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ESTADO DE MINAS T E R Ç A - F E I R A , 1 9 D E J U N H O D E 2 0 1 2 POL ÍTICA EDITOR: Baptista Chagas de Almeida EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5293 3 Historiadores são convocados para analisar depoimentos da presidente sobre o período em que foi torturada nas prisões do estado, publicados pelo Estado de Minas com exclusividade COMISSÃO DA VERDADE Na trilha de Dilma em Minas » O Estado de Minas iniciou domingo uma série de reportagens em que revela com exclusividade documentos, até então inéditos, que comprovam que a presidente Dilma Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava. Os documentos reproduzem o depoimento pessoal de Dilma ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), em outubro de 2001, no qual ela relata com detalhes todo o sofrimento vivido em Minas como a militante política de codinome Estela, aos 22 anos. “Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador ‘experiente’ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina”, contou Dilma na época. » Na edição de ontem, o EM mostrou que bilhetes endereçados a Dilma e interceptados por agentes militares foram os responsáveis por novas sessões de tortura em Minas. Os militares acreditavam que ela teria organizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga ao militante Ângelo Pezzuti, que usava o codinome Gabriel. Por causa de 22 bilhetes encaminhados para a militante Estela, um dos codinomes usados por Dilma, ela teria voltado a ser torturada. A série de reportagens iniciada domingo teve repercussão na imprensa internacional. A presidente leu seu conteúdo antes de embarcar para o México, mas preferiu ficar em silêncio. A Comissão da Verdade vai investigar o conteúdo do acer- vo do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG) para ten- tar jogar luz na história das tor- turas sofridas pela presidente Dilma Rousseff (PT) e por ou- tros militantes à época da dita- dura militar (1964–1985). “Re- cebi a determinação de mobi- lizar os pesquisadores para le- vantar quais são os depoimen- tos colhidos pelo Conedh-MG e qual o conteúdo do acervo”, afirma a assessora da Comis- são da Verdade e historiadora da Universidade Federal de Mi- nas Gerais (UFMG), Heloísa Starling. O depoimento de Dil- ma e os detalhes da tortura so- frida pela presidente em Juiz de Fora, na Zona da Mata, fo- ram revelados com exclusivi- dade pelo Estado de Minas. Até então sabia-se apenas das prisões e abusos dos militares quando Dilma esteve presa em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Comissão da Verdade foi nomeada pela própria Dilma no mês passado e tem a mis- são de apurar principalmente os fatos ocorridos durante o período da ditadura militar no Brasil. Heloísa é a única asses- sora historiadora da comissão e pode, se for necessário, mobi- lizar até 19 pesquisadores para fazer um levantamento no acervo da Conedh-MG, sendo que a maior parte são historia- dores da UFMG. O acervo do Conedh-MG tem mais de 700 processos, que foram abertos com o objetivo de indenizar os presos políticos do estado. A comissão tem sete inte- grantes: o coordenador, Gil- son Dipp, ministro do Supe- rior Tribunal de Justiça (STJ); José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça; Rosa Maria Cardoso da Cunha, ad- vogada; Cláudio Fonteles, ex- procurador-geral da Repúbli- ca; Paulo Sérgio Pinheiro, so- ciólogo; Maria Rita Kehl, psica- nalista; e José Paulo Cavalcan- ti Filho, advogado. Dois dos sete membros da Comissão da Verdade, José Carlos Dias e Maria Rita Kehl, se reuniram ontem em São Paulo e tomaram a decisão, co- municando o fato a Heloísa. “Os depoimento, inéditos, re- velam graves violações aos di- reitos humanos. Devemos in- vestigar”, comentou José Car- los Dias. Gilson Dipp acredita que, até o momento, não há necessidade de convocar a presidente, mas não descarta a possibilidade de ouvi-la sobre as torturas sofridas no perío- do. “Os detalhes do depoimen- to são pesados e doloridos", afirmou Dipp. A Comissão da Verdade te- rá dois anos para elaborar um amplo relatório do que for apurado sobre casos graves de violações de direitos huma- nos, como torturas, mortes e desaparecimentos, mas a in- tenção é que o levantamento sobre as torturas e prisões de Dilma seja feito o mais rápido possível. O testemunho da presidente Dilma, revelado pe- lo EM, foi prestado em 2001, quando ela era secretária das Minas e Energia do governo do Rio Grande do Sul e nem imaginava que se tornaria pre- sidente do país. Dilma narrou, de forma de- talhada e emocionada, as ses- sões de humilhações provoca- das por torturas no pau de ara- ra, eletrochoques, socos e chu- tes, que causaram deformação na arcada dentária dela. A cor- reção da arcada dentária foi uma das cirurgias a que Dilma se submeteu às vésperas da campanha presidencial de 2010. “A pior coisa é esperar por tortura”, diz ela no relato de 2001. "As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim.” A presidente já havia sido torturada em São Paulo e no Rio de Janeiro e voltou a passar pelas humilhações devido aos militares acreditarem que ela recebeu bilhetes de Ângelo Pe- zzuti, principal dirigente do Comando de Libertação Na- cional (Colina), do qual Dilma fez parte. Gilson Dipp e José Carlos Dias, integrantes da comissão criada no mês passado: “Violações dos direitos humanos devem ser investigadas” FATOS DA HISTÓRIA O ministro da Defesa, Celso Amorim, afirmou ontem que relatos como o da presidente Dilma Rousseff sobre as torturas sofridas durante o regime militar “são fatos da história”. Ele evitou se estender sobre o tema. “São fatos da história. Eles vão aparecendo. Cada cidadão forme a sua ideia sobre isso. A Comissão da Verdade é para que as pessoas conheçam os fatos sobre todos os ângulos”, disse ele, em visita à exposição Humanidade, no Forte de Copacabana DANIEL CAMARGOS O QUE JÁ FOI MOSTRADO FOTOS: REPRODUÇÃO/EM LEIA MAIS SOBRE A TORTURA NO PERÍODO DA DIDATURA PÁGINAS 4 E 5 WILSON DIAS/ABR Recebi a determinação de mobilizar os pesquisadores para levantar quais são os depoimentos colhidos pelo Conedh-MG e qual o conteúdo do acervo” Heloísa Starling, assessora da Comissão da Verdade e historiadora da UFMG JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS - 23/10/08

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E S T A D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 1 9 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r

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Historiadores são convocados para analisar depoimentos da presidente sobre o período emque foi torturada nas prisões do estado, publicados pelo Estado de Minas com exclusividade

COMISSÃO DA VERDADE

Na trilha de Dilma em Minas

» O Estado de Minas iniciou domingo uma série de reportagens em querevela com exclusividade documentos, até então inéditos, que comprovamque a presidente Dilma Rousseff foi torturada nos porões da ditadura emJuiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Riode Janeiro, como se pensava. Os documentos reproduzem o depoimentopessoal de Dilma ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais(Conedh-MG), em outubro de 2001, no qual ela relata com detalhes todoo sofrimento vivido em Minas como a militante política de codinomeEstela, aos 22 anos. “Se o interrogatório é de longa duração, cominterrogador ‘experiente’ele te bota no pau de arara alguns momentos edepois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina”,contou Dilma na época.

» Na edição de ontem, o EM mostrou que bilhetes endereçados a Dilma einterceptados por agentes militares foram os responsáveis por novassessões de tortura em Minas. Os militares acreditavam que ela teriaorganizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga ao militante ÂngeloPezzuti, que usava o codinome Gabriel. Por causa de 22 bilhetesencaminhados para a militante Estela, um dos codinomes usados porDilma, ela teria voltado a ser torturada. A série de reportagens iniciadadomingo teve repercussão na imprensa internacional. A presidente leu seuconteúdo antes de embarcar para o México, mas preferiu ficar em silêncio.

A Comissão da Verdade vaiinvestigar o conteúdo do acer-vo do Conselho de Defesa dosDireitos Humanos de MinasGerais (Conedh-MG) para ten-tar jogar luz na história das tor-turas sofridas pela presidenteDilma Rousseff (PT) e por ou-tros militantes à época da dita-dura militar (1964–1985). “Re-cebi a determinação de mobi-lizar os pesquisadores para le-vantar quais são os depoimen-tos colhidos pelo Conedh-MGe qual o conteúdo do acervo”,afirma a assessora da Comis-são da Verdade e historiadorada Universidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG), HeloísaStarling. O depoimento de Dil-ma e os detalhes da tortura so-frida pela presidente em Juizde Fora, na Zona da Mata, fo-ram revelados com exclusivi-dade pelo Estado de Minas.Até então sabia-se apenas dasprisões e abusos dos militaresquando Dilma esteve presa emSão Paulo e no Rio de Janeiro.

A Comissão da Verdade foinomeada pela própria Dilmano mês passado e tem a mis-são de apurar principalmenteos fatos ocorridos durante operíodo da ditadura militar noBrasil. Heloísa é a única asses-sora historiadora da comissãoe pode, se for necessário, mobi-lizar até 19 pesquisadores parafazer um levantamento noacervo da Conedh-MG, sendoque a maior parte são historia-dores da UFMG. O acervo doConedh-MG tem mais de 700processos, que foram abertoscom o objetivo de indenizar ospresos políticos do estado.

A comissão tem sete inte-grantes: o coordenador, Gil-son Dipp, ministro do Supe-rior Tribunal de Justiça (STJ);José Carlos Dias, advogado eex-ministro da Justiça; RosaMaria Cardoso da Cunha, ad-vogada; Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da Repúbli-ca; Paulo Sérgio Pinheiro, so-ciólogo; Maria Rita Kehl, psica-nalista; e José Paulo Cavalcan-ti Filho, advogado.

Dois dos sete membros da

Comissão da Verdade, JoséCarlos Dias e Maria Rita Kehl,se reuniram ontem em SãoPaulo e tomaram a decisão, co-municando o fato a Heloísa.“Os depoimento, inéditos, re-velam graves violações aos di-reitos humanos. Devemos in-vestigar”, comentou José Car-los Dias. Gilson Dipp acreditaque, até o momento, não hánecessidade de convocar apresidente, mas não descarta apossibilidade de ouvi-la sobreas torturas sofridas no perío-do. “Os detalhes do depoimen-to são pesados e doloridos",afirmou Dipp.

A Comissão da Verdade te-rá dois anos para elaborar umamplo relatório do que forapurado sobre casos graves deviolações de direitos huma-nos, como torturas, mortes edesaparecimentos, mas a in-tenção é que o levantamentosobre as torturas e prisões deDilma seja feito o mais rápidopossível. O testemunho dapresidente Dilma, revelado pe-lo EM, foi prestado em 2001,quando ela era secretária dasMinas e Energia do governodo Rio Grande do Sul e nemimaginava que se tornaria pre-sidente do país.

Dilma narrou, de forma de-talhada e emocionada, as ses-sões de humilhações provoca-das por torturas no pau de ara-ra, eletrochoques, socos e chu-tes, que causaram deformaçãona arcada dentária dela. A cor-reção da arcada dentária foiuma das cirurgias a que Dilmase submeteu às vésperas dacampanha presidencial de2010. “A pior coisa é esperarpor tortura”, diz ela no relatode 2001. "As marcas da torturasou eu. Fazem parte de mim.”

A presidente já havia sidotorturada em São Paulo e noRio de Janeiro e voltou a passarpelas humilhações devido aosmilitares acreditarem que elarecebeu bilhetes de Ângelo Pe-zzuti, principal dirigente doComando de Libertação Na-cional (Colina), do qual Dilmafez parte.

Gilson Dipp e José Carlos Dias, integrantes da comissão criada no mês passado: “Violações dos direitos humanos devem ser investigadas”

FATOS DAHISTÓRIA

O ministro da Defesa, CelsoAmorim, afirmou ontem

que relatos como o dapresidente Dilma Rousseffsobre as torturas sofridasdurante o regime militar

“são fatos da história”. Eleevitou se estender sobre o

tema. “São fatos dahistória. Eles vão

aparecendo. Cada cidadãoforme a sua ideia sobre

isso. A Comissão daVerdade é para que as

pessoas conheçam os fatossobre todos os ângulos”,

disse ele, em visita àexposição Humanidade,no Forte de Copacabana

DANIEL CAMARGOS

O QUE JÁ FOI MOSTRADO

FOTOS: REPRODUÇÃO/EM

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WILSON DIAS/ABR

Recebi a determinação de mobilizar ospesquisadores para levantar quais são osdepoimentos colhidos pelo Conedh-MGe qual o conteúdo do acervo”

■ Heloísa Starling, assessora da Comissão da Verdade e historiadora da UFMG

JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS - 23/10/08