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Quando a 15 de Julho de 1997 Gianni Versace é morto à porta da sua mansão em South Beach, Miami, a irmã Donatella herda um dos reinos europeus em ascensão: a Casa Versace. A brutalidade do assassinato choca o mundo da moda e a família do ícone italiano, refugia-se, enlutada, num resort nas Caraíbas. Aos 50 anos o estilista tornara-se um mito. Um ano mais tarde, no Hotel Ritz em Paris, Donatella apresenta a primeira colecção de alta-costura a solo, e relança o brilho do nome deixado pelo irmão adaptando-o a uma nova era. ‘Show must go on’! Algumas das maiores celebridades mundiais estão presentes, o desfile tem um sucesso estrondoso e Donatella dedica-o à paixão do irmão pelo trabalho. ENTREVISTA G ianni chamava-a de musa, ela sempre se achou um distúrbio. Aos 49 anos, a diva da moda as- sume publicamente estar a cami- nhar para um “lento suicídio”, e fala, pela pri- meira vez, dos 18 anos de vício em cocaína. No dia em que Allegra, sua filha mais velha e princi- pal herdeira da fortuna do tio, celebra dezoito anos, a família e os amigos mais próximos, entre eles Sir Elton John, persuadem Donatella a mu- dar de vida. Nessa mesma noite, viaja para o Ari- zona onde permanece cinco semanas internada numa clínica de reabilitação. “Às vezes pensamos que uma substância química ajuda a resolver os problemas ou os torna menores. Comecei agora um longo caminho, terei que lutar todos os dias, mas o mais importante é começar e ter força para isso” disse na altura. A griffe ressente-se, em 2004 as perdas ron- dam os 95 milhões de euros, mas Donatella muda de hábitos e regressa ao cargo de directora criati- va para conduzir com pulso, um império avaliado em cerca de 300 milhões de euros e com 1500 colaboradores em todo o mundo. Ao seu lado, além do irmão Santo, passa a estar Giancarlo Di Risio, acabado de sair da também italiana Fendi. O novo director-geral, melhor do que ninguém, traz de volta a ordem à Casa e põe em curso uma reestruturação que lhe permite afirmar que em 2007 será recuperado o equilíbrio financeiro. Por seu lado, Donatella procura o equi- líbrio emocional e torna-se uma voz activa na luta contra a droga e embaixa- dora na luta contra o cancro da mama. Nos últimos seis anos, a expansão do grupo avançou para novos nichos de mercado com a construção de hotéis e resort de luxo, o primeiro Palazzo Versace foi projectado na costa dourada australiana, um paraíso de seis estrelas onde se vive o estilo de por Vanda Jorge Glamour ‘Made in Italy’ Entrevista exclusiva | Donatella Versace ESPIRAL DO TEMPO > 85 «Penso que a moda deveria ser menos séria do que é na realidade, deveria fazer-nos sorrir e fazer sentirmo-nos fantásticas. Levamos as roupas demasiado a sério, claro que se trata de um negócio sério mas não passa de um ‘trapo’» Donatella Versace

Entrevista exclusiva Donatella Versace Glamour ‘Made in Italy’ · raízes barrocas como a cabeça da medusa no mostrador, as figuras gregas e o uso opulento do ouro rosa. É actual

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Page 1: Entrevista exclusiva Donatella Versace Glamour ‘Made in Italy’ · raízes barrocas como a cabeça da medusa no mostrador, as figuras gregas e o uso opulento do ouro rosa. É actual

Quando a 15 de Julho de 1997 Gianni Versace é morto à porta da sua mansão em South

Beach, Miami, a irmã Donatella herda um dos reinos europeus em ascensão: a Casa

Versace. A brutalidade do assassinato choca o mundo da moda e a família do ícone

italiano, refugia-se, enlutada, num resort nas Caraíbas. Aos 50 anos o estilista tornara-se

um mito. Um ano mais tarde, no Hotel Ritz em Paris, Donatella apresenta a primeira

colecção de alta-costura a solo, e relança o brilho do nome deixado pelo irmão

adaptando-o a uma nova era. ‘Show must go on’! Algumas das maiores celebridades

mundiais estão presentes, o desfile tem um sucesso estrondoso e Donatella dedica-o à

paixão do irmão pelo trabalho.

ENTREVISTA

G ianni chamava-a de musa, elasempre se achou um distúrbio.Aos 49 anos, a diva da moda as-sume publicamente estar a cami-

nhar para um “lento suicídio”, e fala, pela pri-meira vez, dos 18 anos de vício em cocaína. Nodia em que Allegra, sua filha mais velha e princi-pal herdeira da fortuna do tio, celebra dezoitoanos, a família e os amigos mais próximos, entreeles Sir Elton John, persuadem Donatella a mu-dar de vida. Nessa mesma noite, viaja para o Ari-zona onde permanece cinco semanas internadanuma clínica de reabilitação. “Às vezes pensamosque uma substância química ajuda a resolver osproblemas ou os torna menores. Comecei agoraum longo caminho, terei que lutar todos os dias,mas o mais importante é começar e ter força paraisso” disse na altura.

A griffe ressente-se, em 2004 as perdas ron-dam os 95 milhões de euros,mas Donatella mudade hábitos e regressa ao cargo de directora criati-

va para conduzir com pulso, um impérioavaliado em cerca de 300 milhões de eurose com 1500 colaboradores em todo omundo. Ao seu lado, além do irmãoSanto, passa a estar Giancarlo Di Risio,acabado de sair da também italianaFendi. O novo director-geral, melhor doque ninguém, traz de volta a ordem àCasa e põe em curso uma reestruturaçãoque lhe permite afirmar que em 2007será recuperado o equilíbrio financeiro.Por seu lado, Donatella procura o equi-líbrio emocional e torna-se uma vozactiva na luta contra a droga e embaixa-dora na luta contra o cancro da mama.

Nos últimos seis anos, a expansão dogrupo avançou para novos nichos demercado com a construção de hotéis eresort de luxo, o primeiro Palazzo Versacefoi projectado na costa dourada australiana, umparaíso de seis estrelas onde se vive o estilo de

po r Vand a Jo rg e

Glamour ‘Made in Italy’Entrevista exclusiva | Donatella Versace

ESPIRAL DO TEMPO > 85

«Penso que a moda deveria

ser menos séria do que é na

realidade, deveria fazer-nos

sorrir e fazer sentirmo-nos

fantásticas. Levamos as roupas

demasiado a sério, claro que

se trata de um negócio sério

mas não passa de um ‘trapo’»

Donatella Versace

Page 2: Entrevista exclusiva Donatella Versace Glamour ‘Made in Italy’ · raízes barrocas como a cabeça da medusa no mostrador, as figuras gregas e o uso opulento do ouro rosa. É actual

vida Versace. Donatella é actualmente uma dascinco mulheres de negócios mais influentes daEuropa. E os longos cabelos louros, que pintadesde os 11 anos, um dos maiores símbolos doseu glamour exagerado made in italy.

Vanda Jorge: Quase dez anos após a morte de Gianni,

qual é a filosofia actual do nome Versace?

Donatella Versace: A filosofia é a de respeitar o seupróprio ADN – o legado deixado por GianniVersace – e desenhar sobre essa herança.Respeitando-a e pondo-a em consonância com otempo. A imagem actual da Versace é luxuosa,está mais elegante e refinada e, ao mesmo tempo,direccionada para o futuro.

VJ: Gianni Versace nunca escondeu que a Donatella

era a musa que o inspirava em tudo o que criava.

Também tem alguém que a inspira?

DV: Não tenho uma musa específica. Penso queme inspiro em todo o tipo de pessoas.

VJ: Falar de moda obriga a falar de tendências. Pro-

cura-as nas ruas, ou cria-as simplesmente? Concorda

que é uma enorme responsabilidade criar peças para

pessoas que, usando as suas palavras, «têm persona-

lidade e não receiam nada».

DV: A moda não se resume ao look da estação oudo momento, trata-se muito mais de investir emgrandes peças, porque são elas que fazem umguarda-roupa. Penso que a moda deveria sermenos séria do que é na realidade, deveria fazer-nos sorrir e fazer sentirmo-nos fantásticas.Levamos as roupas demasiado a sério, claro quese trata de um negócio sério mas não passa deum ‘trapo’. Por isso é que digo que a Versace épara pessoas que têm personalidade e que nãoreceiam nada: refiro-me a pessoas com consciên-cia da versatilidade da natureza da moda.

VJ: E qual é a natureza da sua moda?

DV: Quando crio, inspiro-me em tudo o que merodeia. A minha colecção Primavera/Verão 2006para mulher, foi inspirada nos ambientes e napaisagem de Palm Springs, onde, o ano passado,passei algum tempo a reflectir. Sempre considereio deserto mágico e a minha inspiração vem dascores da terra e do pôr-de-sol e dos tons do céu ànoite, o azul profundo com feixes do azul da lua.Essas cores estão reflectidas nos tecidos. É uma

colecção muito feminina e calma – reflexo domeu estado de espírito na altura.

VJ: O conceito da sensualidade já fazia parte da visão

de Gianni Versace e sentia-se nas colecções Versus

que na altura eram criadas por si. Assumiu-se, no en-

tanto, com outra força quando uma mulher assume o

controlo de toda a Casa.

DV: A sensualidade expressa pela ‘mulherVersace’ simboliza perfeitamente o meuesforço em mostrar que as mulherestêm personalidades fortes, confi-ança e sabem perfeitamente doque gostam – gostam de ser sexymas têm uma vida para viver –não são raparigas em torres demarfim. São mulheres que fa-zem o melhor por elas própriasem todos os momentos, e asminhas roupas são desenhadas pararealçar o que as mulheres têm de me-lhor. No fundo, as peças trabalham para asmulheres, levam-nas na melhor direcção e mes-mo que não se sintam no seu melhor, o aspectoserá óptimo.

Donatella Versace

«Não sei se há uma tendência

para escolher modelos mais

velhas. O que sei é que a

Versace me assenta que

nem uma luva»

O império do glamour

Fundada em 1978 por Gianni Versace, um dos

mais talentosos designers das últimas décadas,

a Casa Versace está na vanguarda da moda mun-

dial e é um dos maiores símbolos do luxo italiano

no mundo. Alta-Costura, prèt-à-porter, acessórios,

jóias, relógios, perfumes, cosmética e mobiliário,

são várias as áreas de negócio todas com o Logo

da Medusa. Através de uma rede de retalho mun-

dial, são mais de 100 boutiques próprias nas prin-

cipais capitais mundiais e 123 corners em lojas

multi-marca. Gianni Versace SPA é detida pela

família: 50% por Allegra Beck Versace, 20% por

Donatella e 30% por Santo Versace. Donatella é

vice-presidente do conselho de administração e

directora criativa, o irmão é actualmente presi-

dente do conselho de administração. Desde Se-

tembro passado que Giancarlo Di Risio é director-

-geral da empresa, uma nomeação que tornou

este negócio familiar numa empresa mundial. Halle Berry

86 < ESPIRAL DO TEMPO

Halle Berry é o rosto da Versace em 2006, sucedendo a Demi

Moore. Invariavelmente as fotografias que servem de base

aos anúncios da casa italiana são da responsabilidade de

Mario Testino.

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VJ: Costuma dizer que “escolhe sempre mulheres

inspiradoras” para rosto da marca, a Halle Berry é a

escolha mais recente, que inspiração dá à Versace?

DV: A Halle Berry representa a essência da mu-lher Versace Primavera/Verão 2006. Forte, confi-ante e fascinante. Tem um glamour inato massem ser demasiado óbvio e uma grande noção de estilo, além de que fica deslumbrante em qual-quer um dos tons desta Primavera. Ela defineuma nova sensualidade – ser extremamente sexyfaz parte dos anos 90 – hoje em dia, a sensuali-dade é tudo, e a Halle é o epíteto dessa nova dis-posição.

VJ: As celebridades são, de resto, parte da estratégia

de sucesso que tem desenvolvido.

DV: Celebridades como Madonna,Demi Moore eHalle Berry são mais fáceis de identificar que umasupermodelo. Além disso as supermodelos dehoje já não comunicam com as mulheres da mes-ma forma que comunicaram há anos atrás, porisso julgo que mulheres como a Halle são muitomais inspiradoras. Todas elas são mulheres comsorte por viverem as vidas que têm, mas não nospodemos esquecer que tiveram um trabalhoincrivelmente árduo para chegarem onde estãohoje, não nasceram só com bons genes. São mu-lheres estrondosas, por fora e por dentro.

VJ: Foi apontada pelo Wall Street Journal como uma

das cinco mulheres de negócios mais influentes na

Europa, é assim que se vê? Ou permanece a mesma

estilista da Casa de alta-costura de Milão...

DV: Vejo-me em primeiro lugar, e acima de tudo,como uma designer de moda. É esse o meu papelna empresa, uma vez que passei todas as decisõesde gestão para Giancarlo Di Risio, director-geralda Versace. Com essa decisão, sinto-me final-mente livre para me concentrar no design decolecções e no desenvolvimento e expansão danossa gama de acessórios.

VJ: Numa entrevista recente referiu que hoje os

“acessórios têm que ser tudo, menos vulgares e

banais”, dedica-lhes cada vez mais atenção?

DV: Trabalhar no desenvolvimento das nossascolecções de acessórios é das coisas que mais metem inspirado nos últimos tempos. Tenho-meconcentrado em colecções de acessórios que seajustem às roupas da mulher actual, por isso é

que temos malas pequenas, malas de cerimóniamas também malas enormes que se adequam àmulher de negócios que anda sempre a correr.

VJ: Sente o mesmo em relação aos relógios?

DV: Sim, os relógios e a joalharia estão, rapida-mente, a tornarem-se indispensáveis, tal como asmalas e os sapatos. Eles completam o conjuntocom estilo e glamour e tornaram-se os protago-nistas da moda e do design. Penso muito nas‘mulheres de negócios Versace’ que valorizam ocorte e a funcionalidade, é por isso que aliámos anossa estética à melhor tecnologia suíça. No anopassado, lançámos o DV One Watch que sim-boliza o novo espírito Versace, incorporando asraízes barrocas como a cabeça da medusa nomostrador, as figuras gregas e o uso opulento doouro rosa. É actual e elegante ao mesmo tempo,o DV One é um prazer à vista mas, mais impor-tante que tudo, é um prazer ao usá-lo, porquefunde os mecanismos dos relógios suíços com odesign de luxo italiano.

VJ: Nos últimos anos alcançou mais do que muitas

pessoas terão em toda a vida. Aos 51 anos o que

ainda lhe falta realizar?

DV: A vida tem corrido bem e os meus planossão de continuar a fazer o que tenho feito atéagora. Desejo manter os valores da Versace -o luxo verdadeiro, a modernidade e elegân-cia – sempre glamorosos, mas talvez menosostensivo do que antes. Mas acima detudo, a partir de agora, quero-me focar naminha família e nos meus amigos, quetêm sido tão importantes no meu renasci-mento pessoal e profissional. ET

Donatella Versace

O DV One Chrono representa o evoluir da colecção

DV One, agora com uma atitude mais desportiva

e apelando também ao público masculino.

A casa Versace demonstra uma grande vitalidade

para além do mundo da moda. Trabalhar no des-

envolvimento de colecções de acessórios e reló-

gios tem sido uma grande fonte de inspiração para

Donatella.

«Demi não é a minha nova mulher

– ela é todas as mulheres.

É uma grande amiga, tem filhos,

uma carreira e uma aparência

fantástica. Não admira que tenha

um homem tão lindo ao seu lado.

Até tenho um pouco de inveja!»

Donatella Versace

«Os relógios e a joalharia estão, rapidamente, a tornarem-se

indispensáveis, tal como as malas e os sapatos. Eles completam

o conjunto com estilo e glamour e tornaram-se os protagonistas

da moda e do design»

Donatella Versace

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