ao realizar a sequência “O sistema de numeração e

a divisão inteira”

Após a discussão coletiva, registre nas linhas a seguir os conteúdos que você precisa

estudar para fazer a prova.

ETAPA 3 – LIÇÃO DE CASA PARA O DIA__________

Estude os conteúdos listados em classe e registre quais foram os exercícios nos quais

você teve alguma dúvida ou dificuldade.

ETAPA 4 – LIÇÃO DE CASA PARA O DIA___________

Você vai realizar a prova com ________________. Agora chegou o momento de ajudar

sua dupla a estudar. Planeje, em uma folha avulsa, algumas atividades para ela realizar,

considerando o que ela apontou na lição de casa. Não se esqueça de fazer um gabarito.

ETAPA 5 – LIÇÃO DE CASA PARA O DIA__________

Realize a ficha de estudos feita pela sua dupla.

ETAPA 6 – LIÇÃO DE CASA PARA O DIA__________

Corrija a ficha de estudos feita pela sua dupla.

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Bibliografia

ITZCOVICH, Horacio (coord). La Matemática escolar. Las práticas de enseñanza

en el aula. 1º edição. Buenos Aires : Aique, 2008, p. 205 – 220.

ENTREVISTA a Mirta Torres. DIGITAL para El día a día em la escuela.Enseñar a

estudiar. Las prácticas del lenguaje en contextos de estúdio. Buenos Aires, ano

1, nº 2, p. 02 – 04, 2009.

BERMÚDEZ, Karina. Detenerse a tomar notas. Digital para El día a día em la

escuela. Ensenãr a estudiar. Lal prácticas del lenguaje em contextos de estúdio.

Buenos Aires, ano 1, nº 2, p. 5 -7, 2009.

ENTREVISTA a Liliana Lotito. DIGITAL para El día a día em la escuela. Ensenãr a

estudiar. Lal prácticas del lenguaje em contextos de estúdio Buenos Aires, ano

1, nº 2, p. 08, 2009.

ENSEÑAR a tomar notas. DIGITAL para El día a día em la escuela. Ensenãr a

estudiar. Lal prácticas del lenguaje em contextos de estúdio. Buenos Aires, ano

1, nº 2, p. 09 - 19, 2009.

ARGENTINA. Gobierno de la Provincia de Buenos Aires. Subsecretaría de

Educación - Dirección General de Cultura y Educación. Ensenãr a estudiar:

algunas propuestas. Nov. de 2006, p. 03 - 42.

ARGENTINA. Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Secretaría de

Educación – Dirección de Currícula. El segundo ciclo y la preparacion de los

alumnos y lãs alumnas como estudientes, p. 44 – 49.

ARGENTINA. Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Secretaría de

Educación - Subsecretaría de Educación – Dirección General de Planeamiento.

Apoyo a los alumnos de primer año em los inícios Del nivel medio. Documento nº

2, p. 07 – 24. 2005.