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www.ts.ucr.ac.cr 1 ENTRAVES E PERSPECTIVAS PARA A DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI Cláudia Durans 1 [email protected] Eixo: Cidadania Mesa de Trabalho: Democracia e Legitimidade Palavras chaves: Democracia, Recolonização, Estado, Resumo: O ensaio desenvolve reflexão acerca da democracia na América Latina, abordando aspectos da história recente, mais precisamente a partir dos anos 80, quando há o aprofundamento da crise da dívida externa e é iniciada a reestruturação neoliberal em diversos países. Apresenta a discussão de Welmovick, sobre o processo de recolonização como estratégia do imperialismo para a América Latina, que visa posicionar as economias dos países a um nível de subordinação semelhante ao ocupado no século XIX. A partir dessa tese, debate com as concepções de democracia de Bobbio e Touraine, analisando a sua viabilidade para a situação latino americana, considerando os seguintes questionamentos: frente ao aumento do grau de dependência e submissão dos governos e, por outro lado, os processos de resistência e luta dos povos em vários países, é possível discutir maioria e minoria sem o corte de classe? Que papel tem assumido o Estado e como pensar democracia nestes países? Seria suficiente para a situação latino americana a proposta de Bobbio da democracia do Estado a democracia da sociedade? Há possibilidades de reformas ou os povos devem rumar para processos de rupturas? 1 Mestra em Serviço Social Professora Assistente da Universidade Federal do Maranhão – Brasil Doutoranda em Serviço Social DA Universidade Federal de Pernambuco – Brasil

ENTRAVES E PERSPECTIVAS PARA A DEMOCRACIA NA … · em nome e por conta dos representados, na medida em que, gozando da confiança pode agir interpretando com discernimento próprio

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ENTRAVES E PERSPECTIVAS PARA A DEMOCRACIA NA

AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI

Cláudia Durans1

[email protected]

Eixo: Cidadania

Mesa de Trabalho: Democracia e Legitimidade

Palavras chaves: Democracia, Recolonização, Estado,

Resumo: O ensaio desenvolve reflexão acerca da democracia na América Latina, abordando aspectos da história recente, mais precisamente a partir dos anos 80, quando há o aprofundamento da crise da dívida externa e é iniciada a reestruturação neoliberal em diversos países. Apresenta a discussão de Welmovick, sobre o processo de recolonização como estratégia do imperialismo para a América Latina, que visa posicionar as economias dos países a um nível de subordinação semelhante ao ocupado no século XIX. A partir dessa tese, debate com as concepções de democracia de Bobbio e Touraine, analisando a sua viabilidade para a situação latino americana, considerando os seguintes questionamentos: frente ao aumento do grau de dependência e submissão dos governos e, por outro lado, os processos de resistência e luta dos povos em vários países, é possível discutir maioria e minoria sem o corte de classe? Que papel tem assumido o Estado e como pensar democracia nestes países? Seria suficiente para a situação latino americana a proposta de Bobbio da democracia do Estado a democracia da sociedade? Há possibilidades de reformas ou os povos devem rumar para processos de rupturas?

1 Mestra em Serviço Social Professora Assistente da Universidade Federal do Maranhão – Brasil Doutoranda em Serviço Social DA Universidade Federal de Pernambuco – Brasil

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INTRODUÇÃO

O problema da democracia, tem sido debatido em diferentes épocas

históricas, sendo posto e reposto segundo o grau de desenvolvimento das

relações entre estado e sociedade, permeado pelos diferentes interesses

dos grupos e classes sociais existentes. Desde as tradições históricas nas

quais se destacam: a teoria clássica aristotélica das três formas de

governo; à teoria medieval, sustentada na soberania popular; e à teoria

moderna ou teoria de Maquiavel, que surge com o Estado moderno. A

partir do século XIX o debate acerca da democracia ocorre polarizado pelo

do confronto entre as ideologias políticas dominantes: o liberalismo e o

socialismo. Temas como liberdade, igualdade, cidadania, indivíduo,

propriedade, consenso, dissenso, ganham ênfase, tendo como pano de

fundo visões de mundo e interesses das classes em luta.

Conforme Touraine, durante vários séculos a democracia foi associada à

idéia de libertação das prisões da ignorância, da dependência, da tradição

e do direito divino, assim como dos absolutismos, religiões e ideologias de

Estado. A sociedade, libertando-se dessas amarras, se submeteria apenas

à verdade e exigências do conhecimento. Tínhamos confiança nos

vínculos que pareciam unir técnica com liberdade, tolerância cultural e

felicidade pessoal. Para a sociedade moderna, a idéia de democracia

surge sempre como expectativa de um futuro melhor.

Entretanto, passados dois séculos nos quais a humanidade viveu as

revoluções burguesas e socialistas, guerras mundiais, crises, experimentou

fome e miséria, apesar da abundância existente no planeta, muitos

questionamentos são recolocados, de acordo com o nível de

complexificação das relações econômicas, políticas, sociais, etc., neste

terceiro milênio.

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Com a queda dos regimes burocráticos do Leste Europeu e ex – URSS e,

por outro lado, o aprofundamento da crise capitalista que, apesar dos

mecanismos utili zados para saída da crise, implementados sob a

perspectiva do capital ou seja, os processos denominados: neoliberalismo,

globalização e reestruturação produtiva, não têm efetivamente promovido

o fim da crise. Neste sentido, ao entrarmos no terceiro milênio enfrentando

tantos problemas que se agigantam a partir da crise global da ordem do

capital, questionamos? Para onde caminha a democracia? É possível

discutir o problema da democracia eliminando, ainda que teoricamente as

classes sociais e a luta existente entre estas? Se um dos pressupostos da

democracia é a igualdade, como conceber uma democracia efetiva com as

desigualdades abismais que enfrentamos hoje?

Particularizando a situação do continente latino americano, o tema da

democracia torna-se ainda mais complexo. Neste texto, inicialmente

apresentaremos as discussões de Bobbio e Touraine acerca da

democracia, em seguida, discutiremos a situação da América Latina e o

problema da democracia, tomando como referência as análise de Borón e

Welmovick. Por fim, apresentaremos nossas considerações e propostas

acerca do debate em tela.

O DEBATE CONTEMPORÂNEO ACERCA DA DEMOCRACIA A PARTIR

DE BOBBIO E TOURAINE

PLURALISMO, LIBERDADE DE DISSENSO: da democracia do estado à

democratização da sociedade

Bobbio, em O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo,

desenvolve uma polêmica acerca da democracia direta e da democracia

indireta como uma exigência atual de maior democracia. Tomando como

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referência experiências históricas e modelos teóricos, como as análises de

Marx sobre a Comuna de Paris e de Rousseau (considerado o pai da

democracia), analisa a viabilidade dessa exigência nos estados

contemporâneos muito maiores e mais complexos, que os trabalhados por

tais autores.

Para Rousseau, citado por Bobbio, a soberania não pode ser representada

e as condições para a verdadeira democracia são muito difíceis. Isto

porque requer: um estado muito pequeno; uma grande simplicidade de

costumes que impeça a multiplicação de problemas e as discussões

espinhosas; uma grande igualdade de condições e fortunas; pouco ou

nada de luxo.

"Se houvesse um povo de deuses - governar-se-ia

democraticamente. Mas um governo assim perfeito não é feito de

homens." (Rousseau)

Assim, Bobbio justifica as dificuldades para a verdadeira democracia,

afirmando que depois de dois séculos das revoluções liberais e socialistas

que deram à humanidade a ilusão de estar destinada ao êxito e ao

progresso, em deuses não nos convertemos e os estados são cada vez

maiores e mais complexos. Então, seria a exigência da verdadeira, isto é

da ampliação democracia indireta e a instituição da democracia direta uma

insensatez?

Bobbio entende que não. Mas para justificar, define inicialmente o que

entende por democracia direta, deixando claro que é dever da crítica

teórica descobrir e denunciar as soluções meramente verbais, transformar

uma fórmula de efeito numa proposta operativa, distinguir a moção dos

sentimentos do conteúdo real. Neste sentido, considera necessário

esclarecer o equívoco presente nos debates que identifica democracia

representativa e Estado Parlamentar: nem todo estado representativo é um

estado parlamentar. Existiram estados parlamentares representativos mas

não democráticos. É preciso por em relevo o substantivo e o adjetivo. Mais

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ainda, nem toda crítica à democracia representativa leva diretamente à

democracia direta. Isto conduz Bobbio a tratar do problema da

representação.

A representação tem sido historicamente uma questão polêmica, tanto no

que diz respeito aos poderes do representante, quanto sobre o conteúdo

da representação. Sobre o primeiro aspecto é necessário distinguir duas

formas de representação: o representante como delegado ou seja porta

voz, núncio, embaixador, um legado, portador de um mandato limitado e

revogável (representa interesses particulares - representação orgânica); ou

como fiduciário isto é, aquele que tem poder de agir com certa liberdade

em nome e por conta dos representados, na medida em que, gozando da

confiança pode agir interpretando com discernimento próprio os seus

interesses (representação de interesses gerais, política).

Das democracias representativas conhecidas os representantes são

entendidos a partir de características bem estabelecidas: a) goza da

confiança do eleitorado, uma vez eleito não é mais responsável perante os

próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável. b) não é

responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque

convocado a tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os

interesses particulares desta ou daquela categoria. Na polêmica sobre a

democracia participativa, distingue-se dois grandes argumentos: a crítica

ao mandato imperativo ou relação fiduciária e a crítica à representação dos

interesses.

Afirma Bobbio, que tais temas pertencem ao debate socialista e à

concepção de democracia que vem sendo construída em contraste à

democracia representativa, que é considerada como a ideologia burguesa

mais avançada. Marx ressalta na Comuna de Paris a revogação do

mandato em qualquer tempo, Lênin em O Estado e a Revolução, retoma a

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questão da revogabilidade dos mandatos que foi inclusive posta em várias

constituições soviéticas.

Entretanto, para Bobbio, nenhuma das propostas transforma a democracia

representativa em democracia direta. Mas, sem dúvida o mais próximo da

democracia direta é o instituto do representante substituível, porém,

mesmo substituível é um intermediário, que tem certa liberdade de

movimento e não é revogável a todo momento e substituído por outro, sob

risco de paralisar negociações, por exemplo. A representação por

mandato não é a democracia direta é uma estrada intermediária entre a

democracia representativa e a democracia direta.

Na análise de Bobbio, a democracia direta tem problemas de viabilidade

até mesmo a partir dos seus institutos: a Assembléia dos cidadãos e o

Referendum. Para ele, este último é o único de concreta aplicabilidade e

efetiva aplicação na maior parte dos estados de democracia avançada,

tratando-se de um recurso extraordinário para situações também

extraordinárias.

Então, o que propõe Bobbio com relação à democracia? Segundo o autor

estamos assistindo a um processo de democratização e, numa sociedade

politicamente em expansão coloca-se a exigência e a efetividade de uma

sempre nova participação, que pode ter direção ascendente e

descendente. O processo de democratização (expansão do poder

ascendente) está se estendendo da esfera das relações políticas para a

esfera das relações sociais. Hoje falar em processo de democratização

(menos que da passagem da democracia representativa para a

democracia direta) é falar da passagem da democracia política para a

social (extensão do poder ascendente).

Argumenta Bobbio, que tal proposição não se constitui em um novo tipo de

democracia e sim, representa a ocupação de novos espaços, pelas formas

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tradicionais de democracia, como por exemplo a representativa. Para o

autor, a proposta da democracia do Estado à democratização da

sociedade, significa uma verdadeira reviravolta no desenvolvimento

histórico da democracia. Pode haver um Estado democrático onde as

instituições podem não ser governadas democraticamente. Atualmente o

índice de desenvolvimento democrático é medido mais pelo número de

instâncias em que se vota do que pelo número de pessoas que votam.

Esse é um processo inicial que não se sabe se vai prosseguir, pode haver

também um excesso de politização, cujo contrário pode ser a revanche do

privado, a apatia política e o conformismo das massas.

Nessa linha de raciocínio, nosso autor, destaca acertadamente que

sociedade atual há ainda dois grandes blocos de poder descendente e

hierárquico que ainda não foram nem tocados que são: a empresa e a

administração pública.

O deslocamento do angulo visual do Estado para a sociedade civil nos

obriga a considerar outros centros de poder, além do Estado. E isto coloca

o problema do pluralismo, mas, adverte Bobbio: pluralismo e democracia

não são a mesma coisa. Uma sociedade pode ser pluralista em não

democrática (a sociedade feudal, por exemplo) e, uma sociedade pode ser

democrática e não pluralista (a democracia dos antigos).

Bobbio entende que a democracia dos modernos deve ser pluralista e

conter a liberdade do dissenso: num regime fundado sobre um consenso

não imposto de cima para baixo, uma forma qualquer de dissenso é

inevitável. Apenas onde o dissenso é livre para se manifestar o consenso

é real. Apenas onde o consenso é real o sistema pode proclamar-se com

justeza democrático. A liberdade de dissentir tem necessidade de uma

sociedade pluralista, uma sociedade pluralista consente maior distribuição

do poder, uma maior distribuição do poder abre as portas para a

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democratização da sociedade civil, enfim a democratização da sociedade

civil alarga e integra a democracia política.

IDENTIDADE CULTURAL, LIBERDADE DOS INDIVÍDUOS, RESPEITO

ÀS DIFERENÇAS, JUSTIÇA PARA A MAIORIA E RESPEITO ÀS

MINORIAS: a Democracia segundo Touraine

Touraine, no capítulo I, do livro O Que é Democracia? faz um debate

conceitual acerca da democracia a partir da realidade objetiva

contemporânea pós queda dos regimes totalitários. Para o autor a

destruição desses regimes prova o triunfo da democracia. Porém, afirmar

que a democracia venceu, que é o aspecto político da modernidade é

insuficiente se não se considerar que também há recuo dos Estados

(democráticos ou não), diminuição da participação política, crise de

representação política, enfraquecimento da consciência de cidadania o que

faz com que os indivíduos se sintam mais consumidores que cidadãos,

mais cosmopolitas que nacionais ou por outro lado, marginalizados e

excluídos.

Assim, afirma que a democracia está enfraquecida e dessa forma pode ser

destruída a partir de cima (por um poder autoritário), ou a partir de baixo

(caos, violência, guerra civil) ou ainda a partir de si mesma (quando o

controle exercido sobre o poder pelas oligarquias ou partidos que

acumularam recursos econômicos ou políticos para impor suas escolhas a

cidadãos reduzidos ao papel de eleitores).

Baseado em Sartori, recusa a separação entre duas formas de democracia

ou a sua dicotomização: política e social, formal e real, burguesa e

socialista. Reivindica a sua unidade entendendo que não seria possível

empregar a mesma palavra para realidades diferentes se não tivessem

elementos comuns e porque o discurso que chama de democracia a um

regime autoritário, até mesmo totalitário, acaba por se destruir.

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Interroga Touraine:

"Vamos nos contentar em acompanhar o pêndulo em seu

movimento de retorno `as liberdades constitucionais depois de

termos procurado durante um longo século – que começou em

1848 na França – estender a liberdade política à vida econômica

e social? Tal atitude não forneceria qualquer resposta à questão:

como será possível combinar ou associar o governo pela lei com

a representação dos interesses?

E o próprio Touraine responde que isto nos levaria a enfatizar a oposição

entre o governo pela lei e a representação dos interesses,

consequentemente à própria impossibilidade de definir democracia.

Tomando como base a definição da democracia a partir dos três princípios

institucionais, o autor polemiza com Bobbio, concluindo que a realidade

política é bem diferente do modelo liberal por ele proposto, argumentando

que é o próprio Bobbio que nos leva a tal conclusão. Isto porque:

"as grandes organizações, partidos e sindicatos, têm um peso

crescente na vida política, o que muitas vezes retira toda

realidade ao povo "supostamente" soberano; os interesses

particulares não desaparecem diante da vontade geral e as

oligarquias se mantêm; o funcionamento democrático não chega a

penetrar na maior parte dos setores da vida social e o segredo,

contrário à democracia, continua a desempenhar um papel

importante."

Mais ainda: Se a democracia não passa de um conjunto de regras e

procedimentos, porque razão os cidadãos deviam defendê-la de forma

ativa?

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"Devemos concluir pela necessidade de procurar, atrás das regras

de procedimentos que são necessárias (indispensáveis) como é

que se forma, se exprime e se aplica uma vontade que representa

os interesses da maioria, ao mesmo tempo que a consciência de

que todos têm de serem cidadãos responsáveis pela ordem. As

regras de procedimentos não passam de meios a serviço de fins

nunca alcançados, mas devem dar seu sentido às atividades

políticas: impedir o arbitrário e o segredo, responder às demandas

da maioria, garantir a participação do maior número de pessoas

na vida pública."

Touraine afirma que neste momento é insuficiente contentar-nos com

garantias constitucionais e jurídicas enquanto a vida econômica e social

permanecem dominadas por oligarquias cada vez mais fora de qualquer

controle. Diz-se desconfiado em relação à democracia participativa,

inquieto com todas as formas de domínio dos poderes centrais sobre o

indivíduos e a opinião pública hostil aos apelos do povo, nação ou história.

E, neste sentido, questiona o conteúdo social e cultural da democracia nos

dias de hoje.

Para Touraine a época de debates sobre a democracia "social", isto é, da

democracia industrial, da social – democracia e dos governos socialistas

está encerrada e na ausência de outro conteúdo, a democracia se degrada

em “liberdade de consumo ou supermercado político”. A opinião se

contentou com essa noção empobrecida. Mas não é possível se deixar

levar por facilidades de uma definição puramente negativa. E, esse

enfraquecimento da idéia democrática só pode desembocar na expressão

extra-parlamentar e extra-política, das demandas sociais. É a privatização

dos problemas sociais e mobilizações integristas. Contra essa perda de

sentido devemos apelar para uma concepção que defina a ação

democrática pela libertação dos indivíduos e grupos dominados pela lógica

de um poder.

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A democracia para Touraine não pode prescindir de alguns aspectos

essenciais. Deve ser pluralista e laica, garantir liberdade de opinião,

reunião e organização, respeitar o mais possível as liberdades pessoais,

organizar uma sociedade que seja justa pelo menos para maioria, limitar o

poder e responder às demandas da maioria. Deve ainda: combinar o

pensamento racional com a liberdade pessoal e a identidade cultural;

combinar a liberdade os indivíduos e o respeito pelas diferenças com a

organização racional da vida coletiva pelas técnicas e leis da administração

privada e pública; combinar a liberdade dos indivíduos e coletividades com

a unidade da atividade econômica e das regras jurídicas.

É a luta dos sujeitos impregnados de sua cultura e liberdade, contra a

lógica dominadora dos sistemas. É a política do sujeito; e não somente um

conjunto de regras de garantias constitucionais.

Um indivíduo torna-se um sujeito, para Touraine, se em suas condutas

consegue associar o desejo de liberdade com a filiação política a uma

cultura a apelo à razão. Portanto, um princípio de individualidade, de um

particularismo e universalismo. A cultura democrática define-se como um

esforço de combinação entre unidade na diversidade, liberdade e

integração. É preciso cessar de opor, retoricamente, o poder da maioria

aos direitos das minorias. Não existe democracia se esses dois elementos

não forem respeitados. A democracia é o regime em que a maioria

reconhece os direitos as minorias, porque aceita que a maioria venha a se

tornar minoria amanhã.

Touraine não concebe democracia como um atributo da modernização

econômica, portanto como uma etapa da história concebida como uma

caminhada em relação em direção à racionalidade instrumental. Entende

que é preciso combater a teoria de que a democracia aparece

naturalmente em uma certa etapa de desenvolvimento, nesse caso, a

economia de mercado, a democracia política e a secularização seriam as

faces do mesmo processo de modernização. A democracia está

ameaçada tanto nos países "desenvolvidos" como nos outros por ditaduras

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totalitárias ou por um laisser - faire que favorece o crescimento das

desigualdades e a concentração de poder. Mas também podemos

descobrir presença da ação democratizante, como de seus adversários,

nas sociedades de modernização exógena, como nas de desenvolvimento

auto sustentado.

Quanto mais uma sociedade é dependente, maior é a mobilização

guerreira que a sua libertação vai implicar e maior é o risco de uma

solução autoritária para a luta de libertação. A realidade histórica é que os

países dominantes desenvolveram a democracia liberal, mas também

impuseram a sua dominação imperialista ou colonialista do mundo e

destruíram o meio ambiente em escala planetária. Paralelamente nos

países dominados formaram-se movimentos de libertação nacional e social

que eram apelo à democracia, mas ao mesmo tempo surgiram poderes

neocomunitários que mobilizam uma identidade étnica, nacional ou

religiosa a serviço da respectiva ditadura ou despotismos modernizadores.

A DEMOCRACIA NA HISTÓRIA RECENTE DA AMÉRICA LATINA:

entraves e perspectivas

DOMINAÇÃO E RESISTÊNCIA NA HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA

Os países latino americanos tem sua história marcada pela relação de

exploração pelos países centrais. Durante o século XIX, como colônia de

Portugal e Espanha, posteriormente, a dependência passa a ser em

relação Inglaterra, que buscava garantir a expansão de mercado para seus

produtos e assim como hegemonia política.

Nos anos 30 do século passado vários países começam a desenvolver

processos de industrialização, como esforço de criar uma estrutura

econômica baseada no mercado interno. Nas décadas de 30 e 40, período

marcado pela crise de 29 e fim da Segunda guerra mundial, os países

latino americanos, frente à depressão econômica e aos efeitos da guerra,

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conseguem uma autonomia relativa, desenvolvendo parques industriais,

surgindo burguesias nacionais fortes e preocupadas em ocupar mercados

internos. Este foi o momento do modelo de substituição das importações, o

qual foi baseado nos setores de bens de consumo duráveis, contando com

o forte apoio dos Estados. (Welmovick, 2000)

Antunes, analisando a particularidade do capitalismo industrial no Brasil,

afirma que esta não pode ser entendida a partir dos casos clássicos da

transição revolucionária para o capitalismo, a exemplo da França e

Inglaterra. Aqui, ocorreu de forma hipertardia, lenta, gradual, através de um

processo conciliatório e reformista. (pág. 42) Além disso, Antunes afirma

que no Brasil a grande propriedade desenvolveu um importante papel no

processo de constituição do modo de produção capitalista, impedindo que

o campesinato dirigisse a luta pela reforma agrária, nos moldes americano

e francês. Assim, no Brasil, a nível político, no processo de modernização

ocorreu um “reformismo pelo alto”, excluindo qualquer participação dos

setores populares. (pág. 47)

“A industrialização brasileira, na particularidade da via colonial,

além de hipertardia, retardatária e subordinada ao capitalismo na

sua fase monopolista, tem outras especificidades que a

distinguem dos casos clássicos de transição. Enquanto na

formações centrais o processo de constituição do capitalismo

passa pelas formas clássicas de produção – como o artesanato, a

manufatura e a grande indústria, no Brasil o processo de

industrialização nasce dentro do contexto onde predomina a

grande indústria... O capital no Brasil tinha de se curvar diante de

um século de desenvolvimento capitalista, tinha de enfrentar, para

assegurar o direito à existência, a concorrência sem tréguas que

lhe moviam os produtos das nações industrializadas.” (págs. 49 –

50)

Esta análise é importante para percebermos que desde a constituição do

capitalismo no Brasil, como em outros países latino americanos, já nasce

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numa posição de subordinação, e a constituição da relação estado

sociedade através de um regime democrático, foram difíceis de se

constituir, especialmente porque os processos políticos negaram e negam

a participação dos setores oprimidos e explorados, privilegiando os

interesses do capital estrangeiro e das elites dominante locais.

Após a Segunda Guerra mundial, os EUA assumem a hegemonia política e

econômica no mundo. Na América Latina, surgem nesse período diversos

movimentos de resistência ao imperialismo dos EUA, surgindo também

setores burgueses nacionalistas como Perón na Argentina, Vargas no

Brasil e Cárdenas no México, comandando estados autocráticos, porém

com forte apoio popular. A estratégia de dominação dos anos 50 e 60,

frente ao crescimento das mobilizações e lutas populares se consolida por

intermédio de golpes e da constituição de ditaduras militares em toda a

América Latina, objetivando ampliar as relações de dependência. Tal

estratégia visava ainda colocar os países latino americanos em sintonia

com as novas exigências de expansão do capital estrangeiro.

Na década de 70 na maioria dos países ocorrem convulsões sociais e

golpes que aumentam a dependência e subordinação das burguesias

nacionais que não mais reagem ao imperialismo mas que segundo

Welmovick, tornam-se sócias menores do capital internacional.

FIM DAS DITADURAS, APROFUNDAMENTO DA CRISE CAPITALISTA E

O AJUSTE NEOLIBERAL

Os anos 80 são marcados pela intensa mobilização popular pelo fim das

ditaduras em toda a América Latina, ao mesmo tempo, ocorre o

aprofundamento da crise capitalista internacionalmente, que tem como

conseqüência imediata para a América Latina a chamada crise da dívida

externa.

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Esta crise tem origem no final dos anos 60, com o esgotamento do modo

de acumulação baseado no fordismo, welfare estate e nas teses

keynesianas. Mediante o endurecimento das lutas sociais, limitando o

aumento da taxa de lucro. Com isto, o capital necessita redefinir a

estratégia global de acumulação colocando em prática diversas

alternativas para saída da crise, que se configuram como: reestruturação

produtiva, globalização da economia e neoliberalismo.

Do ponto de vista da relação Estado/sociedade a implantação do

neoliberalismo em escala planetária representou uma ofensiva à classe

trabalhadora, um retrocesso profundo nas suas conquistas, tendo a clara

intenção de eliminar os conflitos de classe, e garantir a realização dos

objetivos burgueses. Segundo Antunes, isto foi possível mediante a derrota

das lutas sociais e a queda das burocracias stalinistas, que favoreceu à

propaganda burguesa do fim do socialismo, fazendo arrefecer as lutas

anticapitalistas em todo o mundo.

Evidentemente nas últimas décadas do século XX a América Latina, viveu

o fim das ditaduras militares, iniciando processos denominados de

democratização, os quais prefiro chamar de período de liberdades

democráticas. Porém, se de um lado tivemos governos civis, eleitos por

sufrágio universal, isto não caracteriza que estes países vivenciam

efetivamente governos democráticos. Esta afirmação pode ser justificada a

partir da análise de Borón que destaca os aspectos da realidade latino

americana, questionando a democracia nestes países. Destes aspectos

pode-se destacar:

O crescimento exacerbado da pobreza:

“A pobreza é o maior desafio das economias da América Latina e

do Caribe. Entre 1980 e 1990 a pobreza piorou como resultado da

crise e das políticas de ajuste, eliminando a maior parte das

conquistas alcançadas durante os anos de 1960 e 1970 na

redução da pobreza. Estimativas recentes situam o número dos

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pobres no começo da década, dependendo da definição de

pobreza, entre 130 a 196 milhões de pessoas... A recessão e o

ajuste dos anos 80 também aumentaram a desigualdade de renda

em grande parte da região” (Cepal apud Borón, pág. 32).

Esse aumento exacerbado de concentração de renda dificulta o

funcionamento democrático das sociedades porque um dos pressupostos

da democracia é a igualdade.

“A democracia não pode sustentar-se sobre sociedades

assinaladas por desigualdade e exclusão social. Para que um

regime democrático funcione é preciso haver uma sociedade

bastante igualitária, e a igualdade, como lembrava o próprio Adam

Smith, devia ser de condições, não só de oportunidades. No

fundo, o que está sendo feito é sacrificar a democracia no altar do

mercado, e a justiça ao invés do lucro”. (pág. 33)

Outro elemento destacado por Borón, como entrave para a democracia, é

o que denomina de crescimento do outro poder dual, quer dizer, com o

crescimento exacerbado dos conglomerados econômicos que denomina

de novos leviatãs, desenvolve-se um novo poder dual, colocando em

questão o sufrágio universal em detrimento do voto de mercado. Para o

autor estas democracias estão carcomidas tanto pela polarização social,

quanto pela crise e/ou dissolução institucional, pela corrupção política,

pela indiferença governamental frente às necessidades da sociedade civil e

o conseqüente desencantamento da cidadania. (pág. 34)

Nesta situação o que tem peso é o voto de mercado, onde só uns poucos

têm acesso, pois o voto do “cidadão” latino americano que vota geralmente

a cada dois anos, define muito pouco frente ao voto do mercado.

Principalmente se considerarmos como ocorrem as eleições nestes países,

sem transparência, viciadas, acesso desigual aos meios de comunicação e

a financiamentos de campanha. Questiona Borón: Como compreender à

luz das normas democráticas, que há alguns que votam todos os dias, ao

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passo que a esmagadora maioria da sociedade o faz uma vez a cada dois

anos? Até que ponto pode ser considerado democrático um estado que

consente com tamanha desigualdade um exercício dos direitos políticos? E

continua a comparação com o voto do mercado.

“O outro poder, o mercado, cujos poucos e seletos participantes

fazem ouvir a sua voz todos os dias – na bolsa de valores, na

cotação do dólar, nos corredores e anéis burocráticos do poder –

e cujas dimensões e preferencias são muito levadas em conta

pelos governos porque estes sabem que dificilmente poderiam

resistir mais do que poucos dias à chantagem ou ao suborno dos

capitalistas. Uma baixa de investimentos, uma fuga de capitais ou

a simples desconfiança das classes proprietárias diante de um

anúncio governamental ou uma troca de ministros pode arruinar

uma obra de governo.”(pág. 35)

Na América latina, mesmo que alguns argumentem a “soberania do

consumidor”, para Borón isto é uma falácia uma vez que neste

subcontinente reina as maiores desigualdades de renda no mundo, assim,

estamos no pior dos mundos. “nem cidadãos, nem consumidores”,

democracia sem soberania popular e mercado sem soberania do

consumidor”. As empresas transnacionais e as gigantescas firmas que

dominam os mercados transformaram-se em protagonistas privilegiados de

nossas débeis democracias. Seu predomínio nesta “segunda arena” da

política democrática, os mercados, projeta-se decisivamente na esfera

pública e nos mecanismos decisórios de Estado.

Na análise de Borón, a tão decantada vitória do neoliberalismo é muito

mais ideológico – cultural, que econômica. Segundo ele, “há muito mais

mercado que se diz, o que acontece são mercados abertos do terceiro

mundo e proteção para os seus países.

“Apesar de sua propaganda em favor da proposta neoliberal os

capitalismos desenvolvidos continuam tendo estados grandes e

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ricos, muitíssimas regulações que organizam o funcionamento

dos mercados, arrecadam muitos impostos, promovendo formas

encobertas e sutis de protecionismo e subsídios e convivendo

com déficit fiscais extremamente elevados” (pág.9)

Para Borón, essa vitória assenta-se sobre uma derrota epocal das forças

populares e das tendências mais profundas da reestruturação capitalista,

que diz : manifestam-se em quatro dimensões: 1 – mercantilização de

direitos e prerrogativas conquistadas pelas classes populares; 2 -

desequilíbrio da relação entre Estado e mercado – na qual o Estado é

satanizado e o mercado é endeusado; 3 – criação de um senso comum

neoliberal, vitória no terreno cultural e ideológico – convencendo as elites

políticas de que não existe outra alternativa.

José Welmovick, analisando a realidade latina americana, demonstra que

nos anos 90 ocorre o aumento inédito da dependência das economias

destes países, submissão dos governos e instabilidade econômica.

Defende a tese de que há em curso um processo de recolonização da

América Latina, como um movimento de alcance estrutural que busca a

subordinação destes países, num patamar semelhante ao do século XIX,

transformando as burguesias nacionais de sócias menores a

administradores coloniais e os governos em fantoches do imperialismo.

Identifica alguns aspectos desse processo de recolonização que ocorrem

tanto no terreno político, quanto econômico e militar. Destaca o processo

intenso de desnacionalização ocorrido nos últimos anos, que tem início

desde a chamada crise da dívida, quando através do Plano Brady os

governos passaram a assumir a dívida privada, trocando pagamento dos

juros da dívida por ativos das empresas públicas, planos à serviço do

pagamento da dívida pública com graves implicações sociais.

No período correspondente a 1990 a 1997, verifica-se em toda a América

Latina intensos processos de privatizações, fusões e absorções. Este é o

mecanismo através do qual as empresas multinacionais se apropriaram

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das indústrias e empresas nacionais. Países como Brasil, México e

Argentina que de 1930 a 1970 tiveram maior crescimento industrial, estão

sofrendo violento processos de desnacionalização. Segundo Welmovick,

no Brasil, por exemplo, a maior economia latino americana e uma das

últimas a entrar no processo de globalização, tem 70% das empresas que

viveram processos de fusões ou aquisições nos últimos 5 anos entregues

ao capital estrangeiro. Ex: Cofap e Metal Leve (auto peças) Continental e

Prosdócimo (eletrodomésticos), Bom Preço, Banco (Real, Bamerindus,

Econômico); setor automobilístico (95%), farmacêutico (79%), alimentos

(57%), higiene e limpeza (87%). Participação do capital estrangeiro num

total de 59%. Há ainda o exemplo dos barões da privatização (burgueses

sem capital associados a multinacionais) que adquirem as empresas para

depois venderem a empresas estrangeiras (Benjamin steinbruch – CSN,

CVRD e Light).

Welmovick chama a atenção para os processos de dolarização da

economia como outro aspecto perverso da recolonização imperialista.

Todas as moedas nacionais estão ancoradas no dólar (as poupanças,

contas correntes, pagamentos a prazo, as transações econômicas, etc).

Por ser a moeda, enquanto medida de valor, a representante material da

riqueza de uma nação a dolarização significa expressão do grau de

aprofundamento, dependência e penetração do imperialismo norte

americano. A perda da moeda nacional é a expressão da perda da

soberania nacional. Explicitamente países como Equador, Argentina,

México e Panamá, estão vivendo processos mais avançado de dolarização

de suas economias.

A ofensiva recolonizadora não seria possível sem a submissão dos

governos, parlamentos e tribunais, assim como a predisposição de setores

burgueses, processo que Welmovick denomina recolonização política.

Estes lançaram bateria de leis que se reproduzem em todo o

subcontinente com o objetivo de eliminar tudo o que atrapalhasse a

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liberdade do capital (leis de desmonte alfandegário, leis de patentes,

reformas tributárias, isenção de impostos, benefícios infra estruturais,

desregulamentação do mercado de trabalho, etc.)

Os regimes assumem o caráter de democracia colonial, supervisionados

diretamente pelo FMI. Os bancos centrais possuem uma pseudo

autonomias e são dirigidos diretamente por agentes dos bancos

americanos (ex. Fraga, Cavallo, Francisco Gros). A submissão ao G7 e

OMC ocorre mesmo nos setores onde ainda podem competir (agricultura e

têxtil). Os tratados de livre comércio representam a submissão completa a

exemplo do NAFTA e ALCA). A exclusão de setores da burguesia e a

perda do Estado como principal estimulador das atividades econômicas

gerou ainda um grau de corrupção sem precedentes, argumenta

Welmovick.

Para coroar tais processos, há uma intensificação da recolonização no

terreno militar, que se acirra com a nova conjuntura aberta com os

atentados aos EUA. A instalação de bases militares e a presença de tropas

norte americanas em território latino americano para controle direto nas

áreas onde seus interesses estratégicos correm perigo. Nesse aspecto os

exércitos nacionais estão sendo reduzidos e novo modelo montado com

tropas seletas, de intervenção rápida, bem treinadas sob o comando do

pentágono ou DEA e CIA, conforme a situação. O Plano Colômbia é um

exemplo claro, sob a argumentação de combate ao narcotráfico escondem

os verdadeiros objetivos que é não só controlar essa fonte de lucro

estupenda que é o narcotráfico, que passa por fora do controle dos

governos, mas também, acabar com as guerrilhas (FARC e ELN) que já

controlam 40/ do território colombiano, desafiando o Império dos EUA.

Além disso, destaca Welmovick, que há denúncias de pretensões dos EUA

de se apropriar de parte da Amazônia e criar um novo Estado, enclaves,

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Esse processo tem representado um aumento no grau de superexploração

sobre os trabalhadores, do desemprego e miséria, que tem implicado num

retrocesso nas condições de vida do povo latino americano. Nunca as

massas perderam tanto em tão pouco tempo. E isto tem provocado

reações em vários países: Equador – Revolução Popular em janeiro de

2000; Colômbia controle de 40% do território nacional pela guerrilha; Brasil

(MST), radicalização dos métodos de luta em vários países (bloqueio de

estradas, enfrentamento com polícia e exércitos, greves gerais); levantes

insurrecionais (lutas dos camponeses e cocaleros na Bolívia),

desempregados na Argentina, etc. Para Welmovick diante da realidade

da América Latina o desafio que está posto é: revolução ou colônia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da democracia na América Latina torna-se um tema polêmico

tanto pelas diversas concepções teóricas que embasam as análises,

quanto pelas evidências empíricas, dado às particularidades da realidade

deste subcontinente.

Ao nosso ver, Bobbio e Touraine, embora apontem elementos

interessantes do ponto de vista da análise da democracia na Europa e

EUA, para a realidade latino americana tornam-se extremamente limitadas.

Isto, partindo tanto da concepção teórica ou seja, a defesa da democracia

como valor universal, como da realidade que é bem mais complexa do que

a análise dos contextos por eles abordados.

Dessa forma, a definição de Bobbio de democracia como um conjunto de

regras e procedimentos, visão que Touraine define como liberal, é

epidérmica e de fraca sustentação teórica, pois a essência dos processos

capitalistas da relação estado/sociedade, através das instituições, são

permeadas pelos interesses das classes vigentes e em luta na sociedade.

Entendemos que a análise da democracia que retira de cena, ou melhor

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como eixo de análise, as classes sociais, incorre numa inconsistência

teórica, que traz o distanciamento da realidade objetiva, ou seja, numa

deformação do real.

Na situação latino americana, como não perceber os interesses burgueses

nos diferentes momentos históricos, desde o período da colonização no

século XVI? O período marcado pelas ditaduras militares representou ou

não os interesses hegemônicos, quando por um regime de exceção

eliminou-se a esquerda revolucionária, excluindo toda e qualquer crítica ou

oposição ao regime? Ao mesmo tempo em que houve a aceleração do

modelo de acumulação que acentuou a dependência desses países,

embora com o consentimento das burguesias nacionais?

Seria suficiente para a situação da América Latina a proposta de Bobbio

“da democracia do Estado para a democratização da sociedade”? Esta

proposta parte do suposto de que alcançou-se a democracia de Estado e

há a necessidade de ampliar para a democratização da sociedade,

exigindo a democratização de outros centros de poderes. Embora se

reconheça que nos EUA e na Europa há importantes avanços com relação

à participação da sociedade, ainda que não se possa fechar os olhos para

a situação da maioria dos negros e migrantes, na América Latina, mesmo

após o período ditatorial, essa democratização do Estado ocorreu mais ao

nível da aparência (mesmo reconhecendo-se que a situação atual é muito

melhor para o movimento de massas, do que uma ditadura). Ainda assim,

consideramos medíocre a afirmativa de Bobbio: “A atitude do bom

democrático é a de não se iludir sobre o melhor e não se resignar com o

pior”. Quer dizer, em tal concepção está posta a idéia da acomodação e

uma luta nos limites do possível.

Edmundo Dias apresenta uma discussão interessante, acerca desse

debate, no texto O possível e o necessário: as estratégias das esquerdas,

quando à luz do processo da revolução russa, analisando a crise capitalista

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atual e as estratégias da esquerda, tendo como pano de fundo o clássico

debate reforma ou revolução, critica a postura de vários setores de

esquerda que, mesmo que permaneçam falando de classes, das

desigualdades sob o capitalismo, se colocam como falas mutiladas do

antagonismo classista, que questionam somente as formas de distribuição

e consumo e não a ordem do capital. Segundo Dias, isto é assim porque

não colocam a destruição da ordem do capital como projeto estratégico.

(pág. 76)

Destaca Dias que a negação do antagonismo classista é a característica

essencial do pensamento reformista e que colocar a imediaticidade das

conquistas materiais como elemento estratégico, leva necessariamente à

desqualificação de todo um conjunto de questão. E, justifica suas

afirmações a partir de Marx:

“Marx, no famoso capítulo inédito, afirmou que o capitalismo era

produtor e reprodutor das relações sociais. mostrou que a

determinação dos processos de valorização era essencial para a

compreensão de como se realizava o próprio processo de

produção. Para sua existência, o capitalismo requeria a

presença/fusão dessas condições. Em O capital ele mostrou que

o processo histórico de luta de classes conformou o modo de

dominação: o Estado moderno e sua institucionalidade. Entendia

essa como locus onde se realiza a dominação classista e não

espaço civilizatório neutro. As instituições são formas de

condensação da luta de classes. E, obviamente, as

transformações que ocorrem no cotidiano capitalista embora

criem contradições e conjunturas sempre renovadas, não alteram

essencialmente a natureza de classe dessa forma societária.

(pág. 76)

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Sendo assim, frente ao aumento do grau de dependência e submissão dos

governos e da luta dos povos em vários países, é possível discutir maioria

e minoria sem o corte de classe? Quem são as maiorias e as minorias

latino americanas? Como governos como de FHC, Pastranas, Chaves, etc.

podem representar interesses das maiorias, respeitando as minorias, se

tais interesses são antagônicos e este governos são representantes dos

interesses capitalistas nacionais e internacionais? É possível conceber a

democracia nos países latino americanos sem o rompimento com a ordem

globalizada do capital, portanto, com o conjunto de regras e

procedimentos, que impõem o retrocesso econômico, a perda da

soberania nacional e dos direitos sociais e trabalhistas conquistados?

Considero progressiva a preocupação de Touraine de que a democracia

deve ser plural, laica e que respeite as individualidades; assim como a

liberdade de dissentir de Bobbio. Compreendo também a preocupação de

Touraine de que as lutas populares em nome da democracia acabaram em

regimes totalitários. Entretanto, tal preocupação deve seguir como

recomendação para que não se repitam experiências totalitárias, à

exemplo do Leste Europeu, nunca como orientação preconceituosa em

relação às lutas dos trabalhadores pela emancipação humana.

Partilho da tradição marxista que analisa a sociedade capitalista como

totalidade histórica que não fragmenta o político, o econômico, o social, o

cultural, etc. Do ponto de vista do debate acerca da democracia, concordo

com Lênin quando afirma:

“Nós somos partidários da república democrática como sendo a

melhor forma de governo para o proletariado sob o regime

capitalista, mas andaríamos mal das pernas se esquecêssemos

que a escravidão assalariada é o quinhão do povo mesmo na

república burguesa mais democrática” (pág.24)

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Para Lênin, como para Marx, todo Estado é uma força de repressão da

classe oprimida.

“A democracia tem enorme importância na luta da classe operária

por sua emancipação. Mas a democracia não é um limite que

possa ser ultrapassado, e sim uma etapa no caminho que vai do

feudalismo ao capitalismo e do capitalismo ao comunismo.

Democracia implica em igualdade. Compreende-se a luta do

proletariado pela igualdade e pelo princípio da igualdade, contudo

que sejam compreendidos como convém, no sentido da

supressão das classes. Mas a democracia quer dizer apenas

igualdade formal. E, logo após a realização da igualdade de todos

os membros da sociedade quanto ao gozo dos meios de

produção, isto é, a igualdade do trabalho e do salário, erguer-se-

á, então fatalmente, perante a humanidade, o problema do

progresso seguinte, o problema da igualdade formal à igualdade

real baseada no princípio: “de cada um segundo a sua

capacidade, a cada um segundo a sua necessidade”. Porque

etapas, porque medidas práticas a humanidade atingirá esse

objetivo ideal, não o sabemos nem podemos sabê-lo. Mas o que

importa é ver a imensa mentira contida na idéia burguesa de que

o socialismo é alguma coisa de morto, de rígido, de estabelecido

de uma vez por todas, quando na realidade, só o socialismo porá

em marcha, em ritmo acelerado, a maioria da população, primeiro,

e depois, a população inteira, em todos os domínios da vida

coletiva e privada. (págs. 122 – 123)

Pensamos que frente à crise da ordem do capital e, neste sentido, não

só a crise capitalista mas das próprias sociedades do tipo pós-

capitalistas, para usar uma conceituação de Mésáros, e todo impacto na

América Latina, para que rumemos para sociedades mais democráticas,

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alguns desafios precisam ser vencidos, tendo em vista que um dos

pressupostos da democracia é a igualdade e esta enquanto etapa para

a sociedade socialista.

Considerando que a economia dos EUA está em franca desaceleração,

que aprofunda-se com os atentados do dia 11 de Setembro de 2001;

que continua a cobrança fraudulenta das dívidas externas dos países do

3º mundo, assim como é voraz a necessidade das multinacionais de

superexplorar novos mercados, acentuando a flexibilização trabalhista e

a privatização das empresas estatais, principalmente dos setores

estratégicos como as reservas energéticas (petróleo, energia elétrica),

telecomunicações, financeiros, dentre outros, é fundamental:

1 Enfrentar o problema da dívida externa sem o qual é praticamente

inviável qualquer plano de desenvolvimento, mesmo de caráter

emergencial que enfrente a efeti vamente o problema da fome, do

desemprego, da miséria e da violência que existe na América Latina 2

2 Reforma Agrária – no Brasil, a concentração de terra, os conflitos

agrários, a ausência de políticas agrária e agrícola (crédito,

comercialização, armazenamento, estradas, etc.), gera um elevado

número de miseráveis tanto no campo como nas cidades. A reforma

agrária geraria emprego, renda, alimentação, retiraria milhões da

fome, da marginalidade e da falta de perspectiva, além de produzir

alimentos mais baratos para as cidades.

3 Enfrentar o problema do desemprego – além da reforma agrária, para

acabar com o desemprego e gerar trabalho para todos algumas

medidas são necessárias: redução da jornada de trabalho para 36

horas, sem redução de salário (reivindicação das centrais sindicais),

plano de construção de moradias populares, plano de construção de

2 A dívida externa do Brasil em 1990 era de 120 bilhões de dólares, atualmente é de 250 bilhões de dólares ou 625 bilhões de reais. De juros já foram pagos 240 US$ bilhões. Este ano serão pagos 30 bilhões de dólares, o correspondente a quase 70 por cento do orçamento da união.

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obras públicas populares, combater precarização do trabalho, a

terceirização, o trabalho informal e o trabalho infantil, garantia de que

todos tenham carteira assinada, estabilidade no emprego e direitos

sociais (férias, descanso semanal remunerado, 13° salário, jornada

de trabalho regulamentada).

4 Ensino público e gratuito para todos.

5 Saúde pública, gratuita e de qualidade para todos.3

Para alcançar tais objetivos, é necessário:

1 Não aceitar política dos EUA para a América Latina denominada

Área de Livre Comércio para as Américas – ALCA, prevista para

2005, que é o instrumento para consolidar o processo de

recolonização dos 34 países, latino americanos.

2 Combater o processo de dolarização proposto e que já é vigente

em vários países.

3 Estatização do sistema financeiro.

4 Política fiscal que pese sobre os grandes capitalistas não sobre o

Povo.

5 Reestatização das estatais privatizadas. Impedir o avanço de

novas privatizações.4

Evidentemente que tais medidas não são de fácil aplicação, mas são

imprescindíveis para a garantir a qualidade de vida e a dignidade dos povos

latino americanos. É necessário ainda desenvolver experiências dos Conselhos

Populares que são um avanço em relação aos conselhos tripartite e ao

orçamento participativo, avançando na experiência efetiva do poder popular.

Nesse sentido, é fundamental também, a organização e a mobilização dos

povos como já se observa em vários países. Coloca-se portanto, a

3 Dos 35 países que compõem a América Latina, Cuba é o único que alcançou um nível de vida com dignidade para o seu povo, apesar de todos os problemas que enfrenta. É necessário, no entanto, avançar na democracia e não retroceder para a restauração capitalista, como já fizeram a União Soviética e a China. 4 Tais medidas tomam como referência as propostas de Marx e Engels no Manifesto do Partido comunista, atualizadas, ao nosso ver, pelas necessidades e desafios da contemporaneidade.

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necessidade de unificação das lutas dos povos latino americanos ( indígenas,

operários, negros, camponeses, etc.), globalizando a luta de todos os

explorados e oprimidos não só da América Latina, mas de todo o mundo, no

sentido da luta pela emancipação humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo. Classe Operária, Sindicatos e Partidos no Brasil: da

revolução de 30 à Aliança Nacional Libertadora. São Paulo. Cortez, 1982. BORÓN, Atílio. Os “novos leviatãs” e a pólis democrática: neoliberalismo,

decomposição estatal e a decadência da democracia na América Latina. In: Neoliberalismo II. Que Estado Para Que Democracia. Sader, Emir e Gentille, Pablo (orgs). PeTrópolis. Vozes, 1999.

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo.

Trad. Marco Aurélio Nogueira. R.J, Paz e Terra, 1986. DIAS, Edmundo Fernandes. O Possível e o Necessário: as estratégias da

esquerda. In: Outubro – Revista do Instituto de Estudos Socialistas n. 3 GARCIA, MARCELO. Alca e Dolarização: avança a recolonização da América

Latina. In: Marxismo Vivo (maio/2001) – Revista do Koorkom, n. 3 LÊNIN, V.I. O Estado e a Revolução. O que ensina o marxismo sobre o Estado

e o papel do proletariado na Revolução. Trad. Aristides Lobo. São Paulo. Editora Hucitec, 1978.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Trad. Álvaro Pina. São Paulo. Boitempo

Editorial. TOURAINE, Alain. O Que é Democracia? Trad. Guilherme João de Freitas

Teixeira – Petrópolis. R.J, Vozes, 1996. ________________, Igualdade e Diversidade: o sujeito democrático. Trad.

Modesto Florezano. Bauru, S.P: EDUSP, 1998 WELMOVICK, José. América Latina na virada do século: revolução ou colônia:

In: Marxismo Vivo ( outubro 2000 / janeiro2001) Revista do Koorkom N. 2.

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