Escola e Relações de Produção Desde Enguita Roseli 1989 (1)

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    ESCOLA E RELAÇÕES DE PRODUÇÃO

    “... Marx (...) problematiza a formação dos indivíduos introduzindo na

    formulação desse problema dois elementos essenciais implicados um nooutro: o trabalho e a produção. Tanto desde uma perspectiva sincrônica comodiacrônica, as diversas formas históricas de organização da produção dãocomo resultado a aparição de diversos tipos humanos, efeito de diferentesprocessos de formação. Por isso o estudo do desenvolvimento do capitalismoem concreto compreende ou inclui a análise do processo-concreto deformação dos indivíduos, ou seja, do que a linguagem comum chama deeducação, com ou sem escola...... o processo de formação dos indivíduos vai mais além da pura tarefaexpressa e sistemática de formar-deformar consciências, a qual constitui oconceito das instituições que nos acostumamos a chamar de educativas, assimcomo a família ou o sistema escolar... Desde esta posição (...) não se trata dedenunciar qualquer das variações que reduzem a educação ao ensino, senãode pensar nela sobre outras bases...Grosso modo, a adoção dessas novas bases começa por admitir estaproposição:quando fala de educação , o capitalismo – se me permitem aexpressão –dá os gritos nas instituições educativas, mas na realidade põe osovos em outro lugar . Onde? Basicamente no que constitui o centro darealidade do modo capitalista de produção: nas relações sociais de produção...

    ... o processo de interiorização ou aprendizagem das relações sociais deprodução tem um de seus lugares privilegiados no sistema escolar. Esteprocesso de aprendizagem se leva a cabo, fundamentalmente, em virtude daexistência de um isomorfismo entre as relações sociais que se estabelecem noâmbito da escola, – por exemplo, práticas rituais, formas de interação entrealunos, e entre estes e os professores, etc. – e as relações sociais que se dãonos processos de trabalho – concretamente no mundo das empresas – e nosprocessos de intercâmbio – consumo, mercado em sentido amplo."(LERENA, Carlos apud ENGUITA, 1985, p. VI).

    O texto a seguir tenta ser uma sistematização e síntese das ideias desenvolvidas peloespanhol Mariano Fernandez Enguita na obra "Trabajo, escuela e ideologia ", especialmente nocapítulo intitulado "A aprendizagem das relações sociais de produção". Trata-se de umacontribuição desde a perspectiva marxista para entender a relação existente entre a escola, aeducação e as relações sociais de produção dominantes num determinado período histórico, o quequer dizer analisar o lugar ocupado pelas instituições educativas (entre elas a escola) numasociedade concreta.

    Tal análise, resultado de rigoroso trabalho teórico, e o fundamento necessário para acompreensão de nossa realidade educacional particular e de nosso papel enquanto sujeitos destarealidade.

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    Marx nunca tratou especificamente do problema das relações sociais na educação.Estabeleceu, sem embargo, que as relações sociais de produção e de circulação deveriam serconsideradas como o centro nuclear das relações sociais em geral. O que Enguita nos mostra é apossibilidade de analisar as relações sociais da educação a partir das relações sociais no processo detrabalho e de intercâmbio. Sua tese fundamental diz respeito â existência de umisomorfismo bastante

    acentuado entre umas e outras (1985, p.223).Algumas observações históricas ajudarão a entender o raciocínio do autor:O submetimento de homens e mulheres a quaisquer relações sociais de dominação e

    exploração não é de modo algum espontâneo. Depende, em maior ou menor dose, da coerção direta,da necessidade material ou da interiorização de tais relações como necessárias, justas ou inevitáveis,e normalmente de alguma combinação entre os três fatores. Ao longo da história temos conhecidodiversos modos de integração das pessoas nas relações sociais, e temos visto jogar distintos papéis adiferentes instituições nesse processo (idem, ibidem).

    O capitalismo se caracteriza frente a outros modos de produção anteriores pelo fato de que ovalor excedente do trabalho (a mais-valia) é extraído por mecanismos estritamente econômicos. Osmecanismos de dominação política não servem direta, mas sim indiretamente, para a extração damais-valia: com maiores ou menores dificuldades asseguram, por um lado, o consenso majoritáriocotidiano em torno às relações sociais existentes e, por outro, servem como última linha de defesa,mediante a repressão pura e simples, quando estas são questionadas (p.223-4).

    Sem embargo, a coerção teve um papel direto na extração da mais-valia, inclusive nasimples incorporação dos trabalhadores ao processo de trabalho, em períodos e esferas destacáveisque de modo algum podem ser consideradas exceções sem importância no desenvolvimento docapital. Não muito longe da nossa memória está o trabalho forçado de milhões de pessoas sob onazismo. Algo mais distante, porém com uma significação histórica muito maior, está naincorporação forçosa dos habitantes das colônias. Para obrigar a mão-de-obra potencial da periferiado capitalismo a incorporar-se ao trabalho industrial, o capital teve que primeiro desapropriá-latotal ou parcialmente de qualquer outra possibilidade de subsistência, porém com frequência issonão foi o bastante para lograr dela a submissão e a produtividade adequadas (p.224).

    O moderno proletariado industrial foi introduzido em seu papel não tanto por meio da atraçãoda recompensa monetária como por meio da compulsão, da força e do temor (p.227).

    Em nossos dias existem diversos mecanismos que forçam de uma forma mais ou menossuave às pessoas a submeter-se às relações de produção capitalistas. O mais elementar é ageneralização mesma do trabalho assalariado. Toda gente ao nosso redor trabalha e, porconseguinte, sabemos desde pequenos que algum dia nos tocará fazê-lo. Sabemos que nos espera afunção de trabalhador ou trabalhadora assim como sabemos que nos esperam a de marido ou mu-lher, pai ou mãe, com a particularidade de que a primeira somente é evitável para uma pequenaminoria da população. O mecanismo mais poderoso é, pois, a impossibilidade de subsistir semvender a própria força de trabalho e submeter-se às relações de produção capitalistas. É tambémfator essencial a multiplicação das necessidades humanas, infinitamente. Distanciadas da merasobrevivência biológica e canalizadas socialmente para um consumo crescente de mercadorias eserviços que, hoje em dia, e fora dos que vivem do trabalho dos outros, parece excluir qualquerpossibilidade de renunciar a esta venda (p.230).

    Isto não quer dizer que as relações sociais de produção (RSP) não sejam potencialmenteexplosivas. Os fatores antes citados podem contribuir para explicar a decisão individual de vender aprópria força de trabalho, mas não a passividade coletiva de todos os submetidos às relações

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    capitalistas. Esta passividade é mantida por mecanismos muito díspares que vão desde a repressãopura e simples à inculcação ideológica, passando pelo confinamento da participação social à esferada política parlamentar e por estratégias diversas para dividir e confrontar entre si os trabalhadoresPorém o que aqui será tratado é outro processo: a APRENDIZAGEM E A INTERIORIZAÇÃOPRÉVIAS DESSAS RELAÇÕES SOCIAIS, processo no qual jogam um papel primordial a

    ESCOLA e os EXÉRCITOS DE CONSCRIÇÃO (p.213).Antes de tudo, é preciso assinalar que sempre existiu algum tipo de processo preparatório

    para a integração nas relações de produção, e com frequência este processo foi realizado em outrainstituição que não a produção mesma. Nas sociedades primitivas havia os ritos iniciáticos; na Romaantiga, por exemplo, havia uma mescla de aprendizagem familiar e da participação na vida adulta emgeral; na economia camponesa, inclusive em nossos dias, a sede da aprendizagem laboral e socialsegue sendo a família (sendo a escola neste caso um fator tanto dissolvente da velha comunidadecomo integrador na comunidade nacional ou estatal mais ampla). Algo parecido encontramos naIdade Média, com a diferença de que neste período a família própria é substituída em grande medidapela aprendizagem no seio de outra família (relação mestre-aprendiz) (p.232).

    Na atualidade nem sequer é pensável, pelo menos nos contextos industriais e urbanos, umaaprendizagem social ou laboral minimamente consistente no seio de qualquer família, própria oualheia. Na Idade Média, a família não era somente uma unidade afetiva e uma instituição encarregadada reprodução, mas sim também uma unidade produtiva, fosse por conta própria ou alheia. Hoje emdia as bases da produção familiar foram destruídas. Num contexto familiar não são já possíveis nema transmissão de destrezas laborais nem a aprendizagem das relações sociais. [No campo isso aindapode ser diferente.]

    Hoje a família continua sendo a unidade básica em que tem lugar a reprodução biológica daforça de trabalho, assim como um mecanismo de transmissão da propriedade privada e uma unidadede consumo (ainda que esta última cada vez menos, pois progressivamente tende a atomizar-se oconsumo familiar no agregado dos consumos individuais de cada um dos membros que a compõem)porém em nenhum caso uma unidade de produção, salvo nos setores onde ainda não irrompeu omodo de produção capitalista propriamente dito. Quando ainda as famílias eram as unidades deprodução, a criança e sua educação coincidiam com a socialização para o processo produtivo.

    Se o trabalho no regime de produção capitalista fosse uma atividade livre e gratificante, todasestas digressões seriam desnecessárias. Porém, como não é, ou seja, se trata de uma carga imposta,de uma atividade com a qual a imensa maioria dos trabalhadores não tem possibilidade de seidentificar, sequer parcialmente, e como isto resulta especialmente da instauração do modo deprodução capitalista propriamente dito, ou seja, da passagemda subsunção formal à subsunção realdo trabalho ao capital , nos termos de Marx, então a pergunta que devemos formular é a seguinte: porque as pessoas aceitam e desejam aceitar um trabalho cujas condições limitam sua liberdade, nãolhes oferece nenhuma satisfação pessoal intrínseca e obstaculiza seu desenvolvimento? Ou, se supo-mos que aceitam esse modo de trabalho porque não têm outra alternativa, por que, então, relaçõessociais de produção que são intrinsecamente explosivas não terminam de explodir? (p.233).

    O que primeiro devemos perguntar é em que medida a família mesma prepara para aincorporação das relações sociais de produção capitalistas. Já demos uma resposta global a isto: afamília somente pode cumprir esse papel enquanto a produção teve uma base familiar. Sem embargodevemos matizar esta afirmação em vários sentidos. Em primeiro lugar, aparecem à criança como

    modelos na estrutura familiar pais – normalmente o pai, varão – que já são trabalhadores. Ainda queo mundo do trabalho seja um mistério para a infância, está presente aí como um destino inevitável,no sentido mais amplo: incorporação ao mundo do trabalho como operário, profissional liberal,

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    patrão ou o que seja, segundo a profissão do pai e, em alguns casos, da mãe. Este e um assuntosuficientemente tratado nos estudos sobre socialização, interação, etc. (p.233-4).

    Em segundo lugar, não devemos esquecer que a família é uma instituição fundamentalmenteautoritária, pelo que de algum modo prepara para a inserção ulterior em outras estruturas hierár-quicas. A criança se vê submetida à família desde quando ainda não possui a capacidade de construirpor si mesmo ou negociar significados para os estímulos que recebe do exterior. Neste sentido, ainfluência da educação familiar é decisiva, se bem que não definitiva. Wilhelm Reich argumentouconvincentemente nas suas obras sobre a importância da família autoritária na formação de umaestrutura de caráter propensa a aceitar estruturas sociais totalitárias. E não só os regimes fascistas oustalinistas são totalitários: também o são, e em maior medida, as fábricas e oficinas esparramadas potodo o "mundo livre" e fora dele (p.234).

    Em terceiro lugar, os valores e as atitudes que levam um adulto a conformar-se com suascondições de trabalho se transmite através da família à geração chamada a substituir-lhe. MelvinKohn estudou de forma bastante sistemática o modo pelo qual as condições de trabalho modelam a

    personalidade dos trabalhadores e o grau em que isto se reflete na educação de seus filhos. Kohnsugere o que denomina de aprendizagem-generalização; o indivíduo aprende no emprego uma sériede comportamentos, atitudes e valores que projeta às outras esferas da vida social, entre elas o tipo deeducação que dá e espera que outras Instituições dêem a seus filhos (p.234).1

    Porém, se a família não proporciona uma aprendizagem adequada das relações sociais deprodução capitalistas, e se do que se trata não e simplesmente de impô-las, – pela falta de alternativaspara aceder à satisfação das próprias necessidades ou por meio da coerção direta – senão deassegurar que funcionem por si sós como uma máquina bem engraxada, sem demasiados conflitos,então deve haver alguma outra instituição que facilite esta aprendizagem antes da incorporação doindivíduo à vida ativa. Sabemos que a instituição fundamental que se interpõe entre a família e o tra-balho é a ESCOLA. Logo, é aí onde devemos buscar esta aprendizagem (p.235).

    Antes de entrar definitivamente na análise da escola, Enguita diz não poder deixar de registraralgumas ideias sobre os exércitos de conscrição. Segundo autor também se poderia falar sobre osesportes coletivos, mas estes ele considera menos importantes.

    É sabido que no serviço militar os jovens varões "se fazem homens", ainda que fosse melhordizer que se preparam para ser trabalhadores. Não há nada mais parecido com a organização dotrabalho em cadeia do que uma formação militar praticando a "instrução", nem nada que seassemelhe tanto à hierarquia despótica do trabalho como a disciplina aberrante de um exército. Olugar por excelência onde se aprende a agir sem outro motivo que não o de evitar um castigo e sem a

    mínima motivação intrínseca, é o quartel. O quartel é também o lugar onde o indivíduo aprende anão perguntar sobre os fins de sua atividade, porque estes fins são inapresentáveis. E o serviçomilitar se pratica precisamente na idade logo anterior à incorporação definitiva ao trabalho produ-tivo. À saída do exército, as relações sociais imperantes na produção, similares nos aspectos maisimportantes, porém atenuadas, aparecem como um alívio, para não dizer como um paraíso. Semembargo, a incorporação ao serviço militar sobrevém quando o indivíduo já é capaz de elaborar umaresposta própria, as relações sociais nele são vividas de uma forma hostil e a autoridadeinvariavelmente considerada como arbitrária. A escola, sem embargo, recolhe à criança quandocarece praticamente de capacidade de autodefesa. Ao contrário do exército, onde tudo é arbitrário, –o que não quer dizer aleatório – na escola tudo leva a marca do natural e inevitável. O serviço

    militar obrigatório, enfim, o é só para os homens e nem sequer existe em todos os países, enquantoque a escola reúne a ambos os sexos e se estende a todos (p.236).

    1KOHN, Melvin. Class and Conformity: A study on values. University Of Chicago Prees 2a ed., 1977.

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    O autor vem afirmando que na escola se aprendem as relações sociais de produçãodominantes na sociedade. A forma mais comum em que se costuma entender isso é prestandoatenção ao conteúdo do currículo. Ou seja, a Religião ensina que o homem está condenado atrabalhar e que deve despreocupar-se de suas condições de vida na terra. A Hist6ria ensina quesempre existiram pobres e ricos, governantes e governados, que a humanidade progride sem parar

    graças à ciência e que as tentativas de mudar as coisas, além de injustificadas, terminaminvariavelmente mal. A literatura translada as crianças para um mundo subjetivista geralmenteprotagonizado por figuras que têm pouco a ver com o mundo real. As matemáticas introduzem aoaluno em problemas tão vitais como o modo de repartir em partes proporcionais uma herança. Aformação "cívica" e "social" trata de convencer aos pequenos que vivemos no melhor dos mundospossíveis, e assim sucessivamente. Segundo Enguita isto é algo tão obvio que não necessita de maiscomentários. (p.236)

    O que ele sugere aqui é que, não obstante, a verdadeira aprendizagem das relações sociais deprodução não se dá através das mensagens recebidas com maior ou menor credulidade, mas simatravés de uma série de práticas, rituais, formas de interação entre alunos e professores, modo de serelacionar com os objetos, etc. Ou seja, através das relações sociais imperantes na escola queprefiguram as relações sociais do mundo da produção. O que o conteúdo do currículo faz é darsentido a esta série de práticas. Porém são sobretudo estas práticas, não explicitamente discutidasnem justificadas, que conformam a cotidianidade da vida na escola, as que configuram com mais for-ça a consciência da criança. Sua força deriva da sua materialidade (o ser consciente é a expressãoconsciente do ser real: Marx), de sua regularidade e de sua não problematização – vale dizer de seucaráter oculto, não explícito, não discursivo. Elas configuram o que Paulo Freire denominou deconsciência ingênua ou transitiva (p.236-7).

    Não é difícil associar este enfoque aos estudos já feitos sobre o chamado "currículo oculto".

    Enguita dedica algumas páginas para detalhar as diferenças da sua abordagem (marxista) em relaçãoa outras oriundas de perspectivas funcionalistas. Neste resumo não vamos entrar nestasparticularidades.

    O que e preciso frisar, porque o autor o faz, é a seguinte ideia: a escola é o lugar fundamentalonde se leva a cabo a aprendizagem das relações sociais de produção capitalistas, mas não é o únicoDeve ficar também claro que esta aprendizagem não é a única função da escola. Outras funções sãoa qualificação da força de trabalho, a inculcação ideológica em geral, o enquadramento da infânciapara a qual não existe outro lugar na sociedade que não seja a família, a rua ou as aulas, alegitimação da divisão social do trabalho, a configuração da "comunidade" nacional, etc. Porém aaprendizagem das relações sociais de produção é, sob o capitalismo, dentre as funções da escola, amais importante de todas as citadas e de quantas outras se possam apontar (p.239).

    Alguns autores anarquistas ou anarquizantes (Godwine Ferrer, por ex.) já haviam denunciadoo papel da escola na formação de trabalhadores dóceis, porém sua argumentação era pouco atrativa econvincente. Posto que os grandes problemas da sociedade eram os padres, os governantes e ospatrões, e posto que eles dominavam as escolas, o papel destas só poderia ser o de gerar oobscurantismo religioso, a submissão política e a docilidade laboral. Esta crítica era dirigidaparticularmente contra a escola estatal, de cujas crenças e práticas tratavam de apartar-se, mais oumenos consequentemente e com distintos graus de êxito, as experiências de auto-instrução obreira eas escolas libertárias.

    Porém foi no final da década de 1960, início da de 1970, que se chamou a atenção pelaprimeira vez e de forma sistemática sobre o papel da escola na integração dos indivíduos nasrelações sociais de produção. E essa atenção chegou desde pontos muito díspares. Por um lado,

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    desde duas escolas históricas ou historiográficas – tão distintas como a encabeçada por MichelFoucault ou a formada pelos "historiadores revisionistas" norte-americanos. Por outro, desde oestrutural-funcionalismo, especialmente o de Parsons. E, por último, o mais importante, desde duasfontes declaradamente marxistas: o estruturalismo de Althusser e sua teoria da ideologia e dosaparelhos ideológicos do Estado e o "princípio de correspondência" da escola de Samuel Bowles e

    Herbert Gintis (p.239).O trabalho destes autores tem servido a outros para se analisar a história da escola em

    termos de suas funções na socialização dos indivíduos na produção capitalista (p.244).O que Enguita postula não é a existência de um “conchavo” de patrões para erguer uma

    escola na qual as crianças se convertam em bons trabalhadores. A escola teve, segundo os países,origens causais muito diversas e em geral há que buscá-las mais na área da dominação política eideológica. Sempre existiu, está claro, uma educação sistemática da minoria dominante, educaçãoque em alguns períodos passou pela escola e outros não. Mas o que é preciso explicar é a origem e aevolução daescola de massas (p.244-5).

    Os primeiros sistemas escolares propriamente ditos que surgem na Europa respondem a finsreligiosos, políticos ou militares. O sistema escocês, por exemplo, é de caráter fundamentalmentereligioso. O prussiano de caráter militar. Na França, depois das tentativas falidas da revolução, surgeprimeiramente um minissistema escolar estatal que agrupa os liceus e as Universidades – para osfilhos das classes altas – e se encarrega de proporcionar oficiais ao exército e funcionários àburocracia do império napoleônico. O sistema das leis Ferry, que pretende agrupar atoda população infantil numa escola primária "comum", é um instrumento de consolidação da IIIRepública frente à reação monárquica e eclesiástica e a ameaça obreira. A vinculação da expansãoescolar à luta política ou ao desenvolvimento de uma organização política burocrática e centralizadanão é um produto de última hora. O impulso dado pela Reforma Protestante às escolas primárias foiefeito conjunto da luta religiosa contra o Papado, a luta nacional contra o Império e a luta econômicae política dos burgueses contra a nobreza e o Império. Na Idade Média, o único fenômeno parecidoa um sistema escolar se dá sob o Império Carolíngio. Analogamente, o mais assimilável a umsistema escolar que Roma produz o faz durante o Baixo Império (p.245).

    O que aqui se postula não e que a necessidade de impor as relações sociais de produçãocapitalistas seja a causa que explica por si mesma a escolarização das massas, senão que o ajuste daescola à produção, tensão a qual ela se vê permanentemente submetida, não se propõe – qualquerque seja o discurso que o encubra – em termos de destrezas, habilidade e qualificações do trabalho(embora isto também tenha um papel relevante), mas sim fundamentalmente em termos deisomorfismo das relações sociais numa e noutra (p.245).

    Cabe ainda perguntar-se em que medida não era o movimento dos trabalhadores o primeirointeressado na escolarização universal, em que medida não é a escola uma conquista obreira epopular que as classes dominantes pretenderiam, todavia, adulterar, com mais ou menos êxito.Desgraçadamente, a historiografia existente é obra de autores que identificam a escola como oprogresso social, o que provavelmente lhes faz chegar não só a uma interpretação distorcida, mastambém a uma seleção igualmente distorcida dos dados históricos. Assim, o que normalmentesabemos do movimento obreiro é que sempre reivindicou mais escolas, maior acesso às escolasexistentes, etc. Sem embargo, há informação suficiente para nos fazer pensar que, antes daidentificação da classe trabalhadora com a escola enquanto instrumento de melhoria social, houve

    um amplo movimento de auto-instrução. Harry Braverman descreveu eloquentemente em queconsistia ser um trabalhador qualificado antes que as hordas de Ford e Taylor irrompessem naorganização do trabalho fabril. Segundo ele, o artesão ativo estava ligado ao conhecimento técnico e

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    científico de seu tempo na prática diária de seu ofício. A aprendizagem incluía geralmente o treina-mento nas Matemáticas, compreendidas a Álgebra, a Geometria e a Trigonometria, nas propriedadese procedência dos materiais comuns ao ofício, nas Ciências Físicas e no Desenho Industrial. Asrelações de aprendizagem bem administradas proporcionavam aos aprendizes contato com revistastécnicas e especializadas no seu ofício. Porém, mais importante do que o treinamento formal ou in-

    formal era o fato de queo oficio proporcionava um vínculo cotidiano entre a ciência e o trabalho, posto que o artesão se via constantemente obrigado a recorrer em sua prática aos conhecimentoscientíficos rudimentares, às matemáticas, ao desenho, etc. Estes artesãos eram uma parte importantedo público científico de sua época, e como norma, mostravam um interesse na ciência e na culturaque ia mais além do diretamente relacionado com seu trabalho. Os florescentes Institutos Mecânicosque na Grã-Bretanha chegaram a ser 1.200 e tiveram mais de 200.000 membros, estavam em grandemedida dedicados a satisfazer este interesse por meio de conferências e bibliotecas (p.246).

    A esta rede formal e informal de formação profissional, técnica e científica há que acrescentaras escolas de iniciativa popular, as sociedades obreiras, os ateneus, as casas do povo e toda umagama de atividades similares que, compunham um considerável movimento de auto-instrução. Boaparte do movimento operário apostou neste movimento suas esperanças de acompanhar o ritmo doprogresso e melhorar sua situação social e política frente ás classes dominantes. Outra parte, a demaior influência marxista, centrou suas reivindicações numa escola para os trabalhadores financiadamas não gerida pelo Estado, e combinada com a incorporação dos jovens à produção. Sem embargo,a escolarização estatal sob a égide do Estado e a influência mais ou menos direta dos industriais logoganhou a partida deste movimento de auto-instrução. Na Inglaterra, a derrota do Cartismo supôs adesaparição das iniciativas obreiras no campo da educação, durante as décadas de 1830 e 1840. NaFrança, as leis de Ferry eliminaram qualquer espaço para possíveis alternativas. Na Espanha, estemovimento levou sempre uma vida não muito animada e sofreu sua maior derrota como corolário da"Semana Trágica". Fator importante desta substituição foi, sem dúvida, a ingênua confiança domovimento operário nas virtudes reformadoras e progressistas da educação em geral (p.247).

    Os autores funcionalistas também destacaram a relação entre a escola e o mundo daprodução em termos de homogeneidade de suas estruturas sociais. Entre eles podem ser citados:Talcott Parsons, Robert Dreeben e Alex Inkeles. Não detalharemos aqui os trabalhos destes autoresporque o próprio Enguita conclui sobre o seu pouco significado nesta discussão que está sendofeita (p.247-9).

    O ajuste entre escola e produção tem sido comumente estudado em termos de qualificação dotrabalho. Sem embargo, há razões históricas e sociológicas suficientes para duvidar de que a ênfasedeve ser posta aí. Marx já explicou que o modo de produção capitalista supõe uma permanentedesqualificação dos trabalhadores, ao substituir reiteradamente o trabalho dos operários qualificadospor máquinas operadas por mão de obra não qualificada (p.249).

    A escola pode crescer, e sua estrutura mudar, em função do modo pelo qual a sociedadeentende as necessidades de produção, por imperativo da legitimação meritocrática, pela crescentedemanda popular de educação, por um intento de disfarçar o desemprego, de conciliar classes dentrode um Estado, ou por outras diversas razões, porém, quaisquer que sejam as causas primeiras e/ouaparentes, sempre há um processo ao longo do qual tende a produzir-se um ajusteentre o que aescola dá e o que a produção pede . Nosso problema segue sendo mostrar queeste ajuste se dásobretudo em termos de relações sociais , que na escola o futuro trabalhador é introduzido nas

    relações sociais de produção capitalistas.Enguita fala muito nas "Relações Sociais da Educação" e no seu isomorfismo com as RSP. Oque mesmo isso quer dizer?

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    O interesse maior está nas relações sociais dos alunos/estudantes – não, por ex. nas dosprofessores ou autoridades acadêmicas – ou seja: relações que os estudantes mantêm entre si, comos professores, com o estabelecimento escolar em seu conjunto, com os materiais escolares, com oconhecimento escolar e com a instituição educativa em geral.

    A atenção às relações sociais da educação não é um invento de nossos dias, nem precisouesperar o marxismo para surgir. Os agentes do processo educativo estabeleciam essas relações e asenfatizavam, ainda que isso não fosse seu objetivo explícito. Ademais, este tem sido um temarecorrente no pensamento pedagógico. Exemplo ilustrativo é Kant e a importância que ele atribuíaao aluno estar sentado, em silêncio, obedecendo ao professor, etc. Também para o filósofo alemão, oobjetivo principal da educação era a formação dos costumes antes que a instrução (p. 253).

    O que caracteriza essencialmente as relações sociais de produção capitalistas é a alienaçãodo trabalhador. Esta alienação se dá num duplo sentido:1º) o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, mas sim ao capitalista;2º) o trabalhador não tem controle sobre o processo de trabalho; não é ele quem determina o queserá produzido e nem como fazê-lo. Este controle está com o dono do capital.

    Sobre o primeiro sentido Enguita não vê condições de estabelecer um paralelo com a escola.Os estudantes se apropriam dos conhecimentos adquiridos. O que pode ser questionado aqui éexatamente a propriedade privada do conhecimento e a forma e o conteúdo desta apropriação. Masnão é sobre isso que o autor vai deter sua análise (p.253).

    É sobre a segunda forma de alienação do trabalhador que Enguita vê uma relação direta coma escola: 1)o estudante não é capaz de determinar o produto de seu trabalho, isto é, o objeto doensino e da aprendizagem. Esta capacidade se reparte em proporções variáveis entre os professores,a direção da escola, as autoridades educativas e as empresas capitalistas que fornecem os diversoselementos auxiliares do ensino (livros, materiais em geral). A incapacidade dos estudantes paradeterminar o conteúdo de sua aprendizagem é manifesta e absoluta nos primeiros graus de ensino,onde não existem opções curriculares nem se concede às crianças alguma iniciativa. Mais adiante,nos níveis médios e superiores da pirâmide escolar (aos quais já não acedem todos), se permite certainiciativa e começam a apresentar-se opções, porém a gama de alternativas é muito limitada. Assim,por exemplo, os sistemas educativos oferecem geralmente, no seu nível médio, a possibilidade deseguir um currículo geral literário, humanístico ou um ensino profissional. Sem embargo, aparte ofato de que mais que uma opção geralmente se trata de uma orientação forçosa, a capacidade deescolha, quando existe, se limita a isso: a optar entre dois ou mais ramos possíveis, uma vez dentrodos quais o estudante volta a encontrar-se na mesma posição com respeito ao conteúdo dos estudos: ade impotência. Inclusive quando dentro de um curso existe a possibilidade de optar por distintascombinações de matérias, o conteúdo delas é determinado pelos professores dentro do marco esta-belecido pelas autoridades. Ainda na hora da última especialização é restrita a gama de alternativas:em vez de dois canais de ensino, o estudante encontra uma centena de carreiras superiores ou deespecialidades profissionais, porém em sua mão somente está, quando está, a primeira opção.Autoridades de uma ou outra ordem, professores e fabricantes do setor são os que decidem o quedeve aprender o futuro eletricista ou o futuro advogado. Ao longo de todo esse processo osestudantes se acostumam a aceitar que a delimitação do conteúdo do seu estudo não é assunto seu, talcomo amanhã tampouco o será a determinação do conteúdo de seu trabalho (p.254).

    2) O estudante não determina o modo de aprendizagem. Uma vez mais são as autoridades dediversa ordem as que decidem se deve primar a aprendizagem memorística ou a compreensão geral,os livros-texto ou as bibliotecas, os livros em geral ou o acesso direto aos materiais, a recepção de

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    'verdades' ou a experimentação, etc. Como no caso anterior, a gama de alternativas é nula nosprimeiros níveis e se abre ligeiramente à medida que se ascende na pirâmide escolar, porémcontinua sendo sempre muito restrita. Anos e anos deste tipo de experiência escolar ensinamtambém aos alunos que o método de aprendizagem não é assunto seu, como não o será na vidaadulta o procedimento da produção (p.254-5).

    3) Tal como o trabalhador (individual ou coletivo) não detém os meios de produção,oestudante não detém, senão parcialmente, os instrumentos e meios de aprendizagem . O que merecea nossa atenção aqui não é tanto a propriedade, mas seus efeitos. Assim como o trabalhador por nãopossuir os meios de produção não pode ter acesso ao produto do seu trabalho e nem dominar oprocesso de produção, o aluno por ter uma posse insuficiente dos meios de aprendizagem nãodetermina nem o produto (conhecimento) nem o processo (aprendizagem, pedagogia) (p.255).

    4) A cultura e os conhecimentos escolares se apresentam ao estudante como uma entidadeacabada, reificada, com lógica e vida própria, estática e dificilmente modificável. Exatamentecomo depois lhe será apresentada a organização social da produção. Nossa criança ou nosso jovem

    aprende assim a considerar a comunidade (cultura, trabalho social) como algo dado, imutável eautônomo. Aprende que é sujeito da comunidade, mas não um sujeito ativo (p.255).5) A alienação do trabalho se manifesta também como alienação da pessoa às demais

    pessoas. A escola, longe de fomentar a cooperação, fomenta a competição destrutiva entre seusmembros. O estímulo ao trabalho individual faz os conhecimentos adquiridos serem consideradoscomo propriedade privada, contável e acumulável. Daí que se fale em "capital cultural"... Assim seprepara, desde a escola, a futura atomização dos trabalhadores como detentores individuais deforça de trabalho no mercado e como elementos competidores na produção (p.255-6).

    6) A alienação com relação ao conteúdo e ao processo do ensino implica inevitavelmente emum sistema de motivações e recompensas extrínsecas. As notas e os títulos são, por assim dizer, asmetáforas do salário, do status, etc. O estudante aprende assim a desentender-se do conteúdo de seutrabalho escolar primeiro, e produtivo depois, e a conformar-se a um sistema extrínseco derecompensas. – Como diz Willian Godwin, precursor do anarquismo, a motivação extrínseca naeducação prepara o indivíduo para aceitar ser governado por leis despóticas (p.257).

    7) De maneira análoga à produção,a cultura e a educação resultam reificadas e submetemas pessoas aos seus ditames. O aluno não escolhe ser de um modo ou de outro, fazer isso ou aquilo.A educação estabelece que os papéis disponíveis são uns e não outros, que se pode ser pedreiro ouengenheiro, mecanógrafo ou advogado, e que se deve sê-lo de uma determinada forma. Não são asnecessidades do desenvolvimento social ou as características da personalidade que determinam o

    modo pelo qual cada um se servirá da educação. Ao contrário, é a educação que impõe o modelode vida a ser seguido dentro de uma gama restrita de opções (p.257). Para concluir este resumo podemos citar mais algumas similitudes indicadas por Enguita

    entre as relações de produção e as relações de educação (especialmente na escola) numa sociedadecapitalista:

    1) O aumento da jornada de trabalho escolar: com uma jornada de seis horas na escola, umtempo considerável de transporte e mais os "deveres de casa", as crianças acabam realizando uma jornada similar a dos adultos no trabalho. Aprendem, pois, desde pequenos que uma jornada normalse divide em oito horas de sono, oito ou mais horas de "trabalho" e somente o resto para satisfazer

    outras necessidades vitais e para o ócio (p.258).2) Assim como o adulto não pode deixar de considerar o trabalho como uma obrigação,

    independentemente de qualquer interesse intrínseco e somente como um meio indireto de satisfazer

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    suas necessidades pessoais (fora do trabalho), assim se ensina às crianças a considerar o trabalhoescolar. O que geralmente é valorizado no aluno diz respeito a sua capacidade de realizar tarefas emtempos determinados, cumprir ordens, estar sempre ocupado (sem incomodar ao professor). Osentido mesmo do que aprende não entra em questão (p.258-9).

    3) A passagem da subsunção formal à subsunção real do trabalho ao capital se dá quando ocapitalista além de reclamar maior produção para aumentar sua mais-valia, passa a organizardiretamente a produção. É neste ponto onde surge a alienação do trabalho em relação ao processo detrabalho e não só mais aos meios de produção ou ao produto. A partir deste momento o trabalhadorse insere no processo de trabalho como algo já dado, predeterminado, sobre o qual sua capacidade deinfluência é nula. De maneira análoga, já está dada e predisposta a organização da escola ao aluno,que é privado da capacidade de criá-la ou modificá-la. Quando o estudante chega à sala de aula, jáforam determinados todos os aspectos daquilo que será sua experiência escolar: configuração doespaço, distribuição do tempo, materiais utilizáveis, estrutura hierárquica, o que deve ser ensinado eaprendido, etc. – Pergunta-se: não haverá outra maneira de organizar a escola? (p.260-1).

    4) As linhas de autoridade e hierarquia que atravessam a escola, desde a direção até osestudantes, passando pelos professores, reproduzem a existência de uma hierarquia similar a daempresa. Na escola a criança aprende a aceitar uma autoridade externa, imposta, distinta daautoridade da família (p.262).

    5) No modo de produção capitalista o trabalhador não se limita a entregar o seu esforço, mastambém submete sua vontade, reprime sua criatividade e contém suas emoções para adaptar-se àstarefas marcadas e ao ritmo estabelecido. Pois bem, na escola as crianças aprendem pela primeiravez, a submeter-se às rotinas institucionais, independentemente de suas necessidades, inclinações oudesejos, inclusive quando estes guardam uma relação direta e positiva com o trabalho escolar(p.262).

    6) A divisão capitalista do trabalho tem também o seu correlato na educação. Osconhecimentos escolares se fracionam incessantemente para seguir, ainda que com um notávelatraso, à evolução da divisão do trabalho produtivo. A mesma polarização que se dá no mundo dotrabalho entre a universalidade crescente da produção social e a unilateralidade cada vez maisrestritiva do trabalho do obreiro, se dá na educação entre a constante ampliação do conhecimentohumano e a castrante especialização dos estudos. – O engenheiro que ignora tudo sobre literatura eo humanista que não sabe nada das ciências da natureza, por exemplo. A unidade e inter-relaçãoentre os diversos campos do conhecimento situa-se fora da experiência tanto do aluno quanto doprofessor. O aluno é treinado a encaixar-se no seu lugar sem se perguntar pelo que o rodeia eaceitando de antemão que há assuntos que não são seus: ou que não podem ser conhecidos. Como já se disse muitas vezes, o ensino está evoluindo no sentido de que cada um de nós saiba cada vezmais de cada vez menos...

    Porém é ainda mais importante a cisão que se dá entre trabalho manual e intelectual.Embora o trabalho humano seja em essência uma unidade entre concepção e execução (teoria eprática), sabemos que esta unidade pode ser rompida quando diferentes pessoas planejam eexecutam determinado trabalho, o que é a característica da produção capitalista. O trabalhoescolar, geralmente considerado um trabalho intelectual, acaba se reduzindo primordialmente a umtrabalho de execução. Ou seja, a escola oferece ao aluno uma experiência que é apenas caricaturado trabalho intelectual, o que o leva a rechaçá-lo como insípido e a preferir o trabalho manual, para

    o qual ele está sendo preparado (p.263-5).

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    A análise de Enguita continua tratando das relações de câmbio e de como a escola reproduza ideologia do mercado capitalista articulando igualdade formal com desigualdade real entreestudantes e professores.

    Nós paramos aqui, porque já estão postos elementos suficientes para nossa reflexão acercado efetivo lugar ocupado hoje pela escola em nossa sociedade concreta. Pelo menos dois alertas es-tão aí para serem especialmente considerados:

    1º) A identificação entre educação e sistema de produção torna complexa a questão datransformação da escola: não é uma simples alteração de currículos ou de conteúdos de ensino queconfigura uma nova educação.

    2º) Não é possível pensar numa nova escola senão no horizonte de também novas relaçõessociais de produção.

    Pensemos MUITO sobre tudo isso...

    Referência bibliográficaENGUITA, Mariano Fernández.Trabajo, Escuela e Ideologia. Marx y la crítica de la educación.Madri, Akal, 1985.

    Síntese organizada por Roseli Salete Caldart , para estudo deeducadores do campo em janeiro de 1989 .

    [A publicação deste livro de Enguita em português foi feita pela editora Artes Médicas Sul, de PortoAlegre, em 1993 com o título:Trabalho, escola e Ideologia. Marx e a crítica da educação .]