Upload
daniel-camargos
View
113
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
E S T A D O D E M I N A S ● Q U I N T A - F E I R A , 2 1 D E J U N H O D E 2 0 1 2
POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a
E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e
E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r
T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 9 3
3
Ao lado do depoimento da ex-militante Dilma estão guardados quase mil processos em quecompanheiros de luta contam com detalhes técnicas de tortura adotadas pelos seus algozes
RELATOS DE HORRORESCONDIDOS NO ANONIMATO
O QUE JÁ FOIMOSTRADO
O Estado de Minas iniciou domingouma série de reportagens em querevela com exclusividade documentos,até então inéditos, que comprovamque a presidente Dilma Rousseff foitorturada nos porões da ditadura emJuiz de Fora, Zona da Mata mineira, enão apenas em São Paulo e no Rio deJaneiro, como se pensava. Osdocumentos reproduzem o depoimentopessoal de Dilma dado em outubro de2001, no qual ela relata com detalhestodo o sofrimento vivido em Minascomo militante política de codinomeEstela. A série de reportagens teverepercussão na imprensa internacionale motivou a Comissão Nacional daVerdade a mobilizar um grupo dehistoriadores para analisar otestemunho da presidente. O jornal coma reportagem chegou às mãos de Dilmano domingo, antes de ela embarcarpara o México. A presidente leu seuconteúdo, mas preferiu ficar em silêncio.
REP
ROD
UÇÃ
O/E
M
SANDRA KIEFER
Odepoimento pessoal de DilmaRousseff, que 30 anos depois desofrer tortura em Juiz de Foraseria eleita presidente do Brasil,é apenas uma parte num con-junto de 916 peças de horrorque estavam até agora esqueci-das na última sala do Conselho
deDefesadosDireitosHumanosdeMinasGerais(Co-nedh-MG),noEdifícioMaletta,noCentrodeBeloHo-rizonte.Nesseteatrodebarbárieeagonias,nãohápro-tagonistas.Sãohistóriasdecentenasdemilitantespo-líticos de Minas torturados na frente de seus bebês,homens casados que se tornaram estéreis por levarchoque nos órgãos genitais e mulheres que seriamvioladas no anonimato das celas pelos seus algozes.
Uma das técnicas mais sádicas de tortura era a da“latinha”.“Aprimeiracoisaqueelesfaziameraarran-car a roupa da gente e deixar completamente nua.Depois,colocavamdescalçaemcimadeduaslatinhasabertas,comoadesalsicha,comasbordasafundandono pé. A gente tinha de aguentar até não poder mais.Se caísse ou descesse, era espancada por eles. Era umtipo de crueldade abaixo do nível humano. Era bes-tial”, revela o trecho de uma das vítimas, que perma-nece aqui no anonimato.
Outro“método”relatadonasprisõesmineirasnãoenvolvia o emprego da violência física. Na verdade,nem precisava. Seu teor era psicológico. Era usadaprincipalmentecommãesougrávidas.Tratava-sedecolocar uma criança engatinhando em cima de umamesa para forçar a “confissão” da torturada. Caso elanão falasse, o torturador avisava que a criança pode-ria cair. “Manusearam meu corpo, torceram o bicodos meus seios e enfiaram a mão em mim. Um dia,euestavaarrebentadadepoisdetersidotorturadadas19h até as 5h da manhã quando fui estuprada pelosargentoLeo,daPM”,contaGilseWestinCosenza,ho-je aos 68 anos, a primeira da lista de 53 pessoas inde-nizadas pela comissão mineira, em 2002.
Quandofoipresa,aos25anos,Gilseeravice-presi-dente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) daPUC Minas. Ela foi levada para a cadeia com o mari-do, o vice-presidente do DCE da UFMG, o estudantede economia Abel Rodrigues Avelar. Os dois perten-ciamàorganizaçãoAçãoPopular(AP).Detodasasses-sõesdehumilhaçãosofridaspelaentãoestudantedocursodeserviçosocial,paraGilseapiorenvolveuafi-lhaJuliana,aos4meses.“Apassagemmaisbarrapesa-da, de tudo o que relatei à comissão de Minas, envol-veu minha filha, que hoje está bem, tem 43 anos, éanalista de sistemas e trabalha no TRE, no Rio de Ja-neiro.Naépoca,elesquasemeenlouqueceramdizen-doqueiriampegá-la,queelesiriamencontrá-laondeelaestivesseequeeudeveriafalaroqueelesqueriamouvir. Com todas as minhas forças, eu desejei ficarlouca antes”, desabafa a militante, que 15 dias antes
de ser presa havia entregado o bebê à irmã Gilda, ca-sada com Henrique Sousa Filho, o cartunista Henfil,que ela chama de Henriquinho.
Ao reencontrar a filha, Juliana estava perto decompletar 2 anos. Só então aprendeu a falar mamãee papai, conhecendo os próprios pais. No longo pe-ríodo em que permaneceu presa, Gilse não apenasnão enlouqueceu, como também nunca desistiu delutar pela volta da democracia no Brasil. “Sou privi-legiada. Muitos ficaram afetados psicologicamentepela tortura e nunca conseguiram se reerguer. Emcada uma das famílias brasileiras que viveram nanossa época, é rara aquela que não tem uma pes-soa morta, torturada, banida do país ou que tenhaperdido o emprego durante o regime militar”,compara. Ela promete: “Os torturadores ainda estãoimpunes. Jurei que enquanto estiver viva não vouparar de lutar por um país justo para nossos filhos”.
EXEMPLO DE VIDA Quando flagra uma manifesta-ção na praça principal de Teófilo Otoni, o ex-militan-te da causa operária Tim Garrocho, com a autorida-de que lhe concedem seus 82 anos, não consegue sesegurar. Aproxima-se dos manifestantes, puxa umdeles no canto, pelo braço, e diz ao pé do ouvido:“Você pode até não saber disso, mas ajudei vocês aestarem hoje reunidos aqui na praça”. Celebridadeno Vale do Mucuri, Tim é exemplo de vida para ostrês filhos legítimos (ganhados antes de ficar presoem 12 locais diferentes), três filhos adotivos, cerca de20 netos e cinco bisnetos. Segundo Tim, o operárioque mais apanhou em Minas foi o Porfírio Franciscode Souza. “Eu o vi entrando na prisão, ainda forte, eno final, irreconhecível”, afirma.
Porfírio, militante do extinto Partido Comunis-ta Brasileiro (PCB), morreu em 2004 em MontesClaros, aos 84 anos. “Além de choques elétricos eter levado no pau de arara, ele sofreu com agulha-das nos dedos, entre as unhas. Chegaram até a ar-rancar as unhas dele na sede do antigo Dops, emBH, em 1969, logo depois do AI-5”, conta o aposen-tado e ex-soldado da Polícia Militar Aran Franciscode Matos, de 65, sobrinho do ex-militante.
“Aquela cambada não respeitava ninguém. EmGovernador Valadares, quebraram meu braço es-querdo e me chutaram até eu vomitar sangue”, re-vela, sem esconder a raiva, Tim Garrocho, ex-lídersindical, que antes de ser preso chegou a ter trêsmandatos de vereador. “Depois do golpe, não pu-de crescer politicamente. Eles me liquidaram, mi-nha esposa ficou adoentada e eu tive de vendermuita coisa para me sustentar. Hoje não tenhonem aposentadoria, pois não consegui comprovarmeus direitos políticos”, afirma. Com a terceiramatéria sobre a tortura de Dilma nas mãos, TimGarrocho, que acompanha desde a primeira, dásua opinião. “Se a presidente tem memória de ele-fante, a minha é de 100 elefantes. Meu torturadorera Klinger Sobreira de Almeida, que na época eratenente em Valadares. Antes de bater, ele tirava orelógio, para não se machucar. Não me esqueçodisso.” (Colaborou Luiz Ribeiro)
SAIBA MAIS
Desde a publicação do Decreto 41.239/2000, queregulamentou a indenização às vítimas daditadura militar, Minas Gerais pagou, até um anodepois, 514 indenizações, de um total de 916solicitações. O valor de cada indenização era de R$30 mil, o que significou um total de R$ 15,4milhões. Com a edição da Lei 19.458, de 2011, queconcedeu novo prazo para a solicitação dasvítimas, o estado recebeu 139 casos para serem
analisados pela Conedh-MG. Desse total, 14indenizações já foram concedidas e outras 76estão aprovadas, mas aguardam a apresentaçãode documentos. Ainda estão em fase de análise 49pedidos. “Seria necessário reabrir o prazo para aentrada das pessoas que na época não ficaramsabendo do direito à reparação”, defende oadvogado Emílcio José Lacerda, hoje presidentedo Conedh-MG.
INDENIZAÇÕES
JACKSON ROMANELLI/EM/D.A PRESS - 31/5/12 NARJARA LUANA/ESP. EM/D.A PRESS
Na sala do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, no Edifício Maletta, o processo da hoje presidente Dilma em meio a tantos outros de militantes anônimos
Gilse Cosenza, primeira a ser indenizada:“Ameaçaram pegar minha filha de 4 meses”
BETO MAGALHAES/EM/D.A PRESS - 15/2/12
Você pode até não saber disso,mas ajudei vocês a estaremhoje reunidos aqui na praça
■■ Tim Garrocho, ex-militante, para um grupo demanifestantes reunidos em praça de Teófilo Otoni
❚ ❚LEIA MAIS SOBRE O DEPOIMENTO
DA PRESIDENTE DILMAPÁGINA 4