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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 6 – Difusão da Língua Portuguesa em contextos multilingues.
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ENSINO/APRENDIZAGEM DO PORTUGUÊS NO CONTEXTO PLURILINGUE DE TIMOR-LESTE: ROLA OU LAKATEU? ROLA E
LAKATEU!
Lúcia Vidal SOARES1
RESUMO
Os sistemas educativos dos países plurilingues que, por esse facto, são também pluriculturais, questionam-se incessantemente na procura de soluções para que as suas línguas maternas, nacionais, possam ocupar o lugar a que têm direito na Escola, seguindo as Recomendações da UNESCO, que no seu conceito de Educação de Qualidade para Todos propõe que as medidas em Educação considerem aquilo que caracteriza as sociedades actuais: a coabitação, o convívio, o contacto de línguas e culturas nos contextos sociais. É o caso de Timor-Leste, onde um número bastante variável de línguas autóctones convive com línguas não autóctones como o português, o malaio indonésio, o inglês, o mandarim, o cantonês …, usufruindo estas de diferentes estatutos. É neste contexto que temos de considerar o valor da presença de linguistas no sentido de estudarem e fixarem as diferentes línguas nativas, a de professores que são os parceiros estratégicos por excelência nesta acção de promoção do plurilinguismo e do pluriculturalismo e, finalmente, dos manuais no seu papel de “leitores” e de “termómetros” destes contextos. Estes, entre outras medidas, devem estar contextualizados de forma a evitar rupturas entre as diferentes línguas e culturas em presença, fomentando uma convivência harmoniosa e construtiva entre elas. Nesta comunicação, propomo-nos caracterizar a abordagem da diversidade linguística e cultural presente no Currículo e nos manuais de Língua Portuguesa, em Timor-Leste, a partir das seguintes questões:
Que português ensinar? Como integrar os hábitos linguísticos e a cultura do aprendente na aprendizagem de uma
outra língua, tendo em conta o substrato linguístico do aluno? Qual o papel e a função da geopolítica envolvente? Que representação das línguas encontramos nos manuais?
PALAVRAS –CHAVE: plurilinguismo/pluriculturalismo; diversidade linguística; representação; currículo; manual INTRODUÇÃO
O nosso tema aborda questões no âmbito do plurilinguísmo e enquadra-se na
problemática da introdução das línguas nacionais timorenses no Sistema Educativo, ao
lado das línguas oficiais, o tétum e o português. Pretende-se, deste modo, garantir o
desenvolvimento da Educação e promover a diversidade linguística e cultural. Há
1 Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação, Departamento de Educação em Línguas, Comunicação e Artes, Campus de Benfica do IPL, 1549-003 –Lisboa, Portugal, [email protected]
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 6 – Difusão da Língua Portuguesa em contextos multilingues.
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unanimidade em aceitar a ideia que nenhum desenvolvimento sustentável é possível sem
o vector indispensável da Educação. E essa educação não será possível sem considerar a
língua que essas populações dominam. A valorização da língua é essencial para o
desenvolvimento do país, mas, simultaneamente, é difícil conceber um desenvolvimento
das línguas sem a sua introdução no Sistema Educativo.
Indaguemos, pois, qual a situação em Timor-Leste.
O CONTEXTO LINGUÍSTICO de TIMOR-LESTE
Timor Leste é um país plurilingue e, por isso, pluricultural, se considerarmos que a cada
língua subjaz uma cultura. Com os seus 15 000 Km2, é um verdadeiro mosaico
linguístico com um número bastante variável de línguas identificadas. Geoffrey HULL,
em 2004, referia 16 línguas, mas, em 2005, redu-las para 15 (sendo 12 de origem
austronésia e quatro (3 em 2005) de origem papua (makasae; fataluku, makua (50
falantes) e (bunak). Luís Filipe THOMAZ (2002, p141) sugere a existência “de 19 a 31,
segundo as contagens – provindo a discrepância do critério adoptado na destrinça entre
as línguas autónomas e variantes dialectais da mesma língua”.
Luís COSTA, num artigo a publicar brevemente, propõe 14 línguas austronésias e 14
dialectos e 4 línguas papuas e 3 dialectos.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 6 – Difusão da Língua Portuguesa em contextos multilingues.
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in “ De mãos dadas”, manual de Língua Portuguesa para o 5º ano, em Timor-Leste
Esta multiplicidade de línguas faz dos timorenses um povo bilingue,
frequentemente, plurilingue.
A professora Hanna BATORÉO afirma (2008a) que esta diversidade linguística e este
multilinguismo não é um caso isolado no contexto geopolítico no qual Timor Leste se
insere, dado que a área ocupada pelas ilhas da Malásia e da Indonésia é representativa
da maior diversidade linguística do mundo, onde o número aproximado de um décimo
das línguas mundialmente conhecidas é falado por apenas um por cento da população
mundial.
O Conselho Nacional da Resistência Timorense, no Congresso realizado em 2000, votou
a restauração do português como língua oficial do novo país e proclamou o tétum a sua
língua nacional. Em 2002, a Constituição Nacional decretou o tétum e o português como
línguas oficiais, reconhecendo o bahasa e o inglês como línguas de trabalho. É, no
entanto, salvaguardada a necessidade de valorizar e de desenvolver as restantes línguas
nacionais, bem como preservá-las e protegê-las. Foi para isso criado pelo Governo, em
2001, o Instituto Nacional de Linguística (INL) que funciona junto da Universidade de
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Timor Leste, em Díli, que “teve como missão a elaboração de um padrão ortográfico
para o tétum, mas também adequado às demais línguas indígenas (definidas “línguas
nacionais”) (Hull,2005a) Esse padrão foi considerado oficial em 2004 e, segundo o
autor, “ é simplesmente uma revisão e uma unificação, segundo as melhores normas
científicas, dos sistemas ortográficos elaborados pelos missionários portugueses durante
o período colonial”
Ora, se em termos políticos é reconhecida a existência de várias línguas no território,
ainda que com diferentes estatutos, o que ocorre no Currículo Nacional Timorense?
LÍNGUAS NO CURRÍCULO
Analisando os currículos das duas línguas oficiais, Tétum e Português, são escassas as
referências a outras línguas.
No Programa de Tétum (2005), a língua é considerada como um instrumento de
comunicação de grande importância para o desenvolvimento intelectual, social e
emocional do ser humano e Para isso é preciso que a língua de ensino e aprendizagem
seja do domínio dos alunos, de forma a garantir a possibilidade de desenvolver tais
competências, sendo eles capazes de adquirir mais conhecimentos, recolher e processar
informações bem como exprimir-se livremente quer em situações formais, quer
informais. (tradução2 e sublinhado nosso) Face a estas afirmações, permitimo-nos
perguntar: afinal qual é a língua de ensino? O Tétum ou o Português?
Segundo o mesmo documento, O Ministério da Educação estipulou cinco horas
semanais para a aula de Tétum nos três primeiros anos de escolaridade, sendo reduzidas
à medida que os alunos vão progredindo, para dar lugar ao português nos níveis mais
avançados” (sem paginação) (tradução e sublinhado nosso) Contudo, no Currículo de
Estudo do Meio (2004,p.iv) é apresentada uma estrutura curricular com outra
distribuição:
2 Traduções de Luís Costa e de Sabina da Fonseca
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1º e 2º ANOS 3ºANO 4º ANO 5º E 6º ANOS
Português 3 4 5 6
Tétum 5 4 3 2
Uma nova questão que nos deixa perplexos surge no decorrer da leitura do seguinte
parágrafo: É de extrema importância desenvolver o ensino de línguas através da
educação formal, com base nos conhecimentos linguísticos do aluno, reforçando a
competência comunicativa. Neste contexto, o presente documento reflecte o
desenvolvimento da língua que o estudante já conhece, a língua tétum. (2005, sem nº de
página ) (tradução nossa) Será que todas as crianças, ao chegar à escola, já têm o domínio
oral desta língua?
Finalmente, para que possamos equacionar o papel do tétum e das restantes línguas
autóctones, vejamos a seguinte afirmação retirada do Programa de Língua Tétum, (2005,
pág 2): “A escolha do método de ensino para ensinar a Língua Tétum é usar o sistema da
Língua Global e bilingue. Este sistema considera as outras línguas de Timor e [a]
transição para a nova língua o Português”. Importa pois investigar se o ensino bilingue se
faz com o tétum e a língua local ou se entre aquele e o português. Embora não explicitado
neste documento, sabemos que se realizou em Díli, em Abril de 2008, uma Conferência
Internacional sobre Educação Bilingue em Timor-Leste, promovido pelo Ministério da
Educação e patrocinada pela UNICEF, UNESCO e CARE International, o que nos leva a
crer que os decisores políticos, naquele país, encaram a possibilidade de introduzir uma
abordagem multilingue, optando pelas línguas maternas das crianças.
O Programa de Língua Portuguesa é estanque no que respeita à convivência com outras
línguas e a perspectiva didáctica proposta é fundamentalmente comunicativa, apelando ao
desenvolvimento de competências comunicativas, linguísticas e culturais que permitam
[à criança] utilizar a Língua Portuguesa em diversas situações, com adequação aos
contextos, aos interlocutores e com diferentes finalidades, nomeadamente para satisfazer
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necessidades individuais, quer na escola, quer no meio e na comunidade a que pertence.
(2005,p.3)
A língua é encarada como “uma ferramenta que permite adquirir conhecimentos, que
possibilita a comunicação com os outros, que facilita a descoberta e a compreensão do
mundo que está à sua volta” (2005, p.3) É igualmente feito um apelo à transversalidade
da língua, ao afirmar-se que: o domínio da linguagem é fundamental para aceder a
outros saberes e que as lacunas, ao nível do desenvolvimento da linguagem, das
competências linguística e comunicativa vão repercutir-se na aprendizagem de outras
disciplinas, podendo os alunos revelar dificuldades que resultam do seu reduzido capital
linguístico, sobretudo ao nível da compreensão de conceitos e de enunciados, sejam eles
orais ou escritos.(2005, p.3)
O Programa desenvolve-se com base em dois níveis de aprendizagem: um inicial que vai
do 1º ao 3º ano e “um médio, de desenvolvimento”, que vai do 4º até ao 6ºano e a
progressão é feita em espiral: “as aprendizagens e os conteúdos dos diferentes domínios
se retomam e actualizam-se de uns anos para os outros” (2005, p.4)
As designações de nível médio e de desenvolvimento não nos parecem adequadas a este
contexto. A nossa leitura vai no sentido de um nível inicial até ao 3º ano e de um nível
intermédio até ao 6º ano para utilizarmos as designações propostas pelo Q.E.C.R.L.
E se até agora caracterizámos de forma resumida a diversidade linguística e cultural
presente nos Currículos de português e de tétum, passemos agora aos manuais para o
Ensino Primário
QUESTÕES DE PARTIDA:
Que Português ensinar?
Como integrar os hábitos linguísticos e a cultura do aprendente na aprendizagem
de uma outra língua, tendo em conta o substrato linguístico do aluno?
Qual o papel e a função da geopolítica envolvente?
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QUE REPRESENTAÇÕES DAS LÍNGUAS E Do PLURILINGUÍSMO
ENCONTRAMOS NOS MANUAIS?
Que Português ensinar?
Nos manuais escolares de Língua Portuguesa que elaborámos (para o 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º
anos), pretende-se:
apresentar uma língua que, partindo da variedade linguística usada pelos falantes
locais, esteja próxima dos alunos, mas que, progressivamente, se vá tornando
suficientemente abrangente de modo a integrar o português no espaço da CPLP.
Tal foi o entendimento que demos, ao ler no Currículo que (…) o aluno aprende
normas e regras que contribuirão para alargar e reforçar a sua competência linguística e
comunicativa, oralmente e por escrito, ajudando-o também a perceber que a Língua é
um sistema organizado, cujas regras permitem a comunicação entre os falantes dessa
mesma Língua. (2005:4) (sublinhado nosso)
introduzir a denominada “língua da escola”, isto é, com termos e expressões
utilizados no quotidiano escolar, promovendo a transversalidade da língua,
sobretudo, com as disciplinas de Matemática e de Estudo do Meio (número,
dúzia, suco, knua, liurai….), mas também com as áreas das Expressões (musical,
dramática e corporal). Por exemplo, em Loricos 1, articular as aquisições
linguísticas com as noções de tamanho (grande, pequeno, largo, comprido, curto,
etc..), de tempo (antes, depois e durante; ontem, hoje e amanhã; manhã, tarde e
noite, agora, já e logo, etc ) de temperatura( estar + quente, frio) e da orientação
espacial (perto, longe de, à frente de, à direita de, à esquerda de….) Exactamente
pelas mesmas razões, introduzimos, em Loricos 2, manual para o 2º ano, casos de
leitura que não estavam consignados no Programa de L.P., mas que eram
exigidos no de Matemática do 1º ano: o de saber escrever “primeiro, terceiro,
centena, três etc ( Lê numerais cardinais até 20, em linguagem matemática e em
português; Escreve numerais cardinais, até 20, em linguagem matemática e em
português)” (2005,p.10)
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incluir temas transversais: Educar para a Saúde (higiene dentária e corporal),
Educação Ambiental (cuidados a ter com as fogueiras e suas consequências
nefastas para o Ambiente, temas relativos à Poluição, etc..) Educar para a Paz e
para o respeito pelos seres vivos, isto é, Educar para a Cidadania.
Contemplámos 6 anos de aprendizagem de uma língua que não é materna para a maioria
dos alunos, cujo funcionamento é bem diferente do das línguas nacionais, num contexto
que não lhe é favorável não só pela geopolítica envolvente, como pela falta de
oportunidade em ser utilizada em situação real, mas também pela escassez de materiais,
sobretudo, escritos e ainda por um domínio linguístico incipiente dos próprios
professores.
O ponto de partida foi a oralidade, trabalhada de forma bastante sistemática até ao 4º ano,
embora não descurando os restantes conteúdos programáticos. Nos manuais do 1º e do 2º
ano, o 1º bloco é dedicado quase que exclusivamente a este domínio, em Loricos 3 existe
a rubrica Vamos lá conversar sobre… e no 4º ano aparecem rubricas como Cantar para
aprender e Falar para aprender ou até Jogar para aprender com o intuito de criar
situações de comunicação oral em sala de aula.
Como integrar os hábitos linguísticos e a cultura do aprendente na aprendizagem
de uma outra língua, tendo em conta o substrato linguístico do aluno?
A propósito do substrato linguístico dos alunos timorenses, HULL refere no Suplemento
do JL, nº 907, Ano XXV (2005 a) que “os quinze idiomas que formam o património
nacional (12 dos quais austronésicos e os restantes de origem papua) são línguas
“lusóides” no mesmo sentido que o inglês é uma língua germânica, mas igualmente
“romanoide” graças ao seu longo e íntimos contacto com o francês.
Já na “Gramática da Língua Tétum”, HULL & ECCLES (2005b, p. XV) escrevem “ Um
dos resultados dos quatrocentos anos de domínio directo e indirecto por Portugal é o
facto de as línguas de Timor-Leste terem sido parcialmente assimiladas a uma língua
europeia, podendo hoje ser descritas, num sentido literal, como “europeóides” (… ) Esta
europeização das línguas de Timor-Leste reflecte fielmente a natureza híbrida da
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civilização dos timorenses de leste, uma síntese inextricável de elementos indígenas e
latinos, mais semelhante à cultura das Filipinas do que a qualquer uma da Indonésia”
Preocupámo-nos em utilizar:
o palavras “transparentes” de modo a promover a intercompreensão entre o
português e o tétum: escola, igreja, janela, alface…
o apelidos de Timor-Leste: Mirkit, Nessi
o imagens de Timor Leste
o diferentes tipos de casa em Timor Leste e respectivas plantas
o designações de
espaços geográficas: Ataúro, Díli, Viqueque, Maubisse, Baucau, etc..,
Acidentes hidrográficos: Ribeira de Laleia, Irabere, Lois,etc.
divisões administrativas: distrito, subdistrito, suco, knua, etc..,
chefes locais: liurai,chefe de posto
bebidas: tuaka e comidas: tukir, saboko, etc..
instituições: Hospital Guido Valadares, Hotel Timor, Pousada de
Maubisse..,
equipas de futebol: Porto Taibessi,
jogos: kaleik, dalak, jogar à tapa
ou objectos, tais como: tais, salenda, beiro, microlete, etc..
Palavras que fossem iguais ou semelhantes em termos fonológicos em português e em
tétum e que remetessem para realidades próximas dos alunos.
O próprio título dos 4 primeiros manuais é disso exemplo: lorico é um pássaro,
semelhante ao papagaio, que simboliza a sabedoria.
Propusemos no Manual do Professor que o professor utilizasse a língua local no
acolhimento aos alunos e, durante algum tempo, sempre que sentisse o aluno em
dificuldades, abandonando-a progressivamente. Do nosso ponto de vista, a língua tétum
poderia conviver com o português, quer no desenvolvimento de uma consciência
fonológica, quer nas oposições que se podem estabelecer entre uma língua e outra.
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Seleccionámos canções conhecidas dos professores timorenses para explorar
determinados aspectos quer fonológicos, quer lexicais, quer até estruturais.
Utilizámos, igualmente, publicidade traduzida do tétum para português, de modo a
facilitar a compreensão do aluno.
No que respeita aos aspectos culturais procurámos respeitá-los, embora, nos 5º e 6º anos,
tivéssemos apresentado situações diversas das vivências dos alunos, mas esse
posicionamento, apenas veio reforçar a perspectiva que pretendíamos dar, alargando o
espaço onde a língua portuguesa é utilizada (CPLP)
Qual o papel e a função da geopolítica envolvente?
Timor Leste confinado a viver paredes meias com a Indonésia, seu mais recente
colonizador, e a ser objecto de observação constante por parte da Austrália, tem
procurado afirmar a sua identidade optando pelo português, língua do seu mais antigo
colonizador como língua oficial e pela sua integração na Comunidade de Países de
Língua Portuguesa o que lhe veio conferir outros privilégios e obrigações. Esta decisão
trouxe, contudo, uma cisão linguística na população. Durante os 24 anos de ocupação
indonésia, o bahasa, malaio indonésio, foi imposto a toda população leste - timorense, e
proibido o uso do português. Este facto implicou que os mais velhos falem e optem pelo
português, enquanto os mais novos falem e optem pelo malaio indonésio.
Em 1998, Luís Filipe Thomaz considerava o português como: “o cimento aglutinador da
identidade cultural entre os povos de Timor oriental” (1998, p.648). Em 2000, Geoffrey
Hull, reconhecido linguista australiano, bateu-se pela escolha do português como língua
oficial no Congresso Nacional, afirmando: (…) o mais importante símbolo nacional é
sem dúvida a língua. As dúvidas acerca da língua oficial envolvem também importantes
questões acerca da identidade nacional.” E depois de apresentar vários argumentos para
valorizar a presença de Portugal e da sua língua em Timor-Leste, por oposição à língua
indonésia e ao inglês, continuou “Parece-me que o papel central da língua portuguesa na
civilização timorense é completamente inquestionável (sublinhado nosso). Em poucas
palavras, se Timor Leste deseja manter uma relação com o seu passado, deve manter o
português. Se escolher outra via, um povo com uma longa memória tornar-se-á numa
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nação de amnésicos e Timor Leste sofrerá o mesmo destino que todos os países que,
voltando as costas ao seu passado, têm privado os seus cidadãos do conhecimento das
línguas que desempenharam um papel fulcral na génese da cultura nacional.” (2001:39)
O próprio poder político timorense afirma, pela voz de Xanana Gusmão, que a escolha do
Português para uma das línguas oficiais do país se justifica pelo peso da sua tradição: O
português é a nossa identidade histórica, que ironicamente nos foi concedida pela
presença colonial e pela “opção política de natureza estratégica que Timor-Leste
concretizou com a consagração constitucional do português como língua oficial a par
com a língua nacional, o tétum, reflecte a afirmação da nossa identidade pela diferença
que se impôs ao mundo, e, em particular, na nossa região…” (2002: IV Conferência de
Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em Brasília, no Brasil), quando Timor Leste
passou a figurar como membro efectivo.
É exactamente este facto de integração numa comunidade onde o elemento aglutinador é
a língua que vai permitir enquadrar Timor Leste nas palavras de Amélia Mingas (2008, p.
24) “No que respeita à CPLP, o seu prestígio consubstanciou-se na presença de Portugal
na U.E. presença que tem vindo a ser consolidada com os diversos sucessos que os seus
representantes têm tido nessa Comunidade. De igual modo, o Brasil, no Mercosul, ocupa
posição de destaque na promoção da língua portuguesa no seio daquela grande
comunidade do continente americano. No tocante aos PALOP, a sua acção é, do mesmo
modo, sentida no âmbito das comunidades em que estão integrados, nomeadamente, a
União Africana e a SADC, entre outras. Daí a admissão, de facto, da língua portuguesa
como língua de trabalho, particularmente na SADC.”
Para a autora, do ponto de vista político, a língua comum atingiu uma projecção de
excelência para a CPLP. Do ponto de vista económico, o Brasil e Angola são os
expoentes máximos, devido à comercialização do petróleo e dos diamantes; Portugal,
Brasil e Cabo Verde são exemplos de sucesso na área do turismo, não descurando as
potencialidades de S. Tomé e Príncipe e Moçambique”… e de Timor-Leste,
acrescentaremos nós, não só no turismo como na comercialização do petróleo.
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Timor-Leste pode, assim, usufruir dos contributos de diferentes blocos (CPLP, Mercosul,
SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), União Africana, União
Europeia, etc.., construídos em torno de determinados eixos, tendo sempre em vista o seu
desenvolvimento, mas, por outro lado, deverá retribuir, trazendo o seu contributo pelo
facto de pertencer a ASEAN ( Association of Southeast Asian Nations).
Estes aspectos nos manuais surgem integrados na designada “geopolítica educativa”. V
Vejamos:
O exercício: “Conversa com o teu professor sobre as bandeiras e os países que
identificam” (Loricos 2, pág. 11)
“O senhor Chung pai da Aninhas foi à China” (Loricos 2, pág 91)
Timor-Leste promove turismo ecológico na China. (título de notícia) “Houve
quem fugisse para Timor holandês” ( De mãos dadas, pág 25)
QUE REPRESENTAÇÔES DAS LÍNGUAS E DO PLURILINGUÍSMO ENCONTRAMOS NOS MANUAIS? Sabendo nós que os manuais são instrumentos, por excelência, de difusão de
representações sobre as línguas e culturas, não podemos deixar de abordar esta questão.
DABÈNE (1997, citado por MOORE; 2001, p.9) realça a importância das representações,
no âmbito do ensino de línguas, ao afirmar: Les images et les conceptions que les acteurs
sociaux se font d’une langue, de ce que sont ses normes, ses caractéristiques, son statut
au regard d’autres langues, influencent largement les procédures qu’ils développent et
mettent en oeuvre pour apprendre cette langue et en user”
Nos manuais que se incluem no nível inicial, isto é, 1,2 3 º anos, as línguas ou as
variantes de línguas como é o caso do português, aparecem em:
o textos de autores (ex: Cecília Meireles, Josué de Castro, Erico Veríssimo,
Fernando Sylvan, Patrícia Joyce, Sidónio Muralha, etc.)
o espaços geográficos: Tibar (tétum e mambai), Manatuto (galolen), Viqueque
(tetum), Nitibe (baiqueno), Ailéu (mambai), Baucau (makasae), Suco de
Sagadate (makasae), knua de Caicoli (makasae e mediki), Ossu (makasae),
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Ainaro (mambai), Ataúro (raklungu/raclungo) Oe-cusse (baiqueno), Maubisse
(mambai) …
o apelidos de personagens: Mirkit, Nessi, Ximenes,
o Jogos: dalak, kaleik
o Ementas: tukir, saboko
o Léxico utilizado em Timor Leste: lorico, microlete, suco, salenda, tais, tebedai,
kako’ak, jogar à tapa, subdistrito, beiro, etc…
o Publicidade: Kako’ak air
Também a população de origem chinesa e, implicitamente, as suas línguas (cantonês,
mandarim, …), não é esquecida, quando ” O senhor Chung, pai da Aninhas, foi à
China visitar os pais” (Loricos 2,p. 91)
Importa ainda referir que, em Loricos 2, existe um exercício no qual os alunos devem
identificar países onde se fala português, evidentemente, no contexto da CPLP ou
países limítrofes/envolventes de Timor-Leste
Nos manuais para o 4º, 5º e 6ºanos, que se enquadram num nível intermédio,
encontramos:
o Documentos autênticos e pedagógicos – publicidade da Timor Telecom,
passaporte (português e inglês), imagem “el agua, fuente de vida, Nações
Unidas”(castelhano); cartaz: O pirata das Caraíbas (português e inglês),
Cartão de desembarque (português, tétum e inglês)
o Textos: autores 4º ano 5º ano 6º ano
portugueses 22 15 19
angolanos 4 1 10
timorenses 3 16 13
brasileiros 2 2 6
moçambicanos 1 1 7
caboverdianos 0 1 2
santomenses 0 0 2
guineeenses 0 0 3
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 6 – Difusão da Língua Portuguesa em contextos multilingues.
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italianos 1 0 0
franceses (fonte) – Science et Vie Junior L’écologie à petits pas; Jean
Michel Billioud, Alain Hervé
0
árabes (fonte) Melba Tahan 0 0
Americanos/inglês 0 Johnny Ball, Peace Education,
Unesco Peer
2
o espaços geográficos: Manleuana (mambai, tétum), Dilí (tétum), Suai (tétum),
Covalima (tétum), Iralafai, Maubisse (mambai), Pitileti (fataluku),, Areia Branca,
Cristo –Rei, Kon (fataluku), Liquiça (tokodede), Laga, Baucau (makasae), Fuiloro
(fataluku), Tutuala (fataluku), Oe-cusse (ba'ikeno), Soibada (tétum), Ataúro,
Nanchang, província de Jiangxi…”Veneza, cidade italiana” Em Atenas graças à
camisola de Figo (título de notícia), “ Maomé, que sempre vivera na península de
Nampula, tinha doze anos quando os pais decidiram mandá-lo estudar para a Ilha
de Moçambique” (8 Mundos, 8 Vozes)
o línguas de Timor Leste: lacló (lacalei ou laclei), tétum praça, mambai , racklungo
o caboverdiano : ti Lobo; ó nhô Lobo
o aspectos geopolitícos: Timor-Leste promove turismo ecológico na China. “Houve
quem fugisse para Timor holandês”
o Nomes Próprios: Iça-Dato-Balupa; Tchau-noi-hoiku e Iriku-hoi-hoiku; Taur
Matan Ruak; Justino Lainda Nhndela; Ngunga, Maomé..
o Expressões: fizeram o “tos”; maromak sei tulun nia! Tassi mane e Tassi fetu,
landins (malae metan) …
o Nomes: rumbili, kalir, coconaba; metchi; aia kalunu; lakumorree (fataluco);,
o Nomes de animais e plantas: toqués, casuarina, …
o Ilustração: quadro de um pintor santomense
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Reflexões finais
Em conclusão, procurei demonstrar nesta comunicação que a língua é uma questão
essencial para a identidade e afirmação de um povo. A cultura de cada povo partilhando a
mesma língua reveste características próprias, nem por isso deixando de pertencer ao
mesmo grupo ou família. A especificidade de cada uma contribui, aliás, para o
enriquecimento do idioma que, sendo de todos, não pode ser apropriado por nenhum.
Línguas e culturas são realidades dinâmicas que interagem e que vivem a sua história
própria na História geral como escreveu Rui MACHETE, num artigo de opinião, no
Diário de Notícias, de 27 de Agosto de 2004.
Neste contexto, “a escolha do português como língua oficial contabiliza, do meu ponto
de vista, um peso simbólico (ser falado pela guerrilha), identitário (o do seu passado sem
grandes imposições, mas também sem grande impacto), afectivo (ligação ao catolicismo)
e geoestratégico, (Timor confinado à Indonésia, país do qual se acabava de libertar e a
uma Austrália que não ama, preferiu a língua do seu mais antigo colonizador). (Soares,
2008).
Os sistemas educativos dos países plurilingues questionam-se incessantemente na procura
de soluções para que as suas línguas maternas, nacionais, possam ocupar o lugar a que
têm direito na Escola, seguindo as Recomendações da UNESCO, que no seu conceito de
Educação de Qualidade para Todos propõe que as medidas em Educação considerem
aquilo que caracteriza as sociedades actuais: a coabitação, o convívio, o contacto de
línguas e culturas nos contextos sociais. É o caso de Timor-Leste, onde um número
bastante variável de línguas autóctones convive com línguas não autóctones como o
português, o malaio indonésio, o inglês, o mandarim, o cantonês, etc…, mas, tal como
pudemos constatar, os currículos não assumiram essa dimensão.
Sugere-se que se considere, neste contexto, a presença de linguistas no sentido de
estudarem e fixarem as diferentes línguas nativas, a de professores que são os parceiros
estratégicos por excelência nesta acção de promoção do plurilinguismo e do
pluriculturalismo e, finalmente, dos manuais no seu papel de “leitores” e de
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“termómetros” destes contextos. Estes, entre outras medidas, devem evitar rupturas entre
as diferentes línguas e culturas em presença, fomentando uma convivência harmoniosa e
construtiva entre elas, permitindo que elas assumam o estatuto a que têm direito.
No que respeita à Escola, dada a inexistência de materiais quer em tétum, quer em
qualquer uma das restantes línguas nacionais/locais, a opção foi a de escolarizar as
crianças em português, contrariando deste modo a resolução da Unesco de 1953 sobre a
educação básica que considera que “o melhor meio para ensinar é através da língua
materna do aluno”. A aprendizagem do português, como língua de ensino, só será
positiva e enriquecedora para o aluno, se não ocultar a língua e a cultura de origem da
criança. O Inglês está presente no pré-secundário e o malaio indonésio mantém-se como
língua de trabalho. Resta-nos perguntar pelas línguas da comunidade chinesa, o
mandarim, o cantonês e o hakka?
O Sistema Educativo timorense deve prever a aprendizagem das restantes línguas
nacionais, pois será essa a única forma de honrar compromissos anteriores, como seja de
escolarizar a crianças na sua língua materna, compromissos mais actuais, como a
promoção do plurilinguismo e do pluriculturalismo (resolução 12 adoptada na
Conferência Geral da Unesco, em 1999), mas ainda, devido ao facto de os países se
agruparem em blocos com vista ao seu desenvolvimento, a de se ver projectada social,
económica e politicamente os seus falantes, na medida em que, como refere Mingas
(2008, p. 23) “se os locutores de uma determinada língua se conseguem impor, numa
sociedade específica, quer seja a sua ou qualquer outra, a sua língua veicular e/ou
materna irá, seguramente gozar do mesmo prestígio”
Terminemos com o desafio lançado por DAFF (2008, p.313) ao fazer a síntese do
Colóquio internacional sobre Ensino/aprendizagem do francês e do português no contexto
plurilingue africano: “Temos de ser capazes de formar cidadãos enraizados cultural e
linguisticamente e abertos ao mundo onde o plurilinguísmo é um trunfo. “
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Referências bibliográficas:
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