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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Ensino Colaborativo e Educação Física: Contribuições à Inclusão Escolar V ALÉRIA MANNA O LIVEIRA UBERLÂNDIA, MG 2014

Ensino Colaborativo e Educação Física: Contribuições à Inclusão … · 2016-08-17 · Contribuições à Inclusão Escolar VALÉRIA MANNA OLIVEIRA UBERLÂNDIA, MG ... saberes

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U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E U B E R L N D I A F A C U L D A D E D E E D U C A O

P R O G R A M A D E P S - G R A D U A O E M E D U C A O

Ensino Colaborativo e Educao Fsica: Contribuies Incluso Escolar

VALRIA MANNA OLIVEIRA

U B E R L N D I A , M G 2 0 1 4

1

U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E U B E R L N D I A F A C U L D A D E D E E D U C A O

P R O G R A M A D E P S - G R A D U A O E M E D U C A O

VALRIA MANNA OLIVEIRA

Ensino Colaborativo e Educao Fsica: Contribuies Incluso Escolar

Tese apresentada ao programa de Ps-Graduao em Educao (curso de Doutorado) da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutora em Educao

Orientadora: Arlete Aparecida Bertoldo Miranda

U B E R L N D I A , M G 2 0 1 4

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

O48e

2014

Oliveira, Valria Manna, 1964-

Ensino colaborativo e educao fsica: contribuies incluso escolar

/ Valria Manna Oliveira

-- 2014.

185 f.

Orientador: Arlete Aparecida Bertoldo Miranda.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Uberlndia, Programa de

Ps-Graduao em Educao.

Inclui bibliografia.

1. Educao - Teses. 2. Professores de educao fsica - Teses. 3. Inclu-

so em educao - Teses. 3. Educao fsica - Educao permanente. Teses.

I. Miranda, Arlete Aparecida Bertoldo. II. Universidade Federal de Uber-

lndia. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

1. CDU: 37

2

VALRIA MANNA OLIVEIRA

Ensino Colaborativo e Educao Fsica: Contribuies Incluso Escolar

Tese apresentada ao programa de Ps-Graduao em Educao (curso de Doutorado) da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutora em Educao. rea de concentrao: saberes e prticas educativas

B A N C A E X A M I N A D O R A

________________________________________ Profa. Dra. Arlete Aparecida Bertoldo Miranda

Orientadora

_______________________________________ Profa. Dra. Joslei Viana de Souza

Universidade Estadual de Santa Cruz

_______________________________________ Profa. Dra. Marli Nabeiro

Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

_______________________________________ Profa. Dra. Geovana Ferreira Melo

Universidade Federal de Uberlndia

_______________________________________ Profa. Dra. Lzara Cristina da Silva Universidade Federal de Uberlndia

3

s minhas filhas, Thaysa e Bruna, amor enorme, inspiradoras das conquistas em minha vida. Ao Jnior, meu amor, companheiro, amigo e apoiador dos meus sonhos.

4

Agradecimentos

gradeo a Deus, por sempre me dar foras, por me manter forte o suficiente

para chegar a mais esta conquista.

minha famlia: minha me, por sempre me apoiar e ajudar a ser quem eu

sou hoje; ao meu querido pai, que no est conosco mais e no teve a oportunidade

de participar, comigo, desta caminhada do doutorado. Mas, com certeza, me ensinou

a ter humildade e esperanas de alcanar meus ideais.

Ao meu companheiro, Jnior, por me incentivar em todos os momentos da

minha vida. Obrigada pela pacincia e pelo amor!

s minhas adoradas filhas, Thaysa e Bruna, por serem to queridas. Vocs

me fazem to bem... Amo muito!

Aos meus irmos, Ricardo e Rogrio, que sempre me apoiaram, apoiam e

esto comigo em minhas escolhas. Admiro vocs demais!

s minhas amigas e aos meus amigos, pela amizade, presena, carinho e por

me ouvirem nos momentos difceis.

querida orientadora, Arlete Aparecida Bertoldo Miranda. Obrigada por me

aceitar, por assumir a orientao desta tese, pela pacincia e pelo cuidado comigo!

A todos os professores do Programa de Ps-graduao em Educao/PPGE

da Universidade Federal de Uberlndia (UFU), que contriburam ricamente para

minha formao e a realizao deste sonho do doutorado.

Agradeo s professoras Lazara e Maria Irene, pelos ricos ensinamentos e

pela participao em minha banca de qualificao e defesa com significantes

contribuies a esta tese.

s professoras Joslei e Marli por aceitarem o convite para participarem da

banca de defesa deste trabalho.

Minha gratido a todos os meus colegas de doutorado do PPGE, pelo

companheirismo e pela amizade. Especialmente: rsula, Geovanna, Valeska, Neil,

Viviane, Serigne, Serginho, Cidinha.

Faculdade de Educao Fsica da UFU, que me oportunizou cursar este

doutorado. Aos meus colegas de trabalho, que sempre me deram fora e

acreditaram na possibilidade desta conquista.

A

5

Secretaria de Educao de Uberlndia, ao CEMEPE e ao NADH pelala

abertura pesquisa na escola municipal.

Diretora da escola pesquisada, pela acolhida no incio e no decorrer da

pesquisa. Seu interesse foi fundamental!

Um grande agradecimento aos professores que participaram da pesquisa

sempre com vontade e dedicao. Muito obrigada por acreditarem na proposta do

ensino colaborativo e entrarem de cabea comigo nesta possibilidade de avanar

pela educao inclusiva.

Muito obrigada ao professor de Educao Fsica que foi o foco principal deste

estudo, pelo interesse e pela disponibilidade em compartilhar seu conhecimento com

curiosidade em aprender mais.

Aos alunos da escola, sobretudo aqueles com deficincia, por participarem da

minha pesquisa. Vocs foram muito importantes e maravilhosos!

Ao Edinan, que revisou, normalizou e formatou a tese.

A todas as pessoas que direta ou indiretamente torceram por mim nesta

caminhada.

6

As pessoas no se precisam, elas se completam... no por serem metades, mas por serem inteiras dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

MRIO QUINTANA

7

Resumo

OLIVEIRA, Valria Manna. Ensino colaborativo e educao fsica: contribuies incluso escolar. 2014. 184 p. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2014.

pblico-alvo da educao especial no Brasil (alunos com deficincia sensorial, motora, intelectual, transtorno global do desenvolvimento, superdotao e altas

habilidades) desafia os professores em geral e o professor de Educao Fsica em particular. O processo de incluso preocupa e gera debates sobre problemas que afetam a participao desse pblico em prticas escolares de Educao Fsica. Esta tese materializa uma pesquisa que investigou essa questo mediante um trabalho em conjunto do pesquisador com o professor de Educao Fsica em salas de aula comuns na perspectiva do ensino colaborativo. A investigao partiu da questo: Quais so as contribuies da realizao de um trabalho colaborativo entre educador pesquisador em Educao Fsica e professor de Educao Fsica em salas de aula comuns que tm alunos que so pblico-alvo da educao especial? O objetivo desta pesquisa foi analisar o desenvolvimento do trabalho colaborativo entre pesquisador e professor de Educao Fsica em salas de aula comuns na perspectiva do ensino colaborativo em uma escola municipal de Uberlndia. Delimitamos nossa opo metodolgica como abordagem qualitativa do tipo participante (reconhece a relao entre cincia social e a interveno na realidade social), que se desenvolveu em trs fases: construo da pesquisa, interveno e avaliao/diagnstico. Como estratgias de coleta de dados, foram usados a entrevista semiestruturada, o questionrio, a observao participante e a entrevista coletiva. Assim, os dados advieram de relatos orais, assim como do trabalho dos participantes diretos: pesquisador, professor de Educao Fsica de classe comum e trs professoras do atendimento educacional especializado. Carmo e Miranda (2001), Mantoan (2001), Duarte e Santos (2003), Mittler (2003), Rodrigues (2006) e Bueno (2008) embasam o conceito de incluso que permeia este estudo. Capellini (2004) e Mendes (2009) subsidiam o enfoque no trabalho colaborativo. Os resultados apontam no s condies iniciais de angstia, dvida e dificuldade, mas tambm a vontade de discutir mais os entraves atividade pedaggica cotidiana do professor de Educao Fsica. Igualmente, indicam o interesse dos professores participantes na formao continuada associada com o ensino colaborativo para a incluso. As anlises confirmaram o valor do ensino colaborativo como estratgia para a Educao Fsica escolar no contexto inclusivo. Palavras-chave: Professores de Educao Fsica; Incluso escolar; Formao

continuada; Ensino colaborativo

O

8

Abstract

OLIVEIRA, Valria Manna. Co-teaching and physical education: contributions to school inclusion. 2014. 184 pp. Thesis (Doctorate in Education) Education College, Federal University of Uberlndia, state of Minas Gerais, 2014.

n Brazil, special education public is a challenge to all teachers, especially to Physical Education ones. Among others, it encompasses students with disabilities,

students with intellectual giftedness, and students with pervasive developmental disorder. Besides posing challenges, the inclusion process causes worry and generates debates on problems that impede the full partaking of such pupils in schooling practices related to physical education. This thesis presents a research that focused on these matters by means of co-working involving the researcher and the Physical Education teacher in regular classrooms following co-teaching perspective. The starting point of the research is the following question: what contributions co-working involving Physical Education teacher and researcher may provide to people with disabilities and to Physical Education teacher in regular schools attended by students who are the special educations target? The research aimed at discussing and analyzing the development of such co-working activity involving the researcher and Physical Education teacher. It followed co-teaching perspective and was put into practice in a public school in Uberlndia, state of Minas Gerais. Participant qualitative approach, which recognizes relations between social sciences and intervention in social reality, was the methodological choice to develop the research in three phases: 1) making the research; 2) intervening in social reality; 3) assessing/diagnosing it. Strategies to gather data included semi structured interview, questionnaire, participant observation, and group interview. Data come, above all, from oral accounts as well as from the work by the group of participants of the research, which means, researcher, Physical Education teacher who works at regular schools and three teachers who deal with AEE (Atendimento Educacional Especial), a special educational teaching program. The concept of inclusion is discussed accordingly to authors such as Miranda (2001), Mantoan (2001), Duarte and Santos (2003), Mittler (2003), Rodrigues (2006), and Bueno (2008). The conception of co-working is developed in the light of studies by Capellini (2004) and Mendes (2009), among others. Results point out not only initial conditions of anguish, doubts and hardships, but also a will to debate difficulties Physical Education teachers face in their daily pedagogical activities at school. Likewise, results showed that teachers who took part in the research are interested in continuing their training in connection with co-teaching as strategy to teach physical education at inclusive schools. Keywords: Physical Education teachers; School inclusion; continuing education; co-

teaching

I

9

Lista de abreviaturas e siglas

AEE Atendimento Educacional Especializado APAE Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais CENESP Centro de Excelncia Esportiva CNE Conselho Nacional de Educao CORDE Coordenadoria para a integrao da Pessoa Portadora de Deficincia DI Deficincia Intelectual FENASP Federao Nacional das Associaes Pestalozzi IES Instituies de Ensino Superior LDB Lei de Diretrizes e Bases MEC Ministrio da Educao e Cultura PAPD Programa de Atendimento a Pessoa com Deficincia PCN Parmetros Curriculares Nacionais PCTP Planejamento Coletivo do Trabalho Pedaggico PNE Plano Nacional de Educao PNEE Plano Nacional de Educao Especial PP Projeto Pedaggico PPGED/FACED/UFU Programa de Ps-graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia PPP Projeto poltico pedaggico SEESP Secretaria de Educao Especial UFSCar Universidade Federal de So Carlos UFU Universidade Federal de Uberlndia UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincias e Cultura UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNICENTRO/PR Universidade Estadual do Centro Oeste Paran UNORP Centro Universitrio do Norte Paulista

10

Lista de quadros QUADRO 1 Perspectiva de um corpo de conhecimento para a profisso de professores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 QUADRO 2 Descrio dos encontros de estudos, planejamentos e reflexes 97

QUADRO 3 Caracterizao da escola escolhida como lcus da pesquisa. . . 105

QUADRO 4 Caracterizao dos alunos pblico-alvo da educao especial. . 107

QUADRO 5 Caracterizao dos alunos pesquisados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

QUADRO 6 Caracterizao dos alunos com deficincia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

QUADRO 7 Caracterizao dos alunos com deficincia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

QUADRO 8 Caracterizao dos alunos com deficincia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

QUADRO 9 Caracterizao dos alunos com deficincia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

QUADRO 10 Categorias de pesquisa resultantes da anlise dos dados. . . . . 114

QUADRO 11 Planejamento de Educao Fsica: 1, 2 e 3 anos do ensino fundamental (2013). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

11

Sumrio Apresentao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Introduo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1 Direitos educao no Brasil: incluso escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 1.1 Bases histricas do incio da educao especial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 1.2 Educao inclusiva: reflexes atuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2 Desafios da formao do professor de Educao Fsica. . . . . . . . . . . . . . . . . 54 2.1 Realidade atual da licenciatura em Educao Fsica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 2.2 Avanos e entraves na formao docente em Educao Fsica

no contexto inclusivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3 Ensino colaborativo como estratgia de ensino.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 3.1 Distines elementares entre colaborao e cooperao. . . . . . . . . . . . . . . 80 3.2 Ensino colaborativo: ao docente do professor regular com

o professor do atendimento educacional especializado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 3.2.1 Trabalho colaborativo entre professor regular e o professor do

atendimento educacional especializado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 4 Percurso metodolgico da pesquisa: trajetria do trabalho colaborativo

nas aulas de Educao Fsica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 4.1 Desenvolvimento da pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 4.1.1 Fase 1 Construo da pesquisa: procedimento tico e diagnstico inicial. 94 4.1.2 Fase 2 Ensino colaborativo/interveno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 4.1.3 Fase 3 Avaliao/diagnstico final das experincias de ensino

colaborativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 4.2 Instrumentos de construo dos dados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 4.3 Contextualizao do estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 4.4 Descrio dos participantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 4.4.1 Perfil dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 4.4.2 Perfil dos alunos participantes da pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 4.5 Materiais utilizados para pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 4.6 Anlise dos dados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 5 Resultados e anlises. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 5.1 Delineamento da dinmica do coletivo no contexto do ensino colaborativo. 116 5.1.1 Desejo, medos e desafios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

12

5.1.2 Sentidos apresentados e construdos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 5.2 Coensino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 5.2.1 Movimento do planejar: o antes e o depois. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 5.2.2 A ao: uma fotografia do momento da aula. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 5.3 Possibilidades de ensino colaborativo na formao continuada

de professores de Educao Fsica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 5.3.1 Sentidos da poltica de formao continuada: da realidade potencialidade 145 Consideraes finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148 Referncias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152 Apndice 1 Termos de consentimento livre e esclarecido. . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Apndice 2 Roteiro de entrevista coletiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 Apndice 3 Questionrio para a caracterizao da escola. . . . . . . . . . . . . . . . . 176 Apndice 4 Questionrio para professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Apndice 5 Roteiro para observao de prtica pedaggica. . . . . . . . . . . . . . . 178 Apndice 6 Questes da segunda entrevista coletiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180 Apndice 7 Roteiro para obteno de dados no Ncleo de Apoio

s Diferenas Humanas (NADH). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Apndice 8 Questionrio para caracterizar perfil e trajetria profissional dos

professores de Educao Fsica e do AEE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 Apndice 9 Questionrio para caracterizar alunos do pblico alvo da educao especial da escola. . . . 183 Apndice 10 Roteiro para planejar atividades de coensino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184

13

Apresentao

Experincias e escolhas, pessoais e profissionais

eu1 interesse em ensinar tem suas razes em minha trajetria pessoal,

acadmica e profissional. Nasci em uma cidade pequena, mudei-me

para Uberlndia (MG), em 1979, e fiz graduao em Educao Fsica na

Universidade Federal dessa cidade, a UFU, concluda em julho de 1987. Por

representar prticas sociais com interesses e enfoques filosficos, cientficos e

pedaggicos diferenciados, a Educao Fsica me oportunizou conhecer vrios

campos de atuao. Escolhi o campo educacional, por entender que uma rea do

conhecimento incorporada s cincias da educao dada sua natureza,

eminentemente pedaggica. Em 1987, ainda como graduanda, comecei a trabalhar

na reabilitao fsica de pessoas com deficincia. Isso contribuiu muito para

complementar minha formao inicial e a insero na docncia, alm de motivar a

escolha da educao especial como campo de atuao profissional.

Eram muitas as dvidas e as dificuldades; assim como era enorme a vontade

de saber mais sobre essas pessoas. No tive em minha formao acadmica

fundamentao terico-filosfica que me possibilitasse, na poca, refletir e entender

claramente questes sobre a aprendizagem e o desempenho delas na escola. No

existiam contedos nem disciplinas que tratassem dessas questes. Assim, eu me

via em situaes desafiadoras, que pareciam quase impossveis de ser superadas

Foi ento que surgiu a oportunidade de ingressar no primeiro curso de

especializao na rea de Educao Fsica voltada a pessoas com deficincia no

Brasil, em 1988. Realizado pela Faculdade de Educao Fsica/FAEFI, da UFU, em

parceria com a Coordenadoria para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia

(CORDE), o curso objetivou implementar a poltica de formao docente para

garantir condies de acesso escola. Vieram professores brasileiros e estrangeiros

1 Como esta introduo apresenta informaes relativas s minhas motivaes particulares para trabalhar educacionalmente com pessoas com deficincia, tomar as decises profissionais que tomei e desenvolver as pesquisas que fiz, pareceu-me coerente usar a primeira pessoa do singular em passagens que tratam diretamente das minhas experincias que permeiam a reflexo coletiva feita nesta tese, resultante de um dilogo que combina as vozes da pesquisadora, da orientadora, dos participantes, de pesquisadores e de tericos que tratam das questes abordadas nesta tese.

M

14

para ministrar disciplinas bsicas e especficas sobre educao, Educao Fsica e

deficincia. Para mim foi de extrema relevncia pessoal e profissional, pois me

despertou mais desejo de ampliar meus conhecimentos na rea.

Tambm participei como docente de experincias com o pblico-alvo da

educao especial,2 tais como avaliaes psicomotoras, eventos esportivos e

elaborao de vdeos didticos sobre metodologias aplicadas Educao Fsica e

deficincia. Organizei e participei de eventos cientficos, cursos de extenso e de

pesquisas na rea de Educao Fsica adaptada3 no Brasil, que foram me

envolvendo e conduzindo meu norte para a educao.

Ao longo de minha vida profissional, minhas preocupaes e atividades

estiveram relacionadas educao de pessoas com deficincia com foco nas

questes ligadas Educao Fsica escolar. As preocupaes se intensificaram por

ocasio de minha atuao como coordenadora de atividades psicomotoras no

Programa de Atendimento Pessoa com Deficincia da Faculdade de Educao

Fsica/PAPD, da UFU,4 a partir de 1990. Sou concursada e tenho a funo de

tcnica educacional. A experincia na coordenao de monitorias e o estgio com os

alunos do curso com o professor da disciplina Educao Fsica Adaptada me

mostraram que o como fazer era o impasse maior.

poca, por volta de 1990, estudantes da educao especial j se

encontravam nas salas de aulas comuns. Se, por um lado, isso representava

avano, por outro significava desafio aos professores, cuja maioria no se

considerava preparada para enfrentar as dificuldades que se apresentavam

cotidianamente em meio a tais discente. Durante os anos 1990, o discurso da

incluso permeou as atividades desenvolvidas em congressos e encontros sobre

educao especial; ainda assim eram poucas as pesquisas na rea da Educao

Fsica.

2 O termo pblico-alvo da educao especial significa: os alunos com deficincia sensorial, motora e intelectual, com transtorno global do desenvolvimento, superdotao e altas habilidades. 3 Educao Fsica Adaptada uma rea da Educao Fsica que tem como objeto de estudo a motricidade humana para pessoas com deficincias e que desenvolve metodologias de ensino para suprir as necessidades de cada uma dessas pessoas (DUARTE; WERNER, 1995, p. 9). 4 O PAPD desenvolvido desde 1982, com aes voltadas a pessoas da comunidade de Uberlndia e regio. Seu principal objetivo propiciar oportunidades de acesso s atividades fsicas, quer seja como contribuio ao processo de reabilitao ou como educao, recreao, lazer/participao esportivas. Frequentam o programa quase 200 alunos com tipos e graus variados de deficincia, com idade entre 6 meses e 65 anos, nas seguintes atividades: natao, psicomotricidade, atletismo, goalball, futebol, hquei sobre piso e recreao.

15

Minha ao docente e minha expectativa relativa a esses alunos estavam

regadas de dificuldades. Sobretudo, em saber que tipos de atividades seriam

interessantes para uma turma de alunos no contexto inclusivo. No ano de 1998, em

busca de mais elementos que subsidiassem minha prtica pedaggica e

compreenso das questes que envolviam a educao escolar de pessoas com

deficincia, ingressei no curso de Mestrado em Educao Fsica da Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP). Ali, as anlises e discusses sobre o contexto

social e educacional brasileiro me possibilitaram ver com mais clareza o quanto

nossa sociedade est estruturada em bases desiguais; no por acaso segmentos

como o dessas pessoas so frequentemente excludos. Conclu o curso de mestrado

com a dissertao O Jogo no contexto da Educao Fsica como estratgia de

interveno pedaggica para a pessoa deficiente mental. Esse estudo objetivou

contextualizar e analisar o jogo como atividade humana atravs da implementao

de uma estratgia orientada para o contexto escolar.

Como docente de uma instituio de ensino superior de Rio Verde (GO), no

perodo 20012, coordenei um programa de atendimento pessoa com deficincia

como projeto de extenso da Faculdade de Educao Fsica. Ali, pude orientar

graduandos em grupos de estudos e trabalhos de concluso de curso, participar de

reunies peridicas com professores nas escolas onde o pblico alvo da educao

especial estava presente, alm de supervisionar estagirios no referido programa.

Foi uma experincia riqussima, pois tive a oportunidade de vivenciar o cotidiano

escolar de uma faculdade e, mais especificamente, com a formao inicial.

Desde 2002, trabalho com disciplinas diferentes em uma instituio de ensino

superior particular de Uberlndia. Dentre elas, destaco uma disciplina que trata

diretamente de questes afeitas Educao Fsica para as pessoas com deficincia

e duas que permitem aos estudantes vivenciarem experincias de estgio nas

escolas de educao infantil e de ensino fundamental. Procuro levar para nossos

encontros temas que os instiguem a pensar nos desafios que tm de enfrentar e

superar no interior das instituies. A prpria vivncia dos alunos no estgio frtil e

til, tanto para refletirmos sobre a situao de muitos alunos que compem o

pblico-alvo da educao especial inserido nas escolas comuns quanto para, a partir

da, construir com eles estratgias de ensino no cotidiano dos estgios que facilitem

sua prtica e no permitam a excluso de nenhum educando das aulas de Educao

Fsica Escolar.

16

No Programa de Atendimento a Pessoa com Deficincia (PAPD), no qual

sou tcnica em assuntos educacionais e desde 1991 venho acompanhando os

estagirios (acadmicos da Educao Fsica) com o docente da disciplina

Educao Fsica Adaptada, tendo em vista orientar a metodologia voltada s

atividades psicomotoras do programa. Tenho a funo de coordenar o laboratrio

de estudos psicomotores (LADEP), que faz parte de um dos laboratrios da

FAEFI.

Um fato marcante, para mim, foi ministrar aulas em cursos de especializao

na rea de educao especial em vrias cidades do Brasil. Constatei que mesmo os

profissionais, embora se considerassem comprometidos com o trabalho com o aluno

com deficincia, em muitos momentos mostravam-se desmotivados e at

desorientados quanto a sua prtica pedaggica.

A participao em eventos cientficos, as publicaes em artigos, as

pesquisas e as discusses sobre escolarizao da pessoa com deficincia, dentre

outros aspectos, tm me ajudado a compreender a complexidade da questo e,

sobretudo, inquietando-me sobre a incluso dessa populao no contexto escolar.

Mas como compreender o fenmeno da incluso como um princpio norteador das

polticas pblicas sociais e educacionais?

17

Introduo

iante das preocupaes com o ensino e a formao de professores que

atuam no ensino comum, surgiram algumas inquietaes: em que

medida os cursos de formao docente em Educao Fsica tm

abordado temas associados com a preparao dos formandos para trabalhar com

as pessoas com deficincias nas aulas conforme exige a perspectiva da incluso

escolar? As propostas educacionais que proclamam a incluso esto

considerando as diferenas na escola: no s o pblico-alvo alvo da educao

especial, mas tambm os demais excludos? Essas propostas valorizam e

reconhecem essas pessoas como condio para que haja avano, mudana,

desenvolvimento e aperfeioamento da educao fsica escolar?

Partindo de uma preocupao com as questes de formao docente e

estratgias de ensino, verifiquei na literatura cientfica uma estratgia em ascenso

para favorecer a incluso em escola regular: o trabalho colaborativo.5 Assim,

procurei conhecer esse assunto um pouco mais de perto. Em 2008 comecei a

participar de um grupo de estudos sobre ensino, tutoria e consultoria colaborativa no

programa de Doutorado em Educao Especial da Universidade Federal de So

Carlos (UFSCar), onde me matriculei como aluna especial da disciplina e pude

compartilhar experincias e discusses, com professores e alunos, sobre o trabalho

colaborativo. Dissertaes e teses sobre ensino colaborativo e consultoria

colaborativa eram ento discutidas no grupo de estudos; mais na rea de psicologia,

pedagogia e fisioterapia, e menos na de Educao Fsica. Era um trabalho sobre

consultoria.

Considerando a carncia de estudos sobre o ensino colaborativo em

contextos inclusivos no mbito da Educao Fsica escolar brasileira, essas

5 O trabalho colaborativo visa proporcionar o desenvolvimento de prticas pedaggicas inclusivas bem-sucedidas, pois prope parceria de trabalho entre professor da educao especial ou especialista e professor da educao comum. O objetivo desta parceria de trabalho o desenvolvimento de metodologias de ensino, adaptaes curriculares e modelos de avaliao, mais adequados para o sucesso da aprendizagem (COOK; FRIEND, 1995, p. 4).

D

18

experincias despertaram meu interesse em aprofundar o conhecimento na rea da

educao, o que me levou ao Doutorado em Educao da Faculdade de Educao

da Universidade Federal de Uberlndia PPGED/FACED/UFU. A linha de pesquisa

escolhida foi Saberes e Prticas Educativas por estar voltada aos estudos e

pesquisas acerca das temticas polticas educacionais; gesto, organizao e

avaliao dos sistemas e instituies educativas; formao, profissionalizao,

saberes e prticas docentes; currculos, ensino e aprendizagem. Esse envolvimento

colaborou para desenvolver esta pesquisa que tem o foco de discutir os desafios

postos pela temtica sobre incluso de pessoas com deficincia e a prtica

pedaggica dos profissionais que trabalham com a Educao Fsica escolar.

Contextualizao do problema, objetivos e relevncia do estudo Existem muitos problemas, de natureza diferente, quanto participao do

pblico-alvo da educao especial nas prticas de Educao Fsica. Os professores

no tm dvidas quanto s possibilidades de esse pblico praticar atividades fsicas

ou esportivas; mas, historicamente, os iderios perversos da aptido fsica e da

mxima mens sana in corpore sano,6 combatidos longamente por Castellani (1988),

Soares (1994), Coletivo de autores (1992) e outros, deram lugar, h algum tempo, a

outra concepo de homem, de corpo e de movimento. Falamos aqui da pessoa

com deficincia e da diferena7 (CARMO, 2002).

Segundo Skliar (2006), o conceito de diferena sempre est ligado ao negativo,

ao mal, ao estrangeiro. O diferente o que no deu certo no processo de reproduo

da natureza. O que precisaria ser acabado para no contaminar nem gerar diferenas.

um eu carregado de imperfeies que no se assemelha aos outros eus

6 A mxima do mens sana in corpore sano valoriza e confirma a ideia de superioridade do esprito sobre o corpo. [...] significa que a Educao Fsica rigorosa pe o corpo na posse de sade perfeita, permitindo que a alma se desprenda do mundo do corpo e dos sentidos para melhor se concentrar na contemplao das ideias. Caso contrrio a fraqueza fsica torna-se empecilho maior vida superior do esprito. (MARTNS; ARANHA, 1996, p. 311). 7 Ao longo da histria da filosofia, esclarece Deleuze (1988), a diferena foi continuamente vista como o mal mais terrvel dos males (no mnimo, provocava estranheza e mal-estar, por sua capacidade de furtar-se a qualquer tipo de modelo ou regra preestabelecida). Ou ento era [...] o alm celestial de um entendimento divino inacessvel a nosso pensamento representativo, ou o algum infernal; para esse autor, [...] a questo exatamente poder tornar a diferena objeto do pensamento. Ao invs de coloc-la como algo negativo para o conhecimento. Pensar a diferena requer que a prpria razo ultrapasse a si mesma, rompendo com o modelo representativo e com sua estrutura absolutamente lgica. a diferena e no a semelhana a lei mais profunda da natureza (nunca uma folha completamente idntica outra afirma Nietzsche, F. e reitera Deleuze, G. Trad. Schopke, R. 2004)

19

estabelecidos antropologicamente como o positivo, o belo, o bom; o que precisaria ser

preservado na espcie humana. Para Deleuze (1988), cada pessoa diferente por

natureza. no uma cpia de outra pessoa, mas um ser que se produz e que,

medida que se constitui, produz novas diferenas que no so cpias, mas um novo ser

com caractersticas prprias. uma relao entre um e outro, uma repetio.

Nosso entendimento de diferena no a concebe pejorativamente, mas como

condio manifestada de formas e situaes diversas. Seja diferenas de corpo, de

aprendizagem, de etnia, de gnero ou de classe social, dentre outras, a diferena

natural condio humana. Mas reconhec-la requer no s um olhar especfico para

pessoas com deficincia, como tambm dedicao a fim de perceber experincias

nicas para o seu desenvolvimento integral. No dizer de Silva (2009, p. 64),

A diferena no pode ser compreendida como fator limitante, mas realidade, que se apresenta de forma concreta e no necessita de permisso para adentrar-se sala de aula. Ela desafia o educador a compreend-la a mobilizar saberes com os conceitos alienados que podero impedir o ser humano de humanizar-se em todas as suas potencialidades, sem subordinar a sua diferena ao idntico que se apresenta.

Acreditamos no propsito de privilegiar a diferena na perspectiva desta

mxima defendida por Santos (1999, p. 46): [...] temos o direito igualdade, quando

a diferena nos inferioriza, e direito diferena, quando a igualdade nos

descaracteriza!. Essa afirmao aponta a necessidade da transformar a escola de

modo a considerar as especificidades de todos os alunos. O professor precisa rever

e recriar suas prticas que se associam com o desafio de concretizar as mudanas

exigidas por uma abertura incondicional s diferenas.

Estudos de Glat e Nogueira (2002), assim como os de Ferreira, Nunes e

Mendes (2003), Jesus (2006), Martins (2006), Mendes (2006) e Bueno (2008),

demonstram o despreparo dos docentes para trabalhar com a diferena. Destacam

tanto a falta de preparo terico-metodolgico para incluir a pessoa com deficincia

quanto as expectativas desfavorveis relativas sua capacidade de aprender. Nesse

sentido, a compreenso dessa pessoa e suas diferenas um processo complexo

que passa pela sensibilizao do docente, o qual para isso precisa compreender e

implicar-se com esse sujeito; reconhecer sua diferena.

A pesquisa que esta tese materializa se embasou nos conceitos de incluso

construdos e discutidos por Carmo (2001), Mantoan (2001), Rodrigues (2006),

20

Duarte e Santos (2003) e Mittler (2003). Para esses autores, a incluso um

processo intencional, planejado e fundamentado em conhecimentos terico-prticos

que, embora determinados por uma etiologia, no dispensam a complexidade

cultural, tnica, de gnero, de classe e econmica que torna cada situao singular

e passvel de anlise e estudo. Compartilhamos do pensamento defendido por esses

autores de que a incluso , tambm, uma questo poltica e social e que sua

efetivao depende de um planejamento de polticas pblicas no s comprometidas

e desenvolvidas por meio de aes eficazes, mas tambm desencadeadas nas

vrias instncias do poder pblico e privado.

No mbito da Educao Fsica, a incluso precisa oferecer oportunidade a

todos que tenham algumas desvantagens, tais como as pessoas com deficincia e

as que apresentam diferentes dificuldades na realizao da prtica de atividades

fsicas no mesmo espao escolar. O ensino da Educao Fsica escolar no Brasil se

v ante o desafio de encontrar alternativas que respondam questo do acesso e

da permanncia dos alunos em suas instituies educacionais. Para isso, a escola

precisa cumprir uma poltica de educao e desenvolver culturas e prticas que

valorizem o educando.

O movimento pela educao inclusiva mundial e nos ltimos anos tem

produzido uma discusso abundante sobre suas possibilidades e os modelos de

implementao. um dos movimentos mais dinmicos do debate educativo

contemporneo. Rodrigues (2006) destaca duas dimenses do conceito de incluso

que tm tempos de implementao e metodologia de atuaes distintas: a incluso

essencial e a incluso eletiva. As duas, segundo o autor, complementam-se. A

incluso essencial a dimenso que assegura a todos os cidados de dada

sociedade o acesso e a participao sem discriminao a todos os nveis e servios;

pressupe que ningum pode ser discriminado por causa de uma condio pessoal

no acesso educao, sade, ao emprego, ao lazer, cultura etc. uma questo

relacionada com os direitos humanos e uma concepo bsica de justia social. Em

contrapartida, a dimenso eletiva da incluso assegura que, independentemente de

sua condio, a pessoa tem direito a se relacionar e interagir com os grupos sociais

conforme seus interesses. A incluso essencial a base para que se possa falar

numa real incluso eletiva.

Para esse autor, a educao inclusiva contesta as bases em que a escola

tradicional foi desenvolvida, por isso motiva tantas paixes e assume caractersticas

21

to iconoclastas e radicais. Ele considera que a proposta de educao inclusiva

no uma cosmtica da educao tradicional nem uma estratgia de melhoria da

escola; antes, constitui a formulao da educao em novas bases que rejeitam a

excluso e promovem uma educao diversa e de qualidade a todos. De acordo

com Mantoan (2003, p. 45), [...] a excluso escolar manifesta-se das mais diversas

e perversas maneiras, e quase sempre o que est em jogo a ignorncia do

estudante diante dos padres de cientificidade do saber escolar.

Eis por que se pode dizer que a educao escolar se democratizou ao se

abrir a grupos sociais distintos, embora no tenha se aberto a novas prticas

pedaggico-docentes que tais grupos demandam. Ela tem diante de si o desafio de

encontrar alternativas que respondam questo no s do acesso e da

permanncia dos educandos nas suas instituies educacionais, mas tambm, e

sobretudo, da aprendizagem discente. Sanfelice (1989) afirma que conseguir uma

igualdade real de oportunidades exige uma ao pedaggica diferenciada. Para ele,

em uma escola que preveja as diferenas, o desafio maior encontrar mtodos,

suporte filosfico-cientfico e lucidez para saber comear uma relao pedaggica

formal com um alunado to distinto. Para que a escola regular consiga atender o

pblico-alvo da educao especial, importante rediscutir conceitos, o tempo de

aprendizagem, as propostas terico-prticas compatveis com a realidade escolar, os

novos referenciais tericos, os contedos prioritrios e os critrios de avaliao.

A partir da dcada de 1990, o Brasil se apropriou do discurso internacional e

nacional relativo incluso e tem se envolvido em reflexes sobre esse assunto que

se amparam em dispositivos legais contidos na Lei de Diretrizes e Bases da

Educao Nacional/LDBEN, lei 9.394 (BRASIL, 1996), no Plano Nacional de

Educao (BRASIL, 2001a), nas Diretrizes Nacionais para a Educao Bsica

(BRASIL, 2001b), na Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da

Educao Inclusiva (BRASIL, 2008), no decreto 7.611/2011, que dispe sobre a

educao especial e o atendimento educacional especializado (BRASIL, 2011),

dentre outros.

Alguns pontos passaram a integrar o debate sobre o tema. Destacam-se a

poltica de incluso, a flexibilizao curricular, a preparao da escola regular para

receber alunos oriundos da educao especial (pessoas com deficincia sensorial,

motora, intelectual, transtorno global do desenvolvimento, superdotao e altas

habilidades etc.), alm de tcnicas e recursos teis ao inclusiva. Ganharam

22

nfase os educadores como agente principal desse processo de incluso e sua

formao. Porm, por envolver planos de ao vrios e diferenciados no que se

refere natureza do professor (poltica, administrativa e tcnica) dada sua

complexidade, recomenda-se que ele [...] deve ser paulatinamente conquistado

(CAPELLINI, 2004, p. 56). uma tentativa de modificar o paradigma de uma cultura

que ainda no est habituada a conviver com a diferena.

Como os movimentos sociais provocados por grupos que historicamente

foram excludos da escola e da cidadania plena, a incluso seria uma denncia ao

que, segundo Mantoan e Prieto (2006, p. 17), Hannah Arendt chamou de abstrata

nudez, pois [...] inovao incompatvel com a abstrao das diferenas, para

chegar a um sujeito universal. So as peculiaridades das espcies (o sexo, a etnia,

a origem, as crenas etc.) que definem o sujeito, e no a universalidade. No dizer de

Michels (2006, p. 413), Tratar as pessoas diferentemente pode enfatizar suas

diferenas, assim como tratar igualmente os diferentes pode esconder as suas

especificidades e exclu-los do mesmo modo; e tais diferenas seriam

determinadas, tambm, por questes sociais, e no s por diferenas individuais,

segundo o autor.

Nesse caso, a escola regular precisa se organizar para receber todas as

crianas cujas diferenas sejam explcitas ou no; porm, analisando o sistema

educacional brasileiro, Carmo (2001, p. 103) afirma que a escola comum, partindo

do princpio da igualdade entre os homens,

[...] agrupa os alunos em classes ditas homogneas, em seguida dissemina os conhecimentos de forma diferenciada (cada classe tem um nvel), e atravs da avaliao torna explcitas as desigualdades e diferenas, quando no processo avaliativo todos os alunos so submetidos aos mesmos instrumentos e o produto final expresso em valores numricos, distintivos com nfase no desempenho individual de cada aluno e na comparao dos resultados entre si, a partir de uma referncia padro. Este mecanismo seletivo um dos mais importantes utilizados pela escola para excluir, diferenciar e explicitar o fracasso de seus alunos.

Mais de dez anos aps a publicao dessas ideias, as consideraes

desse autor continuam pertinentes. Para ele, a forma como a incluso escolar e

social est sendo proposta no Brasil apresenta contradio interna profunda:

entre seu iderio e a realidade objetiva. Se por um lado a incluso parte de

concepo concreta de homem e advoga uma viso universalizante das riquezas

23

[...], por outro, desconsidera o carter excludente da organicidade social e

igualdade entre os homens. (CARMO, 2006, p. 51). Isso decorre da forma de

organizao de nosso sistema escolar, em que prevalecem o regime de seriao,

a hierarquizao e a homogeneizao dos contedos e das estratgias de

ensino; isto , no se consideram muito as necessidades nem o ritmo de

aprendizagem de cada educando, mesmo que cada um apresente alguma

deficincia.

Essa organicidade no tem contribudo para a construo de sistemas

escolares inclusivos porque se apresenta

[...] associada s concepes igualitrias de educao, de srie, de gradualidade de contedos, de idade mental e cronolgica e de desempenho escolar do aluno, tem contribudo para que a culpa pelo fracasso escolar recaia sobre os ombros do educando perpetuando, assim, o ciclo da reproduo do fracasso escolar. (CARMO, 2006, p. 67).

Nessa perspectiva, implantar polticas educacionais para garantir o acesso e a

permanncia escolar na trajetria regular de ensino fundamental. A proposta de

incluso supe mudanas na concepo de educao e de escola. o que aponta

Mittler (2003, p. 16):

A incluso no diz respeito a colocar as crianas nas escolas regulares, mas a mudar as escolas para torn-las mais responsivas s necessidades de todas as crianas; diz respeito a ajudar todos os professores a aceitarem a responsabilidade quanto aprendizagem de todas as crianas nas suas escolas e prepar-los para ensinarem aquelas crianas que esto atual e correntemente excludas das escolas por qualquer razo.

Conforme Silva (2009), necessrio rever o modelo educacional, que

historicamente vem trabalhando com arqutipos homogeneizadores,

padronizadores, nos quais todos os alunos precisam ser capazes de realizar,

concomitantemente, um grupo de atividades com ndice igual de aproveitamento. Se

assim o for, ento so necessrios estudos sobre a implementao de polticas

educacionais e estratgias de suplementao no contexto das possibilidades da

incluso escolar. Tais propostas precisam fazer parte, necessariamente, do projeto

poltico pedaggico da escola. O estudo apresentado nesta tese se props a suprir

tal demanda, com foco no contexto do lugar das aulas de Educao Fsica nas

24

escolas quanto s condies de participao de alunos que so pblico-alvo da

educao especial

Na relao entre a poltica de incluso escolar e a rea de Educao Fsica,

convm destacar dois aspectos que envolvem especificamente as pessoas com

deficincia. O primeiro se refere aos conhecimentos disponveis no campo da

subrea denominada como Educao Fsica adaptada; o segundo, a um

entendimento histrico dessas pessoas que a sociedade construiu na rea da

educao especial (CARMO, 2002). A Educao Fsica brasileira passa por um

desafio central em sua trajetria histrica: a realidade da poltica de incluso escolar.

Sua histria nas ltimas quatro dcadas, em que pese seu intenso envolvimento

com as mais diversas formas de esportes e jogos adaptados desde os anos de

1970, apresenta problemas distintos, como qualquer outra rea do conhecimento,

sobretudo no tocante ao atendimento, ao ensino e pesquisa voltados para pessoas

com deficincia (CARMO, 2002). O desafio se revela ainda na superao de prticas

docentes que guardam resqucios, para no dizer influncias, de propostas

pedaggicas e legais de uma Educao Fsica escolar do passado, guiada pelos

preceitos da higiene, da etnia e da moral.

No dizer de Soares (1994, p. 142), O pensamento mdico higienista, em sua

vertente eugnica8, atravessou o pensamento pedaggico e influenciou fortemente a

construo e estruturao da Educao fsica no Brasil. Betti (1998) corrobora essa

discusso ao afirmar que a ideia de que a melhoria e o aperfeioamento da raa

brasileira poderiam ser alcanados por meio de uma prtica sistemtica e orientada

da atividade fsica foi um dos princpios fundadores dessa disciplina no pas; em seu

raciocnio, a Escola de Educao Fsica do Exrcito foi o centro divulgador dessa

funo eugnica, a qual, muitas vezes, confundia-se com a funo de preparao

guerreira e patritica. A escola de Educao Fsica do Exrcito, sendo o formador

principal de professores de Educao Fsica, confirma-se que os professores

formados com base nessa formao colocavam-se em prtica, nas aulas de

8 Eugenia [...] a cincia ou disciplina que em por objetivo o estudo dos fatores que, sob o controle social, possam melhorar ou prejudicar mentalmente, as qualidades raciais das geraes futuras, ou outras palavras, o estudo das medidas sociais, econmicas, sanitrias e educacionais que influenciam, fsica e mentalmente, o desenvolvimento das qualidades hereditrias dos indivduos e, portanto, das geraes (SOARES, 1994, p. 1434).

25

Educao Fsica realizadas no contexto escolar, no aceitando alunos com

deficincia e deixando margem os alunos menos habilidosos/aptos.

Segundo Soares (1994), [...] a busca de status cientfico para a Educao

Fsica no pode ser tratada como via de mo nica e positiva. Se, de um lado, essa

busca contribuiu para conferir credibilidade e aceitao para a rea, seja no mbito

escolar ou fora deste; de outro lanou as bases para a elaborao de uma

concepo de Educao Fsica biologicista e medicalizada, cujo objeto de trabalho

um corpo biolgico destitudo de historicidade. possvel perceber que os mtodos

de ensino utilizados na Educao Fsica (mtodo ginstico e do esporte de

performance) no favoreciam a participao de quem apresentava pouca habilidade

motora ou algum tipo de deficincia nas aulas. Isso porque eram voltados

predominantemente ao fazer segundo uma concepo de homem/corpo orientada

para a eugenizao; isto , numa perspectiva biolgica, ahistrica, acrtica e

seguindo princpios de racionalidade, eficincia e produtividade.

Os trabalhos de pesquisadores da educao fsica que apresentam os termos

do projeto poltico-pedaggico, proposta pedaggica, planejamento escolar,

planejamento curricular, projeto e formao docente, considerando a escola como

seu espao de desenvolvimento, merecem destaque porque so fundamentais ao

avano do conhecimento na rea. No entanto, a maioria dos estudos no teve como

objetivo central relacionar Educao Fsica com a escola, com o professor e com

questes referentes pessoa com deficincia. Consideramos importante apontar

aspectos desses trabalhos porque contribuem para dar relevncia ao que

apresentamos neste estudo.

Freire (1997), em sua obra Educao de corpo inteiro, cuja proposta encontra

espao, sobremaneira, na educao infantil e nos primeiros anos do ensino

fundamental, destaca como finalidade a construo do conhecimento pelo

educando; assim como destaca o ldico, a cultura popular, a brincadeira e o jogo

como temas centrais a ser considerados e desenvolvidos na proposta pedaggica da

escola. Em seu entendimento, se a escola tem uma proposta pedaggica, os

contedos do jogo e do brinquedo no podem ser desconsiderados. A proposio

apresentada permite uma integrao com uma proposta pedaggica ampla e

integrada da Educao Fsica nos primeiros anos de escolarizao. Ele defende o

desenvolvimento das habilidades motoras, porm salienta a importncia de observar

26

as consequncias cognitivas, afetivas e motoras. Eis por que a Educao Fsica

precisa atuar como qualquer outra disciplina da escola, e no desintegrada dela.

Em Metodologia do ensino de Educao Fsica, o grupo de professores

Soares, Taffarel, Varjal, Castellani Filho, Escobar e Bracht (COLETIVO DE

AUTORES, 1992) enfatizam a importncia de uma Educao Fsica escolar

comprometida com um projeto poltico pedaggico capaz de transformar o homem e

a sociedade mediante a reflexo sobre a cultura corporal e numa perspectiva crtico-

superadora. O objetivo da proposta facilitar a reflexo e a prtica pedaggica dos

docentes do magistrio, do ensino fundamental e mdio. Os autores apontam o

currculo como a materializao do projeto poltico pedaggico nas prticas dos

componentes curriculares. A legitimidade ou relevncia de um componente curricular

s se constitui na perspectiva de um currculo que permita levar o aluno a refletir

sobre o objeto de estudo de cada rea. Logo, no perseguir essa capacidade de

reflexo compromete a perspectiva de totalidade do trabalho desenvolvido.

Esses autores destacam que os conhecimentos so os temas da cultura

corporal tratados na escola atravs do jogo, do esporte, da capoeira, da ginstica e

da dana; expressados de maneira significativa, dialtica e intencional, como forma

de compreender e transformar o homem e as estruturas sociais. Para o Coletivo de

autores (1992), as implicaes metodolgicas do fazer coletivo, considerando a

avaliao dos contedos em toda a instituio, precisam estar submetidas aos

princpios do projeto poltico pedaggico. No planejamento e na tomada de deciso

coletiva, os responsveis pela prtica pedaggica precisam estar envolvidos no

processo avaliativo da Educao Fsica, buscando a coerncia das aes com o

projeto pedaggico da escola.

Kunz (1994) reconhece o aumento significativo na produo cientfica; mas

critica a falta de propostas terico-prticas no cotidiano escolar. Para supri-la, prope

superar o interesse tcnico do ensino da Educao Fsica pelo interesse crtico-

emancipatrio, isto , transformar as disciplinas escolares em reas de pesquisa.

Sua proposta preparar o aluno para competncias: a competncia objetivo-prtica

ou instrumental, a social e a comunicativa. Esse autor afirma ainda que a

competncia instrumental ou objetiva desenvolvida basicamente por meio da

categoria trabalho; e possibilita ao educando, com base em seus conhecimentos e

suas habilidades desenvolvidas em contato direto com o mundo, uma transcedncia

de limites: ele ultrapassa seus limites pelo controle racional e planejamento

27

cooperativo de suas aes. No esporte, isso significa que, pela melhoria das

habilidades prticas, o aluno pode aumentar, tambm, seu espao de atuao e

suas possibilidades de auto e codeterminao nas atividades de ensino (KUNZ,

1994).

A competncia social desenvolvida pela tematizao das relaes e

interaes sociais. Essa tematizao tem de ser problematizadora, para que o

discente seja levado a compreender e distinguir interesses individuais e subjetivos

de interesses coletivos e objetivos (KUNZ, 1994). A competncia comunicativa o

autor relata que precisa ser desenvolvida pelo falar, pelo expressar sobre fatos,

coisas e fenmenos, de forma a relacionar, analisar e compreender tais fatos, coisas

e fenmenos num percurso que vai do contexto imediato abstrao hipottica e

terica (KUNZ, 1994). A proposta crtico-emancipatria se resume a uma tentativa de

introduzir na escola uma nova maneira de tematizar o ensino da educao fsica ou

movimento humano, sobretudo os esportes. Essa proposta trouxe para a rea

grandes contribuies.

A fim de entender como a produo terica dos anos 1980 e incio do decnio

de 1990 tratou da educao fsica como componente curricular, Caparroz (1997)

aprofundou seus estudos para identificar as abordagens metodolgicas, o contexto e

os paradigmas dessas produes. Destacou que existe uma identificao conceitual

da Educao Fsica; que a literatura no distingue se esta prtica social ou rea do

conhecimento de um campo de interesse cientfico. Tambm disse que houve

mudanas significativas nela ao longo dos anos, sobretudo pelos autores que

incorporaram a cultura corporal em suas obras.

Em seu livro Janela de vidro, cujo objetivo foi, por meio da hermenutica,

interpretar o discurso da televiso sobre o esporte mediante uma reflexo crtica

sobre suas repercusses na Educao Fsica, Betti (1998) faz uma pergunta que

contribui para este trabalho: que projeto de Educao Fsica essa interpretao nos

autoriza a conceber? Segundo o autor, desde os anos 1980, o debate sobre o que

Educao Fsica intenso; aps a diminuio do impacto das concepes militar e

mdica e o surgimento de propostas associadas com o processo de

redemocratizao do pas, novas ideias, novos fundamentos e novas proposies

pedaggicas ocuparam espaos e agitaram a rea. Nesse trabalho, o autor recorre a

uma das matrizes, que gera entendimentos relativos Educao Fsica: a matriz

pedaggica. Para ele, a Educao Fsica tem de ser entendida e concebida como

28

prtica pedaggica. Tal matriz tem de ser considerada quando se faz um

questionamento sobre o papel social atribudo rea.

Nos PCN (BRASIL, 1998), a autonomia da escola em construir sua prpria

proposta pedaggica ressaltada tendo em vista que seu contexto amparado pela

LDBN (BRASIL, 1996) e que orienta a necessidade de a Educao Fsica estar

integrada proposta da escola. Segundo os PCN (BRASIL, 1998), a Educao Fsica

tem uma histria de, ao menos, um sculo e meio no mundo ocidental moderno; tem

uma tradio e um saber-fazer ligados ao jogo, ao esporte, dana, luta e ginstica:

contedos com os quais se tem procurado formular um recorte epistemolgico prprio,

em que se organizam os elementos da cultura corporal de movimento.

Palafox (2002) procurou construir e implementar uma proposta curricular para

o ensino da Educao Fsica escolar fundamentada na concepo crtica

emancipatria de educao. O autor denominou sua proposta de Planejamento

coletivo do trabalho pedaggico, que objetivou no s estabelecer uma relao

dialtica de indissociabilidade entre teoria e prtica, mas tambm a transformao

poltico-pedaggica do processo de interveno dos professores no contexto

escolar. Esse planejamento coletivo seria um ato de construo e reconstruo

permanente daquilo que se denominou, didaticamente, de realidade intencionalizada

no pensamento e na escrita, cuja finalidade fornecer subsdios tericos e prticos

para agir estrategicamente na realidade vivida tendo em vista sua transformao

(CAPARROZ, 1997).

Bracht (2003) procura identificar os elementos que fizeram da Educao

Fsica um constituinte do projeto educacional liberal burgus e discute elementos

para sua possvel insero em um projeto pedaggico de carter crtico. Os

elementos de sustentao da Educao Fsica segundo o autor incluem: a) a aptido

fsica como garantia de uma maior produtividade no trabalho; b) as questes de

sade, em que o Estado passa a ser o grande responsvel pelas campanhas de

massificao esportiva como o programa Esporte para Todos, cuja finalidade era

diminuir os custos do sistema de sade; c) viso mdica do corpo, cuja comparao

deste com a mquina fez inserir a biologizao do corpo e estabeleceu o

entendimento oficial na sociedade; d) a ideia de trabalho em oposio ao lazer,

sendo este apenas uma recompensa do primeiro e uma ocupao saudvel do

tempo ocioso; e) o esporte, elemento mais recente em virtude da sua relevncia

social e importncia poltica e econmica.

29

Ainda conforme Bracht (2003), a Educao Fsica responsvel por inserir as

pessoas no universo da cultura corporal de movimento para que possam atuar de

forma autnoma e crtica tambm nos espaos de lazer. Isso, consequentemente,

torna-se uma questo importante no mbito educacional. Como componente

curricular, a Educao Fsica precisam possibilitar que os alunos tenham as

experincias mais significativas para que, com base nelas, compreendam a

linguagem corporal, respeitem o outro e a si prprios. Dessa forma, o professor

precisa propor um plano que considere as caractersticas e necessidades dos

estudantes relativamente aos princpios do projeto pedaggico de cada escola.

Dessas obras citadas, vimos que as preocupaes centrais dos autores foram

o ambiente escolar e as metodologias de ensino utilizadas na Educao Fsica. A

questo dos saberes curriculares, em especial os que envolvem essa rea (objetivos

e contedos relacionados com a pessoa com deficincia), no foi discutida; assim,

um dos focos deste trabalho ir frente na pesquisa sobre a possibilidade de somar

os objetivos da incluso escolar com as funes atribudas Educao Fsica e

escola no Brasil na perspectiva do ensino colaborativo.

No tem sido fcil para os docentes da Educao Fsica ministrarem aulas

para uma turma de muitos alunos que inclua crianas com diferentes tipos de

deficincias. Nesse sentido, cabe reiterar o pensamento de Sherril (1995, p. 82):

O princpio bsico da Educao Fsica para pessoas com deficincia a atitude, a maneira de ensinar, em contextos inclusivos, que est refletida nas crenas e nas prticas de professores que ajustam as experincias e aprendizagem para atender s necessidades individuais e assegurar sucesso.

Entendemos que o desafio est em assumir uma filosofia baseada nas

diferenas individuais. Nem todas as pessoas aprendem da mesma maneira. Cada

aluno tem de fazer as atividades fsicas do seu modo. As estratgias metodolgicas

necessitam ser desenvolvidas de acordo com a turma. Mesmo a Educao Fsica

Adaptada, que tenta suprir dificuldades com programas de atividades adequadas a

pessoas com deficincias, tem gerado no s dvidas e questionamentos entre os

professores, mas tambm debates em busca de orientao e informao sobre

como fazer e o que fazer nas prticas escolares. Vrios estudos de reviso sobre

incluso escolar no mbito da Educao Fsica tm objetivado verificar o norte das

pesquisas e identificar que contribuio proporcionam rea de educao especial.

30

Desses autores, merecem destaque Lopes (1996; 1999), Palla (2001), Bailo (2002),

Souza (2002), Monteiro (2004), Silva (2004), Seabra e Arajo (2006), Silva, Souza e

Vidal (2008), Munster e Bianconi (2009), Vaz e Santos (2009) e Cruz (2011).

Ao investigar fatores que influenciaram na participao de pessoas com

deficincia nas aulas de Educao Fsica matriculados em escolas da rede pblica

de Manaus (AM), Lopes (1996) detectou que a participao deles estava

comprometida por fatores que permeiam a situao da Educao Fsica nas

secretarias de Educao e na escola, pela falta de autoconceito da pessoa com

deficincia ante suas capacidades e pela falta de ao do professor como facilitador

do aprendizado. Em sua tese de doutorado, Lopes (1999) procurou identificar a

viabilidade ou no da prtica da atividade fsica regular pelo aluno includo com

colegas de sala de aula. Concluiu que a participao deste era mais efetiva nas

atividades individualizadas. Tambm assinalou a necessidade de criar espaos

dentro da escola para a discusso e compreenso, pelos educandos, dos aspectos

referentes deficincia.

O estudo de Palla (2001) avaliou as atitudes de professores e estudantes de

Educao Fsica em relao ao ensino de pessoas com deficincias e verificou que

os docentes estavam despreparados em razo do contedo programtico nos

currculos e da falta de contato com o aluno com deficincia na formao acadmica.

Esses fatores poderiam estar dificultando a elucidao de atitudes favorveis ao

ensino de tais educandos. Essa autora diz que vivemos um perodo de desafios na

rea da Educao Fsica; por exemplo: dificuldades de objetivar o desenvolvimento

de um trabalho pedaggico til a todos e a prpria lgica excludente que vigora nas

instituies escolares, que somente ser superada com esforo coletivo.

Por sua vez, Bailo (2002) procurou evidenciar a compatibilidade entre os

princpios educacionais da educao inclusiva e os da teoria das inteligncias

mltiplas. Para isso, analisou as conexes, interpretando as relaes positivas entre

ambos e ressaltando os benefcios que as crianas com deficincia poderiam

usufruir. Concluiu ser possvel utilizar essa teoria como instrumento que favorea a

incluso na rede regular e beneficie sua educao.

Em sua pesquisa, Sousa (2002) estudou a situao vivenciada pela pessoa

com deficincia na Educao Fsica escolar do ensino fundamental da rede pblica

municipal e estadual de Uberlndia e constatou que a perspectiva que se

apresenta para esse aluno nas aulas de Educao Fsica na cidade de Uberlndia

31

estava distante de atingir aquilo que preconiza a poltica de incluso escolar. A

autora mostrou que no esto garantidas as condies bsicas de acesso e

permanncia do aluno com deficincia na escola, sobretudo nas aulas de

Educao Fsica.

Com efeito, o acesso e a permanncia dependem da possibilidade da criao

de uma comunidade escolar segura, acolhedora, colaborativa e estimulante; na qual

cada sujeito seja valorizado. Esses valores tm de ser compartilhados por toda a

comunidade escolar (estudantes, familiares, membros do conselho escolar,

professores, funcionrios e gestores). Uma comunidade acolhedora a base para a

convivncia com reconhecimento das diferenas, pois implica o desenvolvimento de

valores que mobilizam as pessoas a pensarem, viverem e organizarem o espao da

escola, incluindo nele todas as crianas.

Monteiro (2004) avaliou a dificuldade de incluso de alunos com deficincia

nas aulas de Educao Fsica em escolas regulares do municpio do Rio de Janeiro

e percebeu que as dificuldades maiores apontadas foram a falta de embasamento

terico, de assessoria de profissionais competentes e de conhecimento da legislao

especfica e de documentos inerentes prtica pedaggica. Nessa mesma

perspectiva, Silva (2004) identificou possibilidades de incluso na Educao Fsica

escolar no municpio de So Joo Del Rei (MG), mas verificou que a proposta de

incluso no tem se concretizado e afirmou a necessidade de mais apoio poltico-

pedaggico.

Seabra Jnior e Arajo (2006) discutiram o tema A Educao Fsica e

incluso: consideraes sobre a ao docente no ambiente escolar em um trabalho

que envolveu aes inclusivas. Os autores priorizaram a ao docente como

influenciador no processo de incluso de alunos com deficincia ou no.

Fundamentaram-se nos relatrios da disciplina Prtica de Ensino e Estgio

Supervisionado do curso de Educao Fsica do Centro Universitrio Norte Paulista

(UNORP). O estudo teve como lcus escolas pblicas de So Jos do Rio Preto. As

observaes e anlises dos autores permitem constatar que a ao pedaggica do

professor refletiu diretamente no processo de incluso quanto participao ou ao

distanciamento dos discentes nas aulas de Educao Fsica.

Resultado de estudos e pesquisas realizadas por um grupo de professores de

Educao Fsica que discutiram a incluso escolar de estudantes com deficincia

mais precisamente a incluso nas aulas dessa disciplina, o trabalho de Silva, Souza

32

e Vidal (2008) abordou temticas como: princpios que orientam a educao

especial; dados e correntes de pensamentos que tm orientado o desenvolvimento

da educao inclusiva no Brasil; os dilemas e as perspectivas da Educao Fsica

nesse contexto. Constataram que, para ser inclusiva, precisa estar envolvida numa

prtica sociopoltico-pedaggica capaz de materializar-se em uma nova Educao

Fsica escolar e em novos caminhos, subsidiados pelo investimento na formao

profissional e nas condies de trabalho.

O estudo de Munster e Bianconi (2009) teve como objetivo desenvolver uma

estratgia inclusiva para auxiliar o processo de incluso escolar nas aulas de

Educao Fsica na rede escolar pblica de So Carlos. A estratgia aplicada foi a

tutoria colaborativa, que mediante treinamento dado a um colega tutor permitiu

subsidiar um aluno com deficincia para que resolvesse eventuais problemas

durante as aulas. O estudo concluiu que a estratgia contribuiu para uma

participao dele nas aulas. Mostrou que o sistema educacional precisam oferecer

condies que possibilitem a incluso efetiva por meio de capacitao docente,

recursos materiais acessveis e instalaes fsicas adequadas.

Vaz e Santos (2009) desenvolveram uma pesquisa de campo crtico-descritiva

cujo lcus foi uma escola da rede regular de Catalo (GO). Com o tema Incluso e

Educao Fsica escolar: realidade e possibilidade para o aluno com autismo na

escola comum, analisaram as aes pedaggicas para o atendimento de um

educando autista. O instrumento de coleta de dados foi a entrevista semiestruturada

com a Diretora, a coordenadora pedaggica e a professora de Educao Fsica.

Identificaram a concepo de incluso e autismo desses sujeitos e verificaram as

implicaes para a prtica pedaggica na escola em geral e na Educao Fsica em

particular. Os resultados da anlise dos dados mostraram a urgncia de momentos

oportunos de formao docente que prevejam a incluso como objeto de estudo e

anlises. Os autores demonstraram pela pesquisa que professores e dirigentes tm

conscincia e clareza da importncia de prticas inclusivas no interior da escola,

mas entendem que h incoerncia com o que a lei preconiza e a realidade

materializada no contexto escolar.

O trabalho de Cruz (2011) objetivou analisar a licenciatura com foco na

atuao profissional em contextos inclusivos. Consistiu da anlise do projeto

pedaggico do curso de Educao Fsica ofertado na Universidade Estadual do

Centro-oeste/Unicentro, no Paran. O estudo foi permeado pelo dilogo com as

33

Diretrizes Curriculares Nacionais e concluiu que constitui um grande desafio para as

licenciaturas a construo de planos que promovam uma formao profissional que,

de fato, habilite o licenciando para trabalhar com pessoas com deficincias e

estabelecer estratgias capazes de suprir essa demanda.

Com base nesses estudos, percebe-se que, embora tenham trazido

contribuies importantes, apontam falta de aspectos bsicos para garantir no

apenas o acesso, mas ainda a permanncia e o sucesso de alunos com deficincias

em classes comuns. H necessidade, por exemplo, de produzir conhecimento sobre

a realidade desses estudantes, de implantar e avaliar polticas de incluso nos

sistemas pblicos de ensino; alm de estudos a necessidade de formao

continuada dos docentes e de estratgias de ensino para garantir a incluso com

qualidade. Buscamos pesquisas na rea de formao de professores para subsidiar

este trabalho. Afinal, como afirma Oliveira (2003, p. 67),

Toda e qualquer transformao, tem de passar pelo professor, pois ele responsvel direto pela formao do aluno e ele que se coloca, cotidianamente, diante dos desafios da aprendizagem escolar, no confronto direto com cada aluno e com cada histria, diversa por natureza, o que torna o ato pedaggico, no interior das salas de aula, um fenmeno ao mesmo tempo, coletivo e individual.

Para esse autor, est em pauta uma formao segundo um novo paradigma:

considerar a convivncia das diferenas, de qualquer ordem, e propiciar uma nova

dinmica pedaggica, denominada pedagogia inclusiva, que

[...] est pautada em uma concepo diferenciada de escola e aprendizagem, fundamentando sua prtica pedaggica em uma aprendizagem mediada. Como decorrncia, algumas alteraes significativas devem ocorrer na dinmica da escola, na busca dessa nova conscincia coletiva. (OLIVEIRA, 2002, p. 240).

uma pedagogia de suporte que pressupe a insero do pblico-alvo da

educao especial em classes comuns do ensino regular a fim de que as diferenas

no sejam pretexto para a no aprendizagem.

Freitas (2006) entende que o enfrentamento dos desafios propostos

educao de um modo geral implica uma prtica pedaggica que priorize a

realizao de planejamentos em conjunto, criando um espao organizado de trocas

de experincias, de ideias e de dificuldades em que os educadores colaborem

34

mtua e cooperativamente com seus pares. Embora seja importante e necessrio o

apoio do professor de educao especial aos professores da educao comum,

ainda h perguntas sem respostas em nossa realidade. Os questionamentos

indagam sobre as implicaes da implementao de tal colaborao e sobre sua

efetividade para melhorar a prtica escolar e a participao dos alunos nas aulas de

Educao Fsica.

Quanto ao ensino colaborativo, a pesquisa de Lytle, Robinson, Lavay e

Huetting (2003) sobre ensino colaborativo e Educao Fsica na escola, realizada

nos Estados Unidos. O estudo tratou do ensino colaborativo e de tcnicas de

consultoria para professores de Educao Fsica Adaptada. Os autores mostraram a

importncia de desenvolver, no interior da universidade, pesquisas e atividades que

ajudem futuros docentes a se relacionarem com alunos com deficincia por meio do

ensino colaborativo.

As pesquisas sobre ensino colaborativo e Educao Fsica no mbito

internacional deixam entrever contribuies importantes, mas poucas tiveram como

propsito analisar o ensino colaborativo na escola. No Brasil, verificamos que cinco

estudos so destaque em trabalhos colaborativos: Alpino (2008), Pereira (2009) e

Toledo e Vitalino (2012), nas reas de psicologia, pedagogia e fisioterapia,

respectivamente; os de Souza (2008) e de Orlando (2010), na rea de Educao

Fsica.

Alpino (2008) apresentou seu estudo na tese Consultoria colaborativa escolar

do fisioterapeuta: acessibilidade e participao do aluno com paralisia cerebral em

questo. A autora constatou que a presena do profissional especializado na escola

regular, em particular o fisioterapeuta, importante para caracterizar efetivamente as

necessidades de apoio ao atendimento educacional de alunos com paralisia

cerebral; conhecer as condies de acessibilidade ao currculo e ao espao fsico

escolar; identificar as dificuldades dos educadores; planejar coletivamente as aes

e intervir no ambiente escolar com a possibilidade de acompanhar as modificaes

ambientais implementadas.

O estudo de Pereira (2009), Consultoria colaborativa na escola: contribuies

da psicologia para a incluso escolar, investigou as prticas psicolgicas no

ambiente escolar para favorecer a incluso pela consultoria colaborativa.

Participaram da pesquisa seis educadores de trs classes comuns dos primeiros

anos do ensino fundamental de uma escola pblica. A consultora observou as aulas

35

quinzenalmente por quatro meses. Quanto s habilidades e competncias do

psiclogo como consultor, suas concluses revelam esses apontamentos: ter

competncia poltica para negociar com os administradores da rede escolar; saber

relacionar com sentimentos negativos do professor gerados pelo medo de ser

julgado e com possveis resistncias ao processo de mudana; revelar uma

realidade, mesmo que contrria anunciada, para que possam ser planejadas

mudanas.

Toledo e Vitalino (2012) objetivaram investigar a eficcia de um programa de

formao docente numa Escola Estadual de Ensino Fundamental II do Paran tendo

em vista a melhoria do processo de incluso de alunos com deficincia intelectual.

Os pressupostos tericos seguiram fundamentos do movimento de incluso

educacional, especialmente em relao s prticas pedaggicas; enquanto o

mtodo seguiu a sistematizao da pesquisa colaborativa. Foram participantes duas

professoras, cada uma com um discente nas turmas s quais lecionavam.

Os procedimentos para coletar os dados ocorreram em trs fases: 1)

levantamento de conhecimentos sobre o processo de incluso desses estudantes

entre as participantes e observaes em sala de aula de suas prticas; 2)

desenvolvimento de procedimentos de interveno: ciclos de estudos sobre incluso

educacional, anlises reflexivas sobre prticas pedaggicas desenvolvidas em aulas

e a participao da pesquisadora em sala de aula, auxiliando no trabalho com

discentes com DI, baseados na pesquisa colaborativa; 3) entrevista com as

participantes para avaliar os procedimentos desenvolvidos. Os resultados

evidenciaram melhoria da qualidade do processo de incluso dos alunos com

deficincia intelectual e ampliao dos conhecimentos tericos e prticos dos

professores acerca da educao inclusiva. Ficou claro no estudo de Toledo e Vitalino

(2012) que o trabalho colaborativo entre educadores efetivo.

A pesquisa de doutorado de Souza (2008) teve como objetivo analisar os

efeitos de um programa de formao de tutores sobre a participao de um

estudante com deficincia intelectual associada ao autismo nas aulas de Educao

Fsica. Os resultados mostraram que a tutoria como estratgia de ensino foi eficaz

para aumentar a participao. Houve envolvimento dos colegas tutores. Quanto

formao da tutoria, os dados demonstraram que, para ser mais efetiva, requer um

tempo maior de ps-formao para a interveno dos tutores; fazer o mesmo estudo

com tipos diferentes de deficincias; trabalhar com um tutor para cada tipo de

36

atividade; identificar a opinio dos colegas de turma que no participaram do estudo;

estabelecer a generalizao da tutoria em outros ambientes da escola (ptio, sala de

aula); enfim, aplicar esse tipo de estudo nas redes escolares estaduais e

particulares.

Em sua dissertao de mestrado, Orlando (2010) objetivou verificar, em um

grupo de discentes do ensino comum, como se desempenhariam na funo de

colega tutor de alunos com deficincia no ensino comum em aulas de Educao

Fsica. Participaram cinco educandos sem deficincia como tutores, dois com

deficincia visual, mais 27 de uma turma. Tambm participaram o docente de

Educao Fsica e o pesquisador. Para a coleta de dados foram utilizados

equipamentos de mdia eletrnica, computador, programa de formao de colegas

tutor, sistema de observao do tempo de instruo da aptido. Os dados

analisados apontaram envolvimento dos colegas tutores e isso fez aumentar a

participao discente nas aulas de Educao Fsica.

Os resultados dessas pesquisas reforam a necessidade de avanar mais no

conhecimento das prticas inclusivas que esto sendo materializadas na rea da

Educao Fsica, sobretudo na formao docente; assim como de ampliar os

estudos sobre o ensino colaborativo em contextos inclusivos nessa rea. As

expectativas relativas aos estudos apresentados aqui so de trazer contribuies

para subsidiar o interesse na formao continuada entre professores de Educao

Fsica na perspectiva inclusiva; isto , apontar estratgias formativas que as

experincias de ensino colaborativo propiciam segundo a avaliao dos

participantes. Quanto ao presente estudo, a expectativa que contribua indicando

novos caminhos para a formao de professores nas licenciaturas das universidades

e para o sistema educacional (ensino fundamental e mdio) na promoo da

incluso escolar mediante parceria colaborativa para suprir suas necessidades com

garantias de sucesso acadmico e superar problemas que o pblico-alvo da

educao especial enfrenta.

Eis a questo central da pesquisa descrita nesta tese:

Quais so as contribuies da realizao de trabalho colaborativo entre

educador pesquisador em Educao Fsica para pessoas com deficincia e

professor de Educao Fsica em salas de aula comuns que tm alunos que so

pblico alvo da educao especial?

37

O objetivo geral da pesquisa foi analisar o desenvolvimento do trabalho

colaborativo entre o pesquisador e o professor de Educao Fsica em salas de aula

comuns na perspectiva do ensino colaborativo em uma escola municipal de

Uberlndia.

Os objetivos especficos do estudo so:

identificar as dificuldades e possibilidades de atuao do professor de

Educao Fsica no ensino colaborativo em salas de aula freqentadas

pelo pblico-alvo da educao especial;

descrever a proposta do ensino colaborativo para a Educao Fsica em

escola comum;

avaliar os resultados do ensino colaborativo na aprendizagem dos alunos

e no desenvolvimento da prtica pedaggica do professor de Educao

Fsica;

pontuar indicativos para a construo de polticas de formao de

professores de Educao Fsica considerando a realidade do cotidiano

escolar na perspectiva do ensino colaborativo.

A busca de respostas para as indagaes apresentadas levou realizao do

presente estudo, que neste relato encontra-se estruturado em captulos.

O captulo 1 trata da incluso escolar e dos direitos educao no Brasil,

alm de apresentar tanto o percurso histrico e as formas de tratamento social a que

as pessoas com deficincia foram submetidas quanto uma reconstruo histrica

com base em fatos destacados na literatura sobre educao especial.

O captulo 2 aborda as relaes entre formao docente e Educao Fsica,

contextualizadas com a Educao Fsica e Educao Fsica Adaptada.

O captulo 3 focaliza o ensino colaborativo nas aulas de Educao Fsica,

buscando retratar a colaborao como aspecto fundamental nas prticas dos

professores e nas estratgias de ensino para essa prtica.

O captulo 4 enfoca a abordagem metodolgica para desenvolver a pesquisa

subjacente a esta tese.

O captulo 5 apresenta a anlise dos dados.

38

1 Direitos educao no Brasil: incluso escolar

uma literatura ampla sobre o surgimento das preocupaes

educacionais com pessoas com deficincia, transtorno global do

desenvolvimento, superdotao e altas habilidades. Para os fins deste

estudo, buscamos apresentar brevemente propostas e prticas que tm marcado o

movimento associado insero dessas pessoas na escola pblica brasileira.

1.1 Bases histricas do incio da educao especial

No Brasil, s no sculo XX iniciativas oficiais de mbito nacional marcaram o

incio da educao de parte das pessoas com deficincia. Foram campanhas

nacionais destinadas educao de surdos (decreto federal 42.728/57), ao ensino e

reabilitao de deficientes visuais (decreto federal 44.236/58) e ao atendimento

educacional de deficientes mentais (decreto federal 48.961/60), ao lado da criao

de instituies privadas filantrpicas de atendimento a essas pessoas, tais como

Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a Federao Nacional das

Associaes Pestalozzi (FENASP). O acesso educao foi conquistado

lentamente: medida que se ampliavam as oportunidades educacionais populao

em geral. A institucionalizao da educao especial brasileira tem pouco mais de

trs dcadas.

Nos anos 1970, iniciou-se um processo de centralizao administrativa e

coordenao poltica do governo federal. Na legislao, a educao especial

apareceu pela primeira vez na LDB 4.024/61, onde se l que a educao da pessoa

com deficincia intelectual deve, no que for possvel, enquadrar-se no sistema geral

de educao. A lei 5.692/71 previu o tratamento especial para alunos que

apresentassem deficincias fsicas, sensoriais e intelectuais, assim como para os

superdotados. Expressava-se a preocupao em garantir o acesso das crianas com

deficincia escola, com forte nfase em tcnicas de ensino orientadas pelo

princpio da anlise aplicada ao comportamento. Ainda nessa dcada foi criado o

Centro Nacional de Educao Especial (CENESP), ligado ao MEC, para centralizar e

coordenar aes de poltica educacional. Esse rgo existiu at 1986 e manteve, em

H

39

sua trajetria, uma poltica centralizadora que priorizava o repasse de recursos

financeiros s instituies privadas.

A criao de um rgo especfico para a educao especial condiz com nosso

modo de organizao capitalista. De acordo com Januzzi (2004, p. 143),

O aparelho administrativo pblico dividido em ministrios em nvel federal e secretarias nos estados e municpios, que se encarregam dos setores: poltico, econmico, militar, social, onde geralmente situam educao e sade. Cada um recebe dotao oramentria, mas a supremacia cabe rea econmica. Este rgo nasceu forte e esteve sempre ligado ao MEC, transformando depois em Secretaria de Educao Especial (SEESP). A responsabilidade do Estado com o ensino especializado, a educao especial, se deu por meio das classes especiais, que deveriam funcionar anexas as classes comuns, legitimando-se, desta forma, a segregao do aluno.

Um marco importante foi o princpio da normalizao, que chegou ao Brasil no

fim dos anos 1970 e incio da dcada de 1980. Criticada no s por causa da

incompreenso de que se tratava de uma teoria cientfica, mas tambm em razo do

filosfico de valor, cuja finalidade era usar meios normativos para promover e/ou

manter caractersticas, experincias e comportamentos pessoais to normais quanto

possveis (MENDES, 2006). No era algo para tentar normalizar9 uma pessoa, mas

um princpio que fornecia critrios para planejar e avaliar servios.

A terminologia normalizar/normalizao, segundo Januzzi (2004, p. 180),

imps-se na legislao em 1959, na Dinamarca, onde

Normalizar no significa tornar o excepcional normal, mas que a ele sejam oferecidas condies de vida idnticas s que outras pessoas recebem. Devem ser aceitos com suas deficincias, pois normal que toda e qualquer sociedade tenha pessoas com deficincias diversas. Ao mesmo tempo preciso ensinar ao deficiente a conviver com sua deficincia. Ensin-lo a levar uma vida to normal quanto possvel, beneficiando-se das ofertas e das oportunidades existentes nas sociedades em que vive.

Esse princpio se tornou, ento, o eixo central do paradigma da integrao,

que trouxe acoplado o princpio denominado mainstreaming: aes que possibilitam

colocar as pessoas com deficincia na corrente principal da vida (ou seja, na main

9 Deno (1970, p. 25) afirma que O ato de normalizar enquadrar um sujeito que est fora da norma, do padro, demonstra um exerccio de poder, neste caso, poltico, exercido por quem no momento est realizando esta tarefa.

40

stream): lev-las a ter uma vida prxima da desfrutada pelos indivduos no

deficientes (MANTOAN, 1997). Nesse sentido, a poltica de integrao escolar foi

influenciada pelo movimento da normalizao difundido na Amrica do Norte e

Europa.

A filosofia divulgada mundialmente sobre a proposta da integrao escolar

propunha que esta teria de ser feita por meio do sistema de cascata,10 que se

constitua po