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Enunciados com exposição de motivos
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ENUNCIADO Nº 01AS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI Nº 11.340/06 NÃO SÃO APLICÁVEIS EM DESFAVOR DE ADOLESCENTES INFRATORES SUJEITOS AO PODER FAMILIAR EXERCIDO PELA VÍTIMA
Justificativa: A Lei nº 11.340/06 não cria direito novo; introduz mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher estabelecendo medidas de assistência e proteção, tratando-se de um comando direcionado a adultos. Por tal razão o art. 13 da Lei nº 11.340/06 admite a aplicabilidade da legislação referente à criança e ao adolescente (Lei nº 8.069/90), não a afastando como acontece no art. 41 que veda a aplicação a Lei nº 9.099/95. O art. 20 da Lei nº 11.340/06 apresenta a possibilidade de aplicação de prisão preventiva ao sujeito ativo, que denomina “agressor”, o que não se admite para adolescentes. A mesma lógica deve persistir para tal sujeito ativo quando prevê a Lei Maria da Penha a aplicação das medidas protetivas de urgência em seu art. 22. Saliente-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve as medidas socioeducativas abordadas em seus artigos 112 a 128 como única solução educativo/pedagógica/repressiva para os atos infracionais praticados por adolescentes. São princípios que amparam a Lei nº 11.340/06 os da “dignidade da pessoa humana”; da “liberdade”; da “igualdade”; da “proporcionalidade” e da “razoabilidade”. São tais princípios igualmente aplicáveis aos adolescentes pela Lei nº 8.069/90, sendo-lhes também aplicável, à luz dos artigos 3º a 5º do ECA, os princípios da “prioridade absoluta” e da “proteção integral”. Saliente-se, portanto, que o adolescente infrator é tão hipossuficiente quanto a mulher agredida, sendo certo que em seu benefício ainda oferece a lei o princípio da proteção integral, que seria ignorado caso lhe fossem aplicadas medidas protetivas como a de afastamento do lar. O artigo 22 da Lei nº 11.340/06, ao prever em seus incisos II e III as medidas protetivas de afastamento do lar e proibição de aproximação da mulher agredida, caso aplicável fosse a adolescentes, vulneraria não só o disposto nos artigos 3º, 4º, 5º, 15 e 19 da Lei nº 8.069/90, que amparam a necessidade de convivência familiar para o adolescente, como afrontaria o caput do artigo 227 da CRFB, que assegura ao adolescente absoluta prioridade, bem como o direito à convivência familiar. Dessa forma, resta como única alternativa para a harmonização dos diplomas legais estudados a interpretação conforme a Constituição de que as medidas protetivas de urgência elencadas na Lei Maria da Penha não sejam aplicáveis em desfavor de adolescentes infratores por atos praticados no seio familiar. Também o art. 79, inciso II do CPP, ao abordar a conexão e a continência, excepciona a possibilidade de unidade de julgamento quando houver concurso entre a jurisdição comum e o juízo de menores. A CRFB assegura ao adolescente pelo art. 227 § 3º a garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional que tenha praticado, sendo certo que tais atos serão apreciados sempre pela Vara da Infância e Juventude, jamais por Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, caminhando tais procedimentos conforme o rito apresentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O art. 1.630 do Código Civil ao abordar o poder familiar entrega deveres àqueles que o exercem,
tampouco poderiam tais deveres serem negligenciados por via reflexa mediante a aplicação equivocada de medidas protetivas de urgência. Observe-se por fim que o princípio da vedação à proteção deficiente alcança a todos os envolvidos em uma situação que apresente um adolescente infrator como autor de agressão contra sua genitora ou familiar, sendo os artigos 174 e 175 do Estatuto da Criança e do Adolescente instrumentos válidos para fazer cessar tal estado. De fato conferem tais artigos proteção a todos os envolvidos ao autorizar o Delegado de Polícia a, conforme sua avaliação discricionária acerca da gravidade do ato infracional praticado e sua repercussão social, proceder à internação do adolescente para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública, encaminhando-o ao representante do Ministério Público junto à Vara da Infância e Juventude. Referências: - CRFB/88, art. 227; - Código de Processo Penal, art. 79; - Código Civil, Art. 1.630; - Lei nº 11.340/06, art. 13, art. 20 e 22; - Lei nº 9.099/95, Art. 41; - Lei nº 8.069/90, arts. 3º, 4º, 5º, 15, 19, art. 112 usque 128, 174 e 175.
ENUNCIADO Nº 02O REGISTRO DE FATO ATÍPICO CONDICIONA-SE À NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIA PARA DEFINIÇÃO FUTURA DE ENQUADRAMENTO LEGAL, RELATIVO A FATOS COM REPERCUSSÃO NA ESFERA DE INCIDÊNCIA PENAL OU ADMINISTRATIVA INTERNA DA PCERJ
Justificativa: Os registros de ocorrência de Polícia Judiciária têm como objetivo a notificação formal e padrão de uma notitia criminis ou de fato administrativo de repercussão jurídica interna na Polícia Civil ao Delegado de Polícia, com vistas a controle estatístico-cadastral e também a subsidiar o início de uma apuração, ainda que posterior. Daí, registro de fatos que não serão objetos de investigação, seja por serem atípicos, seja por estarem prescritos ou terem sido objetos de alguma outra causa extintiva de punibilidade, seja por falta de condição de procedibilidade, ferem a própria ratio essendi do registro de ocorrência policial, além de constituir usurpação das funções das serventias extrajudiciais, tabelares e registrais. Desta forma, deve o Delegado de Polícia orientar a equipe de plantão, a uma vez constatada de forma óbvia e inequívoca a atipicidade do fato (devendo o plantonista formular consulta ao delegado no caso do menor indício de dúvida) encaminhar o comunicante a um ofício de notas para que seja lavrada a sua declaração do fato ou que descreva o fato desejado em um documento particular por ele assinado, o qual poderá ser levado a uma serventia de Títulos e Documentos para o devido registro. Naturalmente, fatos violentos como suicídio, acidentes de trânsito com autolesões fatais e outros fatos, aparentemente atípicos, mas que merecem devida apuração para que seja descartada qualquer possibilidade de existência de infração penal em seu entorno, deverão ser objetos de registro para apuração e confirmação de sua atipicidade. Referências: - CRFB/88, art. 129, VII e art. 144, §§ 1 e 4; - Lei nº 8.935/94 art. 6 usque art. 11. - Lei nº 6.015/76, art. 127 usque art. 131;
ENUNCIADO Nº 03O DESCUMPRIMENTO DE ACORDO JUDICIAL DE VISITAÇÃO DE FILHOS NÃO CONFIGURA CRIME DE DESOBEDIÊNCIA, TENDO EM VISTA O CABIMENTO DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS PREVISTAS NO ART. 249 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Justificativa: O presente enunciado se justifica tendo em vista que inúmeras pessoas comparecem em Delegacias Policiais buscando realizarem registros de fatos que se circunscrevem em descumprimento de acordos judiciais de visitação de filhos. Não raro, a parte que se sente prejudicada, busca com a confecção do Registro de Ocorrência constranger a pessoa a quem imputa o suposto descumprimento a cumprir a ordem judicial, sob a pecha de ser supostamente processada criminalmente. É cediço que, com o advento da Constituição Democrática de 1988, fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, inúmeras instituições e institutos jurídicos passaram por um novo filtro constitucional, ganhando nova roupagem democrático-republicana. Nessa linha, as atribuições do Delegado de Polícia no processo penal ganham novos contornos constitucionais. Visto como o primeiro garantidor dos direitos fundamentais, o Delegado de Polícia deve, antes de tudo, atuar como um filtro, impedindo que condutas que não se revistam do menor vestígio de tipicidade penal motivem a instauração de Investigações Criminais, que por si só já constituem em pena processual ao investigado. Desta forma, deve o Delegado de Polícia obstar ou impedir persecuções que se constituam mera lide cível, sem qualquer repercussão penal. O presente caso, se adequa a tal hipótese. O crime de Desobediência é descrito no art. 330 do Código Penal, a saber:
Desobediência
Art. 330, CP. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.
Doutrina e jurisprudência, de forma tranquila, entendem que o delito de desobediência não se caracteriza quando a lei comina sanções civis e/ou administrativas para o descumprimento de uma determinação legal. Somente incidiria o crime de desobediência, subsidiariamente, quando a própria lei, expressamente, ressalve a cumulação da medida administrativa ou cível com a aplicação do art. 330 do CP. Nesse sentido HUNGRIA já lecionava que[...] se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 (ex.: a testemunha faltosa, segundo o art. 219 do Cód. de Proc. Penal, está sujeita não só a prisão administrativa e pagamento das custas da diligência da intimação, como o processo penal por crime de desobediência)No que se refere ao descumprimento de decisões judiciais, o tema ganha contornos mais sensíveis. Isto porque as partes processuais possuem, a seu dispor, inúmeros instrumentos processuais para fazer valer seus direitos, sendo o processo de execução (cível, trabalhista ou mesmo penal) um desses instrumentos. Desta forma, eventual descumprimento de determinada decisão judicial, como regra, não importa na prática do crime de desobediência, sob pena da própria desnecessidade do processo de execução. Excepcionalmente, contudo,
em decisões com cunho claramente mandamentais, em que o juízo não possua outro meio de fazer valer a execução da decisão, poderá haver a incidência do delito de desobediência, caso haja ressalva expressa na decisão sobre a incidência de tal tipo penal. Nesse sentido, inclusive, é a jurisprudência do STJ: PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL ASSEGURADA POR MULTGA DIÁRIA DE NATUREZA CIVIL (ASTREINTES). ATIPICIDADE DA CONDUTA.
Para a configuração do delito de desobediência, salvo se a lei ressalvar expressamente a
possibilidade de cumulação da sanção de natureza civil ou administrativa com a de natureza
penal, não basta apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que, além de
legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica no caso de descumprimento.
(Precedentes). Habeas corpus concedido, ratificando os termos da liminar anteriormente
concedida. (STJ, HC nº 22721/SP, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma, 27.05.03)
Conclui-se, portanto, que o descumprimento de acordo judicial de visitação de filhos não constitui crime de desobediência, tendo em vista que o ECA, no art. 249, prevê imposição de penalidade administrativa para o caso.
Art. 249, Lei 8.069/90. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder
familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária
ou Conselho Tutelar: (Redação alterada pela Lei nº 12.010, de 2009)
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência.
Referências: - CRFB, 88; - Código Penal, art. 330; - Lei nº 8.069/90, art. 249. Nota 1 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, Vol. IX, p. 420.
ENUNCIADO Nº 04O CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA, POR SUA NATUREZA TÉCNICO-JURÍDICA, GOZA DOS ATRIBUTOS DA AUTONOMIA E INVIOLABILIDADE DE SUAS DECISÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS, EMANADAS NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Justificativa: O exercício da atividade de polícia judiciária pelo Delegado de Polícia possui natureza técnico-jurídica, advindo esta atividade do texto constitucional e de outras inúmeras leis infraconstitucionais. É incabível, portanto, qualquer ingerência interna ou externa sobre os seus atos de investigação, ressalvada a hipótese de requisição ministerial no feixe de atribuições do controle externo da atividade fim da investigação criminal, incluindo-se as requisições fundamentadas, respectivamente os art. 129, VII e VIII da CRFB, a requisição pelo Poder Judiciário e a determinação de instauração de inquérito pelo Chefe de Polícia em provimento a recurso a indeferimento de requerimento de instauração de inquérito policial. Ressalte-se que nem mesmo essas permissões legais implicam em afastamento da avaliação de ilegalidade manifesta dentro do bom senso jurídico ou cumprimento de requisições de natureza teratológica. Também não têm o condão de influenciar a metodologia
técnica de cumprimento das diligências requisitadas e tampouco obstam o Delegado de Polícia de, na presidência do feito, determinar quantas outras diligências forem necessárias para complementar as requisitadas e realize tantas outras quanto entenda serem necessárias ao esclarecimento da verdade dos fatos. Não sendo as hipóteses acima enumeradas, ou seja, as demais requisições ministeriais e de magistrados não estão amparadas pela Constituição e normas infraconstitucionais, devendo ser recebidas, caso sejam realizadas por esses órgãos, como direito de petição ou notitia criminis, tal qual o tratamento dispensado a qualquer pessoa física, jurídica ou agente político. A inviolabilidade implica na impossibilidade de responsabilização penal, civil ou administrativa acarretadas por decisões do Delegado de Polícia na sua atividade-fim, ressalvada comprovada existência de dolo ou culpa gravíssima. Admitir o contrário seria por amarras para que o presidente da investigação atue com afinco em busca da verdade real e deixe de praticar atos necessários, com receio de vir a sofrer sanções por atos que venham a ferir interesses particulares. Não há assim, incidência hierárquica sobre a atividade-fim do Delegado de Polícia, na forma que nos socorremos da lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Há de se observar que a relação hierárquica é acessória da organização administrativa. Pode
haver distribuição de competências dentro da organização administrativa, excluindo-se a
relação hierárquica com relação a determinadas atividades. (…) Trata-se de determinadas
atividades que, por sua própria natureza, são incompatíveis com uma determinação de
comportamento por parte do superior hierárquico. Outras vezes, acontece o mesmo porque a
própria lei atribui uma competência, com exclusividade, a determinados órgãos
administrativos, em especial os colegiados, excluindo, também, a interferência de órgãos
superiores” (in Direito Administrativo, 13ª edição, p. 92, Atlas).
Some-se a isto a tendência moderna e democrática a uma polícia de Estado e não de governo, sujeita às intempéries políticas de ocasião. Referências: - CRFB/88, art. 144, § 4º; - Código de Processo Penal, art. 4º e 5º § 2º; - Lei nº 12.830/13, art. 2º e §§ 1º, 2º e 6º e art. 3º.
ENUNCIADO Nº 05NOS CASOS DE IMPOSSIBILIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA NO CRIME DE LESÃO CORPORAL CULPOSA PELO CONDUTOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR DE VIA TERRESTRE SERÁ REALIZADO O REGISTRO DE OCORRÊNCIA, MAS A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO OU INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL FICARÁ CONDICIONADA A REPRESENTAÇÃO DAQUELA
Justificativa: É cediço que em muitos casos de acidentes de trânsito que resultam lesão corporal, a vítima esteja hospitalizada, impossibilitando a representação dela para que se prossiga com os atos de polícia judiciária e, como é de conhecimento teórico, de que a prisão ou qualquer ato de investigação com vistas ao descobrimento da verdade dos fatos, depende da manifestação da vítima, como conciliar este requisito de procedibilidade da investigação criminal, que não é outra consequência senão a de disponibilidade da vítima a despeito do
fato que encontra-se na esfera exclusiva de sua decisão, agir contrário a ausência da representação e realizar, por exemplo, conduções coercitivas e oitiva de testemunhas? O papel do Delegado como agente político garantidor dos direitos humanos fundamentais é garantir à vítima a possibilidade de ir em busca do responsável pelo fato que a vitimou, sendo a melhor medida a prática de atos de conservação das provas denominadas irrepetíveis, ainda que futuramente o ofendido não queira representar e tenha sido um trabalho em vão. A função garantidora implica em conservar o bônus para a vítima, representado pela conservação da prova, do que o ônus de inviabilizar a descoberta da verdade pela não realização das provas técnicas, ao argumento positivista de não ter existido a representação dela. Ademais, em razão do disposto no art. 291 da lei 9.503/97 verificam-se hipóteses em que a ação penal nos crimes de lesão corporal culposa será de natureza pública incondicionada e, em muitos casos, em razão da dinâmica do evento, não é possível saber de antemão se a ação penal pública será incondicionada ou condicionada à representação da vítima. Desta forma, a melhor medida é realizar o registro de ocorrência e se praticar os atos de polícia judiciária que impliquem em realização de provas técnicas irrepetíveis e após a representação da vítima, lavra-se o termo circunstanciado ou instaura-se o inquérito policial, conforme o caso. Referências: - Lei nº 9.503/1997, art. 291.
ENUNCIADO Nº 06O DELEGADO DE POLÍCIA PODERÁ, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, DISPENSAR A FIANÇA DO PRESO, PARA NÃO RECOLHIMENTO AO CÁRCERE DO INDICIADO POBRE
Justificativa: O presente enunciado tem por escopo consagrar a viabilidade jurídica do Delegado de Polícia dispensar a fiança do conduzido pobre, por força do princípio constitucional da isonomia e do princípio pro homine. A situação econômica do conduzido pobre não pode funcionar como óbice para fins de concessão de liberdade provisória, sob pena de criminalização do vulnerável pela sua hipossuficiência socioeconômica. Essa grave circunstância consagra a desigualdade de tratamento entre o pobre e o não pobre. Aquele, ao revés da liberdade paga, deverá aguardar encarcerado o provimento judicial, exclusivamente, pelo o fator da sua condição vulnerante, de acordo com a interpretação puramente literal do art. 325, §1º, inc. I do CPP. Como é cediço no mundo jurídico, a interpretação gramatical é a mais pedestre para extrair o conteúdo, significado e o alcance da norma. Simplesmente é um ponto de partida para descobrir a vontade da norma. Dessa forma, muito embora, o artigo expressamente não franqueie ao Delegado de Polícia a prerrogativa de dispensar a fiança do conduzido miserável, essa posição não se sustenta consoante uma interpretação sistemática e prospectiva do diploma processual. Nesse horizonte há força normativa suficiente para viabilizar a dispensa da fiança concedida pelo Delegado de Polícia. Primeiramente, o dispositivo remete o intérprete ao art. 350 do diploma processual, o qual estabelece a previsão de dispensa da fiança pelo
Magistrado. Dessa forma é perfeitamente viável a utilização de analogia para estender a possibilidade de concessão de posição jurídica da vantagem ao indiciado pobre pelo Delegado. O art. 3° do CPP é clareza hialina, quando assevera que a lei processual penal admitirá a aplicação da analogia. Ainda que não fosse a analogia a melhor técnica, com a reforma pela lei nº 12.403/11 a atribuição para se arbitrar fiança está disposta no art. 322 do CPP, que faz alusão ao Delegado de Polícia e ao Magistrado, e não o art. 350, do CPP. Esta aparente antinomia é resolvida com a leitura do art. 350 do CPP como a sede legal da forma ou instrumento vinculante da liberdade provisória, quando faz alusão aos arts. 327 e 328, ambos do CPP, qual seja a assunção do compromisso de comparecer aos atos do inquérito ou processo. A referência no art. 327 do CPP a "inquérito" e "instrução criminal", denuncia serem seus presidentes os responsáveis pela decisão da liberdade provisória por dispensa e vinculada, respectivamente ao compromisso assumido perante o Delegado de Polícia e o Juiz. De mais a mais, respeitável doutrina processual já se manifestou no sentido de declarar a inconstitucionalidade por omissão do art. 350 do CPP. Nesse sentido as lições do professor Gustavo Grandinetti: “a conclusão, portanto, é de que a restrição do art. 350 do Código, que exclui o Delegado de Polícia como autoridade competente para isentar a prestação de fiança (...) é inconstitucional. Não é o que está na norma que viola a constituição, mas o seu silêncio: a omissão quanto à possibilidade de o Delegado conceder a isenção da fiança. Portanto, a hipótese aponta para a adição do que foi omitido, para que a norma se torne conforme a Constituição.” (Processo Penal e Constituição). Diante do exposto, o Delegado de Polícia poderá isentar a fiança do preso pobre para não recolhê-lo ao cárcere. Referências: - Código de Processo Penal, art. 3°; 322, 325, 327, 328 e 350;
ENUNCIADO Nº 07É ATRIBUIÇÃO PRIVATIVA DO DELEGADO DE POLÍCIA A DECISÃO ACERCA DA LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE CONFORME SEU LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO, NÃO ESTANDO SUJEITO À REQUISIÇÃO OU ORDEM EMANADA DOS PODERES JUDICIÁRIO, EXECUTIVO OU MINISTÉRIO PÚBLICO
Justificativa: O que difere o inquérito policial instaurado por portaria daquele instaurado por auto de prisão em flagrante é o caráter coercitivo deste, que além da finalidade de qualquer inquérito policial, a saber, descobrir a verdade real do fato em apuração e fornecer às partes e ao juízo elementos que possam ser utilizados em uma eventual ação penal, traz outra função: funcionar como um verdadeiro processo de instrução para que o Delegado de Polícia possa avaliar e decidir quanto à existência indícios de autoria de infração penal; à existência de situação flagrancial; e à tipificação da eventual infração, as quais interferirão diretamente: 1) na ocorrência da prisão recolhimento ou não; 2) no cabimento de fiança; 3) no seu valor (da fiança); 4) na coleta de compromisso de comparecimento ao JECRIM, caso conclua haver situação flagrancial de infração de menor potencial ofensivo. Trata-se tal conclusão da única leitura que pode ser
extraída do art. 304, § 1º, do Código de Processo Penal. Desta forma, todo procedimento diferenciado das demais inquisas policiais se dá devido ao juízo de valor decisório que deverá o Delegado de Polícia tecer sobre o status libertatis do indivíduo, o qual será objeto de uma avaliação judicial postergada. Assim, cabe ao Delegado que formou a fundada suspeita da prática de infração penal e seu estado flagrancial, e somente a este, a inteira responsabilidade de sua decisão. Falamos aqui sobre avaliação da liberdade do indivíduo capturado e levado à sua presença por agentes policiais ou por qualquer um do povo, constituindo tal ato a primeira análise jurídica imparcial da prisão captura, direito indeclinável de qualquer pessoa presa. Disto depreende-se ser incompatível com o acima exposto, qualquer comando hierárquico, de qualquer superior hierárquico, ao Delegado de Polícia a aplicação da prisão recolhimento, visto ser ato cognitivo e decisório exclusivo daquele a quem foi apresentado o conduzido, ou seja, o Delegado de Polícia que tomou conhecimento da prisão captura. É de bom alvitre frisar que tal incompatibilidade ocorre, ainda que o superior hierárquico seja Delegado de Polícia. Em relação às requisições emanadas do Poder Judiciário serão recebidas como notitia criminis, tendo em vista que a análise das fundadas suspeitas que se extrai do disposto do artigo 304, §1º do CPP denota uma relação de imediação entre as provas e seu destinatário no auto de prisão em flagrante, qual seja o Delegado de Polícia, sendo incompatível a ingerência externa de qualquer outro órgão, inclusive da própria Polícia Judiciária. O resultado da fundada suspeita e a decisão de lavratura do auto de prisão em flagrante pelo Delegado de Polícia dá início a uma modalidade de inquérito policial por cognição coercitiva, sendo a inferência do fato e sua subsunção a uma norma penal incriminadora e processual penal do estado de flagrância uma análise que é resultado do sistema do livre convencimento motivado, de cujo efeito colateral é o indiciamento, ato exclusivo do Delegado de Polícia conforme art. 2º,§ 6º da lei 12.830/13. Ressalta-se ainda a possibilidade de a voz de prisão ser emanada pelo próprio Juiz nos casos de crime praticado na sua presença, nos moldes do art. 307 do CPP, podendo o Magistrado lavrar o auto de prisão em flagrante ou optar pela condução até a delegacia com atribuição e apresentar o fato ao Delegado de Polícia. A requisição para lavratura do auto de prisão em flagrante, que resultará em um indiciamento é, por via indireta, uma requisição de indiciamento, sendo dogmaticamente inconcebível, conforme doutrina (NUCCI: 2011, p. 96) mais balizada, ipsis literis:
“Requisição de indiciamento: cuida-se de procedimento equivocado, pois indiciamento é ato
exclusivo da autoridade policial, que forma o seu convencimento sobre a autoria do crime,
elegendo, formalmente, o suspeito de sua prática. Assim, não cabe ao promotor ou ao juiz
exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o
mesmo que demandar à força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do
delito. Ora, querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na
investigação criminal, cabendo-lhe, apenas, requisitar do delegado a ‘qualificação formal, a
identificação criminal e o relatório sobre vida pregressa’” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código
de Processo Penal Comentado. 10ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 96).
Pelas mesmas razões acima aludidas também é o tratamento que se dá a requisições de lavratura ou de indiciamento pelo Ministério Público, posto que não estão abrangidas pelos ditames do Art. 129, VII da CRFB e das demais normas orgânicas que regulamentam o controle externo da atividade fim policial, pelo
Ministério Público. Ainda que houvesse tal previsão, esta seria ilógica e incoerente, visto que nenhum diploma conferiu ao Ministério Público, órgão que será parte e, portanto, legalmente interessado e suspeito, o poder de suprimir a liberdade de qualquer pessoa possível sujeito de sua ação, podendo o MP atuar como condutor na prisão captura, tal qual ocorre com o magistrado, sendo a ele, em especial, sequer destinatário da norma esculpida o art. 307 do CPP, falecendo atribuição para presidir lavratura do auto de prisão em flagrante. Referências: - CRFB/88, art. 129, VII, e art. 144, §§ 1º e 4º; - Código de Processo Penal, art. 304, § 1º e 307; - Lei 12.830/13, art. 2º e §§ 1º, 2º e 6º e art. 3º.
ENUNCIADO Nº 08PARA EFEITOS DE CONCESSÃO DE FIANÇA PELO DELEGADO DE POLÍCIA, PREVISTA NO ART. 322, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E CARACTERIZAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS, É IRRELEVANTE A EXISTÊNCIA DE CONCURSO DE CRIMES
Justificativa: Até o advento da Lei nº 12.403/2011, a concessão de fiança pelo Delegado de Polícia era exclusiva para os crimes apenados com pena de detenção ou prisão simples. Com a nova redação dada ao art. 322 do CPP, houve significativa ampliação de suas atribuições já que passa a poder arbitrar fiança para todos os delitos apenados com pena privativa de liberdade não superior a quatro anos. O propósito ampliativo é nítido, pois apenas três tipos penais previstos no Código Penal possuem pena de reclusão superior a três anos, são eles: Divulgação de informações sigilosas ou reservadas; Duplicata Simulada e Abandono Material. A ampliação das hipóteses de arbitramento da fiança pelo Delegado de Polícia acompanha, no mais, o propósito mais geral da lei nº 12.403/2011 de reduzir os índices brasileiros de encarceramento provisório. Porém, um problema circunstancial surge após o advento desta lei. A atual redação do art. 322 do CPP estabelece como requisito objetivo para o arbitramento da fiança pelo Delegado o prazo máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada, devendo então perquirir se o dito requisito legal objetivo considera ou não a existência de concurso de crimes que possa, em tese, exasperar a pena máxima futuramente aplicada para além dos 4 anos estabelecidos no artigo em alusão. A revisão de literatura revela que, embora haja profusão de artigos disponíveis, poucos são os livros-curso que enfrentam a questão com clareza. Para Edílson Mougenot Bonfim (BONFIM, 2012, p. 540 ), a Autoridade Policial não poderá conceder fiança, o que alega com fundamento nas súmulas 723 do Supremo Tribunal Federal, 81 e 243 do Superior Tribunal de Justiça. Embora o autor não transcreva, temos que os verbetes sumulares indicados tem o seguinte teor:
STF, Súmula nº 723 - Suspensão Condicional do Processo - Crime Continuado – Admissibilidade
- Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena
mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.
STJ Súmula nº 81 - Fiança - Concurso Material - Soma das Penas - Não se concede fiança
quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos
de reclusão.
STJ Súmula nº 243 - Suspensão do Processo - Concurso Material ou Formal ou Continuidade
Delitiva - Somatório ou Incidência de Majorante - Limite Aplicável - O benefício da suspensão
do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material,
concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo
somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.
Em sentido diverso, entendendo por aplicação analógica do art. 119 do Código Penal, André Nicolitt (NICOLITT, 2014, p. 797) sustenta que mesmo em caso de concurso de crimes que implique em possibilidade de superação do prazo de 4 anos, é possível ao Delegado de Polícia arbitrar fiança. Concordamos com tal posicionamento. Primeiramente, é necessário esclarecer que há indiscutível lacuna legislativa que implica em necessidade de integração hermenêutica e, já de saída, diga-se que não se pode supor qualquer aplicação da Súmula 723 do Supremo Tribunal Federal, bem como da Súmula 243 do Superior Tribunal de Justiça, já que tratam de questões atinentes a medidas despenalizadoras, com inequívoco conteúdo de direito material penal, enquanto o instituto da fiança constitui-se de questão tipicamente processual. O mesmo não se diga da súmula 81 do Superior Tribunal de Justiça, que entendo, todavia incorreta. Como sabido havendo lacuna legislativa, a solução hermenêutica da Teoria Jurídica clássica aponta como mecanismo integrativo a analogia. Como aponta Giusepe Lumia (LUMIA, 2003, p. 92), há de se distinguir a analogia legis e a analogia iuris, a primeira ocorre quando a lacuna pode ser resolvida com recurso a disposições legislativas que regulam situações similares, a segunda ocorre quando, na ausência de previsão normativa para caso similar, o intérprete se vale de recurso aos princípios gerais de direito. Penso que, uma vez que a norma versada no art. 322 trata do instituto da concessão de liberdade provisória mediante fiança, questão atrelada a prisão em flagrante, modalidade de prisão cautelar, justificada exclusivamente na necessidade se fazer cessar conduta aparentemente delituosa, a analogia legis exigiria que houvesse norma relativa a prisões cautelares ou medidas cautelares penais não prisionais que de alguma maneira versassem sobre tal questão. Entretanto, não se verifica nas normas processuais penais brasileiras qualquer hipótese em que o legislador tenha relacionado prazo e concurso material de crimes, de forma que improcede falar aqui em analogia legis. Devemos cogitar, portanto, de integração por meio de analogia iuris, buscando solução integrativa que permita dar a questão uma solução consentânea com a as demais normas gerais que regem o ordenamento jurídico. Neste sentido, verifica-se que a prisão em flagrante, está justificada no estado de flagrância, quando presentes as hipóteses do art. 302 do CPP, o que autoriza excepcionalmente a prisão cautelar com dispensa de mandado judicial, por ser necessária a intervenção para evitar que a consumação delitiva. Constata-se que a existência de eventual concurso de crimes não interfere no estado de
flagrância, de forma que se, por exemplo, o suposto autor do fato é surpreendido em flagrante por crime de furto, é irrelevante que tenha ele praticado 1 furto ou 10 furtos, do que se evidencia que a razão da prisão em flagrante é indiferente à quantidade de condutas do agente, bastando que haja aparente tipicidade. Pois bem, se a quantidade de crimes não é relevante para a caracterização do flagrante, não se pode cogitar que influencie, de outra sorte, a atribuição para arbitrar fiança nos casos de flagrante delito. Há de se compreender, ademais, que a mens legis da modificação legislativa foi ampliar as hipóteses de arbitramento da fiança pelo Delegado de Polícia, de forma a reduzir o número de encarcerados cautelares, o que recomenda que o intérprete dê ao dispositivo interpretação ampliativa. No mais, o art. 322 do CPP não impõe ao Delegado de Polícia um dever de arbitrar fiança quando satisfeito o requisito objetivo, podendo, diante das circunstâncias não arbitrar fiança quando houver motivo que faça presumir o pronto retorno do custodiado à prática da infração. Neste caso a eventual existência de concurso de crimes, demonstrando que se trata de conduta reiterada, poderia, casuisticamente, não recomendar a fiança, o que não significa que haja qualquer óbice à concessão da fiança. Da mesma forma, quando o legislador fixou o conceito de crime de menor potencial ofensivo no art. 61 da Lei 9.099/95, o fez sem determinar se a existência de concurso capaz de exasperar a pena para patamar superior a dois anos interferiria na competência do juizado especial criminal. Novamente é caso de se recorrer à analogia iuris e não à analogia legis, pois não há qualquer previsão legal a qual possa se socorrer o intérprete. Da mesma forma que o art. 322 do CPP, o art. 61 da Lei 9.099/95 merece interpretação ampliativa, já que foi elaborado com nítido propósito de propiciar a despenalização. Nesta toada, é interpretação mais adequada ao telos da norma a de que existência eventual de concurso não interfere na competência dos Juizados Especiais Criminais. Referências: -Código de Processo Penal, arts. 302 e 322; - Lei nº 12.403/2011; - Lei nº 9.099/95, art. 61. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva. 2012. LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do direito. São Paulo: Martins Fontes. 2003. NICOLITT, André. Manual de processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014
ENUNCIADO Nº 09A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE, EM QUE PESE A SUA CLASSIFICAÇÃO COMO CRIME DE PERIGO ABSTRATO, EXIGE PROVA DE EFETIVA ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA PARA SUA CONFIGURAÇÃO, NÃO SENDO SUFICIENTE, PORTANTO, A AFERIÇÃO ATRAVÉS DE ETILÔMETRO, EMBORA DISPENSÁVEL O EXAME PERICIAL
Justificativa: O crime de embriaguez ao volante é um crime de perigo abstrato e não se vê aqui qualquer inconstitucionalidade, ao contrário do que é preconizado por certa vertente doutrinária: a presunção do risco, por óbvio, não abraça o risco irrealizável. Trata-se de opção legislativa legítima, apta a proteger o bem
jurídico tutelado – no caso, a vida e a integridade corporal de pessoas indeterminadas – em diferentes estágios de ataque, pois o risco potencial é risco possível, vulnerando o objeto de proteção penal, ainda que remotamente. Todavia, a excepcional técnica legislativa não pode e não deve ser interpretada de forma a alcançar situações de risco é inexistente. Assim, dirigir um veículo com a capacidade psicomotora comprometida pelos efeitos do álcool ou drogas afins em via pública, sendo certo que no local há razoável movimentação de pessoas e de outros veículos, ainda que daí não se infira a iminência de uma ofensa, é inegavelmente uma situação perigosa. Diferentemente, conduzir o mesmo veículo em via onde não há a menor possibilidade de atingimento dos bens jurídicos é conduta que sequer resvala na previsão legal. Entende-se, assim, que o princípio da ofensividade ou lesividade aceita ambas as hipóteses de perigo – concreto ou abstrato –, refutando tão-somente os casos de ausência de qualquer risco. Nesse diapasão, insta salientar que a nova redação do artigo 306 do CTB, ao exigir a alteração da capacidade psicomotora, erigiu essa peculiaridade à qualidade de elementar, ainda que essa constatação não desautorize a classificação do delito como de perigo abstrato. Explica-se: se não há alteração da capacidade psicomotora, não há risco a ser aferido, isto é, o motorista não age ofensivamente. Ao passo em que, existindo a alteração, percebe-se o perigo que pode ser presente (concreto) ou meramente potencial (abstrato), dependendo da iminência ou não de um dano. De toda sorte, impõe-se o reconhecimento da mencionada alteração para que reste aperfeiçoada a adequação típica. Reforçamos: sem alteração da capacidade psicomotora comprovada, não há crime. O raciocínio até aqui desenvolvido conduz a outra indagação: como deve ser comprovada a necessária alteração da capacidade psicomotora? No que concerne ao uso de álcool, a redação anterior do artigo 306 do CTB estabelecia a existência do crime quando constatada a presença no sangue de concentração alcoólica igual ou superior a 6 dg/l de sangue. Observe-se que a norma não fazia menção à capacidade psicomotora do agente. Assim, determinada a concentração, integralizavam-se as elementares, ou seja, a conduta era típica. Essa concentração, no entanto, quedava-se limitada a certos procedimentos probatórios, como, por exemplo, o exame de sangue, realizado nos institutos médico-legais, ou a análise do ar alveolar pelo instrumento denominado etilômetro, ocasião em que uma tabela de conversão determinava a presença de álcool no sangue e sua quantidade. Com a Lei nº 12.760/2012, a concentração alcoólica caiu por terra como exigência de tipicidade formal. Afinal, é plenamente possível – e isso depende do caso concreto e da pessoa que realizou a ingestão de álcool – que aquele que apresente tal concentração não tenha a capacidade psicomotora comprometida. Assim, é enganosa a redação do § 1º, I, do artigo 306, que dá a entender existir absoluta paridade no binômio concentração/alteração. O exame de sangue ou o exame através do etilômetro de nada valem se não cotejados com outros elementos de prova. Se, v. g., o teste é positivo para concentração alcoólica e o condutor apresenta perceptível desequilíbrio, mostrando dificuldades em andar em linha reta, temos o crime, indubitavelmente. Entretanto, se o único sinal de embriaguez é o hálito etílico,
não há crime. Não se quer dizer com isso, contudo, que a submissão do condutor a exame pericial – ainda que para mera constatação de sinais externos de embriaguez – seja exigência inafastável. Mesmo que a providência seja recomendável, o próprio legislador tratou de tornar a perícia facultativa, desde que a afetação psicomotora seja evidente. Não é outra a conclusão que se extrai do § 2º do artigo 306. Essa facultatividade deriva de uma série de fundamentos, mas tem relação íntima com o fator temporal, uma vez que o álcool e outras substâncias psicoativas são processadas pelo organismo, logo desaparecendo seus sinais exteriores. O tempo entre a abordagem e a condução do motorista a um instituto de perícias, portanto, pode tornar o exame técnico inútil dada a volatilidade das evidências. Por conseguinte, tem-se que a embriaguez ao volante, crime de perigo abstrato, somente resta caracterizada pela alteração da capacidade psicomotora, que não é provada de forma absoluta pelo etilômetro, tampouco exige apreciação pericial. Referências: - Código de Trânsito Brasileiro, art. 306; - Lei nº 12.760/2012.
ENUNCIADO Nº 10O DELEGADO DE POLÍCIA PODE, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, DEIXAR DE LAVRAR O AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, JUSTIFICANDO O AFASTAMENTO DA TIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, SEM PREJUÍZO DE EVENTUAL CONTROLE EXTERNO
Justificativa: A palavra “crime” comporta algumas espécies de conceitos: são eles o conceito formal, material e analítico. Em se tratando do estudo da tipicidade, há que se falar em tipicidade formal e material. Na tipicidade formal é necessário que o comportamento realizado seja completamente adequado àquele que o legislador previu. Seria a adequação típica de subordinação imediata (quando está perfeitamente ajustado). A tipicidade material, por sua vez, está ligada à ideia de efetiva lesão ao bem jurídico. Para que se adentre à noção de insignificância, deve-se ter em mente a ligação do tema com a intervenção mínima do direito penal, na qual há quatro subprincípios: o da fragmentariedade, no qual o Direito Penal tem um caráter fragmentário, pois não cria bens jurídicos, mas seleciona bens jurídicos preexistentes; subsidiariedade, o da insignificância (propriamente dito) e adequação social. Da mesma forma, trabalha-se com as funções do princípio da lesividade e uma delas é a de proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Nesse sentido, a palavra “desviada” é empregada como conduta orientada em direção fortemente desaprovada pela coletividade. Desta forma, propõe-se uma leitura clara do contexto em que será aplicado (o que propriamente poderíamos chamar de “releitura do princípio da insignificância”), sob todos os aspectos, para que haja proporcionalidade, equidade, principalmente, respeito ao princípio da igualdade, tratando os iguais de forma equivalente e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade. Com relação à operacionalização do princípio da insignificância, há possibilidade de que o Delegado de Polícia, através da análise
de sistemas de inteligência, verifique se é a primeira vez que determinada pessoa é conduzida à Delegacia, tendo como motivo um suposto crime no qual haja possibilidade de aplicação do mencionado postulado. Portanto, se diante de toda análise a Autoridade Policial verificar que é a primeira vez que um fato, reconhecidamente insignificante está sendo registrado, prestigiando-se os requisitos das Cortes Superiores, o Delegado está autorizado, mediante a devida fundamentação, a afastar a lavratura da prisão em flagrante. No entanto, sua atitude deve ser a de permitir que o Ministério Público e o Judiciário tenham acesso à decisão o mais rápido possível, evitando transtornos indeléveis à dignidade da pessoa humana. Para que isso seja efetivado, há algumas alternativas. Uma delas é a imediata remessa das peças até então confeccionadas, juntamente com a decisão da Autoridade Policial, decidindo pelo afastamento da prisão em flagrante por força da aplicação do princípio da insignificância, o que, inclusive, poderia ser feito através de ofício ao Ministério Público, informando sobre as atitudes tomadas, de modo a possibilitar o controle externo da atividade policial. Caso o Promotor de Justiça entenda que não é caso no qual incida o princípio da insignificância, poderá receber como peças de informação e proceder à imediata denúncia. Além disso, outro meio bastante interessante, é a imediata instauração de inquérito policial (ou mesmo termo circunstanciado de ocorrência, caso a suposta situação, em sendo considerada crime, seja da competência dos Juizados Especiais Criminais), com consequente instrução de tudo que houver sido colhido e documentado, bem como com a decisão de não indiciamento, por força da ausência de tipicidade material, estampando a desnecessidade de manutenção em cárcere, ou mesmo de enfrentamento de uma eventual ação penal, concluído através de minucioso relatório (ou decisão) de forma a demonstrar as razões de fato e de direito que possibilitaram a autoridade policial manifestar aquele posicionamento. Resta claro que a intenção do Delegado de Polícia não é a de, simplesmente, não lavrar o auto de prisão em flagrante, liberando todos os envolvidos após a apreciação sumária dos fatos e alijando a situação numa espécie de “limbo jurídico”. Vai muito além. O que não deve ocorrer é acreditar que o Delegado pode deixar de registrar situações envolvendo a aplicação do princípio da insignificância e que, através do controle externo da atividade policial, o Ministério Público terá condições de saber, em tempo hábil, de todos esses casos, para que tome providências no sentido de denunciar ou arquivar. Partindo-se para uma situação um pouco diferente desta primeira hipótese narrada, ainda há possibilidade para uma segunda alternativa, que é a formalização da prisão com a aplicação da fiança, caso seja possível diante dos requisitos legais. Desta maneira, caso não seja vislumbrada, à primeira vista, a possibilidade de aplicação imediata do princípio da insignificância, por não estarem presentes seus requisitos, ou seja, caso a primeira situação narrada não possibilite o afastamento da prisão em flagrante, com todos desdobramentos processuais cabíveis, passa-se, então, para a formalização do flagrante, mas ainda sem encarceramento inicial. Em situação hipotética, havendo concurso de crimes, ou eventualmente diante da prática de várias condutas criminosas, mas que isoladamente poderiam ser consideradas
insignificantes ou outra situação na qual esteja caracterizada a necessidade de segregação cautelar, não restam dúvidas que o preceito princípiológico da bagatela não pode ser banalizado e, portanto, resta justa a aplicação de medidas cautelares ou mesmo a prisão, em última hipótese. Daí a proposição de uma releitura do princípio da insignificância, de modo a possibilitar sua efetiva operacionalização no direito brasileiro. Se determinada pessoa pratica reiteradas condutas insignificantes, sem que, por exemplo seja a hipótese de crime continuado, com solução positivada no artigo 71 do Código Penal, não pode ser beneficiada, de forma deliberada, com a aplicação do princípio da insignificância, pois nesta hipótese o Direito Penal como sistema subsidiário falhou e o Estado deve dar uma resposta para a sociedade, pacificando o conflito eventualmente existente, principalmente diante daqueles que discordam veementemente do instituto da bagatela e ignoram, inclusive, sua aplicabilidade. Por fim, não se pode confundir, da mesma maneira, uma situação como insignificante de situações em que podem ser enquadradas como de pequeno valor, conforme já positivado na legislação pátria, mormente em se tratando de crimes patrimoniais. Além disso, busca-se privilegiar a dupla face do princípio da proporcionalidade, sob o aspecto da proibição do excesso e da vedação à proteção insuficiente.
ENUNCIADO Nº 11O DELEGADO DE POLÍCIA, NO EXAME FÁTICO-JURÍDICO DO ESTADO FLAGRANCIAL, PODE, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, AFASTAR A LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, DIANTE DO RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE, SEM PREJUÍZO DE EVENTUAL CONTROLE EXTERNO
Justificativa: Em um primeiro plano cumpre esclarecer que a controvérsia ora instada ao presente debate cinge-se à possibilidade de o Delegado de Polícia, durante a análise de situação flagrancial, reconhecer a incidência de causa de justificação, com o subsequente afastamento da lavratura do auto de prisão em flagrante e imediata instauração de inquérito policial. Por essa via, há de se reconhecer que doutrina conservadora, embasada em uma interpretação vetusta e meramente gramatical do artigo 310, parágrafo único do pátrio Diploma Processual Penal, assevera que cabe ao Magistrado o exame das causas excludentes da ilicitude, após a lavratura do auto prisional. Trata-se, por evidente, de uma interpretação odiosa e avessa aos ditames constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade, como expressões máximas dos direitos e garantias fundamentais de nossa ordem jurídica. No campo do direito material, independente de uma análise profunda das teorias do delito, resta claro que qualquer delas adotam uma concepção estratificada do conceito de crime, o qual, por sua vez, não se resume a uma mera subsunção descritiva do fato sob exame à norma penal paradigmática. Em sua concepção clássica, amplamente adotada na doutrina nacional, a infração penal compõe-se, de forma estratificada, num fato típico, ilícito e culpável. Nessa linha, a análise do delito,
que justifica o próprio exame da situação flagrancial e, por sua vez, autoriza a imposição de medida restritiva de liberdade, reclama uma acurada valoração de todos os seus elementos integrativos. Nesse diapasão, faz-se imperioso frisar que a interpretação sistemática dos artigos 5º, inciso LXI da CRFB/88, 4º, 301 e 302 do Código de Processo Penal alinha-se nesse sentido, sempre fazendo alusão à verificação de existência da infração penal, cuja concepção engloba todos os seus componentes. De tal conjugação, depreende-se claramente que a Carta Republicana, em situação excepcional, autoriza a restrição da liberdade individual em situação de flagrante delito, bem como o legislador ordinário assevera que tal situação flagrancial vincula-se ao reconhecimento do cometimento de uma infração penal, nas hipóteses legalmente estipuladas. Ora, se a situação fática trazida à apreciação do Delegado de Polícia traduz-se em plena verificação de incidência de preceito de justificação, consoante as hipóteses legalmente estampadas no artigo 23 do Código Penal, conclui-se que a infração penal não restou perfectibilizada e, portanto, inexiste o delito que justifica a medida de restrição de liberdade, a ser instrumentalizada pelo próprio auto prisional. Certo é que a análise da tese flagrancial comporta um juízo de cognição sumária, onde cabe ao Delegado formar sua convicção, devidamente fundamentada, a partir dos elementos vestigiais de autoria e materialidade delitiva ora colhidos. Assim, entendendo presente um juízo de probabilidade quanto à verossimilhança do preceito permissivo, a solução que mais se adequa à ordem jurídica consiste no afastamento da lavratura do auto de prisão em flagrante e na imediata instauração do competente inquérito policial. Ocorre que a reforma processual realizada pelo advento da Lei nº 12.403/11 não promoveu efetividade à norma insculpida no parágrafo único do Artigo 310, o qual, por sua vez, reclama interpretação conforme à Constituição, sob pena do reconhecimento de sua não recepção, vez que patente seu retrocesso e franca oposição à ordem constitucional. A seu turno, o Delegado de Polícia, na qualidade de primeiro garantidor dos direitos fundamentais na persecução criminal, guarda como precípuo mister, essencial e exclusivo na ordem constitucional, ora referendado pelo advento da Lei nº 12.830/13, a apuração da autoria, materialidade e circunstâncias das infrações penais. No fiel exercício de sua atividade técnico-jurídica, compete ao Delegado de Polícia a imperativa necessidade de resguardo da dignidade da pessoa humana, erigida sob a forma de princípio fundamental da ordem republicana, na esteira do artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, bem como a tutela da liberdade, expressão maior dos direitos e garantias fundamentais, cuja eventual restrição condiciona-se exclusivamente a situações excepcionais e reguladas no arcabouço normativo, nos termos do artigo 5º da Carta Federativa. Desta forma, sobeja cristalino o reconhecimento de que, na análise da tese flagrancial, o Delegado de Polícia tem o poder-dever de examinar a incidência de eventual preceito de justificação, na esteira do artigo 23 do Código Penal, decidindo, de forma fundamentada, pelo afastamento da lavratura do auto de prisão em flagrante, com imediata instauração do inquérito policial. Referências: - CRFB/88, art. 1º, III, e art. 5º, inc. LXI; - Código de
Processo Penal, arts. 4º, 301, 302 e 310; - Código Penal, art. 23; - Lei nº 12.403/2011.
ENUNCIADO Nº 12O DELEGADO DE POLÍCIA PODERÁ DEIXAR DE LAVRAR O AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, ATRAVÉS DE DECISÃO FUNDAMENTADA, SE RECONHECER A EXISTÊNCIA MANIFESTA DE UMA CAUSA DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE, SEM PREJUÍZO DE EVENTUAL CONTROLE EXTERNO
Justificativa: O conceito operacional de crime, por imperiosa exigência da dogmática penal, é sequencial. Nesse sentido, cada etapa metodológica de valoração do fato punível apresenta nexo de dependência com a etapa anterior, funcionando como pressuposto lógico de análise da fase subsequente. Isso não é novidade. Nesse sentido, é de clareza hialina que a análise da situação de “flagrante delito” positivada no art. 302 do CPP pressupõe a valoração da culpabilidade do agente conduzido à presença do Delegado de Polícia. Não existe qualquer vedação expressa nesse sentido. A Lei 12.830/13 reforçou normativamente essa previsão ao estabelecer que o Delegado de Polícia tem liberdade jurídica para a apreciação dos fatos. Nesse escopo, se o Delegado de Polícia pode formar o seu convencimento positivo acerca da totalidade dos requisitos do conceito de crime para documentar a prisão, por que não poderia fazê-lo negativamente, para reconhecer a ausência de contrariedade à norma, para fins de reprovação penal? Deve o Delegado de Polícia empurrar com seus pés à escuridão do cárcere um sujeito que aparentemente agiu sob o manto de uma causa de exclusão de culpabilidade? Obviamente que esse entendimento não se coaduna com a função de primeiro garantidor dos direitos fundamentais. O prof. Hélio Tornaghi no infinito de sua sabedoria já asseverava:
“Com sacrifício de algumas horas de lazer, fossem olhar as prisões onde milhares
de pessoas definhavam, vítimas de leis viciadas e de magistrados indolentes; em
que os cárceres fétidos e escuros eram tristes monumentos da miséria humana,
contornados por muros apavorantes onde a liberdade estava cercada de ferros e
a inocência se misturava ao crime; subterrâneos em que a luz do dia não entrava
e nos quais jaziam sepultados os pobres infelizes, que haviam cometido o
desaforo de dizer-se inocentes diante de um juiz obtuso ou perverso (...)
Desventuradamente – oh triste e desditosa humanidade- os ventos da
prepotência continuam a soprar, frios, gelados, siberianos, e o urso polar sufoca
com pés de ferro multidões de desgraçados aos quais promete tesouros, mas que
não são livres nem para morrer. Infortunadamente, nos países amantes da
liberdade, gemem ainda os infelizes em prisões abjetas, indignas de vermes,
quanto mais de pessoas criadas à imagem e semelhança do Senhor.” (Curso de
Processo Penal, Vol.2, pág. 2 Hélio Tornagui).”
De mais a mais, mesmo que suficiente a leitura napoleônica do art. 302 do CPP, ad argumentandum, há que se considerar que o art.310, p.u, do CPP não cristalizou uma exclusividade para apreciação das causas de justificação e exculpação. Esse dispositivo está inexoravelmente ligado à existência material de um auto de prisão em flagrante. Logo, esse artigo somente tem aplicação para aquelas situações nas quais o Delegado de Polícia imputa a prática do delito ao preso. Dessa forma, esse artigo confere ao Magistrado como segunda instância das decisões do Delegado, quando esse entender presente os requisitos do crime. Trata-se de interpretação prospectiva do CPP, atenta ao princípio constitucional do favor rei. Referências: - Código de Processo Penal, art. 302 e 310; - Lei nº 12.830/2013.
ENUNCIADO Nº 13O CONTROLE EXTERNO A QUE SE REFERE O ART. 129, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DEVE SER REALIZADO SOBRE OS RESULTADOS E OS MEIOS EMPREGADOS PARA EXECUÇÃO DA ATIVIDADE-FIM DA POLÍCIA JUDICIÁRIA - A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL -, NÃO PODENDO ABARCAR O CONTROLE SOBRE AS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS DESEMPENHADAS
Justificativa: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 129, inc. VII, preceitua que o Ministério Público detém o poder de exercer o controle externo da atividade policial, a ser disciplinada em lei complementar. A lei complementar nº 75/1993, relativa à organização do Ministério Público da União, prevê em seu artigo 3º a atribuição para exercer o controle externo da atividade policial, com o objetivo de assegurar:
“a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais,
bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;
b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;
c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;
d) a indisponibilidade da persecução penal;
e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.”
Merece análise também a Lei Orgânica do Ministério Público – Lei nº 8.625/1993 que dispõe sobre normas gerais para a organização dos Ministérios Públicos Estaduais. Neste diploma, assim como na aludida Lei Complementar, observa-se que o controle externo da atividade policial tem incidência na investigação criminal, permitindo aos membros do Parquet acompanhar inquérito policial ou diligências investigatórias, bem como requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, conforme, respectivamente, previsto no art. 10, inc. IX, “e”, e art. 26, inc. IV da LOMP. Registra-se ainda que o controle
exercido pelo Ministério Público se encontra inserido no chamado sistema de freios e contrapesos que foi estabelecido em nosso texto constitucional para garantir a separação dos poderes e evitar que algum atue de forma desmedida. Com fulcro nesta ótica, percebe-se claramente que o controle externo exercido pelo Ministério Público deva se restringir à fiscalização do exercício da atividade-fim desempenhada pela Polícia Judiciária, qual seja, a investigação criminal, de modo a velar que tal órgão, sob o pretexto de exercer sua função constitucionalmente assegurada, não viole direitos estabelecidos em nossa Carta Magna. No tocante à fiscalização das atividades inerentes à função administrativa da Polícia Civil, podendo citar o controle de bens públicos destinados pelo Estado para execução da atividade-fim, a organização de quadro de pessoal, o cumprimento das atribuições de cada unidade policial, dentre outras, como ocorre em qualquer outro Poder, deve permanecer a cargo dos órgãos responsáveis pela realização do controle interno. De acordo com o magistério de José dos Santos Carvalho Filho “controle interno é aquele exercido por órgãos de um Poder sobre condutas administrativas produzidas dentro de sua esfera” (Manual de Direito Administrativo, Atlas: São Paulo, 25 ed., 2012). Observa-se que, na própria estrutura da Polícia Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, há um órgão com atribuição para realizar o controle interno das atividades administrativas: a Corregedoria Interna (COINPOL). Ademais no âmbito da Secretaria de Segurança Pública existe a CGU, Corregedoria Geral Unificada, também incumbida de tal atribuição, atuando externamente. Deve-se observar que a Polícia Civil integra o Poder Executivo, não restando qualquer razão para que um órgão diverso, Ministério Público, assuma a realização de sua fiscalização meramente administrativa. Corrobora também tal entendimento o princípio da eficiência, inserido em nossa Carta Magna pela EC nº 19/1998. Para este princípio, urge um aumento da produtividade com redução de desperdícios de dinheiro público, devendo os serviços públicos ser realizados com presteza, perfeição e rendimento funcional. Por sua vez o princípio da economicidade, expressamente previsto no art. 70 da CRFB, propõe, em síntese, a promoção de resultados esperados com o menor custo possível. É a união da qualidade, celeridade e menor custo na prestação do serviço ou no trato com os bens públicos. Atribuir a fiscalização dos atos administrativos praticados pelas Polícias Judiciárias a órgão diverso, além de promover desgastes na separação harmônica dos poderes, implicaria em menor produtividade por tratar-se o pretenso fiscalizador de órgão não afeto às rotinas e padrões do órgão fiscalizado. Ademais ampliar as atribuições de um órgão já assoberbado de atribuições e afazeres, cujo custeio e mão de obra requerem vultosos investimentos do erário, para, com prejuízo de suas funções precípuas, incumbir-se de fiscalização administrativa das Polícias Judiciárias, concorrente às Corregedorias Internas e também às Corregedorias Gerais Unificadas (no caso das Polícias Civis), tratar-se-ia de verdadeira afronta aos princípios da eficiência e economicidade, vulnerando também o princípio da razoabilidade. Pelo exposto, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público deve restringir-se aos atos desempenhados durante a investigação criminal em sua atividade fim, jamais
àqueles praticados em sua atividade meio, sob pena de violação da separação harmônica de poderes e dos princípios da eficiência, economicidade e razoabilidade.Referências: - CRFB, art. 37, 70 e 129, VII; - LC nº 75/1993, art. 3º; - Lei nº 8.625/1993 (LOMP), art. 10, IX e art. 26, IV.
ENUNCIADO Nº 14O MERO EXTRAVIO DE CHEQUE BANCÁRIO NÃO CONSTITUI INFRAÇÃO PENAL, ESTANDO EIVADO DE ILEGALIDADE O DISPOSTO NO ART. 5º, § 1º DA RESOLUÇÃO Nº 3.972/11 DO BACEN
Justificativa: O extravio de cheque bancário, per si só, é fato atípico e, portanto, não passível de apuração por parte da polícia judiciária. Desta forma, não é cabível registro de ocorrência policial de extravio de cheque, devendo as comunicações pertinentes serem feitas à instituição bancária e/ou órgãos de defesa ao crédito, públicos ou privados, constituídos para este fim. Padece, portanto, do vício da ilegalidade a exigência de apresentação de registro de ocorrência policial por parte do correntista à instituição financeira para que possa ser solicitada a sustação ou revogação de cheque, ferindo o comando do art. 5º, § 1º da Resolução nº 3.972/11 do Banco Central do Brasil o princípio da legalidade estrita, por pretender um ato normativo administrativo inovar na ordem jurídica. Não o bastante, tal dispositivo fere o pacto federativo, além de pretender usurpar, por via transversa, o comando das atividades de polícia judiciária dos Delegados das Polícias Federal e Civis ao propor a autarquia federal uma regra de conduta, não prevista em lei, sobre uma atividade inerente a órgãos de entes políticos autônomos. Cabe, desta forma, o correntista que tenha negado a sua solicitação de sustação ou revogação cheque extraviado buscar junto à Justiça Federal o seu direito líquido e certo que não ter sua pretensão legítima obstaculizada por uma normativa desprovida de amparo jurídico através da exigência de um documento ao qual não pode obter, sem prejuízo da busca judicial de indenização e compensação por eventuais danos materiais e morais pela autarquia e pela instituição financeira solidariamente. Referências: - CRFB/1988, art. 5º, II; art. 25 caput; art. 32, § 4º; art. 144, §§ 1º e 4º; - Lei nº 12.830/13, art. 2º, § 1º; - Resolução 3.972 de 28 abril de 2011 do Banco Central do Brasil.
ENUNCIADO Nº 15APÓS O DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO A DOIS MANDADOS DE INTIMAÇÃO, PODERÁ O DELEGADO DE POLÍCIA DETERMINAR A CONDUÇÃO COERCITIVA DE PARTES À UNIDADE POLICIAL
Justificativa: A condução coercitiva é regulamentada no Código de Processo Penal nos arts. 201, §1º; 218 e 260, a saber:
Art. 201, CPP. [...]
§1º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o
ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. (Incluído pela Lei nº
11.690, de 2008).
Art. 218, CPP. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer
sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua
apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá
solicitar o auxílio da força pública.
Art. 260, CPP. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório,
reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a
autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Tendo em vista a condução coercitiva não constituir modalidade de prisão, esta foi perfeitamente recepcionada pela Constituição da República, em seu art. 5º, LXI. Outrossim, mostra-se perfeitamente possível a condução coercitiva realizada durante o Inquérito Policial, tendo em vista que a palavra “autoridade” utilizada pelo Código de Processo Penal não se restringe à autoridade judiciária. Muito pelo contrário, quando o legislador assim desejou, restringiu expressamente. Neste mesmo sentido, a Resolução SEPC nº 605, de 27 de julho de 1993, que aprovou o Manual de Procedimentos de Polícia Judiciária, expressamente autoriza ao Delegado de Polícia a utilização do instrumento da condução coercitiva. Cria, contudo, a necessidade de que a parte seja regularmente intimada por duas vezes, não apresentando justificativa para sua ausência.
Art. 36 - Se regularmente intimada por duas vezes a testemunha não comparecer
nem apresentar justificativa, a autoridade mandará conduzi-la a sua presença,
mediante mandado de condução coercitiva.
Cite-se, nesta linha, jurisprudência do STF:
Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO
DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS.
POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E
DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE
FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS
PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL,
APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO.
LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE
JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO
BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO
VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144,
§ 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de
Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas
pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito,
todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o
comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as
providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de
pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e
constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada
teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-
americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há
previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá
poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais,
bem como para exercer as funções de polícia judiciária. V – A custódia do
paciente ocorreu por decisão judicial fundamentada, depois de ele confessar o
crime e de ser interrogado pela autoridade policial, não havendo, assim, qualquer
ofensa à clausula constitucional da reserva de jurisdição que deve estar presente
nas hipóteses dos incisos LXI e LXII do art. 5º da Constituição Federal. VI – O uso
de algemas foi devidamente justificado pelas circunstâncias que envolveram o
caso, diante da possibilidade de o paciente atentar contra a própria integridade
física ou de terceiros. VII – Não restou constatada a confissão mediante tortura,
nem a violação do art. 5º, LXII e LXIII, da Carta Magna, nem tampouco as
formalidade previstas no art. 6º, V, do Código de Processo Penal. VIII –
Inexistência de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da oitiva das
testemunhas arroladas pelo paciente e do pedido de diligências, aliás requeridas
a destempo, haja vista a inércia da defesa e a consequente preclusão dos pleitos.
IX – A jurisprudência desta Corte, ademais, firmou-se no sentido de que não há
falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma
fundamentada, lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos,
indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária
ou protelatória, sendo certo que a defesa do paciente não se desincumbiu de
indicar, oportunamente, quais os elementos de provas pretendia produzir para
levar à absolvição do paciente. X – É desprovido de fundamento jurídico o
argumento de que houve inversão na ordem de apresentação das alegação finais,
haja vista que, diante da juntada de outros documentos pela defesa nas
alegações, a magistrada processante determinou nova vista dos autos ao
Ministério Público e ao assistente de acusação, não havendo, nesse ato, qualquer
irregularidade processual. Pelo contrário, o que se deu na espécie foi a estrita
observância aos princípios do devido processo legal e do contraditório. XI – A
prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a garantia da instrução
criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do paciente,
verificada pela gravidade in concreto do crime, bem como pelo modus operandi
mediante o qual foi praticado o delito. Ademais, o paciente evadiu-se do distrito
da culpa após a condenação. XII – Ordem denegada.” (HC 107644, Relator(a):
Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 17-10-2011 PUBLIC 18-10-2011).
Referências: - CRFB/1988, art. 5º, LXI; - Código de Processo Penal, artigos 201, §1º; 218 e 260; - Resolução SEPC nº 605, de 27 de julho de 1993, art. 36; - STF, HC 107644.
ENUNCIADO Nº 16O DELEGADO DE POLÍCIA, EM SUA MOTIVADA AVALIAÇÃO JURÍDICA QUANTO À TIPIFICAÇÃO E AO ESTADO FLAGRANCIAL, CONHECERÁ DE CAUSAS DE AUMENTO OU DIMINUIÇÃO DE PENA EM ABSTRATO, BEM COMO DE PLURALIDADE DELITIVA
Justificativa: A figura do Delegado de Polícia, com o advento da Constituição Republicana de 1988, ganha novos contornos, na medida em que deverá atuar na persecução penal como primeiro garantidor dos direitos fundamentais. Nesta linha, o Delegado de Polícia deve realizar juízo de valor jurídico sobre o fato criminoso, realizando sua tipificação penal. Para tal desiderato, o Delegado possui plena autonomia regrada para conhecer de causas de aumento ou diminuição de pena, tanto previstas na parte geral, quanto especial do Código Penal. O mesmo se diga quanto à análise de eventuais aumentos de penas decorrentes do concurso material de crimes, do concurso formal ou mesmo da continuidade delitiva. Tal juízo de valor encontra-se ínsito na própria natureza das atribuições do cargo de Delegado de Polícia, inerente à Presidência da Investigação Policial.
ENUNCIADO Nº 17NÃO SERÁ LAVRADO REGISTRO DE OCORRÊNCIA QUANDO TRATAR-SE DE CRIME DE AÇÃO PENAL PRIVADA OU PÚBLICA CONDICIONADA E A VÍTIMA OU QUEM TENHA QUALIDADE PARA REPRESENTÁ-LA MANIFESTAR A FALTA DE INTERESSE NO PROSSEGUIMENTO DO FEITO, EM FACE DA AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Os registros de ocorrência de polícia judiciária têm como objetivo a notificação formal e padrão de uma notitia criminis ou de fato administrativo de repercussão jurídica interna na Polícia Civil ao Delegado de Polícia, com vistas a controle estatístico-cadastral e também a subsidiar o início de uma apuração, ainda que posterior. Daí, registro de fatos que não serão objetos de investigação por falta de condição de procedibilidade ferem a própria ratio essendi do registro de ocorrência policial, além de constituir usurpação das funções das serventias extrajudiciais, tabelares e registrais. Crimes de ação penal privada ou ação penal pública condicionada à representação têm como condição de procedibilidade para o início da investigação a manifestação da vítima ou seu representante legal, conforme art. 5º, § 4º, do CPP. Desta forma, registros de ocorrências de crimes de ação privada ou pública condicionada somente serão objeto de registro sem a representação da vítima ou seu representante legal, caso estes não tenham como manifestar sua vontade naquele exato momento da notícia. Tais registros, entretanto, serão feitos e sobrestadas as atividades investigativas até que haja manifestação do legitimado para requerer o seu prosseguimento, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses. Havendo manifestação expressa negativa quanto ao oferecimento da representação, todavia, nem mesmo o registro de ocorrência será lavrado, recomendando-se a coleta por escrito de termo de desinteresse o qual terá breve descrição dos fatos, para seu arquivamento em livro próprio na unidade policial. Para as delegacias inseridas no programa Delegacia Legal, recomenda-se a criação de peça própria de termo de desinteresse no SCO, dentro dos procedimentos administrativos.Referências: - Código de Processo Penal, art. 5º, § 4º; art. 38.
ENUNCIADO Nº 18A REQUISIÇÃO DE EXAME PERICIAL EM DISPOSITIVOS DE ARMAZENAMENTO DE MÍDIA DIGITAL PELO DELEGADO DE POLÍCIA PRESCINDE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, CONTANTO QUE A SUA APREENSÃO TENHA SIDO FEITA DENTRO DOS DITAMES LEGAIS
Justificativa: O exame pericial em dados constantes em dispositivos de armazenamento digital em nada se confunde com o instituto da interceptação de dados, esta sim, sujeita a sigilo constitucional que somente pode ser afastado por ordem judicial, e conforme a regulamentação prevista na lei. Ao passo que nos dispositivos de mídias digitais, os dados encontram-se estáticos, alocados de maneira perene em determinado ambiente, a interceptação pressupõe uma comunicação de dados e um acesso indevido a estes por terceiros enquanto em trânsito, violando sua confidencialidade, integridade ou disponibilidade. Assim sendo, a comunicação de dados tem a sua proteção constitucional prevista no art. 5º, inc. XII da CRFB, o qual condiciona seu afastamento à autorização judicial na forma da lei. Os dados, uma vez armazenados, estão sujeitos a proteção do inciso X do mesmo artigo, podendo ter seu sigilo afastado pelo Delegado de Polícia conforme disposto em legislação ordinária. Neste sentido já decidiu o STF
reiteradamente, sendo uma das mais recentes no julgamento do HC 91.867/PA, cujo trecho do voto do Ministro-Relator Gilmar Mendes passamos a transcrever:
“2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de
registros telefônicos de corréu, executor do crime, semautorização judicial. 2.1
Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante
do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois
aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2não se confundem
comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção
jurídica distinta.
Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de
proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção
constitucional é da comunicação de dados e não dos dados.2.3 Art. 6º do
CPP:dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório
da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos
aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a
autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher
elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do
delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o
ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória
a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes
para a investigação.”
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus ,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 24.04.2012.
Sob a perspectiva dos peritos criminais que forem destinatários de requisição de perícias de dispositivos de mídias pelo delegado de polícia, não cabe a estes tecer qualquer análise sobre a licitude da prova colhida e da requisição. Em primeiro lugar, por não exercerem cargo de formação jurídica, lhes faltando aptidão técnica para avaliações jurídicas das ordens que lhe forem emanadas; em segundo lugar, por desconhecerem o todo das investigações, sempre compartimentadas, somente sabendo do contexto em que se deu a apreensão na medida em que este for necessário para a execução de seu munus; em terceiro lugar, por se tratarem de requisições, e não mera solicitações, tendo portanto a natureza de comando imperativo do qual não pode o perito se escusar de cumprir, sob pena de estar cometendo infração disciplinar ou até mesmo, eventual crime de prevaricação.Referências: – CRFB, art. 5º, incisos X e XII, art. 144, inc IV, § 4; – ei 9.296/96; – lei 12.830/13, Art. 2º, inc II; – CPP, art. 6º, inc VII;
ENUNCIADO Nº 19OS DADOS CADASTRAIS DE CLIENTES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, OPERADORAS DE TELEFONIA FIXA E MÓVEL, DENTRE OUTRAS, NÃO TÊM SEU SIGILO CONDICIONADO À RESERVA DE JURISDIÇÃO, PODENDO SER REQUISITADOS DIRETAMENTE PELO DELEGADO DE POLÍCIA, QUE DEVERÁ ESTABELECER PRAZO RAZOÁVEL PARA A SUA RESPOSTA, CUJO DESCUMPRIMENTO ENSEJARÁ A OCORRÊNCIA DO CRIME PREVISTO NO ART. 21 DA LEI Nº 12.850/13, OU SUBSIDIARIAMENTE, O DO ART. 330 DO CÓDIGO PENAL
Justificativa:O referido enunciado tem por escopo disciplinar o poder geral de requisição do Delegado de Polícia, já consolidado expressamente nas Leis 12.830/13 e 12.850/13, para a instrução da investigação criminal. Nesse sentido, para fins de resolução de conflitos entre a privacidade e o dever do Estado de aplicar as leis penais, os dados cadastrais das pessoas não estão albergados pelo o manto constitucional. A Carta da República salvaguardou a inviolabilidade da intimidade nesses termos:
Art.5o, XII “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal”.
Nesse prisma, conforme se denota no comando constitucional, a extensão da proteção ao direito da intimidade diz respeito somente e tão somente ao processo de comunicação entre os indivíduos, que, nesse caso admite ser excepcionado por ordem judicial, como já se posicionou a jurisprudência do STF: “Da minha leitura, no inciso XII da Lei Fundamental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação ‘de dados’, e não os ‘dados’, o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse.” (MS 21.729 , voto do Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 5-10-1995, Plenário, DJ de 19-10- 2001). Assim, no que diz respeito aos dados cadastrais, responsáveis pela a simples identificação do sujeito, para o quantum statis da persecução penal, não se é exigível ordem judicial. Nessa toada, vale destacar, que uma das características mais marcantes dos direitos fundamentais repousa justamente na sua relatividade, isto é, no fato deles não serem absolutos. Já se tornou pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentem outros valores de ordem constitucional, in casu, a segurança pública. A própria Constituição assegurou, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. O art. 6º, II a VI, do CPP, c/c o art.2o, § 2o, da Lei 12.830/13 c/c os arts. 15 e 21 da Lei 12.850/13, estabeleceu as providências a serem tomadas pelos Delegados de Polícia quando tiverem o conhecimento da ocorrência de um delito. Assim, é de clareza hialina que a mens legis do ordenamento jurídico foi no sentido de consagrar autonomia às Polícias Civis e Federal, através dos meios normativo-jurídicos indispensáveis para a elucidação
das práticas criminosas no corpo social. Concluindo, o poder de requisição do Delegado de Polícia deve ser recebido como uma ordem direta dirigida às instituições financeiras, operadoras de telefonia fixa e móvel, impondo um verdadeiro status de subordinação desses frente ao poder público, no seu mister de buscar a verdade dos fatos no inquérito policial. Referências: - CRFB/88, Art. 144, §4º; - CPP, Art. 6º, II a VI; - Lei nº 12.830/13, art. 2º, §2º; - Lei nº 12.850/13, art. 15 e 21.