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Entrevista Ana Carla Reis Economia da cultura: Entrevista com Ana Carla Fonseca Reis 02.01.2012 6 Ana Carla Fonseca Reis é administradora, economista, pesquisa urbanismo e cultura e trabalhou por quinze anos em marketing e comunicação de multinacionais. Conferencista internacional em economia da cultura, economia criativa e cultura e desenvolvimento, é autora de um punhado de livros, dentre eles Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável – o Caleidoscópio da cultura (Manole, 2006), primeira obra brasileira sobre o tema e vencedora do Prêmio Jabuti 2007. E esta é apenas uma abreviação de um extenso currículo. Neste ano, Ana Carla esteve em Porto Alegre em duas ocasiões para debater com a comunidade cultural local. Em uma destas oportunidades, aproveitamos para entrevistá-la. Neste último Informativo de 2011, compartilhamos com vocês esta conversa na qual Ana Carla discorre sobre os conceitos de economia da cultura e economia criativa e defende a importância da economia para o desenvolvimento de políticas públicas. Segundo ela, o trabalho deve ser compartido entre várias pastas, além da Cultura. “Por mais fôlego e por mais capacidade de trabalho que uma Secretaria de Estado possa ter, independentemente de qual seja, não há como fazer nada em economia criativa que não seja de forma articulada. Porque criatividade por si só não se transforma em inovação. A gente precisa de criatividade e conhecimento, você tem que envolver necessariamente a Educação, a Ciência e Tecnologia, o Turismo”, garante. Para saber mais, Ana Carla disponibiliza artigos sobre o tema e materiais como o relatório 2008 da Unctad sobre Economia Criativa em seu site. Diretoria de Economia da Cultura – Existe diferença entre o conceito de economia criativa e de economia da cultura? Ana Carla Fonseca Reis – Economia da cultura é a utilização metodológica dos instrumentos e do aprendizado da economia a favor da cultura. O que significa que se trabalha a cultura de forma diferente do ponto de vista antropológico, por exemplo. É claro que existem várias manifestações e expressões culturais que efetivamente acabam não tendo impacto no mercado. O que a economia

Entrevista Ana Carla Reis

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Entrevista com Ana Carla Reis, autora de livros e especialista sobre economia da cultura.

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Entrevista Ana Carla ReisEconomia da cultura: Entrevista com Ana Carla Fonseca Reis02.01.20126Ana Carla Fonseca Reis administradora, economista, pesquisa urbanismo e cultura e trabalhou por quinze anos em marketing e comunicao de multinacionais. Conferencista internacional em economia da cultura, economia criativa e cultura e desenvolvimento, autora de um punhado de livros, dentre eles Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentvel o Caleidoscpio da cultura (Manole, 2006), primeira obra brasileira sobre o tema e vencedora do Prmio Jabuti 2007. E esta apenas uma abreviao de um extenso currculo.Neste ano, Ana Carla esteve em Porto Alegre em duas ocasies para debater com a comunidade cultural local. Em uma destas oportunidades, aproveitamos para entrevist-la. Neste ltimo Informativo de 2011, compartilhamos com vocs esta conversa na qual Ana Carla discorre sobre os conceitos de economia da cultura e economia criativa e defende a importncia da economia para o desenvolvimento de polticas pblicas. Segundo ela, o trabalho deve ser compartido entre vrias pastas, alm da Cultura.Por mais flego e por mais capacidade de trabalho que uma Secretaria de Estado possa ter, independentemente de qual seja, no h como fazer nada em economia criativa que no seja de forma articulada. Porque criatividade por si s no se transforma em inovao. A gente precisa de criatividade e conhecimento, voc tem que envolver necessariamente a Educao, a Cincia e Tecnologia, o Turismo, garante.Para saber mais, Ana Carla disponibiliza artigos sobre o tema e materiais como o relatrio 2008 da Unctad sobre Economia Criativa em seu site.Diretoria de Economia da Cultura Existe diferena entre o conceito de economia criativa e de economia da cultura?Ana Carla Fonseca Reis Economia da cultura a utilizao metodolgica dos instrumentos e do aprendizado da economia a favor da cultura. O que significa que se trabalha a cultura de forma diferente do ponto de vista antropolgico, por exemplo. claro que existem vrias manifestaes e expresses culturais que efetivamente acabam no tendo impacto no mercado. O que a economia da cultura faz colocar a favor da cultura todo o instrumental terico da primeira para que, uma vez definido o que queremos de uma poltica de cultura, encontremos o melhor caminho para chegar l. O que sobra disso que se a gente no tiver uma poltica cultural bastante clara, no adianta nada falar em economia da cultura. A economia da cultura no diz como a poltica ser, mas sim como melhor tratar determinada poltica.A economia da cultura uma cincia, inclusive reconhecida como disciplina dentro da economia desde a dcada de 60. No Brasil, o termo chegou em 2003. J o conceito de economia criativa existe no mundo desde meados da dcada de 90 com uma concepo de ampliao da economia da cultura. Porque assim como em meados do sculo passado houve todo uma discusso sobre o que cultura, o que a indstria cultural hoje superamos essa discusso. Por exemplo, tem alguns setores que se adicionam ao que a gente entendia como economia da cultura stricto sensu e trazem um questionamento do que se entende pelo termo. A moda, o design, a propaganda, a arquitetura. Para alguns cultura, para outros so setores criativos. O que me parece que a gente est em uma discusso muito mais tangencial do que na lgica da economia criativa.DEC E o que ento surge como lgica da economia criativa?Ana Carla As indstrias criativas foram muitos trabalhadas e propostas como conceito em 1997, quando Tony Blair foi eleito primeiro ministro do Reino Unido. Ele tinha uma abordagem de reviso econmica que recuperasse a competitividade do Reino Unido bebendo da fonte do que seria diferenciado no pas. A preocupao dele foi recuperar um pouco a imagem da poca dos Beatles, do que era bacana naquele perodo. Foi feita uma espcie de fora tarefa reunindo todos os espaos pblicos, as polticas pblicas e os setores privados, na qual tambm entraram grandes grupos de comunicao. Essa espcie de comisso se reuniu umas tantas vezes e definiu quais eram os setores mais promissores, baseados em diversos dados e pesquisas tambm. Elencaram 13 setores que foram nomeados de indstrias criativas.Uma coisa importante entender que indstria um setor. Ento as indstrias criativas foram vistas como as mais interessantes no pas. Quando, no Reino Unido, comearam a levantar estatsticas, eles logo perceberam uma srie de pontos que chamariam a ateno de outros pases, como a representatividade do setor no PIB do pas, a gerao de empregos, o crescimento da economia. Em funo disso, quando essas estatsticas foram reveladas em 1998, um grande grupo de pases resolveu debater a questo, inclusive o Brasil.E da o que ocorreu em meados da dcada passada foi que o conceito de industria criativa evoluiu para o conceito de economia criativa, uma mudana de olhar do que antes era setorial para algo amplo sobre toda a economia. A moda por exemplo, quando a gente pega toda a cadeia produtiva percebe que a inovao impacta toda a produtividade. Ela perpassa desde a competitividade txtil at a produo de algodo. Quando a moda ousada, criativa e de ponta, ela exige que toda a cadeia tambm o seja. O parque txtil tem que correr atrs de inovao e vai demandar o mesmo do setor algodoeiro e assim por diante. Voc tem um efeito colateral em toda cadeia que vai muito alm da indstria em si.H uma srie de estudos que mostram como a gente consegue agregar complexidade na economia como um todo com base em setores especficos. Ou seja, pensar o artesanato, as artes visuais, a moda, cada um desse setores que esto relacionados cultura no apenas pelo valor cultural que trazem (os valores intangveis, a diversidade, as principais facetas da histria), mas tambm pelo impacto econmico que proporcionam. E, por fim, a possibilidade que eles trazem de gerar na cidade um ambiente voltado para a criatividade e, como isso, impactar de novo no todo. Esses setores podem fazer as nossas cidades mais criativas, os nossos lugares mais bacanas, inspirando a sociedade e a economia cultural ao mesmo tempo.Agora, o conceito de economia criativa no significa necessariamente que estamos falando de uma economia sustentvel ou solidria, isso depende do que a gente faz com ela. Porque dentro da economia como um todo esto os grandes estdios de Hollywood, os grande conglomerados que controlam a msica, 70% da produo musical do mundo est na mo de quatro empresas e tudo isso faz parte da economia criativa. O nosso grande desafio agora entender como a gente pode se apropriar desse conceito e, a partir dele, pensar em avanos para a cultura.Reunir o olhar do Desenvolvimento, da Cincia e Tecnologia, da Educao, e ter a Cultura capitaneando isso. Ento, por fim, tem diferena entre economia da cultura e economia criativa? Ao meu ver, a economia criativa um conceito que abrange a economia da cultura e mais alguns setores que antes alguns davam uma torcida de nariz e diziam que no era cultura. Existe toda uma considerao que pode ser feita sobre o tema, se economia ou se cultura, se isso ou aquilo.DEC E como fazer a roda da economia da cultura girar, ou seja, quais so todos os atores envolvidos para que se avance?Ana Carla Posso falar pela experincia que eu tenho por trabalhar com alguns estados como Rio de Janeiro, Pernambuco e So Paulo. Por mais flego e por mais capacidade de trabalho que uma Secretaria de Estado possa ter, independentemente de qual seja, no h como fazer nada em economia criativa que no seja de forma articulada. Porque criatividade por si s no se transforma em inovao. A gente precisa de criatividade e conhecimento, voc tem que envolver necessariamente a Educao, a Cincia e Tecnologia, o Turismo. E isso se estamos falando de cidades como Porto Alegre, ou como Gramado ou So Jos do Norte, no importa a escala.Outro exemplo, que cabe ao governo federal, so as cooperaes internacionais. No h como desenvolver uma pauta de economia criativa sem tais cooperaes. H toda promoo da imagem do pas por meio da cultura. S para dar uma ideia, at 2002 o Ministrio das Relaes Exteriores fazia um levantamento dos setores que mais geravam matrias positivas para o pas, portanto contribuindo para a sua imagem. E o setor que mais contribua era a cultura. 77% das matrias que saam sobre cultura brasileira eram positivas, 20% eram neutras e apenas 3% eram negativas. O segundo setor era o esporte, mas mesmo o esporte gerava 16% de matrias negativas.A cultura tem um potencial enorme. No s para o nosso ufanismo, ou para o sorriso que a gente recebe quando viaja ao exterior. Mas para quando a gente pega uma concorrncia internacional de aviao, por exemplo, entre vrios pases. A deciso do pas de comprar um avio ou outro depende no apenas das caractersticas tcnicas e comerciais, mas tambm do peso poltico que aquela regio tem. Como que eu vou justificar para a minha populao que contribui e paga por aquela aeronave que vou comprar um avio brasileiro se o Brasil o pas do jeitinho, do bacana mas nada srio? Ento que tipo de arrojo e inovao que a nossa cultura consegue transmitir l fora?No mbito do estado, acho que essas trs pastas devem trabalhar junto com a Cultura: Educao, Turismo e Cincia e Tecnologia. Talvez com o Desenvolvimento tambm, interessante que a Cultura tambm esteja a. Porque se estamos falando em poltica de desenvolvimento, a cultura precisa estar junto. E preciso envolver o privado, porque estamos falando em economia e mercado. Sem estes atores, corremos o risco de remar, remar e no chegar a lugar nenhum.Estamos vivendo um momento de preparao no Brasil para isso. O SESI nacional, por exemplo, est fomentando este debate. importante que se entenda as oportunidades de negcios para as empresas no setor cultural. E a a gente no est falando de patrocnio, de mecenato, de investimento do setor privado, a gente est falando de cultura. Por que isso importante? Toda vez que existe um programa, por mais robusto e srio que seja, quando acontece um corte severo de oramento pode ter certeza que ser na cultura. uma pena porque uma das grandes oportunidades que a gente tem para o envolvimento do setor privado a identificao de gargalos nas cadeias culturais e o entendimento de que onde h um gargalo, h uma oportunidade melhor.Por exemplo, a Avon de uns anos pra c comeou a incluir livros em seus catlogos de vendas. E o que eles perceberam? Que nem todo municpio brasileiro tem biblioteca, ou livrarias, que os livros quando chegam so caros, que a pessoa quando tenta comprar ainda tem que pagar o envio do correio. E eles possuem uma grande rede de distribuio pronta. Segundo os ltimos dados, de 2010, eles venderam 490 mil livros em um nico ms e hoje oferecem um mdia de 30 livros em catlogo. Ns temos uma baixa valorizao social do livro no Brasil. Por que estudar, ler se no vale a pena? Mas voc imagina o impacto para a criana que v a me vender Avon de porta em porta perceber que o livro que garante comida para a casa, o livro que compra o presentinho de Natal. O livro deixa de ser aquela obrigao da escola e passa a ser uma coisa valorizada inclusive porque ajuda o bolso da famlia. Como essa, existem inmeras outras oportunidades.O fato do MinC ter criado uma Secretaria de Economia Criativa, para algum como eu que trabalha com isso h mais de dez anos, um enorme alento. Aqui no Rio Grande do Sul tambm, com esta nova Diretoria. Porque d uma institucionalidade a estas questes. Acho que uma grande oportunidade de dilogo.DEC Uma das grandes preocupaes do setor justamente com dados sobre economia da cultura. O pas est comeando a estruturas este tipo de pesquisa?Ana Carla O Brasil tem uma carncia absurda de dados culturais. O ltimo dado que a gente tem divulgado pelo governo federal de 2005. Acho que o MinC nas ltimas gestes tem feito uma srie de avanos nesse sentido, mas o prprio Ministrio avalia que a falta de dados uma fraqueza na hora de discutir poltica pblica. A gente no tem levantamento de dados pra isso. Quando a gente chega com dados de 2005 para o debate como chegar ao mdico com um hemograma de sete anos atrs. A primeira lio de casa levantar dados. Sem eles, fica difcil at para avaliar avanos e conquistas.Uma iniciativa interessante e aglutinadora neste sentido acontece em Barcelona com o Conselho de Servios Compartilhados. Neste lugar, voc junta vrios empreendimentos criativos e oferece um servio no qual trabalham um advogado, um contador, tudo aquilo que necessrio para o empreendedor criativo abrir um negcio. uma iniciativa barata que resolve a vida de quem est na ponta. Isso d robustez a um programa e vira uma mola propulsora que rene outras secretarias como a Indstria e Comrcio, a Cincia e Tecnologia, entre outras.DEC Um de seus ltimos livros aborda o conceito de cidades criativas. O que define uma cidade criativa?Ana Carla O conceito de cidade criativa ainda mais novo do que o de indstria criativa. A minha tese de doutorado sobre esse conceito. Ento h cerca de um ano e meio lancei um livro que se chama Creative Cities Perspectives (disponvel na ntegra para download em pdf). O texto fala sobre cidades em 13 pases e rene artigos de vrias pessoas. O que a gente percebe que independente da escala, do conceito ou da histria, existem trs caractersticas que esto sempre presentes em uma cidade que se prope ser criativa. Primeiro a cultura, a segunda a inovao. Inovao como estado permanente de encontrar solues, aquela capacidade de olhar para as coisas de forma diferente. A terceira caracterstica so as conexes. Conexes entre reas da cidade, entre o pblico e o privado, entre o institucional e o comercial, entre a cidade e o resto do mundo. Eu elenquei pelo menos dez conexes que podem ser executadas no contexto urbano. E, via de regra, as cidades criativas so cidades que tm muita cultura e muita inovao, mas que ainda carecem de conexes. O conceito de cidade criativa para funcionar no Brasil tem que pensar na valorizao das conexes. Tem que valorizar o local, onde as pessoas se apropriem da sua cidade, um processo de construo. A cidade no terra de ningum, terra de todos.http://www.cultura.rs.gov.br/v2/2012/01/economia-da-cultura-entrevista-com-ana-carla-fonseca-reis/