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9438 ESBOÇO DE UMA TEORIA DA PROCESSUALIDADE INCLUSIVA: TERCEIRO ESFORÇO CRÍTICO-DISCURSIVO NO ENCAMINHAMENTO DE UMA JUDICACIONALIDADE FUNDADA NO DIREITO DEMOCRÁTICO * SKETCH OF A INCLUSIVE PROCEDURAL’S THEORY: THE THIRD CRITICAL-DISCURSIVE PROPOSAL FOR THE DEMOCRATIC PROCESSUALITY José Américo Silva Montagnoli RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar, em termos críticos e, necessariamente, falibilistas (Popper), a proposta de uma democracia deliberativa processualmente demarcada, na qual se busca a concretização do propósito de inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias, especialmente no Judiciário, em urgente impedimento à reedição comunitarista do Estado social de direito de matiz neo- interventivo. Esta reedição alimenta o firme escopo de infantilização decisória dos cidadãos, gestado numa concepção paternal-tutelar de Estado. Negando a aposta comunitarista de subverter o Judiciário em “arena” de postulações (Streck), transformando-se juízes em magistrados-guardiães, realizadores-redentores de promessas não cumpridas de um previdente Estado Social da democracia, defendemos o conceito de povo-decisor, esclarecido pela relação triádica discurso-inclusão-processo, permitindo aos cidadãos se enxergarem como co-autores das decisões emanadas de um Judiciário, em que magistrados apresentem-se como co-decisores que garantizam a observância do devido processo legal-constitucional, admitindo-se, por princípio, que toda atividade judicacional é constitucional (Cattoni), visto que exige a incessante observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia (Leal), aquisições incontestes das Constituições Ocidentais. Com efeito, a realização deste projeto de democracia radical (Habermas), com subsídios das teorias discursivas do direito e da processualidade jurídico-democrática, permitiria que muitos “especialistas” do direito acordassem do sono lingüístico-dogmático, ao saberem, lembrando Roland Barthes, que em cada signo dormem, também, pequenos grandes monstros à espera de esclarecimento. PALAVRAS-CHAVES: POVO; INCLUSÃO; TEORIA DISCURSIVA; PROCESSUALIDADE DEMOCRÁTICA; INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL; PROCESSUALIDADE INCLUSIVA. ABSTRACT The present article has as intention to analyze, in critic terms and, necessarily, fallibilities (Popper), the proposal of a deliberative procedural demarcated democracy, * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

ESBOÇO DE UMA TEORIA DA PROCESSUALIDADE … Fazzalari, Rosemiro Leal, Marcelo Cattoni, Álvaro R. Souza Cruz e o saudoso ... Bruce Ackerman e Michael Walzer, defensores de concepções

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ESBOÇO DE UMA TEORIA DA PROCESSUALIDADE INCLUSIVA: TERCEIRO ESFORÇO CRÍTICO-DISCURSIVO NO ENCAMINHAMENTO

DE UMA JUDICACIONALIDADE FUNDADA NO DIREITO DEMOCRÁTICO*

SKETCH OF A INCLUSIVE PROCEDURAL’S THEORY: THE THIRD CRITICAL-DISCURSIVE PROPOSAL FOR THE DEMOCRATIC

PROCESSUALITY

José Américo Silva Montagnoli

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar, em termos críticos e, necessariamente, falibilistas (Popper), a proposta de uma democracia deliberativa processualmente demarcada, na qual se busca a concretização do propósito de inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias, especialmente no Judiciário, em urgente impedimento à reedição comunitarista do Estado social de direito de matiz neo-interventivo. Esta reedição alimenta o firme escopo de infantilização decisória dos cidadãos, gestado numa concepção paternal-tutelar de Estado. Negando a aposta comunitarista de subverter o Judiciário em “arena” de postulações (Streck), transformando-se juízes em magistrados-guardiães, realizadores-redentores de promessas não cumpridas de um previdente Estado Social da democracia, defendemos o conceito de povo-decisor, esclarecido pela relação triádica discurso-inclusão-processo, permitindo aos cidadãos se enxergarem como co-autores das decisões emanadas de um Judiciário, em que magistrados apresentem-se como co-decisores que garantizam a observância do devido processo legal-constitucional, admitindo-se, por princípio, que toda atividade judicacional é constitucional (Cattoni), visto que exige a incessante observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia (Leal), aquisições incontestes das Constituições Ocidentais. Com efeito, a realização deste projeto de democracia radical (Habermas), com subsídios das teorias discursivas do direito e da processualidade jurídico-democrática, permitiria que muitos “especialistas” do direito acordassem do sono lingüístico-dogmático, ao saberem, lembrando Roland Barthes, que em cada signo dormem, também, pequenos grandes monstros à espera de esclarecimento.

PALAVRAS-CHAVES: POVO; INCLUSÃO; TEORIA DISCURSIVA; PROCESSUALIDADE DEMOCRÁTICA; INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL; PROCESSUALIDADE INCLUSIVA.

ABSTRACT

The present article has as intention to analyze, in critic terms and, necessarily, fallibilities (Popper), the proposal of a deliberative procedural demarcated democracy,

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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in which it is sought the implementation of the purpose of radical discursive inclusion decision of the people, especially in the Judiciary, urgent impediment to the communitarists rule of law, social hue neo intervention. This reprint feeds the firm scope of childish like behaviour of the citizens, managed a design paternal -protector of State. Denying the bet communitarists of subverting the judiciary in "arena" of postulations (Streck), becoming judges in magistrates - keepers, directors-redeemers of promises not fulfilled of a foresight State of Social democracy, we support the concept of nation - decision, informed by the relationship triadic speech-inclusion-process, allowing citizens to see as co-authors of the decisions emanating from a judiciary, in which judges show up as co-makers that guarantee the observance of legal-constitutional due process, assuming - if, in principle, that all judicial activity is constitutional (Cattoni), since that requires constant observance of the principles of contradictory, large defense and isonomy (Leal), acquisitions uncontested of Western Constitutions. Indeed, the realization of this project of radical democracy (Habermas), with subsidies of discursive theories of law and democratic processuality, would allow many "experts" of the law to awake from the dogmatic language, upon knowing, recalling Roland Barthes that in every sign sleeps, too, a small big monsters waiting for clarification.

KEYWORDS: PEOPLE; INCLUSION; DISCURSIVE THEORY; DEMOCRATIC PROCESSUALITY; INSTRUMENTAL PROCEDURAL; INCLUSIVE PROCEDURAL.

1. INTRODUÇÃO[1]

Temos nos preocupado, reiteradamente, com a reafirmação do nosso propósito de ruptura com critérios simplificadores, há muito denunciados, de uma “ciência” tida como “espaço qualificado” que, cartesianamente, divide objetos para compreendê-los; ciência que não se expõe ao debate e à autocrítica: resolve, oferta “soluções utilitárias” para as mazelas do mundo da vida. Este caminho tomado pelo saber científico deu-se por um “giro cartesiano”, em que se promoveu a disjunção entre produções científicas e saberes filosóficos. Ao que parece, estabeleceu-se que a ciência, para produzir soluções rápidas e vantajosas à humanidade, tinha que se afastar “um pouco” da filosofia, demasiadamente reflexiva e crítica.

As teorias jurídico-democráticas contemporâneas que preconizam a atuação radical do povo na condução de seu próprio destino parecem ter percebido a urgente necessidade de abolir a referida disjunção entre ciência e filosofia. Neste sentido, as teorias discursivo-processuais do direito democrático, revelam a ocorrência de um rejuvenescimento do direito por uma filosofia (COMPARATO, 1997, p. 211) numa nova compreensão, por óbvio, da própria filosofia em conexão interna com o direito, como maneira de preservar, pela problematização de argumentos, a racionalidade das ordens jurídicas. (CHAMON JUNIOR, 2006, p. 10). Habermas (1997, v. 1, p. 9-10) destaca o poliglotismo da filosofia pela transparência que oferta aos conceitos,

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permitindo que as proposições fundamentais da teoria do agir comunicativo, desenvolvida por este autor, ramifiquem-se em diferentes universos de discurso, transcendendo às vetustas proposições hegelianas e kantistas, materializadas em empedernidas doutrinas do direito, que muitos se orgulham em denominar “dogmática jurídica”.

Assim, tremendamente preconceituosa e equivocada a afirmação dos teóricos do instrumentalismo processual pátrio, em suas novas formas e representações, de que alguns processualistas do Brasil e do mundo dedicam-se tanto aos conceitos que acabaram por exercitarem uma filosofia pura do Direito, desviando os olhos da realidade (BEDAQUE, 2009, p. 18). O diálogo, grávido de sentidos e respostas, entre filosofia e ciência do direito – e não mais uma anacrônica “dogmática jurídica” – está, sim, ofertando respostas consistentes a um direito processual que se quer includente e viabilizador de decisões contributivas para a efetivação dos direitos.

Constatamos que mais além de um giro lingüístico (HABERMAS, 1997, 2004, passim) ou hermenêutico (STRECK, 2003, passim), o direito foi envolvido numa viragem paradigmática (MORIN, 2001, p. 80) em que o paradigma disjuntivo cartesiano de simplificação (MORIN, 2001, p, 16), a separar o sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa extensa, pensada (res extensa), ou seja, a separar a filosofia da ciência, colocando-se como “princípio de verdade” um conjunto de ideias “claras e distintas”, exige superação. Esta disjunção, que rareia as comunicações entre o conhecimento científico e a reflexão filosófica (MORIN, 2001, p. 17), não sobrevive ao paradigma do direito democrático que, pela sua vinculação ao princípio de inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias que temos defendido há muito, afina-se às demandas das sociedades complexas, sem o propósito de reduzir complexidades, como almejava Luhmann (1980) em seu modelo de legitimação decisional.

Refletindo acerca do marco das sociedades complexas[2], inegável elemento constitutivo da sobredita viragem paradigmática, Gisele Cittadino (2004, p. 77-78) observa que a identidade não é a marca da sociedade democrática contemporânea, pois ao invés da homogeneidade e da similitude, a diferença e o desacordo são os seus traços fundamentais. A sociedade democrática contemporânea, lembra Cittadino (2004, p. 78), marcada pela multiplicidade de valores culturais, visões religiosas de mundo, compromissos morais, concepções sobre a vida digna, enfim, pelo pluralismo, indica que não nos resta alternativa senão buscar o consenso em meio da heterogeneidade, do conflito e da diferença. Parece-nos que o projeto habermasiano de democracia deliberativa, pela inclusão com acedência das diferenças racionalmente motivadas, oferta teorizações capazes de encaminhar o convívio entre estas múltiplas cosmovisões, admitindo-se que a sociedade contemporânea, “[...] consciente de suas contingências, cada vez mais fica dependente de uma razão procedimental [...]”. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 12).

Destas reflexões preliminares, emerge uma concepção habermasiana que vai equipar as teorias discursivo-processuais do direito decididas a suplantar uma modernidade crepuscular que insiste em emudecer concepções emancipatórias de povo na atualidade: o conceito de moralidade pós-convencional ou pós-tradicional. Por moralidade pós-convencional ou pós-tradicional entendemos “concepções de vida individuais e coletivas que se obrigam a apresentar razões, não provenientes de tautologias, muito menos da fé religiosa ou da tradição, para sustentarem sua validez

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social”. (CITTADINO, 2004, p. 90), sendo certo para Habermas que “[...] a figura pós-tradicional de uma moral orientada por princípios depende de uma complementação através do direito [...]”. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 23). Neste ponto fica claro que teorias discursivo-processuais do direito e da democracia repelem uma mítica “confiança antropológica nas tradições” (CITTADINO, 2004, p. 217), tão cara à doutrina decisório-constitucional denominada “comunitarismo” disseminada sob a retórica de um Welfare State neo-interventivo[3] que preconiza uma judicação salvífica, com a magistratura atuando como efetiva condutora do processo pelo uso de seus “poderes”, conforme propõe os instrumentalistas (BEDAQUE, 2009, p. 61) que, de rigor, valer-se-iam de uma razão decisória degradada no seu uso (MORIN, 2001, p. 14), por ignorar a complexidade do mundo da vida que, assim, tem-se por colonizado, com a absurda exclusão dos diretamente afetados – o povo – das construções decisórias que os vinculam. Vemos, então, a urgência da proposição de uma nova racionalidade que sirva à resolução dos anseios emancipatórios das sociedades contemporâneas.

Apresentado o quadro de uma modernidade crepuscular em que se impõe a proposta de inclusão discursiva radical do povo emancipado em termos conceituais, como conjunto de jurisconsortes[4] livres e iguais – os quais, mais a frente, denominaremos de povo-decisor –, nas atividades decisórias das sociedades de direito democrático – embora o Estado seja visto, por muitos, como o “condutor-ambiente legítimo” das atividades decisórias que interessam à cidadania ativa –, acreditamos que a concretização da referida proposta ocorrerá pelo encontro reconstrutivo e, obrigatoriamente, autocrítico entre a teoria discursiva do direito, a partir das reflexões de Habermas e as teorias processuais constitucionalidade democrática, proposta por autores, entre outros, como Elio Fazzalari, Rosemiro Leal, Marcelo Cattoni, Álvaro R. Souza Cruz e o saudoso mestre processualista, J.J. Calmon de Passos. Por óbvio, tais reflexões dar-se-ão em confronto com os pilares do sobredito pensamento comunitarista no exterior, como Bruce Ackerman e Michael Walzer, defensores de concepções estatizantes da processualidade judicial, bem assim com as proposições teóricas desenvolvidas por instrumentalistas históricos como Cândido Rangel Dinamarco e autores que se propõem a apresentar novas leituras destas proposições como os professores José Roberto dos Santos Bedaque e Luiz Guilherme Marinoni.

Buscamos, enfim, neste artigo, desenvolver um terceiro esforço crítico-discursivo, como dissemos, na busca de uma racionalidade em que se afasta a primeira pessoa do singular (eu) rumo à primeira pessoa do plural (nós), em que se permuta um agir estratégico orientado para a concreção de fins egoísticos de sucesso material – o “processo judicial de resultados”, como preconiza o instrumentalismo processual (BEDAQUE, 2009, p. 17) – por um agir orientado para o entendimento mútuo, lastreado nos conceitos de intersubjetividade e império do melhor argumento. Tentaremos desenvolver uma razão discursivamente processualizada, buscando a superação de um “eixo decisional” fundado na razão imediata e prescritiva do julgador (LEAL, 2002, p. 183), enquanto abnegado promotor da pacificação social consistente no “escopo magno da jurisdição” (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2005, p. 26) congenitamente estatólatra e não cidadã, na qual o processo é simples “módulo legal que legitima a atividade jurisdicional”, como quer Marinoni (2008, p. 574), em favor de um novo eixo: o espaço processual da razão discursiva “[...] egressa da inter-relacionalidade normativa (conexão) do ordenamento jurídico obtido a partir da teoria da Constituição democrática.” (LEAL, 2002, p. 184).

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2. UMA REFLEXÃO URGENTE: O DESENVOLVIMENTO DA IDEIA DE “INCLUSÃO” NAS TEORIAS DA PROCESSUALIDADE DEMOCRÁTICA

Perquirindo novos caminhos teoréticos que permitam o ressignificar do termo “inclusão” e dialogando com e contra – aliás, especialmente contra – liberais e comunitaristas, Habermas norteia-se, sobretudo, pela proposição discursiva da intersubjetividade e da alteridade (a consideração do outro). Trata-se de um traço fundamental em suas reflexões.

O ressignificar da inclusão dar-se-ia, para o pensador alemão, de modo progressivo: inicialmente, inclui-se a população no status de cidadão, abrindo-se para o Estado uma fonte secular de legitimação, juridicamente mediada. (HABERMAS, 2004, p. 157). Isto nos indica que a razão discursiva que busque a acedência das dissensões (diferenças de opiniões e/ou de interesses) exige a necessária mediação da teoria do direito processual-democrático, sob a égide de uma moralidade pós-convencional. Teríamos, assim, o “início” do encaminhamento de um projeto de integração social não-coercitivo em sociedades complexas. Recorrendo a Habermas (2004, p. 158) percebe-se que, nas sociedades pluralistas, os eventuais ônus e riscos da integração social não podem ser desviados do nível da formação de vontade política e da comunicação pública e aberta (dialogicidade jurígena cidadã), para uma “etnocêntrica direção” de suspeitos substratos culturais, aparentemente de origem natural – e, assim, supostamente liberada de tematizações –, oriunda de um povo homogêneo. Esta argumentação de viés historicista, tão valorizado pelo comunitarismo, por exemplo, não contribui para a emancipação democrático-inclusiva de um povo, pois nasce do medo, insistindo em retirar deste mesmo povo a responsabilidade por suas próprias escolhas (POPPER, 1987, t. 2, p. 287), direcionando-o ao tortuoso caminho ofertado pela “Chave da História” (POPPER, 1987, t. 2, p. 277) em que, de rigor, como vaticina Popper (1987, t. 2, p. 284-285), prevalece a tática do dominar ou do submeter, tudo arbitrado por pré-videntes decisores estatais que saberiam, à saciedade, a melhor solução para os conflitos sociais. Neste sombrio sentido, Michael Walzer, em sua defesa à prevalência dos particularismos históricos – decorrente da “confiança antropológica nas tradições” (CITTADINO, 2004, p. 217) – acredita que a conscientização sobre os medos, supostamente compartilhados por uma dada comunidade, de perda de valores, tradições e crenças, do isolamento e da opressão (CITTADINO, 2004, p. 87) é a melhor forma de se manter o povo integrado. Somente discriminando, segregando, enfim, excluindo (para o bem mesmo dos excluídos) e, assim, compondo uma potus (povo não cidadanizado) de vivências marginais, é que se conseguiria uma “integração de cidadãos homogêneos”. Certamente, não é possível extrair de uma constituição “histórica e natural” do homem, imperativos normativos e democráticos para uma conduta racional de vida. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 18). Como se percebe, é somente através da mediação pelo direito democrático, balizado processualmente (LEAL, 2002, passim), que se possibilita o encaminhamento da ressignificação do termo inclusão.

Compreendemos que o projeto habermasiano de reconstrução signífica da inclusão exige a análise do conceito de alteridade, dirigida à ideia de intersubjetivação com acedência das dissensões. A alteridade, aqui compreendida como “a voz do outro”, é,

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inicialmente, a posição/disposição de cada cidadão em ouvir/considerar, racionalmente, as opiniões e interesses de outros, ainda que em rota de colisão com as pretensões daquele. De fato, como o propósito dos cidadãos enxergarem-se na posição de co-autores das construções decisionais pressupõe o implemento da intersubjetividade cidadanizada e, portanto, da análise do conteúdo normativo da alteridade, somos levados, inevitavelmente, à constante problematização de postulados democráticos. Suely Rolnik (1992, p. 33-34) ressalta que a sobredita problematização acarretará indagações/refutações sobre o conceito de “outro”, implicado tanto noção de democracia, quanto na noção de homem como cidadão. O “outro” será, então, visto como unidade juridicamente circunscrita, com esteio em uma ecologia das subjetividades, vulnerando as concepções solipsistas do “eu”, característico do sujeito de direito liberal, bem como a concepção transcendente do “eu” macropolítico, materializado no Estado social neo-interventivo proposto pelo comunitarismo de manutenção acrítica de identidades culturais homogeneizadas, e enaltecido pela dogmática instrumentalista que concebe o “processo” como nada mais do que um “método de trabalho” desenvolvido pelo “Estado” (BEDAQUE, 2006, p. 36). Nesse passo de ressignificação habermasiana da inclusão pela consideração do valor conceitual da alteridade, acreditamos que se possa conceber a intersubjetividade de grau superior de um acordo mútuo entre todos os cidadãos, que se reconhecem reciprocamente como livres e iguais (HABERMAS, 2004, p. 160).

Diante do que se expôs, o último passo para a descrição do projeto habermasiano de ressignificar o termo “inclusão” é a afirmação do filósofo alemão de que, quando as sociedades multiculturais organizam-se em Estados democráticos de direito, apresentam-se “[...] diversos caminhos para se chegar a uma inclusão “com sensibilidade para as diferenças” [...]”. (HABERMAS, 2004, p. 172). Para Habermas, este Estado democrático tem conformação procedimentalista, no qual a ação estatal é discursivamente instituída. Ressalta-se que, para nós, a radicalidade necessária de uma inclusão do povo dar-se-á quando este se enxerga como co-autor das construções decisórias que vinculam este mesmo povo, no sentido que, acreditamos, está bem definida na Teoria processual da decisão jurídica (2002), apresentada pelo jurista Rosemiro Leal e, como se verá adiante, promove esclarecimentos relevantes que buscam operacionalizar o projeto habermasiano de democracia deliberativa.

Concluindo-se a exposição das reflexões habermasianas acerca da inclusão, compreende o filósofo alemão que a necessária formação pública da opinião e da vontade, num relacionamento intersubjetivo dos cidadãos, ocorrerá segundo discursos, que visam à aceitabilidade racional de normas, à luz de interesses generalizados, de orientações compartidas e princípios fundamentados (HABERMAS, 2004, p. 164), nos quais a inclusão[5] significa que determinada ordem política se mantém aberta para equiparar os discriminados e para integrar[6] os marginalizados, sem confiná-los na uniformidade da comunidade homogênea de um povo. (HABERMAS, 2004, p. 165), como desejam os teóricos do comunitarismo. Em suma, Habermas concebe uma inclusão com acedência das dissensões intersubjetivas, orientadas por uma razão discursiva.

Cremos, contudo, que Habermas, a despeito de reconhecer a gênese procedimental do Estado democrático de direito, não esclarece como se operacionaliza a inclusão do povo nas atividades decisórias, a partir do agir de cada cidadão no exercício de sua autonomia, tendo em conta, ainda, que a ação de entes públicos e privados materializa-

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se por meio de decisões. Entendemos que, por uma teoria da processualidade democrática, a partir de uma proposição neo-institucionalista (LEAL, 2002, p. 159), é que se poderia visualizar todo o potencial emancipatório do conceito de inclusão, no esteio da viragem paradigmática (MORIN, 2001, p. 80) ocorrida com o advento do Estado democrático de direito, em superação aos modelos de estatalidade liberal e social. Com efeito, fundado numa proposição falibilista, segundo as lições de Popper (1999), pela qual todo direito haveria de se oferecer expressamente à possibilidade de fiscalidade incessante de todos os cidadãos, do ponto decisório de criação até o ponto decisório de aplicação (LEAL, 2002, p. 159), a teoria neo-institucionalista propõe um direito-de-ação coextenso a todo povo e a qualquer procedimentalidade processualizada, esta teorizada como eixo de articulação permanente do constitucionalismo-pluralismo, com vistas a evitar a imobilização das controvérsias e do dissenso. (LEAL, 2002, p. 164). Neste sentido, defendemos a auto-inclusão processual (LEAL, 2002, p. 170) dos cidadãos em co-autoria decisional com os decisores estatais, orientados pelos princípios constitucionais, discursivos e autocríticos do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. Com a sobredita auto-inclusão processual, todo o povo poderia se enxergar como um dos reconstrutores do direito criado e aplicado, donde, acreditamos, emerge o conceito de povo-decisor.

3. APONTAMENTOS CRÍTICO-DISCURSIVOS ACERCA DAS TEORIAS DECISÓRIAS COMUNITARISTAS E DAS TEORIAS INSTRUMENTALISTAS DO PROCESSO, COM A PRÉVIA COMPREENSÃO DO CONCEITO DE “JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL”

É notório, sob o paradigma do direito democrático ocidental, que as atividades decisionais, sejam de legiferação, administração, ou de judicação regem-se por normas fundadas no texto de um documento fundamental: a Constituição. Todos percebem a refundação, especialmente após o fim da 2ª Grande Guerra, das ordens jurídicas, a partir dos textos constitucionais. É difícil – até porque, por previsão normativa, impõe-se invariavelmente como obrigatoriedade – ver a atuação de legisladores, governantes e magistrados em que não se invoque o texto das Constituições. Não se trata, em regra, de mera invocação retórica; as atividades decisionais do Estado, da empresas e dos cidadãos são constitucionalizadas. Reconhecemos, ainda, que a ideia inicial para que propuséssemos a inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias, a partir da análise dos modelos decisionais que gravitam em torno da denominada “jurisdição constitucional”, decorre de algumas reflexões presentes na obra Direito Processual Constitucional (2001), do Professor mineiro Marcelo Cattoni. Cattoni (2001, p. 206-207) lembra que, no Brasil, se todo órgão do Judiciário não só pode, mas deve, como atividade típica e função intrínseca à jurisdição brasileira, apreciar alegações que explicitamente se referem à Constituição, podemos dizer que todo o Judiciário é competente para exercer jurisdição em matéria constitucional, toda jurisdição é jurisdição constitucional, conforme os processos constitucional e legalmente previstos. Como se verifica, Marcelo Cattoni (2001, p. 207), em seguida e de modo enfático, vai afirmar que:

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Todo processo, e não somente os que estruturam as chamadas garantias constitucionais-processuais, ao criar as condições institucionais para um discurso lógico-argumentativo de aplicação reconstrutiva do Direito Constitucional, é processo que instrumentaliza o exercício da jurisdição em matéria constitucional, ou seja, é processo constitucional. (grifo nosso).

Fica claro que Cattoni circunscreve sua afirmação de que toda jurisdição é constitucional, aos processos em que houver condições institucionais de aplicação reconstrutiva do direito constitucional. Indo mais além das reflexões do jurista mineiro, é forçosa a nossa indagação: numa sociedade em que se busca o implemento de um projeto de democracia radical – ao qual Cattoni, confessadamente, filia-se – haveria atividade jurisdicional, por afirmação imperativa da natureza suprema dos direitos fundamentais-processuais que regem o devido processo, que não fosse constitucional?

Nossa reposta é não e nos direciona o foco para a análise das atividades decisionais do Judiciário, nosso principal propósito neste artigo. Num Estado democrático de direito em que se opere, seriamente, a inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias, não existem atividades judicacionais que não sejam constitucionais, pois toda atividade processual há que ser balizada por princípios retores do processo decisório, descritos nas constituições: o contraditório, a ampla defesa e a isonomia. Com formas diversas, é esta a ideia de constitutional due process que se verifica nos documentos jurídicos fundamentais anglo-americanos e europeus. Entendemos que, assim, fica esclarecida a razão de, para a busca crítica de um modelo em que os cidadãos se enxerguem como co-decisores, nossa análise partiu de modelos decisórios que – tradicional, mas equivocamente – estariam restritos às atividades dos tribunais constitucionais, contida na denominada “jurisdição constitucional” (como ocorre com as chamadas doutrinas “comunitaristas”). É oportuno, ainda, esclarecer as razões de nossa preferência em usar o termo “judicação”, ao invés de “jurisdição”, quando se mostra viável esta troca. Neste sentido, a jurisdição não é a atividade jurídico-resolutiva e pessoal do juiz ou de qualquer agente decisional do Estado (afinal, para o instrumentalismo, o processo é um atributo de Estado), mas os próprios conteúdos da lei (LEAL, 2001, p. 24) produzida segundo preceitos constitucionais. Jurisdição, portanto, será o conteúdo da lei, e judicação consiste nos atos decisórios egressos dos conteúdos da lei. (LEAL, 2001, p. 25).

Explicitadas as razões para alguns dos encaminhamentos teóricos realizados neste trabalho, passemos às reflexões acerca da teoria da processualidade que, acreditamos, mais atenda aos anseios de uma processualidade instituinte do projeto de democracia radical, delineado por Habermas. A introdução a esta processualidade exige a exposição dos movimentos teóricos de oposição a este projeto. Analisaremos, inicialmente, a concepção comunitarista de Welfare State neo-interventivo[7].

Tomando as leis como vontades políticas de uma mítica comunidade historicamente situada e homogênea e não como razões democraticamente expostas, o

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comunitarismo depende, fundamentalmente, da atuação efetiva dos órgãos jurisdicionais (CITTADINO, 2004, p. 24) que carregariam, solitários, o fardo decisório de atribuírem “eficácia” às normas, apelando para uma suspeita “dimensão criadora”. (CITTADINO, 2004, p. 24). Com efeito, entre americanos e europeus (especialmente, os alemães), ressalta Gisele Cittadino (2004, p. 25), cresce o tema da concretização dos sistemas de direitos constitucionalmente assegurados, em que a atuação judicial os tornaria juridicamente eficazes. Este “modelo eficacial” trilha o perigoso caminho do “protagonismo judiciarista” (ZAFFARONI, 1995, p. 24) em que um “povo infante” ficaria à espera da tutela jurídico-paternal do “Estado-juiz”, qualificação esta bem ao gosto do instrumentalismo da escola processual paulistana. Esta visão sobre o papel dos órgãos jurisdicionais (que, como dissemos, deveriam ser nominados “judicacionais”) vincula-se a uma concepção de povo inspirada no romantismo, característico da comunitarização republicana (HABERMAS, 2004, p. 156), redefinindo órgãos decisórios em formato comunitário (HABERMAS, 2004, p. 158) e inviabilizando qualquer pretensão de discursividade inclusivo-democrática, visto que os passos de qualquer argumentação, inclusive a judiciária, não podem ser idiossincráticos, mas têm de permanecer exeqüíveis intersubjetivamente (HABERMAS, 1989, p. 14), não reduzindo os demais atores sociais a meros receptores da resolução emanada de um decisor estatal.

De todos os autores alinhados ao pensamento comunitarista que, a nosso juízo, impõe uma sobrecarga decisional aos julgadores que são prejudicados em sua função de atuar, com as partes, para a construção de decisões justas, merece destaque o americano Bruce Ackerman. Ackerman acredita as decisões cotidianas não poderiam violar as “grandes decisões” tomadas pelo povo ao longo de sua história constitucional. (CITTADINO, 2004, p. 199). Não pode haver ilusões, contudo, sobre as proposições ackermanianas. Ao falar sobre a “autoridade de um povo mobilizado” em sua obra We the people (1991), não se propõe a atuação direta do povo nas atividades judicacionais, em co-autoria decisional com os magistrados. Ackerman, em verdade, propõe um modelo hermenêutico de cunho historicista, em que os magistrados levariam em conta decisões políticas supostamente tomadas pelo povo no passado, com vistas a “decodificar” o presente. (CITTADINO, 2004, p. 201). Em análise da cena judiciária norte-americana, Ackerman afirma que, em seu modelo decisional, a Suprema Corte é o intérprete “por excelência” da Constituição (CITTADINO, 2004, p. 201), em uma síntese histórico-interpretativa, que transformaria juízes, segundo Habermas, em míticos guardiões de uma práxis de autodeterminação congelada. (HABERMAS apud CITTADINO, 2004, p. 202). Em Ackerman, é visível a figura do juiz-gestor luhmanniano (LUHMANN, 1980, p. 74), pois se delega aos tribunais constitucionais o papel de regentes republicanos das liberdades positivas em momentos de “normalidade”. (CITTADINO, 2004, p. 214). Contudo, o gênio deste juízo redentor que conheceria bem o passado do povo e, assim, seria capaz de conformar o presente, pode-se transformar no juiz-diretor que, a seu talante, fulminaria o debate processual, pois Ackerman acredita que “[...] se desprezarmos a arte da discussão sob coerção [nota-se que o autor fala em discussão, e não em diálogo], como poderemos chegar a um acordo uns com os outros? [...]”. (ACKERMAN apud HABERMAS, 1997, v. 2, p. 36). Ackerman, mais explícito que outros teóricos comunitaristas, subestima a capacidade dialógica do povo e de suas condições para um agir processual orientado para o entendimento mútuo, na busca de um “consenso não-coercitivo”. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 208). Em oposição à Ackerman, o projeto de democracia radical harbermasiano pressupõe uma cidadania ativa que está acostumada ao exercício da liberdade e da deliberação na esfera pública

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política e não uma cidadania que atua apenas excepcionalmente (CITTADINO, 2004, p. 214), pelo dirigismo judicante de magistrados que saberiam “como preservar” direitos constitucionais “historicamente” conquistados.

Através do pensamento ackermaniano percebe-se que, nas concepções decisionais apresentadas pelo comunitarismo, o povo figura como mero destinatário infante de atos judicacionais, postos como atos de vontade do julgador, “conhecedor prévio” do que é bom e justo para dada comunidade, com despedida abrupta da racionalidade. (SOUZA NETO, 2002, p. 271). Por outro lado, no modelo procedimental apresentado por Habermas, o assentimento dos atingidos pela atividade decisional não pode se estreitar, nas democracias contemporâneas, em torno da vinculação aos aspectos culturais de determinada comunidade. (SOUZA NETO, 2002, p. 273). Nas sociedades ocidentais contemporâneas, ressalta Cláudio Pereira de Souza Neto (2002, p. 273), além da multiplicidade de concepções individuais sobre a vida digna, tem lugar também o fenômeno do multiculturalismo e, consequentemente, da pluralidade de concepções culturais, acerca de qual deve ser o conteúdo do ordenamento jurídico. Assim, é necessário à adoção de um modelo decisional democrático-inclusivo, rompendo com a monologia de uma razão prática kantiana, autoreferenciada no sujeito de direito, para o implemento de uma razão discursiva na qual se objetive a dialogicidade jurígena cidadã, balizada na processualidade constitucionalmente instituída (MONTAGNOLI, 2006, p. 10), com a incessante acedência das diferenças (HABERMAS, 2004, passim) racionalmente motivadas.

A superação de todo este “senso comum teórico” (STRECK, 2003, p. 77) delineado nas concepções comunitaristas e reeditado nas proposições instrumentalistas das “doutrinas consagradas”, lastreadas em “copiosa jurisprudência” (STRECK, 2003, p. 78), consistentes numa reiterada reprodução da técnica dogmática com fundamento em “saberes” jurídicos de simplificação cartesiana, não se dará, como quer Lenio Streck, pela atuação mais intervencionista (STRECK, 2003, p. 55) do Judiciário[8], funcionalizado em um guardião de promessas não cumpridas para a proteção de um povo infante, suprindo “[...] inércias do Executivo e falta de atuação do Legislativo [...]”. (STRECK, 2003, p. 53). Tal proposição apenas fortalece a ideia de que os tribunais são “monastérios de sábios” – o que, certamente, os quadros da magistratura comprometidos com uma democracia radical não desejam –, na feliz expressão de Luiz Alberto Warat (1997), onde, supostamente, a majestade destes sábios se assentaria numa suspeita “estima pública”. (CASTRO, 2005, p. 239). É equívoco crer na eficácia dos direitos da cidadania, como imagina o comunitarista Carlos Roberto Siqueira Castro, que decorra da proeminência da magistratura na revelação do direito, em que a jurisprudência é transformada por uma “indução do acatamento” (CASTRO, 2005, p. 250) das cerebrinas decisões do julgador. De modo indisfarçado, o jurista carioca acredita que os cidadãos, vistos como meros destinatários-aprendizes da tutela judicacional, submeter-se-iam, resignadamente, ao acatamento das decisões pelo método indutivo, pois os juízes, vivendo a realidade, abrem – com o uso da lei ou “criando o direito em dadas circunstâncias”, como assevera o autor – “as clareiras que levam ao futuro”. (CASTRO, 2005, p. 251). Tais posicionamentos, desprezando a legifonia cidadã imanente às sociedades democráticas de direito em favor de uma autofonia judicante, concebem as normas jurídicas como vontades políticas de uma comunidade histórica a clamarem eficácia pela atuação solipsista dos órgãos jurisdicionais (CITTADINO, 2004, p. 24), bem como padecem de dois erros típicos da retórica comunitarista. O primeiro consiste na aposta em um empirismo auto-evidente

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de escolhas acertadas do julgador, excluindo-se, desde logo, o povo das construções decisórias. Neste sentido, é bem vinda a crítica de Michel Miaille (1994, p. 41) afirmando que se preconizam, na atualidade, “saberes jurídicos” decorrentes de um empirismo puro que, por absurdo, consegue ser anterior à reflexão, pelo qual se priva a construção decisória do acesso a um conjunto de conceitos teóricos, consistentes em condição prévia a qualquer observação. (MIAILLE, 1994, p. 42). O segundo erro vincula-se à proposição de uma “indução por acatamento”. Karl Popper (1999, p. 41), em estreita vinculação com as observações de Miaille, afirma que sequer existe indução, pois inferências que levam a teorias, partindo de enunciados singulares “verificados pela experiência” são logicamente inadmissíveis. A proposta de inclusão discursiva radical do povo nas construções decisórias de um Estado, lastreada em teorizações democráticas clama, isto sim, a prova dedutiva destas teorizações (POPPER, 1999, p. 33), tendo a falseabilidade como critério (POPPER, 1999, p.41) para a testificação de quaisquer proposições deduzidas em juízo. Na trilha popperiana, Habermas lembra que o processo democrático, a possibilitar a livre flutuação de temas e de contribuições, de informações e argumentos, assegura um caráter discursivo à formação política da vontade, fundamentando, assim, uma suposição falibilista de que resultados obtidos por referido processo gozam de racionalidade relativa. (HABERMAS, 1997, v. 2, p. 308).

Assim, as condições para que a intersubjetividade argumentativa dos cidadãos, buscada pela proposta de democracia deliberativa habermasiana, com a inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias, não demanda uma procedimentalidade. O que se exige é uma teoria da processualidade. Acreditamos que a teoria neo-institucionalista do processo, desenvolvida pelo jurista mineiro Rosemiro Pereira Leal, apresenta, até o presente momento, proposições que encaminham o projeto habermasiano de democracia deliberativa ao espaço da processualidade constitucionalizada e inclusiva do povo.

Após falarmos, de modo alongado, do modelo decisório ofertado pelo comunitarismo, entendemos sumamente importante tratarmos de uma escola teórico-processual brasileira e que muito se relaciona – e se inspira, ainda que inconscientemente – aos postulados comunitaristas. Obviamente falamos da teorias instrumentalistas do processo em suas clássicas e novas formulações.

Grande disseminador e elaborador da teoria instrumental do processo, Cândido Rangel Dinamarco, na obra A instrumentalidade do processo (2003), afirma que a sua proposta – visivelmente afinada com os postulados comunitaristas – é a integração do que ele denomina de “ciência processual” no quadro das instituições sociais, do poder e do Estado. Com efeito, o autor compreende o processo como estrita atividade de Estado, este entendido como primacial dinamizador-condutor da atividade decisória. Na introdução da sobredita obra, num tópico nominado de “minha proposta”, Dinamarco vaticina que a descrença de todos na Justiça seria efeito das mazelas de um sistema acomodado no tradicional “método introspectivo” que manteria ausente a crítica ao próprio sistema e aos resultados oferecidos para consumidores finais do seu serviço, denominado por ele de “membros da população”. Com efeito, pouco se mudaria nas proposições de José Roberto dos Santos Bedaque – notadamente a voz mais destacada no instrumentalismo processual contemporâneo – acerca deste inexplicado “método introspectivo”, uma vez que o autor (BEDAQUE, 2006, p. 108) insiste na ideia de reforço dos poderes do juiz, fundada num obscuro “interesse público” existente, a juízo do autor paulistano, em todo o processo. Ou seja, reforça-se ainda mais figura do juiz

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como “diretor do processo”, distanciando os envolvidos na demanda da qualidade de co-decisores, numa posição isonômica com o julgador.

Constata-se que o processo, para um instrumentalismo que preconiza a preponderância metodológica da jurisdição (DINAMARCO, 2003, p. 97), é um mero atributo de Estado e não uma conquista constitucionalmente delineada da sociedade cidadã, enquanto verdadeiro instituto-regente da democracia (LEAL, 2002, passim). Dinamarco (2003, p. 98) afirma que a ordem processual, como um todo, tem como função precípua proporcionar ao Estado meios para o cumprimento dos seus próprios fins. No modelo de processualidade instrumental de Dinamarco, o decisor só poderia ser mesmo um agente pacificador, a cumprir um inexplicado “escopo social” do processo, correspondente ao juiz-gestor luhmanniano que se apóia talentos pantomímicos – embora Luhmann (1980, p. 35) insista num simples talento mímico dos magistrados – capazes de incutir nos partidos em litígio (expressão que Luhmann utiliza para se referir às partes processuais) a ilusória ideia de que eles têm um espaço garantido de ação, proporcionando-lhes tranquilidade para uma boa execução de seus papéis (LUHMANN, 1980, p. 74) no procedimento. Este operoso juiz-gestor garantiria o alcance da função pacificadora do processo não só pelo consenso em torno das decisões estatais – afinal, para o instrumentalismo, sentença é tão-somente “ato magno da jurisdição” –, mas pela imunização delas contra ataques dos contrariados (DINAMARCO, 2003, p. 195).

Agora, em sede conclusiva deste tópico, falaremos dos estudos desenvolvidos pelo professor José Roberto dos Santos Bedaque, que ele próprio qualifica como um “passo adiante à fase instrumentalista” (BEDAQUE, 2009, p. 15), embora ao instrumentalismo reconheça-se intimamente afinado.

A despeito de reconhecermos a seriedade e os esforços do professor Bedaque em ofertar novas proposições à teoria processual contemporânea, não nos parece que a proposta desenvolvida na sua obra Direito e processo (2009), qual seja, de reconhecimento da necessidade dos institutos processuais serem concebidos a partir do direito material (BEDAQUE, 2009, p. 16), possa contribuir para um direito processual eficiente na resolução dos conflitos sociais pela emancipação da cidadania, ou que possa representar uma efetiva evolução das propostas instrumentalistas clássicas.

Merecendo aplausos o reconhecimento, pelo autor, de que as matrizes do direito processual cada vez mais se encontram disciplinadas no texto constitucional (BEDAQUE, 2009, p. 17), sendo necessária, segundo ele, a concessão aos Estados-membros da federação brasileira – à vista mesmo do art. 24, X e XI da Constituição – de maior poder para criar regras procedimentais adequadas à realidade local (BEDAQUE, 2009, p. 60), o jurista paulistano insiste na ideia do juiz como condutor do processo e inexplicado “canal de comunicação” entre a regra e a sociedade (BEDAQUE, 2009, p. 68). Ao insistir na convicção de que o juiz deve ser investido de amplos poderes de direção para adaptar a técnica processual aos “escopos do processo” (BEDAQUE, 2006, p. 64), Bedaque acaba por fulminar as ambições teóricas de uma processualidade inclusiva que, ao propor a inclusão discursiva radical dos cidadãos nas construções decisórias (conceito de povo-decisor), preconiza uma posição co-decisional do julgador, em condição construtiva isonômica com as partes envolvidas na elaboração provimental. Assim, cremos que Bedaque nada mais faz do que retornar às empedernidas visões estatizantes do processo afirmadas por Cândido Dinamarco, que reconhece apenas mera atuação cooperativa dos “sujeitos do processo” (DINAMARCO,

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2003, p. 136), que simplesmente participam dos procedimentos enquanto o titular do poder jurisdicional – um mítico e atemporal Estado-juiz – exerce a jurisdição.

4. OS ELEMENTOS CRÍTICO-DISCURSIVOS DE UMA PROCESSUALIDADE INCLUSIVA E SEU DESENVOLVIMENTO: DOS APORTES TEÓRICOS DA PROPOSIÇÃO NEO-INSTITUCIONALISTA AO CONCEITO DE POVO-DECISOR

Com vistas a ofertar uma resposta teorética que afaste as proposições comunitaristas e instrumentalistas do processo, tratadas no tópico precedente, passaremos a analisar a denominada teoria neo-institucionalista do processo, desenvolvida pelo jurista mineiro Rosemiro Pereira Leal. De imediato, é preciso esclarecer o que significa a expressão “neo-institucionalista”. A palavra “instituição” não apresenta o significado que lhe deram Maurice Hauriou ou Jaime Guasp, posto que não é utilizada, aqui, no sentido de bloco de condutas aleatoriamente construído por supostas leis naturais da sociologia ou da economia. (LEAL², 2005, p. 99-100).

Em sua teoria, Rosemiro Leal afirma que instituição é reconhecida como o conjunto de princípios e institutos jurídicos reunidos ou aproximados pelo Texto Constitucional com a denominação jurídica de Processo, cuja característica é assegurar, pelos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, o exercício dos direitos criados e expressos no ordenamento constitucional e infraconstitucional, por via de procedimentos estabelecidos em modelos legais (devido processo legal). (LEAL², 2005, p. 100). O que se propõe, portanto, é a instituição do processo constitucionalizado (e não do processo constitucional) como referente lógico-discursivo de estruturação dos procedimentos judiciais, de tal modo que os provimentos (sentenças) resultem de um compartilhamento dialógico-processual (LEAL², 2005, p. 100) entre Estado e cidadãos (todo o povo).

Como se constata, o processo, dinamizado pelos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, é concebido como instituição-regente e pressuposto de legitimidade de toda criação, transformação, postulação e reconhecimento de direitos pelos provimentos judiciais. (LEAL², 2005, p. 102). Nesta processualidade, o contraditório é a oportunidade legal de produzir ou não produzir argumentos jurídicos na construção estrutural dos procedimentos; a ampla defesa consiste no direito ao contraditório em tempo isonômico, indistintamente, para todos; e a isonomia será o princípio de igualdade, para as partes, do tempo de realização estrutural do procedimento. (LEAL, 2002, p. 180). Acerca da referida principiologia do processo, é oportuna a observação de Rosemiro Leal, in verbis:

A principiologia do Processo na teoria neo-institucionalista exige o pressuposto jurídico-discursivo-autocrítico de exercício continuado de auto-ilustração e de

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fiscalidade incessante pelos sujeitos de direito[9] (legitimados ao processo – POVO), sobre os fundamentos do sistema jurídico adotado, como destinatários, autores e co-autores, da construção (efetivação) de uma sociedade política a partir do recinto (âmbito teórico-conjectural) de uma linguisticidade (texto) processualmente constitucionalizada. Caracteriza-se assim um paradigma teórico-linguístico de compartilhamento na produção do sentido democratizante da normatividade expressa em possibilidades juridificantes de uma existência jurídica não posta por realidades sociais autopoiéticas nas bases instituinte, constituinte e constituída dos direitos legislados. (LEAL, 2006, p. 14-15).

Percebe-se que o objetivo da teoria neo-institucionalista do processo é perseguir a legitimação de uma instituição processual constitucionalizada de controle irrestrito dos procedimentos político-jurídicos como diretriz principiológica das regras de relacionamento na elaboração e operacionalização de um Sistema de Direitos. (LEAL², 2005, p. 100). Parece-nos, após estes apontamentos iniciais sobre a teoria neo-institucionalista do processo, que é o momento oportuno para que se apresente a concepção de processo ofertada por Rosemiro Pereira Leal, e a qual nos filiamos. Processo seria a instituição constitucionalizada de controle e regência popular soberana legitimante dos procedimentos como estruturas técnicas de argumentos jurídicos assegurados, numa progressiva relação espácio-temporal, de criação, recriação (transformação), extinção, fiscalização, aplicação (decisão) e realização (execução) de direitos, segundo os princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia (LEAL, 2002, p. 178-179).

Até o momento, acreditamos que a proposição neo-institucionalista contribui para a verdadeira teorização da processualidade democrática de bases radicalmente inclusivas da cidadania ativa, através da mencionada auto-inclusão processual do povo nos direitos fundamentais. A teoria neo-institucionalista apresenta-se como apelo crítico-inclusivo das partes legitimadas num processo, acarretando a impessoalização dos conteúdos decisionais, que se esvaziam da opressividade potestativa (coatividade), pelo deslocamento de seu imperium (impositividade) do poder cogente da atividade estatal para a conexão jurídico-política da vontade popular constitucionalizada. (LEAL², 2005, p. 102), uma vez que, numa verdadeira democracia radical, impõe-se o irrestrito direito-de-ação à fiscalidade processual, popular e incessante. (LEAL, 2002, p. 179), não mais se admitindo o cometimento de um discurso pela pressuposta autoridade de seu autor. (LEAL², 2005, p. 102).

Constata-se, assim, que a teoria neo-institucionalista indica, precisamente, o espaço processualmente demarcado pelos princípios constitucionais, discursivos e autocríticos do contraditório, da ampla defesa e da isonomia como o lócus adequado para o implemento do projeto habermasiano de democracia deliberativa, substituindo a inexplicada “institucionalização jurídica” (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 165), apresentada por Habermas e tida, até então, como o mecanismo de transição do princípio da democracia para o princípio do discurso. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 154).

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É importante dizer que a teoria neo-institucionalista promove, adequadamente, a referida transição, porque foi atenta à viragem paradigmática ocorrida nos modelos de estatalidade ocidental. Com efeito, o Estado democrático de direito, concebido na teorização de Rosemiro Leal (2002), não é aquele que se coloca como guardião de promessas não cumpridas dos modelos de estatalidade liberal e social, e no qual o Judiciário há que ser intervencionista (STRECK, 2003, p. 55), pois seria o único ente capaz do resgate de direitos não realizados. Na teoria neo-institucionalista, o Estado democrático de direito é uma instituição constitucionalizada (LEAL, 2002, p. 31) que não se materializa em soluções prontas de um Judiciário obrigado a ser o sábio mentor que age para a satisfação dos anseios de um povo tido como infante. O Estado democrático de direito apresenta-se, na referida teoria, como uma construção continuada pela comunidade jurídica, posto que não é um projeto congenitamente acabado, mas uma proposição suscetível de revisibilidade em devidos processos constitucionais. (LEAL, 2002, p. 31). Nestes termos, o Estado democrático de direito, como status jurídico da processualidade em todos os níveis, será o presentificador de uma cidadania processual[10]. (LEAL, 2002, p. 195).

Concluída a análise das proposições neo-institucionalistas do processo que, para nós, é capaz de dar significância decisória ao povo, tornando possível o implemento de uma democracia radical, verifica-se, ainda, que as teorias discursivas e processuais do direito e da democracia, especialmente aquelas desenvolvidas por Habermas e Rosemiro Leal, possibilitam, de fato, a dialogicidade jurígena cidadã, balizada na processualidade constitucionalmente instituída, em que o povo se enxergue como co-autor das construções decisórias judiciárias. Tem-se o conceito de povo-decisor.

Superando-se o modelo decisionista que se apresenta na reedição neo-interventiva do Welfare State comunitarista, no qual se explicita a apropriação do legado da filosofia da consciência kantista pelo sistemismo luhmanniano, concentrada na figura do juiz-gestor de talentos pantomímicos que enseje um temerário protagonismo judiciarista, os cidadãos se apresentam em nova concepção como povo-decisor, pela qual todos são radicalmente incluídos na posição isonômica de construtores decisionais ao lado dos magistrados, que não mais se apresentam como especialistas inquestionados do saber jurídico e conhecedores prévios do bom e do justo, pressionados pelo fardo da solidão decisória; os magistrados são promovidos a co-decisores que garantizam a observância do devido processo legal-constitucional. Na democracia deliberativa processualizada que aqui apresentamos, a pretensão da escola instrumentalista do processo de subverter o direito processual em mero “sobrediscurso” ou “metadiscurso” que se sustenta e fica a reboque do “discurso” de direito material (MARINONI, 2006, p. 9) pela pressuposta excelência de uma razão prática ressurrecta, é afastada por uma razão discursiva que abomina pretensas verdades objetivas, almejando aquelas que atendam ou possam vir a atender os requisitos racionais da argumentação e da contra-argumentação, da prova e da contra-prova, visando um entendimento mútuo entre os participantes do debate processual, no qual estes possam se enxergar como co-autores das construções decisórias do Judiciário. Assim, os passos da argumentação judiciária livram-se da “fala falha” de um magistrado oprimido por uma tarefa hercúlea – e, portanto, mítica – de descobrir, no âmago de uma onividência redentora que ele supostamente desfrutaria, a melhor tutela paternal a cidadãos infantilizados pelo Welfare State neo-interventivo.

O julgador, em sociedades institucionalmente balizadas pelo paradigma do direito democrático e pelo anseio de uma processualidade inclusiva, será o co-decisor que

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garantiza a exeqüibilidade intersubjetiva (HABERMAS, 1989, p. 14) dos argumentos deduzidos em juízo pelo povo-decisor, sendo que os atos escriturais do magistrado dele se desgarram – por ausência, numa democracia radical, de referências à “autoridade judiciária” ou a “critérios pessoais de justiça” –, já que ao prolatar a sentença, como lembra André Cordeiro Leal (2005, p. 122), o juiz enuncia uma teoria que deverá ter sido compartilhada e discursivamente construída no procedimento, por todos os cidadãos que ali atuaram.

5. CONCLUSÃO

Na teorização democrática do processo, em que este é entendido como instituição constitucionalizada de controle e regência popular soberana legitimante dos procedimentos, segundo os princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, e fundado numa proposição falibilista de fiscalidade incessante pelo direito-de-ação coextenso a todos os cidadãos, não há espaço para um Judiciário redentor e onividente, proposto pelos comunitaristas e enaltecido pelo instrumentalismo processual pátrio em suas clássicas e – supostamente – renovadas feições.

A teoria da processualidade democrática repele, como já dissemos, a reedição do modelo de amparo previdente dos cidadãos, supostamente angustiados pela inércia estatal no cumprimento de direitos fundamentais, em que um remoçado Estado Social de Direito exercitaria seu intervencionismo promotor do bem-estar que, antes tensionando as relações entre Executivo e Legistativo, passaria a tensionar as relações entre magistrados e sociedade civil, subvertendo o Judiciário em uma homérica arena de postulações, no qual um julgador-guardião, pressionado a carregar solitariamente o fardo decisório, extrairia das vísceras expostas da norma o que fosse melhor para o povo, sepultando diferenças através de uma homogeneidade cultural em decisões que agradaria a todos e, supostamente, tranqüilizaria espíritos rebelados.

Em suma, acreditamos que em sociedades democráticas de direito presentificador da cidadania processual, o povo-decisor, baseado em uma processualidade constitucionalmente instituída, enxerga-se como co-autor das construções decisórias judiciárias, e os julgadores são promovidos a co-decisores que garantizam a observância do devido processo legal-constitucional, expondo-se e vivenciando racionalmente o confronto das diferenças, sem discriminações.

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[1] De início, é importante dizer que a escolha da expressão “terceiro esforço crítico-discursivo”, componente do título temático, não se deu de modo aleatório. Com efeito, temos, a partir do XVI Congresso do CONPEDI (2007) e no ano seguinte com a defesa de minha dissertação de mestrado intitulada “A possibilidade de inclusão discursiva radical do povo nas atividades decisórias do Judiciário” (2008), tentado desenvolver uma teorização que corrija um inexplicado déficit presencial da cidadania nas construções decisórias das sociedades democráticas ocidentais. Acreditamos que, pela natureza confessadamente crítica deste propósito e pelas reconhecidas limitações intelectuais do autor do presente artigo, muitos esforços e contribuições de pensadores abalizados ainda estão por vir. Que assim seja!

[2] Oportuna é a passagem de Edgar Morin na obra Introdução ao pensamento complexo, explicando o que vem a ser a complexidade na era contemporânea, in verbis: “O que é a complexidade? À primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido dos acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza...” (MORIN, 2001, p. 20).

[3] Ao longo deste trabalho, usaremos com acentuada freqüência as expressões “Welfare State neo-interventivo”, “reedição neo-interventiva do Welfare State” ou ainda “reedição comunitarista do Estado social de direito de coloração neo-interventiva”, além de outras congêneres. Uma das convicções teóricas deste escrito, desenvolvidas desde a nossa dissertação de dissertação, é que houve uma simbiose do pensamento comunitarista norte americano e europeu com as teorias sistêmicas da sociedade e do direito, para a reconstrução ideológica do Estado social de direito com uma nova forma de intervenção social, daí o termo “neo-interventivo”. Para os seguidores destas correntes teóricas, é necessário o surgimento de um novo Estado social de direito (Welfare State) no qual a inércia do Poder Executivo e falta de atuação do Poder Legislativo passariam a ser supridas pelo Judiciário (STRECK, 2003, p. 53), subvertendo-se este, assim cremos, numa “arena” de postulações, onde magistrados-guardiães terão a grave missão de proteger o povo das tentativas de supressão das “históricas conquistas”, como insistem os comunitaristas do Welfare State. Partidário desta proposta sistêmico-comunitarista, Lenio Streck (2003, p. 53) afirma que, embora não se possam esperar soluções mágicas para os problemas sociais, um Estado democrático de direito – qualificado, assim, a juízo deste autor – dependeria muito mais da “ação concreta” do Judiciário do que dos procedimentos legislativos e administrativos. Para Streck, na falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do Estado democrático de direito, surge o Judiciário como instrumento de resgate de direitos não realizados. (STRECK, 2003, p. 53).

[4] A expressão “jurisconsorte” foi um neologismo cunhado por George Sperber na tradução do texto de Habermas denominado Inserção – inclusão ou confinamento?, contida na obra A inclusão do outro: estudos de teoria política (2004). Sobredito

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neologismo serviu para traduzir a palavra alemã rechtsgenosse, que poderia ser traduzida como “membro da comunidade jurídica”.

[5] Ressaltamos que o trecho apresentado no corpo da dissertação foi retirado do capítulo 5 da obra A inclusão do outro (2004), intitulado “Inclusão: inserção ou confinamento”. Contudo, verificamos que partes do sobredito capítulo também se encontram no artigo do autor, intitulado “Inclusão: integrar ou incorporar? Sobre a relação entre nação, estado de direito e democracia”, publicada na Revista Novos Estudos do CEBRAP, e que consta nas referências bibliográficas deste nosso trabalho. Constatado que, na tradução do referido artigo, o termo “inserção” foi trocado por “inclusão”, acatamos a mudança, ao mencionar as reflexões habermasianas presentes no livro de 2004. A seguir, a transcrição do trecho do artigo publicado na revista Novos Estudos: “Inclusão significa que tal ordem política se mantém aberta para a equalização dos discriminados e para a integração dos marginalizados, sem incorporá-los na uniformidade de uma comunidade popular homogeneizada”. (HABERMAS, 1998, p. 108).

[6] Baseado no mesmo artigo mencionado em nota anterior, substituímos o termo “incluir” por “integrar”.

[7] Reiteramos a necessidade de observação, pelos eventuais leitores do presente artigo, daquilo que denominamos de Welfare State Neo-interventivo. Para isto, devem se remeter à nota de rodapé n. 3.

[8] Em sua obra “Hermenêutica jurídica e(m) crise”, Lenio Streck (2003, p. 53) afirma que, embora não se possam esperar soluções mágicas para os problemas sociais, o Estado democrático de direito dependeria muito mais da “ação concreta” do Judiciário do que dos procedimentos legislativos e administrativos. Para Streck, na falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do Estado democrático de direito, surge o Judiciário como instrumento de resgate de direitos não realizados. (STRECK, 2003, p. 53).

[9] Cremos que melhor seria falar do exercício da fiscalidade incessante operando-se “pelos cidadãos” e não “pelos sujeitos de direito”, à vista da demonstração do caráter ideológico desta expressão, no segundo capítulo da nossa dissertação de mestrado defendida em 2008, cuja indicação encontra-se em nas referências bibliográficas, ao fim do artigo.

[10] Rosemiro Leal fala em “cidadania procedimental”, no qual se deve compreender a expressão “procedimento”, após esclarecimentos da teoria fazzalariana, como gênero do qual “processo”, tido como procedimento em contraditório, é espécie. Contudo, acreditamos que será mais adequado o uso da expressão “cidadania processual”, visto que cogitamos sobre uma teoria da processualidade democrática.