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CAPITULO 01 INT. SALA DE AUDIENCIAS/FORUM CRIMINAL SÃO PAULO - DIA Em suas posições de praxe, o Juiz, o escrevente, a Promotora Paula, o advogado de defesa Mauro, o réu Orlando. No lugar reservado para a testemunha, está o Delegado Sergio. A audiência corre em uma tranqüilidade nitidamente artificial. Sergio ...Já era de conhecimento da polícia que o réu controlava parte da distribuição de drogas no centro e na zona sul de São Paulo. Mas foi com a prisão do número dois da quadrilha, Evandro Martins Barbosa, o Barão, homem de confiança do réu, há pouco mais de um ano, que as investigações se intensificaram... Mauro (interrompendo) Excelência, eu gostaria de saber do delegado, quais foram os fatos concretos que levaram a polícia a indiciar meu cliente. Juiz (para o delegado) Doutor Sergio? Sergio Além do depoimento do Barão, tivemos acesso a uma gravação feita por... Juiz (interrompendo, colocando a mão sobre o braço do escrevente, impedindo que ele escreva). Doutor Sergio, o senhor já foi avisado de que essa gravação foi considerada ilegal pelo juízo e retirada dos Autos, não faça a menção a ela. Sergio concorda. Ele tenta se controlar, mas fica nitidamente aborrecido.

Entre crimes 1º cap

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CAPITULO 01

INT. SALA DE AUDIENCIAS/FORUM CRIMINAL SÃO PAULO - DIA Em suas posições de praxe, o Juiz, o escrevente, a Promotora Paula, o advogado de defesa Mauro, o réu Orlando. No lugar reservado para a testemunha, está o Delegado Sergio. A audiência corre em uma tranqüilidade nitidamente artificial.

Sergio ...Já era de conhecimento da polícia que o réu controlava parte da distribuição de drogas no centro e na zona sul de São Paulo. Mas foi com a prisão do número dois da quadrilha, Evandro Martins Barbosa, o Barão, homem de confiança do réu, há pouco mais de um ano, que as investigações se intensificaram...

Mauro

(interrompendo) Excelência, eu gostaria de saber do delegado, quais foram os fatos concretos que levaram a polícia a indiciar meu cliente.

Juiz

(para o delegado) Doutor Sergio?

Sergio

Além do depoimento do Barão, tivemos acesso a uma gravação feita por...

Juiz

(interrompendo, colocando a mão sobre o braço do escrevente, impedindo que ele escreva). Doutor Sergio, o senhor já foi avisado de que essa gravação foi considerada ilegal pelo juízo e retirada dos Autos, não faça a menção a ela.

Sergio concorda. Ele tenta se controlar, mas fica nitidamente aborrecido.

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INT. SALA DE AUDIENCIAS/FORUM CRIMINAL DE SÃO PAULO – DIA (MAIS TARDE) Quem presta depoimento agora é Evandro Martins Barbosa, o Barão, um homem de uns cinqüenta e cinco anos, calvo. Ele veste roupa de presidiário.

Barão Eu não nego que conheço o doutor Orlando, ele é um bom homem, ajuda as pessoas da minha comunidade. Ele não tem nada a ver com isso. O pessoal da narcóticos invadiu meu negócio as três da madrugada e ficaram comigo lá dentro até as sete da manhã. Reviraram tudo e encontraram droga, que eu já confessei que era minha. Mas eles não queriam nada comigo, não, eles queriam mesmo era pegar o doutor Orlando, eu só falei que ele era o chefe, porque achava que ia morrer, eu fui torturado...

Corta para Paula Ela escuta o depoimento, inconformada. INT. SALA DE AUDIENCIAS/FORUM CRIMINAL DE SÃO PAULO – DIA (MAIS TARDE)

Mauro Excelência, antes das alegações, eu não posso deixar da dizer que nos últimos meses, meu cliente foi chamado dez vezes na Denarc para prestar esclarecimentos. Como um cidadão de bem que é, nunca se negou a ir. E nada restou provado. A única evidência contra ele foi o suposto depoimento de um traficante durante uma operação de busca. Em nenhuma outra ocasião ele ratificou o que disse, nem mesmo durante seu próprio julgamento. Esta claro que meu cliente está sendo perseguido...

INT. SALA DE AUDIENCIAS/FORUM CRIMINAL DE SÃO PAULO – DIA (MAIS TARDE) A fala do juiz é entrecortada, para aparecer apenas o necessário. E durante a explanação do Juiz, mostrar as reações de ambas as partes (defesa satisfeita, acusação contrariada).

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Juiz ...manifestou-se o membro do Ministério Publico e a defesa. É o relatório...Diante do exposto, julgo por improcedente a ação...pela absolvição do réu Orlando dos Santos Ribeiro...remetam-se os Autos à autoridade policial competente para a averiguação dos fatos narrados pela testemunha Evandro Martins Barbosa...

INT. CORREDOR DO FORUM CRIMINAL – DIA Paula sai da sala de audiência nitidamente desanimada e logo encontra Sergio encostado na parede do corredor a alguns metros da sala a esperando. Ele está inquieto, parece ansioso. Paula vai lentamente até ele e, ao chegar ao seu lado, apenas balança a cabeça negativamente.

Sergio (furioso, dando um soco na parede) Eu não me conformo, três anos de trabalho jogado no lixo...

Paula

Sergio, não exagera, você pegou todo mundo.

Sergio Menos ele!

Paula

Sem aquela gravação, nós não tínhamos muita coisa mesmo, sabíamos que era um risco...

Sergio

Esse juiz aí não condenava o cara nem com um vídeo com a confissão dele!

Paula

Sergio, não é pessoal.

Sergio (irônico) Nunca é. (uma pausa) Paula, você vai recorrer, não vai?

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Paula Vou, mas não tenho grandes expectativas.

Nesse momento, Orlando, o réu, sai da sala de audiência, com ar de satisfação e segue em direção a saída do prédio. Ao passar por Sergio, encara-o com um discreto, porém perceptível, sorriso no rosto. Sergio se controla e se mantém indiferente, mas não desvia o olhar. Paula observa Sergio, preocupada.

Paula

(tentando mudar de assunto) Depois dessa, a melhor coisa que temos a fazer é sair e tomar alguma coisa. Vamos?

Sergio

(distante) Que?

Paula

Vamos passar em algum lugar pra tomar uma, to precisando.

Sergio

Vamos. (uma pausa, sem muito entusiasmo) Ah, não vai dar, a Luciana inventou de sair pra jantar hoje, aniversário de casamento, como se a gente tivesse o que comemorar.

Paula (forçando um entusiasmo) Ei, não fala assim, tem que comemorar mesmo.

Ao fundo, é possível ver Mauro se aproximando dos dois.

Sergio Mas vou te falar, eu bem que tava precisando também tomar alguma coisa...

Mauro

Eu ouvi direito, alguém falou em tomar alguma coisa? To dentro.

Paula

(aborrecida com a presença dele) Mas é muita cara de pau, hein, Mauro.

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Mauro (irônico, para Paula) Tudo bem, tudo bem. De qualquer maneira, é sempre um prazer enfrenta-la, melhor ainda quando ganho.

Mauro sai. EXT. FORUM CRIMINAL – FIM DE TARDE (FRENTE) Mauro sai do prédio e é alcançado por Sergio, que o segura pelo braço.

Sergio Foi pra fazer esse tipo de coisa que você se tornou advogado? Deve estar entrando muito dinheiro...

Mauro

Nem tudo que faço é pelo dinheiro.

Sergio Ah, vai me dizer que ta trabalhando de graça?

Mauro

(irônico) Também não vamos exagerar, Sergio. Se eu quisesse trabalhar de graça, prestaria concurso para delegado. Ah, eu me esqueci, você já fez isso.

Mauro dá as costas pra Sergio e desce a escadaria. Sergio fica sem palavras. A imagem abre com Sergio no topo da escadaria do Fórum Criminal de São Paulo. ABERTURA DA SERIE/CREDITOS

EXT. FACULDADE DE DIREITO – NOITE (FRENTE) Legenda: Dois anos depois Vários jovens sobem a escadaria da faculdade. Depois de uns instantes, nos fixamos em uma garota de vinte anos, morena, que sobe a escada correndo, é Laura.

Laura Bia! Bia! Espera...

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Alguns degraus acima está Beatriz, ela pára para esperar e amiga. Laura a alcança.

Beatriz Laura, que foi?

Elas se cumprimentam com intimidade.

Laura

Tenho novidades. Fiquei sabendo de fonte segura que o professor está oficialmente livre. O divorcio saiu essa semana.

Beatriz

(sorrindo, satisfeita com a informação) Ah, agora que eu vou fazer esse estágio com ele nas férias, ele não me escapa!

Laura

Mas você disse que foi super mal na prova?

Beatriz Mas eu falei com papai, que falou com o chefe, do chefe, do chefe do professor, que sugeriu pra ele que eu fosse a escolhida.

Elas riem e seguem para a faculdade. INT. SALA DE AULA – NOITE Laura e Beatriz entram na sala que já está cheia. A maioria, jovens como elas, todos muito bem arrumados, ficando claro que são jovens de classe social elevada. É nítido que Beatriz é a garota popular da turma, todos a cumprimentam. Ela pára em frente a uma cadeira ocupada por um rapaz um pouco mais velho, de vinte e cinco anos, alheio a bagunça dos outros e também menos arrumado que os demais. É Eliseo. Ele lê um livro. Beatriz fica segundos parada a sua frente, até que ele olha para ela, um pouco confuso.

Beatriz Esse é o meu lugar.

Eliseo a ignora e volta a ler seu livro.

Beatriz Qual que é o teu problema? Esse lugar é meu.

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Eliseo (gritando, com uma das mãos em uma orelha) Que? Você falou alguma coisa? Fala mais alto, que eu não escuto direito...

As pessoas que estão nas cadeiras próximas começam a olhar para os dois e Beatriz desiste. Sai contrariada. Eliseo, satisfeito, volta a ler. Laura acena para Beatriz e mostra uma cadeira que guardou pra ela a sua frente. Beatriz vai até lá, senta-se, ainda contrariada, olhando para Eliseo.

Laura Ele deve falar o resultado hoje, é a ultima aula dele.

Beatriz

(virando-se para Laura, empolgada de novo) Ah, eu sei...

Corta para a porta Sergio entra na sala de aula. Ele está bem arrumado, vestindo terno e gravata. Fisicamente, não está muito diferente de dois anos antes. Assim que entra, os alunos vão parando a conversa. Sergio vai até sua mesa, coloca sua pasta sobre ela.

Sergio Boa noite.

Alguns alunos respondem ao cumprimento.

Sergio Eu sei que o semestre acabou e ninguém ta a fim de ver matéria hoje, mas não é por isso que a gente vai ficar aqui sem fazer nada...

Corta para Beatriz e Laura Elas continuam a conversar, ignorando o professor.

Beatriz (fazendo caras e bocas) Preciso treinar uma cara de surpresa, que que você acha assim?

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Beatriz leva uma mão no peito, outra na testa, parecendo emocionada. Elas riem. Corta para Sergio

Sergio

... Vou dividir vocês em alguns grupos... Sergio vê Beatriz de costas, conversando com Laura.

Sergio Doutora Beatriz, a conversa parece tão interessante, não quer compartilhar com os colegas?

Beatriz se vira para frente. Laura se endireita na cadeira e elas passam a prestar atenção.

Beatriz Desculpa, professor...

Sergio

Antes, eu quero dizer que fiquei muito satisfeito com o resultado da prova para o estagio. Não imaginava que haveria tantos interessados. É uma pena que, dentre as carreiras publicas da nossa área, a polícia raramente é a primeira opção, não deveria ser assim. Mas eu costumo dizer que não somos nós que escolhemos a polícia, a polícia é que nos escolhe...Deu pra perceber que alguns de vocês se empenharam bastante. Ao vencedor, um aviso, será um estagio de verdade. Nada dessa estória de ficar tirando cópias e buscando café... Quer dizer, não só isso.

Risos

Sergio Doutora Mariana Garcia, meus parabéns!

Corta para a aluna. Ela senta na fileira da frente. Parece ser do tipo estudiosa, usa óculos, tem uma beleza discreta. Ela ensaia um sorriso tímido e é cumprimentada pelas amigas a sua volta. Pela

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O homem pára.

Homem (voltando até Beatriz e dando um beijo nela) Desculpa, querida, não tinha te visto. É que estou com um pouco de pressa.

O homem sai sem se despedir. Beatriz o observa por instantes, um pouco confusa. Depois, vai para a porta de entrada, onde o outro homem a aguardava. Eles se cumprimentam com carinho. É o pai de Beatriz, Fausto.

Beatriz

Pai, que que deu no tio?

Fausto (desconversando) Nada, só alguns problemas. Tudo bem com você?

Beatriz

(como quem precisa de um favor) Tudo péssimo, papai...

EXT. DELEGACIA – DIA Sergio agora é delegado da divisão de homicídios do departamento de homicídios e proteção à pessoa (DHPP). Ele entra na delegacia. INT. DELEGACIA – DIA Sergio vai até sua sala. Ele entra na sala. Corta para a sala de Sergio Ao entrar vê um homem, de uns sessenta anos, sentado muito a vontade em sua cadeira. Sergio não parece surpreso ao vê-lo.

Sergio (com respeito) Doutor Roberto...

Dr. Roberto

Sabe que às vezes eu tenho saudades daqui?

Então percebemos se tratar de algum superior de Sergio.

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Sergio Aconteceu alguma coisa?

Dr. Roberto

Me diga você. Quando você me pediu autorização pra ter um de seus alunos aqui, eu não coloquei nenhuma objeção, mas quando eu te pedi um favor, você...

Sergio

(interrompendo) O senhor está me dizendo que veio até aqui pra falar sobre isso?

Dr. Roberto

Ai, ai, Sergio, eu já fui como você.

Sergio Se ao menos ela tivesse ficado entre os primeiros colocados, eu teria considerado o pedido do senhor, mas...

Dr. Roberto

(interrompendo, levantando-se) Não é um pedido, é uma ordem. Achei que você tivesse entendido. O pai dela é um amigo pessoal meu e do governador e foi de lá que veio a ordem. Eu não quero nem saber por que essa garota quer tanto fazer um estagio com você, mas posso bem imaginar. E se você for esperto, como eu sei que você é, não vai fazer nenhuma besteira.

Roberto sai. Sergio se senta em sua cadeira, aborrecido. Instantes depois, Eliseo entra. Eliseo tem uma revista embaixo do braço.

Eliseo Oh, chefe, que que o diretor queria aqui?

Sergio

(desanimado) Me lembrar qual é o meu lugar.

Eliseo

(colocando a revista na frente de Sergio) Achei que gostaria de ver isso...

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É uma dessas revistas com gente famosa. Na pagina da revista é possível ver Orlando em alguma festa com várias pessoas em volta. Sergio olha a revista.

Eliseo Das paginas policiais para as colunas sociais.

Sergio

(indiferente, afastando a revista) Faz tempo que esse aí deixou de ser problema meu.

Eliseo

O senhor não me engana. Eu sei que guarda todos os arquivos dele. Pode ficar com isso, pra aumentar sua coleção.

Sergio

Você não tem nada pra fazer, não? Se você quiser posso te passar um monte de relatório que tenho que fazer.

Eliseo

Não, não, já tenho os meus. (uma pausa) Sabe que por um instante achei que o diretor tinha vindo aqui dizer que a gente vai receber mais pessoal.

Sergio

Vai sonhando. INTERVALO

INT. DELEGACIA – DIA (MAIS TARDE) Sala de Sergio Sergio aguarda algumas folhas saírem de uma impressora. Ele pega as folhas, separa-as e as vai colocando dentro de pastas. Em sua mesa, uma pilha grande de pastas. Enquanto ele guarda as folhas, é possível ouvir ao longe uma voz feminina seguida de risos masculinos. Sergio fica curioso, ele se levanta e vai até a janela de sua sala que está com a persiana aberta. Pela janela, ele vê Beatriz sentada sobre uma das mesas, muito à vontade conversando com os policiais.

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Eles praticamente formam uma platéia em volta dela. Ele não gosta. Corta para a sala central A sala é grande e tem varias mesas, cada uma com telefone e computador. Sergio sai da sua sala e bate a porta com força, de propósito, para fazer barulho. Os policiais disfarçam e voltam ao trabalho. Sergio vai até Beatriz. Ela parece muito feliz.

Beatriz Eu estava aqui contando pro pessoal como o senhor é como professor...

Sergio

(interrompendo) Vamos até a minha sala.

Corta para a sala de Sergio. Sergio e Beatriz estão na sala. Sergio fecha a porta.

Beatriz Eu queria te agradecer por ter reconsiderado.

Sergio

Nós dois sabemos por que você está aqui. Pode ser uma brincadeira pra você, mas isso aqui é trabalho sério.

Beatriz

Eu tenho certeza.

Sergio Vamos deixar uma coisa clara: Eu mando aqui.

Beatriz

(insinuando-se) Eu sei e eu vou fazer tudo que o senhor quiser.

Sergio chega a ficar sem graça com as insinuações de Beatriz. Eliseo dá umas batidinhas na janela de Sergio, chamando-o.

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Sergio Eu já volto.

Sergio sai e fecha a porta. Corta para a sala central

Eliseo Que que ela ta fazendo aqui?

Sergio

Que que você acha? Ela vai fazer o estagio. (uma pausa) Não era você que tava reclamando que a gente tava precisando de mais pessoal? Seu desejo foi realizado.

Eliseo

Essa menina é insuportável. Mas e a Mariana? Ela ta aí na frente.

Sergio

Vai fazer também. Não vou dispensá-la. Não é justo. Mas você vai ter que me ajudar.

Eliseo não gosta.

Sergio Eli, vai por mim, com um pouco de sorte, ela não agüenta nem uma semana.

Eliseo pensa um pouco.

Eliseo De repente, ela não agüenta nem um dia...

Sergio não entende.

Eliseo To indo lá pro CDP falar com o Vaguinho.

Sergio

Não sei se é uma boa idéia.

Eliseo Deixa comigo, é jogo rápido.

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Corta para a sala de Sergio Sergio volta para sua sala, seguido de Eliseo e Mariana, lá dentro, Beatriz parece impaciente.

Beatriz

(ao ver Eliseo) Ele vai fazer o estagio também?

Sergio

Não. O Eliseo trabalha aqui, é investigador, e da minha total confiança. Quando eu não estiver aqui, é a ele que vocês devem se reportar. Ele vai fazer uma diligência importante agora. Vocês vão com ele.

Mariana concorda. Beatriz não gosta muito. EXT. CENTRO DE DETENÇÃO PROVISORIA (CDP) – DIA Eliseo está acompanhado de Mariana e Beatriz. As duas não parecem muito à vontade. Eliseo bate forte no portão. Instantes depois, uma pequena abertura do portão é aberta, vemos apenas parte do rosto de um homem. O homem fecha a abertura e logo depois, abre o portão. Eliseo e o homem se cumprimentam.

Eliseo Elas estão comigo.

O homem olha para as duas e as espera entrar. Em seguida fecha o portão com força, o barulho assusta Mariana. INT/EXT. CDP - DIA O lugar é cinza do concreto e mal iluminado. Eliseo segue para o balcão de atendimento, elas ficam um pouco pra trás. Eliseo cumprimenta todos que estão dentro do balcão. Tira sua arma, seu distintivo, o celular, coloca tudo em cima do balcão. O rapaz que o atende, pega suas coisas, guarda embaixo do balcão.

Rapaz Andando em comitiva, agora?

Eliseo

Estagiarias.

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Rapaz (olhando com interesse para elas) Nada mal.

Eliseo

O sujeito ta pronto?

Rapaz Não deu tempo, teve revista.

Eliseo

Eu não me importo de ir até a cela.

Rapaz (surpreso, olhando para Eliseo, depois para as meninas) Tem certeza?

Eliseo dá de ombros, confirmando.

Rapaz (para Mariana e Beatriz) Deixem suas bolsas aqui. Não pode entrar com celular e é melhor tirar relógio, bijuteria, que vocês vão passar pelo detector.

Elas obedecem. Tiram suas coisas, guardam em suas bolsas, passam a bolsa para o rapaz.

Rapaz (para Eliseo) O Duarte ta lá embaixo, ele leva vocês até lá.

Eliseo e as meninas entram em um corredor, que tem um detector do metal e ao final, uma porta grande de aço. Eles passam pelo detector. Já na porta, um outro agente a abre. Corta para um vão entre os pavilhões Eles saem em uma área externa, que separam os blocos. A porta atrás deles é fechada. Mariana e Beatriz não conseguem disfarçar o desconforto. Eles estão a uns dez passos de uma outra guarita. Nessa área alguns presos varrem o chão.

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Mariana Eles são...?

Eliseo

São. Eles chegam à guarita. Um agente abre a porta gradeada. Corta para a guarita. Eles entram. Ele fecha a porta. Mas uns passos, uma nova porta é aberta, eles passam, a porta é fechada. Corta para um outro vão entre os pavilhões Estão novamente em uma área externa. Outros dez passos até chegar ao pavilhão dos presos. Lá, outro grande portão fechado com dois agentes fazendo a segurança. Eliseo cumprimenta os agentes. Um deles abre o portão. Eles entram. Corta para o pavilhão dos presos. Da mesma forma, o portão é fechado com força. Do lado de dentro, Eliseo encontra outro agente, é o Duarte. Cumprimentam-se.

Duarte Você veio falar com o Vaguinho?

Eliseo confirma.

Duarte Esse não toma jeito. Tava em Pirajuí, saiu nos dia das mães e não voltou, foi pego semana passada.

Eliseo

Duarte, que que ele quer com a gente?

Duarte Sei não, Eliseo, mas ele insiste que quer falar com o doutor Sergio.

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Eles passam a andar pelos corredores das celas. Duarte e Eliseo na frente, Beatriz e Mariana, atrás. Enquanto andam, os presos mexem com as duas, dizem todo tipo de grosseria.

Duarte

(batendo com um cassetete nas grades) Vamo calar a boca aí.

É ignorado. Os presos continuam falando com elas. Mariana não consegue disfarçar o nervosismo. Beatriz tenta demonstrar tranqüilidade.

Duarte E seu timinho, hein?

Eliseo

A coisa ta feia esse ano...

Duarte Desse jeito, vai pra segundona de novo.

Eliseo

(rindo) Continua torcendo contra mesmo.

Eles param em frente a uma cela. Duarte vai até a porta. Bate com o cassetete na grade.

Duarte Ta todo mundo vestido? (breve pausa) Vai todo mundo pro fundo... Vaguinho, chega, aí...

Vaguinho se aproxima da grade. De pequeno ele não tem nada. É um homem de uns quarenta e cinco anos, alto e magro, de aparência repulsiva. Está de bermuda, sem camisa, tem o corpo todo tatuado. Ele coloca os dois braços pra fora e os apóia na grade. (mostrar discretamente uma tatuagem que ele tem no antebraço direito).

Eliseo Voltou bem rápido, hein?

Vaguinho

Só me pegaram porque eu deixei, to mais seguro aqui dentro...

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Ele olha fixamente para Beatriz e Mariana

Vaguinho Presentinho pra mim?...Você sabe mesmo que eu prefiro as mais novinhas...

Eliseo

Que que você quer?

Vaguinho Não quero nada com você, não, cadê o doutor?

Eliseo

O doutor não tem tempo pra vir aqui, não.

Vaguinho Preciso falar com ele.

Eliseo

Eu to aqui...

Vaguinho Já disse que não tenho nada pra falar com você.

Eliseo dá as costas pra ele e vai falar com Duarte. Mariana está perto da grade.

Eliseo Que perda de tempo...

Vaguinho, em um movimento rápido, vai bem pro canto da grade e com o braço esticado entre as grades, consegue pegar na mão de Mariana, ele a puxa em direção a cela. Ela dá um grito. Duarte e Eliseo correm e logo a solta. Ela está apavorada.

Vaguinho (entre os gritos de Duarte, xingando-o e pedindo para ele se afastar) Quando sair daqui vou te procurar...

INT. DELEGACIA - DIA Sala de Sergio

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Sergio está sentado em sua cadeira e tem a sua frente Mariana. Encostado na porta está Eliseo e Beatriz está sentada no sofá.

Mariana (muito nervosa, quase chorando, gaguejando) Foi horrível. Eu achei que fosse só pra conhecer a rotina de uma delegacia, mas, desculpa professor, mas eu não vou conseguir, eu sinto muito, mas eu desisto. Posso ir embora?

Sergio apenas balança a cabeça dizendo que sim. Eliseo abre passagem para Mariana, que sai rapidamente, depois, volta a fechar a porta.

Beatriz

(balançando a cabeça, um pouco irônica) Eu sabia que ela não ia agüentar...

Sergio

(contrariado) Esteja aqui amanhã, as oito em ponto.

Beatriz

Pode deixar. Beatriz e Eliseo saem da sala juntos. Corta para a sala central

Beatriz Aposto que isso foi idéia sua. Você achou mesmo que eu ia me intimidar com aquilo?

Eliseo não responde

Beatriz

(aproximando-se de Eliseo, encarando-o) Sabe, a maneira como eles me olhavam não é muito diferente de como os homens daqui de fora me olham. A diferença é que eles expressam o que sentem, já vocês...

Eliseo

Não me inclua na sua lista.

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Beatriz Tem certeza?

Beatriz sai. Eliseo fica desconsertado. INT. APARTAMENTO DE LUCIANA – NOITE A campainha toca e uma garotinha corre até a porta e abre, é Sergio. A menina é filha de Sergio, tem seis anos e é uma graça, chama-se Gabriela. Ao ver o pai, o abraça. Sergio a abraça também e a beija.

Sergio

Oh, minha princesa, que saudade. Luciana, a ex-mulher de Sergio, uma mulher de trinta e dois anos, bonita, aparece na sala.

Luciana

Gabi, vai lá pro quarto que a mamãe tem que falar com seu pai.

A menina vai para o quarto.

Luciana Que que você ta fazendo aqui?

Sergio

Queria ver minha filha, não posso?

Luciana Avisa da próxima vez. (uma pausa) Mas foi até bom você aparecer, tem umas contas ali pra você.

Sergio vai até a mesa de jantar, pega uns papeis, olha.

Sergio Você ficou maluca? Cinco mil reais no cartão de credito! Eu não podia pagar uma conta dessas antes, o que te faz pensar que posso pagar agora?

Luciana Você não ta dando aula?

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Sergio Eu não tenho nada a ver com isso, não vou pagar.

Luciana

Ah, vai. Senão eu armo um escândalo e acabo com a tua carreira.

Sergio

Isso, faz isso mesmo. Além de eu perder meu emprego como professor, vou passar a te dar apenas o que o juiz determinou...

Gabriela volta para a sala correndo.

Gabriela Papai, papai, olha minha boneca nova!

Sergio disfarça e abaixa para falar com a filha, que mostra uma boneca (do tipo Barbie) para ele.

Sergio É linda, filha.

Gabriela

O amigo da mamãe que me deu.

Sergio (olhando sério para Luciana) Amigo?

Luciana

Meio tarde pra ceninha de ciúmes... INTERVALO

INT. BAR – NOITE Sergio toma um uísque sentado no balcão de um bar. Está nitidamente desanimado. De um ângulo em que vemos Sergio e também a porta do bar, é possível ver a Promotora Paula entrando, ela vê Sergio e vai até ele.

Paula Dia ruim?

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Sergio olha para Paula e apenas acena com a cabeça, confirmando. Paula se senta ao seu lado. Ela pede um uísque para o barman, que logo a serve.

Paula

O meu também não foi dos melhores...ainda bem que não ganho por condenação.

Sergio

(frustrado) Que que aconteceu com a gente, Paula? Nós tínhamos sonhos, não tínhamos? Agora, tudo que eu penso é em quanto tempo falta pra me aposentar...

Paula

Ai, Sergio, pelo amor de Deus, parece um velho falando. Você escolheu a polícia, eu sempre te disse que você daria um ótimo juiz.

Sergio

O problema não é a polícia, mas como as coisas funcionam lá dentro.

Paula

Você acha que no MP é diferente? INT. BAR – NOITE (MAIS TARDE) Paula e Sergio riem. Continuam bebendo e já parecem um pouco “altos” com a bebida.

Paula

(surpresa) Você mandou as duas pro CDP no primeiro dia?!

Sergio

Eu tinha certeza que ela ia desistir, mas quem desistiu foi a outra, coitada.

(mais risos)

Paula

Essa menina é determinada. Pronto, já gostei dela. Até hoje eu não gosto quando tenho que ir até lá. Ela deve estar apaixonada, Sergio, dá uma chance pra menina...

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Sergio Qual é, Paula, você me conhece.

Paula

Vai me dizer que você não se sente nem um pouco lisonjeado, de uma garota linda, milionária, que poderia ter qualquer cara que ela quisesse, querer justamente você?

Sergio

(olhando fixamente para Paula) Não. Não é desse tipo de mulher que eu gosto.

Paula que estava rindo, fica sem graça e eles se encaram. EXT. BAR – NOITE Eles saem na frente do bar.

Paula A gente se vê...

Paula se aproxima de Sergio e dá um beijo no seu rosto. Quando se afasta, Sergio a segura firme pelo braço. Ele a puxa em sua direção e a beija. INT. APARTAMENTO DE PAULA – NOITE Paula e Sergio entram no apartamento se agarrando e se beijando. Eles vão tirando a roupa um do outro pelo caminho. Já no quarto, eles se deitam na cama e continuam se beijando intensamente. O toque de um telefone celular. INT. APARTAMENTO DE PAULA – NOITE (QUARTO) (MAIS TARDE) O telefone continua tocando. Sergio e Paula dormem abraçados. Aos poucos, Sergio acorda. Ele se separa de Paula e atende ao telefone.

Sergio (ao telefone, ainda sonolento) Alô?

Sergio desperta com a noticia que lhe é dada.

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Sergio (ao telefone) Tem certeza? (uma pausa) Não, não, eu to indo agora mesmo pra aí.

Sergio desliga o telefone e começa a se vestir rapidamente. Instantes depois, Paula acorda.

Paula Que foi?

Sergio

(já vestido) Vou ter que sair. (vai até Paula, a beija) Eu te ligo.

Paula concorda. Sergio sai. Paula fica pensativa, mas parece feliz. EXT. RUAS DO CENTRO VELHO DE SÃO PAULO – MADRUGADA Sergio dirige seu carro devagar por uma rua estreita e pouco iluminada do centro velho de São Paulo. Lugar onde muitas prostitutas fazem ponto, misturadas com mendigos que dormem no chão. Uma ou outra prostituta mexe com ele, oferecendo programa. Pouco depois, Sergio encosta seu carro em frente a uma boate de strip-tease decadente. O lugar já está isolado e tem já tem uma movimentação de carros de polícia e policiais (militar e civil). Sergio desce do carro e vai em direção a boate. Passa por baixo da fita de isolamento. Cumprimenta rapidamente os policiais por que passa. INT. BOATE – MADRUGADA O lugar não é muito grande e de quinta categoria. Um palco onde as mulheres fazem as apresentações, algumas mesas, um bar. Só ficou ali quem não conseguiu sair antes da polícia chegar. Um homem que parece ser um cliente, duas mulheres vestidas com roupão, deixando aparecer a roupa íntima por baixo e o barman aguardam sentados, enquanto um policial fala com um homem, um garçom, provavelmente. Sergio entra. Outro policial (policial 1) acena para que ele o siga, ele entrega um par de luvas de borracha para Sergio, que coloca. O policial 1 e Sergio seguem por um corredor escuro até chegar a uma sala pequena. A sala servia de escritório. Sentado na

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cadeira em frente a mesa está Evandro, o Barão, o mesmo homem que prestou depoimento na audiência que absolveu Orlando dois anos antes, morto. Ele está encostado na cadeira e tem a marca de um tiro na cabeça, na altura da testa. Em volta dele, um perito analisa a cena do crime, um outro tira fotos do local. Sergio olha por tudo.

Sergio Não sabia que ele tinha sido solto.

Policial 1

Parece que conseguiu progressão. Foi pro aberto há algumas semanas.

Perito

Chefe. Sergio e o policial 1 vão até a mesa. A cadeira de Evandro está bem rente a mesa e o perito mostra que uma das mãos de Evandro estava dentro de uma gaveta, perto de uma arma.

Sergio Seja quem for que veio aqui, ele sabia que não era pra conversar. (breve pausa, para o Perito) Alguma suspeita da arma?

Perito

Pela perfuração, provavelmente uma .22, mas não saiu, só com a necropsia pra confirmar.

Sergio

Hora da morte?

Perito Não faz muito tempo. O corpo nem esfriou direito. Foi entre meia noite e duas da manhã.

Sergio olha para seu relógio. Já passa das quatro e meia da manhã. Ele sai da sala e continua a andar pelo estreito corredor. O policial 1 vai atrás dele. Poucos passos depois da sala, ele vê uma porta. Vai até a porta e abre. A porta dá para um beco escuro (mostrar o beco estreito e escuro). Sergio olha o beco.

Sergio

Essa porta tava assim, destrancada?

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Policial 1 Ninguém mexeu em nada.

Sergio

Isola esse beco também, foi por aqui que entraram.

O policial 1 concorda. Sergio e o policial voltam para a boate. O policial (policial 2) que conversava com quem ficou na boate vai falar com Sergio.

Policial 2

Ninguém viu nada, ninguém ouviu nada. Sergio não se surpreende.

Sergio

Qualifica todo mundo e pede ir na DP, lá a memória costuma melhorar.

Eliseo entra na boate segurando um homem algemado.

Eliseo (para Sergio) Esse aqui tava tentando fugir.

Homem

(muito nervoso) Eu não fiz nada, eu juro, fui eu que avisei a polícia.

Sergio

Você trabalha aqui?

Homem (confirmando) Sou o gerente.

Sergio

Quando foi a ultima vez que falou com ele?

Homem Hoje...quer dizer, ontem, era umas nove horas.

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Eliseo e Sergio se entreolham, discretamente.

Sergio (para Eliseo) Solta ele. (para o homem) Nem pense em sair da cidade.

O homem concorda. Eliseo tira as algemas.

Eliseo Você vai ter que ir lá na DP contar essa estória direitinho...

Eliseo volta até Sergio.

Eliseo

Parece que o seu amigo vai ter que fazer uma visitinha lá pra gente.

EXT. BOATE – PRIMEIRAS HORAS DA MANHÃ Já amanheceu quando Sergio sai da Boate. Ele fala ao telefone e tem Eliseo ao seu lado. O corpo do Barão, embalado em um plástico preto é colocado no rabecão.

Sergio (ao telefone) To mandando um corpo pra vocês, preciso de urgência. (uma pausa) O que? Como não vai ter médico aí hoje? (desligando o telefone, inconformado, para Eliseo) Dá pra acreditar nisso?

Os policiais 1 e 2 se aproximam.

Policial 1 A perícia já liberou o local.

Sergio

(para os policiais 1 e 2) Vasculhem toda a boate, não temos muito tempo até o lugar ser liberado. Procurem pelos outros funcionários da casa, clientes que estiveram aqui ontem, não deve ser difícil

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descobrir quem freqüenta o lugar. Procurem, também, por câmeras de segurança aqui na região, falem com os moradores dos prédios vizinhos.

Sergio

(para Eliseo) Você ta de carro?

Eliseo

Não.

Sergio Então vem comigo.

Sergio e Eliseo vão até o carro, entram. INT. CARRO DE SERGIO - DIA

Eliseo Lembra do Bueno? Ele ta na narcóticos agora, vou ligar pra ele, ele pode saber da alguma coisa.

Sergio

Eli, eu não vou pegar esse caso.

Eliseo O senhor não pode estar falando sério. É tua chance de pegar o cara.

Sergio não fala nada. Liga o carro e sai. INTERVALO

INT. DELEGACIA – DIA Sala de um outro delegado Na sala está o delegado sentando em sua cadeira e Sergio em pé.

Delegado Eu até pegava o caso, Sergio, mas to saindo de férias.

Sergio concorda e parece um pouco frustrado.

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Sala de Sergio Sergio está sentado em sua cadeira pensativo. Fica por segundos ali. Depois, respira fundo e se levanta. Sala central Sergio vai até a mesa de Eliseo

Sergio O caso é nosso.

Eliseo

Eu já sabia, já preparei o pedido de busca para casa do Barão, quebra de sigilo telefônico, bancário e a intimação pro Orlando.

Eliseo passa uma pasta com os pedidos para Sergio.

Sergio

Eu dou entrada nos pedidos, você leva a intimação. De lá, vou pra casa, preciso dormir um pouco. Você devia fazer a mesma coisa.

Eliseo

Eu vou. (uma pausa) Chefe, o senhor não reparou?

Sergio

(confuso) O que?

Eliseo

A Beatriz não apareceu.

Sergio Um problema a menos.

Sergio sai. INT. CORREDOR DO APARTAMENTO DE SERGIO – NOITE Sergio dá alguns passos até chegar à porta de seu apartamento. Pelo que podemos ver do corredor é um prédio

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antigo e a escada, em leve espiral fica quase em frente a porta de Sergio. Ele abre a porta. INT. APARTAMENTO DE SERGIO – NOITE Sergio entra em seu apartamento, fecha a porta, acende a luz. A sala não é muito grande e tem poucos moveis. Um sofá de dois lugares, uma mesa de centro, um rack com uma televisão, uma pequena mesa de jantar com quatro cadeiras, nenhuma planta ou objeto de decoração. Em um canto, algumas caixas de papelão, indicando que, embora viva ali há quase um ano, não teve tempo ou vontade de mexer naquilo ainda. Nada luxuoso, mas aparentemente móveis novos, cada coisa em seu lugar, um típico apartamento de um homem solteiro que passa pouco tempo ali. Ele afrouxa a gravata, tira o terno, joga no sofá. Segue para a cozinha. Corta para a cozinha. Da mesma forma, a cozinha tem pouca coisa. Uma mesa pequena com duas cadeiras e os equipamentos básicos. Na pia, um pouco de louça suja. Ele abre a geladeira, que está praticamente vazia, mas tem varias garrafinhas de cerveja. Ele pega uma garrafa. Corta para a sala Sergio senta no sofá, abre a cerveja, dá um gole. Instantes depois, ele pega seu telefone celular. Abre a agenda e vai até o nome de Paula. Liga pra ela. Aguarda ser atendido, mas depois de alguns instantes sem resposta, ele desiste, coloca o celular na mesinha, volta a beber. INT. UMA PORTA/APARTAMENTO DO BARÃO – DIA Um policial arromba a porta e junto com outro policial, ambos armados e uniformizados entram no apartamento. Logo atrás deles, entra Sergio. Já na sala dá pra perceber que chegaram antes deles. O apartamento está todo revirado. Sergio apenas dá uma olhada por tudo. INT. DELEGACIA – DIA Sala de Sergio Na sala estão Sergio e Eliseo.

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Sergio O lugar tava todo revirado...

O celular de Sergio toca, ele atende e escuta o que lhe é falado. Depois desliga.

Sergio

Era do IML, vamos pra lá. Beatriz entra na sala de Sergio. Sergio e Eliseo se surpreendem ao vê-la.

Sergio Que que você ta fazendo aqui?

Beatriz

Eu vim trabalhar.

Sergio Eu sei que pontualidade não deve ser o seu forte, mas você está alguns dias atrasada.

Beatriz

Eu sei, eu devia ter avisado. Mas é que logo no meu primeiro dia, um tio meu morreu, quer dizer, ele não era tio de verdade, mas era como se fosse, era muito amigo do papai. Eu estava saindo pra vir pra cá quando meu pai me avisou. Sabe como é, minha tia não sabe fazer nada sozinha e meu pai teve que cuidar de tudo. Eu tive que ficar no velório com ela, depois foi o enterro e então...

Sergio

(interrompendo) Beatriz, eu sinto muito. Faz o seguinte, volta amanhã.

Beatriz

Ah, não, eu quero ficar.

Sergio Eu estava de saída. Me espera aqui que eu não devo demorar.

Beatriz

Eu não posso ir com você?

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Sergio Não.

Beatriz

Por que não?

Sergio É no IML.

Beatriz

E daí? INT. IML – DIA Durante a cena, Beatriz fica nitidamente desconfortável. Na sala estão Sergio, Eliseo, Beatriz e o médico legista, além, claro, do corpo do Barão coberto com um lençol. O médico descobre o corpo.

Legista

Tivemos sorte, a bala se alojou no crânio e estava em bom estado, já mandei pra balística, .22. (breve pausa) Nada sob as unhas, nenhuma impressão digital pelo corpo, nem fratura ou hematoma. As roupas e o sapato foram para perícia. (breve pausa) Quer saber qual foi sua ultima refeição?

Sergio Faz diferença?

Legista Acho que não. Só um monte de porcaria. Vai estar no laudo.

O médico aponta com desenho para eles, com a reprodução grosseira da cena do crime.

Legista

(mostrando o desenho, conforme fala) O tiro foi dado a uma distância de dois metros, dois metros e meio, no máximo. Quem atirou, tem entre 1,65m e 1,80m. Provavelmente é destro.

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Sergio Mais alguma coisa?

Legista

Claro que sim, por isso te chamei aqui. (voltando para o corpo e pegando uma prancheta) Não sei se isso vai poder te ajudar em alguma coisa, mas no sangue foi encontrado traços de maconha.

Eliseo

Virou maconheiro depois de velho.

Legista Não, acho que ele estava fumando maconha por outro motivo. No sangue também havia uma combinação muito conhecida de medicamentos.

O legista abre o abdômen do defunto, deixando tudo a mostra. Todos se aproximam do corpo.

Legista

(mexendo no corpo) Ele estava com câncer em fase avançada. Tinha uns três meses de vida, se tanto.

Sergio

(surpreso) Ele sabia?

Legista Sabia e estava fazendo quimioterapia.

(entregando um papel para Sergio) Aí ta o nome do hospital onde ele estava fazendo tratamento. Assim que o laudo estiver pronto, te mando uma cópia. Mas já vou avisando, vai demorar um pouco.

EXT. DELEGACIA – DIA Sergio, Eliseo e Beatriz caminham até a entrada da delegacia.

Beatriz

Incrível, o médico conseguiu reduzir o número de suspeitos pra sessenta, talvez cinqüenta por cento da população mundial...

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Eliseo (irônico) Nossa, como você é esperta! Você fez essa conta, assim, de cabeça?

Beatriz

(irritada) Só to querendo dizer que o que o médico falou não ajudou muito.

Eliseo

Isso é o que você pensa. Nesse instante, Sergio, que estava achando graça na conversa dos dois, vê um carro parando em frente a delegacia e sua expressão muda completamente. São Mauro e Orlando. Mauro dirige. Orlando desce do carro e Sergio vai até ele. Beatriz e Eliseo ficam um pouco para trás.

Orlando Ora, ora, ora, por que será que eu não estou surpreso em te ver? Pra você, eu sou responsável por tudo que acontece na cidade. Quantas vezes vou ter que te dizer que sou um homem honesto?

Sergio o encara, mas não fala nada. INT. DELEGACIA – DIA Sala central Beatriz vê Sergio fechando a porta de sua sala. Ela vai até a mesa de Eliseo.

Beatriz Por que a gente não pode entrar lá?

Eliseo

Não. Você não pode. (passando um papel para ela) Já que você não ta fazendo nada mesmo, tira dez cópias disso aqui pra mim e me traz um café, também.

Beatriz pega a folha contrariada e sai.

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Sala de Sergio Na sala estão Sergio, Mauro e Orlando. Durante toda a conversa, Orlando permanece muito tranqüilo.

Sergio É apenas uma conversa informal, mas obrigado por ter atendido nosso chamado tão rápido...

Mauro

Vamos pular papo furado, Sergio.

Sergio O Barão foi encontrado morto em sua boate. Você sabia disso?

Orlando

(indiferente) É, fiquei sabendo...

Sergio

E você sabe quem poderia ter feito isso?

Orlando Não faço a menor idéia. Não falava com ele há anos. Eu achava até que ele ainda estava preso.

Sergio

É mesmo?! (uma pausa) Então, me desculpa, acho que você não vai poder nos ajudar...

Mauro

(indignado) É só isso?!

Sergio

É mera formalidade, mas, eu tenho que perguntar, onde você estava na noite de vinte de junho, madrugada do dia vinte e um?

Orlando

(depois de pensar um pouco) Saí pra jantar...

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Sergio Onde?

Orlando

Em um restaurante no Jardins, muito bom, por sinal, eu recomendo. Vou sempre lá. Eu te dou o endereço.

Sergio

Você se lembra a hora que chegou e a hora que saiu?

Orlando

Cheguei lá umas dez, dez e meia. Sai, era quase uma da manhã?

Sergio

Foi sozinho?

Orlando Fui com uma amiga.

Sergio

Quem?

Orlando Isso eu não vou responder, não quero que a incomodem. Pode ir até lá, tenho certeza que várias pessoas podem confirmar o que eu disse.

Sergio E depois?

Orlando

Depois fui pra minha casa.

Sergio Com a sua amiga?

Orlando

(curta hesitação) É.

INT. DELEGACIA – DIA Sala central

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Orlando é o primeiro a deixar a sala de Sergio. Logo em seguida saem Sergio e Mauro.

Mauro

(em tom ameaçador, para Sergio) Se você chamar meu cliente aqui novamente, sem um motivo justo, eu juro, vou esquecer que um dia fomos amigos e vou representar contra você.

Sergio

(sem se intimidar) Nós dois temos uma idéia muito diferente do que é justo, Mauro. Por isso, não somos mais amigos.

Mauro sai. EXT. DELEGACIA – DIA Orlando e Mauro saem da delegacia e vão em direção ao carro.

Orlando

Logo agora, vou ter que agüentar esse cara no meu pé de novo.

Mauro

Você tem alguma coisa a ver com a morte do Barão?

Orlando

Isso lá é pergunta que se faça?

Mauro Só quero saber se isso é algo com que eu deva me preocupar.

Orlando

(em tom sarcástico) Pensei que você era pago pra se preocupar no meu lugar.

Orlando coloca seus óculos escuros, entra no carro e fecha a porta.