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Junho_2011 computerarts.com.pt Ícones do Design Pedro Sottomayor 026_ 027 Texto: Filipe Gil Fotografia: Isa Silva Pedro Sottomayor Pedro Sottomayor, 38 anos, designer industrial ,teve a sua formação em Itália, mas mesmo assim quis regressar a Portugal e lançar-se como designer. Depois de vários anos a trabalhar em várias empresas, é hoje designer independente, consultor de design e um dos jovens designers industriais mais premiados dentro e fora de Portugal.

Entrevista Pedro Sottomayor

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Computer Arts nº7

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Page 1: Entrevista Pedro Sottomayor

Junho_2011computerarts.com.pt

Ícones do DesignPedro Sottomayor026_027

Texto: Filipe Gil

Fotografi a: Isa Silva

Pedro SottomayorPedro Sottomayor, 38 anos, designer industrial ,teve a sua formação em Itália, mas mesmo assim quis regressar a Portugal e lançar-se como designer. Depois de vários anos a trabalhar em várias empresas, é hoje designer independente, consultor de design e um dos jovens designers industriais mais premiados dentro e fora de Portugal.

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Computer Arts (CA): No actual contexto sócio económico,

como é ser designer industrial, em Portugal?

Pedro Sottomayor (PS): O contexto económico em Portugal, como sabemos, não é o melhor e tem vindo a piorar sendo que alguns sectores industriais foram gravemente afectados pelas políticas económicas aplicadas, no entanto há setores e algumas empresas que têm sabido reagir evoluindo com o mercado. No contexto liberal e globalizado que vivemos é preciso muita sabedoria, inteligência e determinação para conseguir sobreviver e crescer. Em Portugal, o designer industrial tem que estar pronto para trabalhar muito e em muitas frentes, uma vez que são poucas as empresas que estão preparadas para o mercado global. A maioria das empresas portuguesas não têm o conhecimento completo nem dispõem de colaboradores em todas as áreas essenciais ao sucesso dos seus produtos no mercado, seja no marketing, no design ou mesmo na equipa comercial. Acho, no entanto, que quando o contexto económico melhorar a situação para os designers industriais em Portugal poderá ser boa, sobretudo na medida em que os industriais têm já consciência de que esta é uma área muito importante para o seu sucesso no mercado.

CA: Com essa leitura da actual situação económica, pensa que

o design poderia desempenhar um papel importante na

recuperação económica do país?

PS: Sem dúvida. São muito poucas as grandes empresas industriais em Portugal, e mesmo as empresas maiores - que não chegam a ser grandes - não têm todas as ferramentas essenciais para vender os produtos. Ferramentas como o marketing, o design e equipas comerciais com conhecimento sufi ciente do mercado. O que acontece é que por vezes têm design, mas não têm marketing, ou vice-versa.

CA: Mas para além da questão fi nanceira não será também

uma questão cultural?

PS: O problema na indústria portuguesa é que todas as empresas acham que têm de ser grandes, de ter uma marca própria, e de ter produtos próprios. Ora isso não é possível. Há sempre empresas maiores que contratam empresas mais pequenas para certo tipo

de trabalhos, e por vezes parece que as empresas mais pequenas têm vergonha de o serem. Acontece muito em Itália, onde as marcas grandes subcontratam quase tudo, trabalhando em colaboração com empresas mais pequenas. Em Portugal temos o exemplo da indústria do mobiliário de Paços de Ferreira, que é uma indústria enorme, mas que está dividida em muitas pequenas empresas quando, ao invés, poderiam ser quatro ou cinco e subcontratar outras empresas para assim continuarem todas a terem trabalho. Esta mentalidade tem como consequência o facto destas empresas mais pequenas não conseguirem ter dentro da sua estrutura todas as áreas que deveriam ter, ou seja, marketing, design, equipas comerciais, e que poderiam derivar em sucesso.

CA: E, na sua opinião, qual o actual estado do design industrial

português?

PS: O design industrial português tem evoluído muito nos últimos 20 anos, mas ainda tem muito para crescer e para maturar. Vimos de uma fase em que a cópia era regra, para uma nova fase em que as empresas sabem que não se pode competir pelo preço. A qualidade e inovação são as novas formas de conquistar o mercado. Portanto só agora o design português tem forma de crescer como disciplina e como realidade.

CA: E ainda há mercado em Portugal para os designers

evoluírem e trabalharem? As empresas olham para os

designers como mais valia na construção dos seus produtos?

PS: Existirá mercado quando a economia crescer e quando Portugal evoluir de forma a não ser tão parcelar. É certo que o mercado para os designers poderia ser muito maior, caso a situação económica do país fosse melhor, pois as empresas olham para um designer como uma mais valia, no entanto muitas não têm a capacidade fi nanceira para os contratarem.

CA: O que aconselharia a um designer industrial português

nesta altura? Procurar outros mercados, emigrar?

PS: É uma possibilidade. Estudei em Itália e voltei para Portugal e nos últimos 11 anos tenho tido sempre trabalho na minha área em Portugal. Ou seja, há mercado. O que aconselho é que os

designers, estudantes ou não, trabalhem muito, sejam curiosos e sejam muito profi ssionais no seu trabalho.

CA: E é essencial a formação no estrangeiro, é algo que ainda

marca a diferença no futuro profi ssional?

PS: Acho que ainda marca, porque existem muitos países que evoluíram muito desde a revolução industrial e que têm muita história na área do design, e onde há muito a aprender. Em Portugal, o ensino do design tem já algumas boas escolas, mas contam na sua maioria com professores sem grande experiência profi ssional. Assim, caso exista a possibilidade de ir estudar com pessoas com mais conhecimento, torna-se uma grande mais valia.

CA: Que nomes da nova geração gosta de destacar pelo

trabalho que têm vindo a executar?

PS: Não gosto de selecionar uns em detrimento de outros, nem tenho um conhecimento profundo dessa a nova geração, mas posso destacar os Pedrita, o Daniel Caramelo e o Rui Alves. São todos muito diferentes uns dos outros, mas que prometem trabalhar bem nesta área.

CA: E quem são as suas maiores infl uências?

PS: Gosto de muitos designers, mas nenhum é para mim uma referência. Infl uenciam-me cada um em diferentes aspectos, gosto muito do Enzo Mari, do Jasper Morrisson do Naoto Fukasawa e até do Philippe Starck gosto e que não tem nada a ver com os que mencionei antes. Mas as minhas maiores infl uências foram os meus professores Paolo Deganello, Biagio Cisotti, Andries Van Onck ou o Isao Hosoe.

CA: E porque foram tão importantes para si?

PS: Foram designers com muita experiência com quem tive de confrontar as minhas ideias quando estava a estudar. São designers de culturas diferentes e com linguagens muito próprias. Foram esses confrontos que me ajudaram a crescer profi ssionalmente.

CA: Curiosamente não referiu nenhum designer português?

PS: Há uma razão para isso que é o facto de não ter estudado em Portugal. Por exemplo, acho que o Daciano da Costa tem uma obra fantástica, mas não a conheço muito bem pelo facto de não a ter dado nas aulas, é uma falha minha. Mas há outros que considero muito bons como o Fernando Brízio, por exemplo, sou admirador de qualquer peça dele. Os designers mais antigos não estudei, mas já me aconteceu ir ao Museu do Design e fi car admirado pela qualidade de alguns trabalhos de designers portugueses, como por exemplo um trabalho que vi do designer António Garcia nesse museu. Mas também, se calhar, essa história (do design português) ainda não foi bem explorada e trabalhada e não há assim muito conhecimento do que foi feito.

CA: E como é o seu processo criativo?

PS: O meu processo criativo inicia-se sempre a partir de qualquer desafi o de projecto, seja ele pequeno ou grande, seja um produto, um evento ou um espaço, e quer seja de um cliente ou de uma ideia que me surja. Tento depois perceber todos os aspectos que irão gravitar à volta do resultado que se espera, e volto à “idade da pedra” a pensar no futuro e como gostava que ele fosse. Depois trata-se de aplicar todo o conhecimento que vim adquirindo ao longo dos anos em termos de materiais e processos produtivos.

01 CRUSH / HV

01

02 UNI / NAUTILUS

03 TREE / SPSS 04 SPAM / TELABAGS

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CA: E o que o inspira?

PS: A vontade de melhorar os produtos e de melhorar um bocadinho o mundo em que vivemos, social, económica e culturalmente.

CA: E o ambiente em que se movimenta, as cores, as luzes, as

formas que vê infl uenciam a sua criação?

PS: Não trabalho muito a forma dos produtos gosto mais de pensar na forma como serão utilizados. E também de como os objectos se relacionam com as pessoas. Por exemplo, gosto de quase todos os objectos antigos, como um abre cápsulas que serve para abrir uma garrafa e que não precisa de ter uns diamantes para ser diferente ou melhor. Anteriormente indiquei o Enzo Mari porque faz as coisas mais essenciais possíveis que são para ser utilizadas mas que ao mesmo tempo são lindíssimas e funcionam.

CA: Qual o objecto que mais gozo lhe deu a criar/desenvolver?

PS: O gozo não me parece a palavra mais certa para quando se cria ou desenvolve um objecto, pois o processo de desenvolvimento de um produto industrial é longo e muito complexo. Há, no entanto, uma fase que dá gozo que é quando se começa a ver o produto fi nal a aparecer…; posso falar mais em termos de satisfação, tenho orgulho em muitos projectos que consegui levar avante apesar da sua complexidade. Posso destacar o projeto “Minimalanimal” para a Sátira, uma colecção com peças em cerâmica desenhadas por 21 designers, ou todo o mobiliário escolar desenvolvido para a Nautilus, que teve muito sucesso e está um pouco por todas as escolas do país e também no estrangeiro. Mas em quase todos os projectos fi co satisfeito, sendo mais simples ou complexos, quando o cliente e o consumidor, de produto ou de cultura, admira ou utiliza o produto fi nal.

CA: Se tivesse que eleger um objecto de design industrial

português, qual seria?

PS: É difícil destacar um entre todos, mas talvez escolhesse como modelo a máquina de café Qosmo da Delta Cafés. Uma empresa portuguesa que querendo desenvolver um produto bastante complexo teve a coragem de contratar design português. O resultado é muito positivo…

CA: E o que está a desenvolver actualmente?

PS: Estou a criar um botão para uma marca internacional de calças de ganga, estou a desenvolver uns chocolates e uma mesa interactiva para escolas, entre outras coisas.

CA: Em em relação a design gráfi co, tem desenvolvido

trabalhos nesta área?

PS: Já fi z bastante trabalho gráfi co, mas é uma área que prefi ro deixar para quem é especialista nessa área. É outra das áreas que é fundamental que exista nas empresas da indústria portuguesa, porque pedem aos designers industriais para fazerem o design gráfi co, mas são áreas diferentes que devem ser bem trabalhadas pelos especialistas. Quando o fi z (design gráfi co) foi porque o tinha mesmo de o fazer. Não porque ache que não consiga resolver bem os problemas, acho até que consigo chegar a resultados que me satisfazem, mas dá-me muito trabalho a chegar lá, e um designer gráfi co trabalha muito melhor nessa área do que eu.

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03 NETBOARD / NAUTILUS

02 ARROWS / TMN01 IN AN ABSOLUT WORLD / ABSOLUT VODKA

As empresas olham para um designer como uma mais valia