escolarização, cor, classe e genero.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 505Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de gnero, raa e classe social*

    Alceu Ravanello FerraroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

    Resumo

    Este artigo apresenta os resultados de um experimento de arti-culao das dimenses gnero, raa e classe social no estudo da dinmica da escolarizao no Brasil, com base nos microdados do Censo Demogrfico 2000. O nvel de escolarizao medido por meio da mdia de anos de estudo realizados com aprovao pela populao de 10 anos ou mais. O estudo evidencia que essas trs dimenses produzem efeitos que no podem ser simplesmen-te adicionados, porque obedecem a lgicas distintas. medida que se passa das geraes mais velhas para as mais novas, as mulheres passam da condio de inferioridade de superioridade em termos de mdia de anos de estudo, ao passo que a popula-o negra mantm-se em posio de inferioridade, em relao populao branca, em todas as idades, embora com alguma reduo no nvel de desigualdade. Por sua vez, as desigualdades educacionais relacionadas com as diferentes posies na ocupa-o, tomadas aqui como indicadores de classe, aparecem como as mais acentuadas, e isso tanto na populao masculina como na feminina, tanto na populao branca como na negra. O texto refora, assim, a importncia e a viabilidade de se articular, no estudo da escolarizao, as dimenses gnero, raa e classe social, como recomendado pela literatura sobre a questo.

    Palavras-chave

    Brasil Escolarizao Gnero Raa Classe social.

    Correspndncia:Alceu Ravanello FerraroR. Dona Laura, 924, apto. 20190430-090 Porto Alegre RS E-mail: [email protected]

    * Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do CNPq. As tabelas e os grficos deste artigo foram elabo-rados mediante processamento dos microdados do Censo Demogrfico 2000, obtidos do IBGE em CD-ROM, no que se contou com a participao de Jasom de Oliveira, bolsista de Apoio Tcnico do CNPq. O texto, apresentado em Latin American Studies Association: International Congress, Rio de Janeiro, 11 a 14 de junho de 2009, foi revisto e, em algumas partes, resumido para publicao como artigo.

  • Educao e Pesquisa, So Paulo, v.36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010506

    Schooling in Brazil: articulating the perspectives of gender, race, and social class*

    Alceu Ravanello FerraroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

    Abstract

    The article presents results of an experiment in articulating the dimensions of gender, race, and social class in the study of the dynamics of schooling in Brazil based on the micro-data of the 2000 Demographic Census. The level of schooling is measured from the average years of study successfully completed by the population aged 10 or more. The study reveals that these three dimensions produce effects that cannot be simply added to each other, because they follow different logics. As we move from the older generations to the younger, women go from a situation of inferiority to one of superiority in terms of average years of schooling, whereas the black population maintains a position of inferiority in relation to the white population across all age groups, although with some reduction in the degree of inequality. In their turn, educational inequalities as related to the professional occupation, taken here as an indication of social class, appear as the most pronounced, both in male and female populations, and among blacks and whites. The text therefore reinforces the importance and possibility of articulating in the study of schooling the dimensions of gender, race, and social class, as recommended in the literature on the subject.

    Keywords

    Brazil Schooling Gender Race Social class.

    Contact:Alceu Ravanello FerraroR. Dona Laura, 924, apto. 20190430-090 Porto Alegre RS E-mail: [email protected]

    * This work was supported by CNPq. The tables and graphs in this article were produced after processing of the micro-data of the 2000 Demographic Census obtained from IBGE in CD-ROM, a task that had the participation of Jasom de Oliveira under a CNPq Technical Support grant. The text, presented at the Latin American Studies Association International Congress in Rio de Janeiro (11-14 June 2009) was revised and partly condensed for publication as an article.

  • 507Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    Este trabalho representa um experimento de articulao das perspectivas de gnero, raa e classe social no estudo da escolarizao no Brasil. Pode parecer uma temeridade o propsito de articular, num nico estudo, essa trplice perspectiva, quando qualquer uma delas toma-da individualmente envolve questes terico-conceituais e metodolgicas da maior comple-xidade. por isso que se fala em experimento, no sentido de tentativa.

    Em estudo publicado originalmente em 1988 (Scott, 1995), encontram-se elementos importantes para a abordagem aqui pretendida. Primeiramente, a autora dava como fato, j no final dos anos 1980, o interesse pela conside-rao das categorias classe, raa e gnero por parte de pesquisadoras feministas que queriam inscrever as mulheres na histria. Esclarecia ainda que o interesse por essas trs categorias assinalava, de um lado, o envolvimento do(a) pesquisador(a) com uma histria que inclua as narrativas dos(as) oprimidos(as) e uma anlise do sentido e da natureza de sua opresso e, de outro, uma compreenso de que as desigual-dades de poder esto organizadas ao longo de, no mnimo, trs eixos classe, raa e gnero. Em terceiro lugar, fazia um alerta de sumo interesse para o objetivo aqui perseguido: a litania classe, raa e gnero sugere uma pari-dade entre os trs termos, mas, na verdade, eles no tm um estatuto equivalente. E justificava dizendo que, ao contrrio da categoria classe, que tem seu fundamento na elaborada teoria de Marx (e seus desenvolvimentos ulteriores) sobre a determinao econmica e a mudana histrica, raa e gnero no carregam associaes semelhantes. Por fim, em relao especificamente a gnero dizia que seu uso implicou uma am-pla gama tanto de posies tericas quanto de simples referncias descritivas s relaes entre os dois sexos.

    A partir da poca desse texto de Scott, 1988, multiplicaram-se os estudos enfocando duas ou as trs dimenses referidas. A ttulo de exemplo, pode-se referir o estudo de Michel W. Apple (1987) sobre currculo; o de Diane Reay

    (1991) sobre a escola primria; o de P. Christie e A. Gordon (1992) sobre a poltica educacional na frica do Sul ps-apartheid e o de Mariano F. Enguita (1996) sobre a ao de classe, gnero e etnia na educao. Quanto ao Brasil, pode-se destacar os estudos de Flvia Rosemberg (1993) sobre a relao de raa e gnero com analfabetismo; de Fvia Rosemberg e Edith Piza (1995/1996) sobre as relaes de gnero e de raa na produo de desigualdades educacio-nais; de Marlia Pinto de Carvalho (1999; 2004), sobre a trajetria de vida e a prtica pedaggica da professora Aida e sobre o papel do desempe-nho escolar na construo da identidade racial de meninos e meninas.

    A essa dificuldade de ordem terico-conceitual, que consiste no fato de as dimenses gnero, raa e classe social no terem um esta-tuto equivalente ou de cada uma delas ter sua especificidade, preciso adicionar os desafios de ordem metodolgica, inerentes utilizao de dados censitrios, como no presente estudo. Na verdade, este estudo se constitui em mais um passo numa srie de experimentos realizados com base nos censos demogrficos, enfocando ora gnero e alfabetizao, como no artigo Gnero e alfabetizao no Brasil de 1940 a 2000: a histria quantitativa da relao (Fer-raro, 2009a); ora gnero, raa e escolarizao, como no artigo Gnero, raa e escolarizao na Bahia e no Rio de Janeiro, com base no Censo 2000 (Ferraro, 2009b); ora ainda escolarizao indgena, como no artigo Alfabetizao e es-colarizao indgena no Brasil segundo o Censo Demogrfico 2000 (Ferraro; Schfer, 2009).

    Este artigo props-se introduzir tambm a dimenso classe social, alm das dimenses gnero e raa, no estudo da escolarizao, mas mantendo como fonte o Censo 2000. Se tal opo tem, por um lado, o inconveniente de no se valer de fonte mais atualizada, como seria a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 2008 (PNAD 2008), tem, por outro, a vantagem de assegurar melhor a comparabilidade nessa sequncia de es-tudos. Alm disso, a categorizao das posies na ocupao da PNAD 2008, informao-chave no

  • 508 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    que se refere dimenso classe social, no coin-cide com a categorizao do ltimo censo, o que compromete a comparabilidade. Para compensar a desvantagem acima apontada, sero apresentados, ao final, alguns dados da PNAD 2008, no sentido de mostrar as alteraes verificadas de 2000 para 2008, mas mantendo o Censo 2000 como base do presente estudo. De qualquer forma, o interesse primeiro no oferecer a estatstica mais atuali-zada, mas captar o movimento nas relaes que as dimenses gnero, raa e classe mantm com escolarizao por meio das sucessivas geraes presentes no ltimo levantamento censitrio.

    Gnero e escolarizao

    H que enfrentar, aqui, algumas questes preliminares. Por que no se limitar a trabalhar com a varivel sexo? Qual a utilidade de se recorrer categoria gnero? E, ainda, gnero em que sentido?

    Obviamente, os recenseadores perguntam sobre o sexo das pessoas, no sobre o seu g-nero. Por isso, as tabelas e grficos construdos a partir dos dados assim obtidos classificam as pessoas segundo o sexo, no segundo o gnero. So os(as) pesquisadores(as) que introduzem gnero como uma categoria analtica.

    Em relao ao Brasil, no final dos anos 1980 Cristina Brusquini e Tina Amado (1988) constatavam que os estudos sobre mulher e os estudos sobre educao pouco se tinham bene-ficiado dos conhecimentos acumulados em cada uma dessas duas reas. Decorrida pouco mais de uma dcada, Flvia Rosemberg (2001) chegava a concluso semelhante:

    Em sntese, este balano, amplo em extenso, mas ainda preliminar, sobre a produo de conhecimentos relativos educao, mulher e relaes de gnero parece indicar pequeno avano da dcada de 1990 em relao d-cada anterior. (p. 65)

    No que se refere pequena importncia dada educao na agenda feminista brasileira, Rosemberg (2001) tinha o seguinte entendimento:

    Tem sido difcil ao movimento e teoria fe-ministas enfrentar o desafio de interpretar, simultaneamente, um modelo de dominao de gnero e indicadores de escolaridade que apontam igualdade de acesso/permanncia no sistema escolar entre homens e mulheres ou mesmo superioridade feminina, especialmente nos pases subdesenvolvidos. (p. 65)

    As restries postas pelo feminismo fran-

    cs de final dos anos 1980 e incio dos 1990 ao termo gnero no conseguiram evitar que ele acabasse por se impor de maneira genera-lizada, mesmo que sem um acordo sobre o seu significado exato. No se pretende entrar, aqui, nessa disputa em torno do significado do termo. Almeja-se apenas dizer em que sentido ele uti-lizado no presente estudo. Para tal fim, parte-se da conhecida distino feita por Linda Nicholson (2000) de um lado, gnero foi desenvolvido e sempre usado em oposio a sexo, para descre-ver o que socialmente construdo em oposio ao que biologicamente dado. E acrescenta a autora que, nesse caso, gnero tipicamente pensado como referncia a personalidade e com-portamento, no ao corpo; gnero e sexo so, portanto, compreendidos como distintos (p. 9). A autora se inclina para o segundo significado, que ela formula nos termos seguintes:

    De outro lado, gnero tem sido cada vez mais usado como referncia a qualquer construo so-cial que tenha a ver com a distino masculino/feminino, incluindo as construes que separam corpos femininos de corpos masculinos. (p. 9)

    Ainda que com conscincia das implica-es, optou-se por trabalhar com o primeiro sen-tido do termo gnero, isto , tomando-o em opo-sio a sexo, para descrever o que socialmente construdo em oposio ao que biologicamente dado. Parece que faz mais sentido, na anlise de uma tabela censitria que classifica a populao por sexo, apelar para a categoria social analtica gnero por oposio ao termo sexo enquanto re-ferido ao que biologicamente dado.

  • 509Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    Pensa-se que esse uso do termo gnero permite que se trabalhe com a varivel sexo, como utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatstica (IBGE) em seus levantamentos censitrios e amostrais, e que, ao mesmo tempo, se introduza a categoria analtica gnero, justa-mente com o fito de contraditar o determinismo biolgico na explicao das desigualdades sociais e educacionais entre homens e mulheres. Parece que essa opo acompanha o entendimento pre-dominante nas cincias sociais a esse respeito:

    Representando o aspecto social das relaes entre os sexos, gnero um conceito que se distingue do conceito biolgico de sexo. A questo de se, e at que ponto, os aspectos biolgicos dos sexos so pertinentes com-preenso do gnero popularmente contro-vertida, mas dentro das cincias sociais a questo encarada, de maneira ampla, como resolvida a organizao social o fator es-magadoramente preponderante. (Walby, 1996)

    O que se disse acima esclarece como se pode trabalhar com a varivel sexo, assim como empregada, por exemplo, nos censos demogr-ficos, a qual permite classificar a populao em homens e mulheres, e, ao mesmo tempo, recorrer categoria analtica gnero, para significar que eventuais desigualdades encontradas (sociais, educacionais...) entre aqueles e estas sero resul-tado de determinaes sociais, no biolgicas.

    Dito isso, passa-se anlise da trajetria da escolarizao de homens e mulheres por meio das sucessivas geraes presentes no Censo Demogrfico 2000. Tal enunciado pode parecer contraditrio. Com efeito, trata-se de uma abor-dagem transversal e no longitudinal. Mas a desagregao da populao por grupos de idade, convertidos por sua vez em geraes sucessivas, produz efeito semelhante ao que se obteria pelo clculo da mdia de anos de estudos em censos sucessivos, o que seria impraticvel para o con-junto de variveis consideradas neste estudo.

    A Tabela 1 possibilita duas observaes preliminares, de natureza estritamente demo-

    grfica. Em primeiro lugar, salta aos olhos o fato de que o contingente populacional torna-se cada vez menor medida que se retrocede das geraes mais novas para as mais velhas. Isso resultado de dois fatores: do crescimen-to demogrfico, que veio tornando cada nova gerao mais numerosa do que a anterior, e da mortalidade diferencial, que age com peso crescente e cumulativo na medida em que se vai das geraes mais novas para as mais velhas.

    Em segundo lugar, a pequena vantagem numrica dos homens na gerao 1980/1990 (17,64 milhes de homens contra 17,36 milhes de mulheres) cede logo lugar, na gerao anterior (1970/1980), a uma pequena vantagem numrica das mulheres (14,99 milhes contra 14,71 mi-lhes de homens), vantagem esta que se torna progressivamente maior medida que se passa para as geraes mais velhas, atingindo o mxi-mo na gerao nascida at 1920, onde o nmero de mulheres (1.067.423) representa uma vez e meia (1,53) o nmero de homens sobreviventes com 80 anos ou mais (696.871). Obviamente, isso resultado da taxa diferencial de mortalidade entre homens e mulheres.

    O Grfico 1 possibilita duas observaes principais quanto escolarizao. A primeira que as mdias mais elevadas de anos de estudo encontradas em 2000 na gerao 1970/1980 (7,8 anos de estudo para as mulheres e 7,0 para os homens) representam aproximadamente trs ve-zes as mdias apuradas nas geraes de homens e mulheres nascidos(as) at 1920; duas vezes as mdias nas geraes de 1930/1940 e uma e meia vez as mdias nas geraes 1940/1950. Isso significa que, na medida em que se passa das geraes mais velhas para as mais novas, a mdia de anos de estudo aumenta tanto entre homens como entre mulheres. A segunda ob-servao, a mais marcante, refere-se inverso histrica na relao entre sexo e escolarizao. Com efeito, a pequena vantagem masculina em termos de mdia de anos de estudo apurada nas geraes mais velhas cede, primeiramente, lugar a um momento passageiro de paridade ou igualdade das mdias de anos de estudo

  • 510 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    de mulheres e homens (gerao 1950/1960), abrindo, em seguida, lugar para uma crescente superioridade das mdias femininas de anos de estudo em relao s mdias masculinas, com diferena mxima na gerao 1970/1980. As mdias menores e a diferena menor entre as mdias masculina e feminina na gerao 1980/1990 deve-se ao fato de que, no momento do Censo, parte dessa gerao ainda cursava o Ensino Fundamental obrigatrio, e outra parte,

    o Ensino Mdio e primeiros anos do superior. A gerao de 1950/1960 merece destaque por ser aquela que marca o ponto do cruzamento das trajetrias diferenciadas das mdias masculina e feminina de anos de estudo. A igualdade ou paridade, portanto, s se realiza no cruzamento das duas trajetrias, no como estado ou situ-ao duradoura.

    Essa segunda observao exige que se aprofunde o assunto, o que pode ser feito bus-

  • 511Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    cando-se responder a uma questo histrica, que pode ser assim formulada: por que a vantagem masculina nas geraes mais velhas (at 1920, 1920/30, 1930/40 e 1940/50) to pequena na Tabela 1 e no Grfico 1 quando as estatsticas (seja de alfabetizao, seja de escolarizao) para o conjunto dos homens e o conjunto das mulhe-res acusam acentuada superioridade masculina? A razo simples e pode ser exemplificada fa-cilmente. Tomemos a gerao nascida at 1920, destacando, dentro desta, as pessoas nascidas entre 1906 e 1913, grupo que, no recenseamento 1920, contava de 7 a 14 anos. Pois bem, nesse grupo, em 1920, a taxa de alfabetizao das meninas (19,35%) j quase igualava a taxa dos meninos (20,2%) (Brasil, 1920). Esses dados in-dicam com clareza que para se traar e entender o movimento histrico de inverso na relao entre sexo e escolarizao necessrio levar em conta que esse movimento ou tendncia vem de longa data pelo menos do incio do sculo XX, provavelmente da segunda metade do sculo XIX. Essa quase equalizao das taxas femininas de alfabetizao e escolarizao em relao s taxas masculinas, captada j no recenseamento de 1920, converteu-se, a partir do Censo 1940, em superioridade feminina, a comear pelos grupos de 5 a 9 e 10 a 14 anos naquele censo (Brasil, 1940), at se estender, no Censo 2000, a todos os grupos abaixo de 45 anos ou abaixo de 50 anos, dependendo do indicador utilizado (alfabetizao ou mdia de anos de estudo). Se os pesquisadores e pesquisadoras em educao demoraram a tomar conscincia da mudana, isso no significa que ela no viesse ocorrendo desde longe no tempo.

    Os resultados acima encontrados sobre a re-lao entre gnero e escolarizao no Brasil vo na direo dos achados de Marlia Pinto de Carvalho (2003, p. 186), para quem, ao longo dos ltimos 40 anos do sculo passado, assistiu-se no s a uma ampliao muito grande do acesso escola, mas tambm a uma inverso entre os grupos de sexo indicando que as mulheres foram as maiores beneficiadas. Segundo os dados analisados pela autora, essa inverso em favor das mulheres se

    manifesta em termos tanto de mdia de anos de estudo cursados quanto de taxa de analfabetismo.

    O que se acaba de dizer pode ser exem-plificado com dados do ltimo quartel do sculo XIX, os quais mostram que esse movimento forte de escolarizao da mulher vem de longa data, embora ela continuasse ainda, por bas-tante tempo, em condio de inferioridade em relao ao homem. Com efeito, em 1875, as meninas representavam, em relao matrcula total, os seguintes percentuais em alguns esta-dos: 44,4% no Rio Grande do Sul, 37,9% em So Paulo, 34,9% no Par, 29,1% na Bahia, 21% em Minas Gerais e 19% no Amazonas (Almeida, 1989). Ora, no estado de Minas Gerais, onde, em 1875, as meninas representavam apenas 21% da matrcula total, decorridos apenas 14 anos (1889), elas j alcanavam 34,4% da matrcula total em escolas primrias.

    Uma coisa so os valores e pretenses da sociedade votante e mandante, que define ou acha que pode definir a casa e a famlia como o lugar e a ocupao da mulher; coisa bem diferente so as concepes, os valores e as prticas efetivas de pais e meninas quanto escola(rizao). Se a relao entre mulher e escola mudou, essa mudana certamente tem a ver no com sexo (com os aspectos biolgicos que distinguem homens e mulheres), mas com gnero (com as mudanas nas concepes e valores a respeito da mulher e de seu lugar e papel na sociedade, assim como nas relaes sociais entre homens e mulheres).

    Raa e escolarizao

    Em relao ao termo raa, a questo conceitual complexa, por envolver tambm cor e etnia. No Brasil, at 1980, os censos de-mogrficos, quando incluram o item no ques-tionrio, referiram-se sempre apenas a cor, distinguindo no Censo 1980 quatro categorias: branca, preta, parda e amarela. A partir do Censo Demogrfico 1991, o IBGE incluiu uma quinta categoria, indgena, passando-se ento a falar de cor ou raa, em vez de simplesmente de

  • 512 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    cor. No Censo 2000, as cinco categorias de cor ou raa do questionrio para a autoclassificao das pessoas investigadas foram assim definidas: Branca para a pessoa que se enquadrou como branca; Preta para a pessoa que se enquadrou como preta; Amarela para a pessoa que se enquadrou como de raa amarela de origem japonesa, chinesa, coreana etc.; Parda para a pessoa que se enquadrou como parda ou se declarou mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestia; Indgena para a pessoa que se declarou como indgena ou ndia (Brasil, 2000)1.

    Dada a complexidade da anlise, optou-se por considerar, neste estudo, apenas as pessoas autodeclaradas brancas, pretas ou pardas, agru-pando-se as pretas e pardas na categoria negras, o que j constitui prtica frequente nas pesquisas sociais em geral e nas educacionais em particular.

    O Grfico 2, elaborado a partir da Tabela 2, permite analisar, por meio das sucessivas geraes recenseadas no ano 2000, a trajetria da relao que brancos(as) e negros(as) mantm com a esco-larizao medida por meio da mdia de anos de estudo concludos com aprovao. Tal anlise pode ser feita de vrios pontos de vista. Primeiramente, tomando-se como ponto de partida a gerao das pessoas nascidas at 1920, observa-se que cada nova gerao, tanto de brancos(as) como de negros(as), foi adicionando gerao anterior prati-camente a mesma quantidade de anos de estudo, de sorte que as duas linhas do Grfico 2 apresentam movimento ascendente, mas mantendo entre si aproximadamente a mesma distncia, de aproxi-madamente 2 anos de estudo, entre brancos(as) e negros(as), com exceo da gerao 1980/1990, ainda em fase de escolarizao fundamental e mdia quando da realizao do Censo 2000. Vista a coisa sob esse ponto de vista, a distncia ou desigualdade entre brancos(as) e negros(as) quanto a anos de escolarizao realizados com aprovao manteve-se constante em todo o perodo que vai da gerao at 1920 gerao 1970/1980 cerca de 2 anos de estudo de diferena.

    Analisado o Grfico numa outra perspectiva (em termos relativos, agora), a distncia que separa a populao negra em relao branca em termos

    de anos de estudo progressivamente menor medida que se passa da gerao at 1920 a ge-rao 1970/1980. Com efeito, a mdia de anos de estudo da populao branca na gerao at 1920 (3,1), que representava 2,6 vezes a mdia de anos de estudo da populao negra da mesma gerao (1,2), cai sucessivamente para 2,0 vezes na gerao de 1930/1940, para 1,5 vez na gerao 1950/1960 e finalmente para 1,3 vez na gerao 1970/1980. Sob esse aspecto, a desigualdade entre os dois grupos populacionais diminui medida que se passa das geraes mais velhas para as geraes mais novas, excetuada a gerao 1980/1990, ainda em fase de escolarizao fundamental e mdia.

    Mas no se pode perder de vista que, sob qualquer ngulo, a desigualdade entre negros(as) e brancos(as) quanto escolarizao est presente em todas as geraes recenseadas no Censo 2000, desde a mais velha (nascidos at 1920), at as mais novas (nascidos nas dcadas de 1970/1980 e 1980/1990). Confrontando esses resultados com os apurados no item anterior, pode-se concluir que a ao ou determinao da varivel cor ou raa obedece a uma lgica distinta daquela que rege a relao entre sexo e escolarizao no Brasil.

    Os dados da Tabela 2 e do Grfico 2 vo na mesma direo de muitos estudos realizados no Brasil, que demonstram a continuidade das desigualdades raciais no pas. Assim, por exem-plo, em estudo que teve por base tanto o Censo 2000 como uma srie de PNADs (1995/2001), Jaccoud e Beghin (2002) mostram, entre outras coisas: que um indivduo negro mdio tem uma renda per capita que corresponde a menos de metade daquela de um indivduo branco brasi-leiro mdio; que a taxa de analfabetismo , em todas as PNADs analisadas, sempre muito mais elevada entre negros do que entre brancos; que os negros tm entre 2 e 2,5 anos de estudo a

    1. Devido ao limite posto extenso do texto, omitiu-se aqui breve histrico do conceito de raa que constava no texto original, a comear pelas teorias biolgicas de raa do sculo XIX, como o Ensaio sobre a desigualdade das raas humanas, de Arthur de Gobineau, de 1853/55, e Da luta das raas, de L. Gumplowicz, do ano de 1882, cuja influncia se manifestou, no Brasil, em obras como Histria da literatura brasileira, de Slvio Romero, de 1888, Os sertes, de Euclides da Cunha, de 1902, e Populaes meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna, de 1920, entre outras.

  • 513Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    menos do que os brancos, assim como tambm taxas mais baixas de escolarizao.

    Gnero, raa e escolarizao

    Analisa-se agora, com base na Tabela 3 e no Grfico 3, a relao cruzada das variveis sexo e cor ou raa com escolarizao. O Grfico 3 revela duas coisas: de um lado, que a inverso apurada na re-lao entre sexo e escolarizao se verifica

    em ambas as categorias de cor ou raa, isto , tanto entre brancos(as) como entre negros(as); de outro, que a desigualdade de aproxima-damente 2 anos de estudo apresentada pela populao negra em relao branca, verifi-cada em todos os grupos de idade da gerao at 1920 gerao 1970/1980, mantm-se tanto entre homens como entre mulheres.

    Em outras palavras, o tratamento con-jugado de sexo e cor ou raa em sua relao

  • 514 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    com escolarizao permite verificar que cada uma dessas duas variveis obedece a uma l-gica distinta. Com efeito, a desigualdade entre homens e mulheres se inverte a partir da gerao 1950/1960, enquanto que a desigualdade de cor ou raa (entre brancos(as) e negros(as)) se man-tm constante em termos absolutos (aproxima-damente 2 anos de estudo), embora, em termos relativos, se torne menor a cada gerao.

    Classe social e escolarizao

    Em relao ao termo classe social o pes-quisador se defronta com duas questes bsicas, que podem ser assim formuladas: continua ten-do sentido o conceito de classe social no estudo das relaes sociais? Se a resposta primeira pergunta for afirmativa, ento: qual a teoria de classe a ser adotada na pesquisa?

    Comecemos com a primeira pergunta. Para o socilogo Alain Touraine (1991)2, as so-ciedades verticais (up ou down), chamadas de sociedades de classes, teriam cedido primazia s sociedades de tipo horizontal, marcadas pela relao centro-periferia (in ou out). Note-se que o autor escreveu aps a derrocada da Unio Sovi-tica e a derrubada do muro de Berlim. Nas suas palavras, j estvamos vivendo, ento, em 1991,

    [...] a passagem de uma sociedade vertical, que nos habituamos a chamar de sociedade de classes, com pessoas situadas em cima e outras pessoas embaixo, para uma sociedade horizontal onde o importante saber se a gente est no centro ou na periferia. (p. 8)

    Ainda segundo o autor:

    Em outro tempo as pessoas que se encontra-vam embaixo estavam profundamente per-suadidas de que podiam inverter a sociedade em nome de um outro modelo, como dizem ainda os ltimos sustentadores desse discurso, os alternativos. (p. 8)

    E o mesmo autor esclarece:

    Se ontem a gente propunha ainda uma outra sociedade qualificada de anarquista, de socia-lista, de comunista, a questo hoje no mais de estar up or down [em cima ou embaixo] mas in or out [dentro ou fora]: aqueles que no esto in querem estar, do contrrio eles esto no vazio social. No h modelo alterna-tivo, o que muda tudo. (p. 8)

    Cinco anos depois do texto de Touraine, Serge Paugam (1996), na introduo obra por ele organizada sob o ttulo de Lxclusion, ltat des savoirs (A excluso, o estado do conheci-mento), observava que o termo excluso acabara tornando-se, nos ltimos dez anos, uma noo familiar, quase banal, o que teria feito dela uma noo pouco utilizada. Para o autor, os partidos de esquerda ofereciam resistncia ao uso do termo, seja por entenderem que ele remetia ideia de lumpenproletariat, do qual no se podia esperar a revoluo, seja porque ele se afastava, pelo menos na viso de Lenoir3, de uma viso dialtica de luta de classes. Por tudo isso, segundo Paugam (1996), a noo de excluso teria sido rejeitada, tendo entrado em fase de sono, s retornando com fora, agora com ares de um novo paradigma, a partir do incio da dcada de 1990, justamente quando se d a publicao do artigo de Alain Touraine (1991) referido anteriormente.

    Franois-Xavier Merrien (1996) chega a referir-se ao termo excluso como nascido na Frana (...en France, o est n le terme exclu-sion) (p. 42). No Brasil, decorridos apenas trs anos do referido estudo, mostrou-se que tanto o termo como o conceito de excluso eram bem mais antigos do que pensava Merrien, aparecendo com clareza j na obra de Marx (Ferraro, 1999).

    Em texto do mesmo ano, Marlene Ribeiro (1999) aprofundava a crtica ao conceito do termo excluso, colocando em debate algumas possibilidades e limites no uso dessa categoria.

    2. minha a traduo das citaes do autor. 3. Serge Paugam (1991) refere-se a Ren Lenoir como a pessoa a quem com frequncia se reconhece o mrito de haver inventado esta noo [de excluso] em 1974 (p. 8).

  • 515Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    Para a autora, se, por um lado, no interior da nova questo social que ganha fora o con-ceito de excluso, por outro, justamente nesse contexto e nessa singularidade do conceito que esto os seus maiores limites. E contrapondo-se tese j citada de Touraine, diz que, mais do que nunca, vivemos o momento da luta de classes em que a correlao de foras est favorvel ao capital, o que, no entanto, no pressupe que as camadas populares tenham perdido a capacidade de lutar e de tomar inicia-

    tivas. Nesse sentido, o principal limite do termo excluso estaria, segundo a autora, no uso que dele se faz, seja abstraindo-se das relaes de classe, seja em substituio ao paradigma de classes sociais.

    Em trabalho mais recente, intitulado Marx e a excluso, Avelino da Rosa Oliveira (2004) chegou a uma concluso que se contra-pe tanto ao pretenso novo paradigma de Pau-gam quanto ao modelo de sociedade horizontal pautado pelo in ou out de Touraine. Diz:

  • 516 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    [...] assim possvel compreender que o con-ceito de excluso s adquire sentido no inte-rior de uma totalidade complexa, orientada na perspectiva da sociedade de classes. (p. 144)

    Nesse sentido, a noo de excluso no afasta nem substitui a noo de classe social; muito pelo contrrio, o conceito ou paradigma de classes que continua evidenciando como a excluso e incluso subordinada j so percebidas como processos inerentes ao sistema do capital, por definio um sistema de classes sociais.

    No se trata, portanto, de optar ou pela categoria excluso ou pelo paradigma de classes sociais, mas de (re)situar o fenmeno da excluso massiva e das novas formas de incluso subordi-nada, que caracterizam o atual momento histrico, dentro do marco terico do paradigma de classes sociais, este, sim, central, seja na materialidade do sistema capitalista, seja no estudo deste.

    Estabelecida, assim, a atualidade do pa-radigma de classes, cumpre tambm esclarecer que tal resgate se d com base na teoria mar-xiana de classes, o que responde segunda pergunta acima formulada. Seria impraticvel percorrer aqui todas as diferentes abordagens sobre o fenmeno das classes sociais. O ele-mento fundamental para o conceito marxiano-engelsiano de classes poder ser encontrado quase ao final do Livro III de O capital, no curto e inacabado captulo intitulado As classes. Ali Marx (s/d) diz primeiro o que que constitui e, a seguir, o que que no constitui as classes. O que constitui as classes:

    Vimos ser tendncia constante e lei do desen-volvimento do modo capitalista de produo separar cada vez mais do trabalho os meios de produo e concentrar em constelaes cada vez maiores os meios de produo dis-persos, ou seja, converter o trabalho em tra-balho assalariado e os meios de produo em capital. (p. 1012; grifos meus)

    A essas duas classes fundamentais ca-pitalistas ou proprietrios dos meios de produ-

    o versus assalariados, Marx (s/d) acrescenta a classe dos proprietrios de terra, classe que o resultado da converso de toda propriedade fundiria forma adequada ao modo capitalista de produo (p. 1013). Mesmo incompleto, o curto texto de Marx deixa claro que o que faz dos assalariados, dos capitalistas e dos pro-prietrios de terra membros das trs grandes classes sociais no nem a renda nem a fonte diferenciada de renda, mas a forma de insero no modo de produo capitalista, que segrega, num lado, os detentores dos meios de produo, e no lado oposto, aqueles que so possuidores apenas de sua fora de trabalho, que pem venda no mercado em troca de um salrio.

    Em outras palavras, o conceito marxiano de classes rejeita por antecipao o conceito cor-rente que define classes com base na renda ou em indicadores de consumo, como automveis, nmero de peas do domiclio, eletrodomsticos etc. Na concepo marxiana, a definio de classes se d com base na forma de insero no processo de produo, com destaque, de um lado, para os proprietrios dos meios de produo e compra-dores de fora de trabalho, e de outro, para os possuidores e vendedores de fora de trabalho os trabalhadores assalariados. A terceira classe, dos proprietrios fundirios, resulta da e submete-se a essa relao fundamental do modo capitalista de produo entre capitalistas e assalariados. O argumento de que, desde Marx, a classe operria fabril cedeu crescentemente lugar ao setor terci-rio, dos servios, no prova o enfraquecimento da relao fundamental entre capital e trabalho assalariado fabril ou outro. As outras classes que Marx distingue em suas obras, como a pequena burguesia e o campesinato, definem-se por sua relao com as duas classes fundamentais: a ca-pitalista e a dos trabalhadores assalariados.

    fato reconhecido que esse conceito de classe social incomoda. E incomoda preci-samente porque, ao colocar o fundamento da estrutura de classes no modo de produo, no no consumo (teorias de estratificao social), acaba por situar a luta de classes no ncleo do prprio conceito de classes sociais, o que sempre

  • 517Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    aterrorizou a burguesia, para quem a diviso de classes no passa de um mal-entendido. Marx (1982) quem esclarece isso em As lutas de classe em Frana:

    A frase que correspondia a esta imaginria abolio das relaes entre classes era frater-nit, a fraternidade universal, o amor entre os irmos. Esta cmoda abstrao dos antagonis-mos de classes, esta conciliao sentimental dos interesses de classe contraditrios, esta visionria elevao acima da luta de classes, a fraternit era na verdade a palavra-chave da revoluo de Fevereiro [de 1848]. As classes estavam divididas por um simples mal-enten-dido. Em 24 de Fevereiro, Lamartine baptizou assim o governo provisrio: un gouvernement qui suspend ce malentendu terriblle qui exis-te entre les diffrentes classes [um governo que acaba com esse mal-entendido terrvel que existe entre as diferentes classes]. O proletaria-do de Paris regalou-se nesta generosa embria-guez de fraternidade. (p. 48; grifos do autor)

    Conforme j esclarecido acima, em suas pesquisas o IBGE no trabalha com o conceito de classe social. Consequentemente, tambm no estar preocupado com a operacionalizao do conceito, o que demandaria dos organizadores uma tomada de posio relativamente s diver-sas teorias de classe. O que os pesquisadores tm tentado fazer construir indicadores de classe a partir de determinadas informaes (sobre posio na ocupao, renda etc.), levantados seja pelos censos, seja por pesquisas amostrais. fcil, por exemplo, construir uma hierarquia de renda, di-vidindo a populao em quintis de renda familiar per capita, como no estudo de Castro (2009, tabe-las 2, 4 e 6), ou em tercis de renda, chamando-os de classe alta, mdia e baixa, como no estudo de Osrio (2009, Tabelas 1 a 4), ou, ainda, classificar a populao em N categorias de salrios-mnimos, como no estudo de Queiroz (2003, Tabela 6) sobre vestibular e desigualdades raciais. Essa linha de procedimento significa adeso a posturas tericas que se contrapem teoria marxiana de classes.

    Optou-se, aqui, por trabalhar com um indicador censitrio na expectativa de que permita pelo menos uma aproximao ao conceito marxiano de classes. Tal indicador foi buscado na varivel censitria posio na ocupao. No por se imagi-nar que isso resolva todos os problemas; trata-se de uma tentativa, de um experimento.

    Em relao a esse ponto, deseja-se lem-brar interessante observao feita por Rosemary Crompton (1989) em seu estudo sobre classe e gnero. Ressalvando que no tinha a pretenso de oferecer uma definio correta de classe social, ela sugere que uma das dificuldades no debate sobre classe e gnero estaria precisamente no fato de que diferentes pesquisadores trabalham com diferentes definies de classe, embora nem sempre tal fato seja reconhecido (p. 567). No texto, a autora analisa o que chama de modelo neomarxista de classe de Eric Wright e a classifi-cao neoweberiana de classe de Goldthorp, com o seguinte esclarecimento: na construo de seus modelos de classe, o ponto de partida para ambos, Wright e Goldthorp, a diviso do trabalho (p. 570). No Brasil, quem se tem dedicado a analisar e aplicar o modelo neomarxista de Wright Jos Alcides Santos (2002; 2007).

    Feito esse esclarecimento pode-se passar considerao da Tabela 4 e do Grfico 4. A primeira coisa a esclarecer por que a mdia de anos de estudo encontrada na categoria Aprendiz ou estagirio sem remunerao se configura relativamente elevada em comparao com as mdias apresentadas particularmente pelas categorias Empresrio e Empregado com carteira assinada. Tal fato se explica por dois motivos: primeiro, pela prpria exigncia de um patamar mnimo de escolaridade para quem quiser ser admitido na condio de aprendiz ou estagirio(a); segundo, pelo fato de se tratar de um grupo extremamente jovem, por isso mes-mo relativamente mais escolarizado do que as demais categorias de posio na ocupao, que compreendem pessoas de 10 anos a 80 ou mais anos de idade.

    Subsequentemente, importa destacar a enorme disparidade entre as diferentes catego-

  • 518 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    rias de posio na ocupao que figuram na Tabela 4 e no Grfico 4. Com efeito, a mdia de anos de estudo, que atinge o mximo de 10,2 anos na categoria Empregador, baixa sucessi-vamente para 8,3 anos na categoria Empregado com carteira de trabalho assinada, at o mnimo de 2,2 anos de estudo na categoria Trabalhador na produo para o prprio consumo uma relao aproximada de 5/1 entre os extremos.

    A categoria Empregado com carteira de trabalho assinada a mais numerosa (22,25 mi-lhes) e compreende subcategorias das mais diver-sas, que vo desde altos executivos no setor pri-vado e ocupantes de altos cargos no setor pblico at trabalhadores no setor privado e funcionrios pblicos semiqualificados e no qualificados.

    evidente que a variao em termos de anos de es-tudo entre esses dois extremos deve ser acentuada.

    Voltando Tabela 4; a primeira observao que se impe que, por maiores que sejam os desn-veis entre elas, todas as cinco categorias nominadas de Empregado, Conta prpria ou Trabalhador domstico apresentam sempre ndices inferiores ao da categoria Empregador. Dentre aquelas, apenas a categoria Em-pregado com carteira de trabalho assinada ultrapassa, em mdia (8,3 anos), os 8 anos de escolarizao obrigatria estabelecida pela Constituio (Ensino Fundamental completo). Todas as demais categorias situam-se abaixo do patamar de 8 anos de escolari-zao, a comear pelos 15,5 milhes que compe a categoria Empregado sem carteira de trabalho assina-da, com uma mdia de 7,2 anos de estudo, seguida,

  • 519Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    por sua vez, por quase igual nmero de trabalhadores situados na categoria Conta prpria (15,1 milhes), com uma mdia de 6,1 anos de estudo. Com nveis bem mais baixos de escolarizao, totalizando cerca 4,8 milhes, figuram os trabalhadores domsticos, com ou sem carteira assinada, com mdias, respecti-vamente, de 5,0 e 4,8 anos de estudo. No nvel mais baixo da escala esto os quase 2 milhes reunidos na categoria Trabalhador na produo para o prprio consumo, com no mais de 2,2 anos de estudo em mdia, o que representa pouco mais de do que a Constituio estabelecia, no ano 2000, como mnimo em termos de direito pblico subjetivo, isto , Ensino Fundamental com durao de 8 anos4.

    Classe social, gnero, raa e escolarizao

    Trata-se agora de captar a ao conjunta de classe, raa e gnero sobre a escolarizao medida pela mdia de anos de estudo conclu-dos com aprovao por cada pessoa de 10 anos ou mais. Os grupos de idade convertidos em geraes entram como varivel de controle. No fundo, trata-se de colocar em realce a deter-minao (ou no) de cada uma e do conjunto das dimenses classe, raa e gnero sobre a escolarizao (mdia de anos de estudo) nas diferentes geraes presentes na populao do Censo 2000. Se h quem acha que classe expli-ca tudo, h tambm quem entende que classe no explica nada. Alm disso, se as dimenses classe, raa e gnero no tm o mesmo estatuto cientfico, conforme se viu antes, necessrio pelo menos que se tente decifrar o enigma, ou seja, captar o que cada uma dessas dimenses tem de especfico na determinao dos dife-rentes nveis de escolarizao. A Tabela 5 e o Grfico 5 foram planejados precisamente com esse objetivo.

    Como j se disse, a dimenso classe so-cial ser abordada a partir da varivel censi-tria posio na ocupao; a dimenso gnero, a partir da varivel sexo; a dimenso raa ou tnico-racial, a partir da varivel censitria cor ou raa. Esta ltima dimenso fica limita-

    da, neste estudo, s categorias mulher branca, mulher negra, homem negro, homem branco, resultando a categoria negros(as) da soma de pretos(as) e pardos(as). As observaes opor-tunizadas pela Tabela 5 e Grfico 5 podem ser organizadas em termos de cada uma das trs dimenses referidas.

    A dimenso gnero

    Com uma nica exceo (No remunera-do em ajuda a membro do domiclio), em todas as demais categorias de posio na ocupao, desde a de Empresrio at a de Trabalhador na produo para o prprio consumo, as mulheres, tanto brancas como negras, apresentam mdias de anos de estudo nitidamente mais elevadas do que os homens de mesma posio na ocupao e de mesma cor ou raa. A vantagem feminina mais acentuada nas categorias Empregado sem carteira assinada e Conta prpria, que somam juntas quase metade (30,6 milhes) da popu-lao ocupada (63,8 milhes), como se pode conferir na Tabela 4. Na categoria Empregado sem carteira assinada, as mdias femininas de anos de estudo ultrapassam as mdias mas-culinas em quase trs anos de estudo, tanto entre brancas(os) como entre negras(os): mulher branca 9,9; mulher negra 7,9; homem bran-co 7,2 e homem negro 5,1 anos de estudo.

    A desigualdade de gnero quanto esco-larizao, que historicamente pesara em desfavor da mulher, converte-se, agora, a favor dela. Sempre de acordo com a Tabela 5 e o Grfico 5, essa inverso de tal ordem que a mulher negra chega a superar o homem branco em termos de mdia de anos de estudo nas seguintes categorias de posio na ocupao: Empregado com carteira de trabalho assinada, Empregado sem carteira assinada, Trabalhador domstico com carteira de trabalho assinada e Trabalhador domstico sem carteira de trabalho assinada. Essas quatro categorias somam 2/3 do total de pessoas ocu-

    4. A Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, ampliou para 9 (nove) anos a durao do Ensino Fundamental, com matrcula obrigatria a partir dos 6 (seis) anos de idade.

  • 520 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    padas (22,2 milhes, 15,5 milhes, 1,5 milhes e 3,4 milhes, respectivamente), como se pode conferir na Tabela 4.

    A dimenso raa

    Analisando-se, agora, o Grfico 5 na pers-pectiva das duas categorias construdas a partir da varivel censitria cor ou raa, tem-se um padro constante que pode ser assim expresso: vantagem, em termos de anos de estudo, tanto das mulheres brancas sobre as mulheres negras quanto dos homens brancos em relao aos ho-mens negros, em todas as categorias de posio na ocupao, com uma nica exceo. A exceo a categoria No remunerado em ajuda a membro do domiclio, que rene pouco mais de 3,3% das pessoas ocupadas, em que negras e negros levam vantagem em relao a brancas e brancos, res-pectivamente, o que pode estar significando que, somente na falta de qualquer outra alternativa, pessoas brancas de ambos os sexos se sujeitam a esse tipo de ocupao. Em outras palavras, para 96,7% das pessoas ocupadas mantm-se de p a histrica desigualdade em desfavor das pessoas negras de ambos os sexos quanto escolarizao medida pela mdia de anos de estudo.

    A dimenso classe social

    A determinao da varivel posio na ocupao no se dilui de forma nenhuma no cruzamento com as variveis sexo e cor/raa. Ao contrrio, ganha realce. Com efeito, a Tabela 5 e Grfico 5 permitem ver com clareza duas coisas: de uma lado, que existe uma hierarquia acentu-ada entre as diferentes posies na ocupao, a comear pela categoria Empregadores, quanto ao nvel de escolarizao medida por meio da mdia de anos de estudo; de outro, que essa hierarquia se mantm basicamente para ambos os sexos e ambos os grupos de cor ou raa (brancos(as) e negros(as)). Ou seja: vantagem de brancos(as) sobre negros(as) e vantagem feminina em todas as categorias de posio na ocupao, exceo feita da categoria No remunerado em ajuda a

    membro do domiclio, nica em que os homens, tanto brancos como negros, levam vantagem sobre as mulheres de mesma cor ou raa.

    Mas h algo que surpreende. De um lado, nas categorias Empregador e Conta prpria, que somam cerca de 17 milhes de pessoas, a relao cruzada de sexo e cor ou raa com escolarizao produz uma hierarquia, em termos de anos de estudo, em que se tem, ao mesmo tempo, superioridade feminina e superioridade da populao de cor ou raa branca. A hierar-quia resultante em termos de mdia de anos de estudo a seguinte:

    1 Lugar mulher branca; 2 Lugar homem branco; 3 Lugar mulher negra; 4 Lugar homem negro.

    De outro lado, em todas as quatro categorias de empregados e trabalhadores assalariados, com ou sem carteira assinada (Empregado com carteira de trabalho assinada, Empregado sem carteira de trabalho assinada, Trabalhador domstico com carteira de trabalho assinada e Trabalhador do-mstico sem carteira de trabalho assinada), as quais representam cerca de 2/3 da populao ocupada, a relao de gnero to forte que chega a se sobrepor de cor ou raa, a ponto de a mulher negra superar o homem branco em cada uma des-sas quatro categorias, tendo-se a seguinte ordem:

    1 Lugar mulher branca; 2 Lugar mulher negra; 3 Lugar homem branco;4 Lugar homem negro.

    No h dvida de que o nvel de escolari-zao um indicador de igualdade/desigualdade social. Mas no o nico, talvez nem o mais im-portante, ao contrrio do que sustentam aqueles que querem explicar a desigualdade econmica a partir principalmente da desigualdade educa-cional. Entre estes, destaca-se Langoni (1973), o qual, ao tempo do milagre econmico durante o Regime militar, via na distribuio da educao o

  • 521Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    determinante principal da desigualdade no Brasil. O autor do presente texto da opinio de que seria no mnimo precipitado tomar a vantagem estatstica das mulheres em relao aos homens quanto educao escolar como prova de supe-rao e at de inverso de sinal na desigualdade social que, historicamente, tem marcado em desfavor das mulheres as relaes de gnero. Su-cessivos debates com estudantes sobre esse ponto tm sugerido que s mulheres so exigidos nveis de escolarizao relativamente mais elevados do que aos homens para o mesmo posto de trabalho, especialmente se a competio envolve tambm a mesma remunerao. Tais observaes vo na di-reo do que sustentava Mariano Enguita, j em meados da dcada de 1990, em relao ao que ele chamava de desiguais resultados das polticas

    igualitrias europeias. Segundo o autor, na fase de sua vida em que deve tomar decises funda-mentais sobre sua trajetria escolar, uma jovem depara-se com trs cenrios possveis: a prpria escola, o lar e o emprego. Na opinio de Enguita (1996), dentre essas trs alternativas, a escola a mais igualitria e a que melhores resultados produzir para sua autoestima, porquanto lar significa trabalho domstico e subordinao, e emprego quer dizer salrio baixo, qualificao escassa e discriminao, tanto mais quanto antes se incorpore a eles. E o autor esclarece que, em contraposio ao lar e ao emprego, a escola

    [...] o nico lugar onde, aos menos por um tempo, poder medir-se com os homens e o ser pelos mesmos parmetros ou quase

  • 522 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    que os homens, at o ponto de permitir-lhe mostrar e demonstrar que igual a eles e in-clusive melhor do que eles. (p. 16)

    No entanto, penso que o aspecto princi-pal do texto de Enguita (1996) o que segue, apresentado na forma de contraponto:

    Por outro lado, uma mnima viso e previso do mercado de trabalho lhe dir que seus possveis empregos normalmente esto nos setores terci-rio e quaternrio, que costumam requerer uma educao formal superior, e que, para conseguir o mesmo emprego que o homem, precisar de mais e melhores capacidades e/ou credenciais do que ele, motivo pelo qual a deciso mais ade-quada de sua parte armar-se, enquanto possa, de conhecimentos e diplomas. (p. 16, grifo meu)

    Em relao s consideraes de Enguita, fao a seguinte ponderao: se, de um lado, po-deria parecer precipitado tomarem-se as palavras do autor como a explicao da crescente vanta-gem feminina no campo da educao, de outro, poderia configurar-se um desperdcio o descarte sumrio da hiptese levantada pelo autor citado.

    Em sntese, de uma anlise atenta do Gr-fico 5 emergem com clareza pelo menos quatro coisas: 1) que a determinao mais forte das desigualdades educacionais procede da varivel posio na ocupao (tomada aqui como indi-cador de classe), valendo isso tanto para a po-pulao masculina como para a feminina, tanto para a populao branca como para a negra; 2) que as determinaes de gnero e de cor ou raa no se diluem ao se introduzir a dimenso classe social, ou seja, que as dimenses gnero e cor

  • 523Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    ou raa mantm, cada uma, a sua determinao especfica; 3) que o poder de determinao de gnero e cor ou raa parece ser mais intenso no conjunto das categorias de trabalhadores assa-lariados (classe trabalhadora no sentido estrito) do que entre empresrios e trabalhadores por conta prpria; 4) que, por fim, da anlise da ao conjugada das dimenses gnero, cor ou raa e classe social sobre a escolarizao das diferentes geraes presentes no censo emerge com clareza a necessidade de se atentar para a especificidade de cada uma dessas dimenses.

    Fica um desafio a se enfrentar na conti-nuidade da pesquisa. H trs categorias, principal-mente, que demandam maior desagregao: a dos empregadores, a dos trabalhadores com certeira assinada, onde est situada, por assim dizer, a elite da classe trabalhadora, inserida no mercado formal de trabalho assalariado, e a daqueles(as) que desenvolvem atividades por conta prpria, onde se concentra a pequena burguesia.

    O Grfico 6 mostra o resultado da desa-gregao da categoria Empregadores segundo o nmero de empregados. Note-se, porm, que, para evitar identificao dos empregadores em tal ou qual Unidade da Federao e particu-larmente em tal ou qual municpio, o nme-ro mximo especificado fica em 11 ou mais empregados. Tal procedimento garante a no identificao dos capitalistas no sentido mar-xiano (os grandes proprietrios de meios de produo), mas no esconde o fato de que todos os grandes empregadores/proprietrios de meio de produo esto dentro dessa subcategoria de empregadores com 11 ou mais empregados.

    Esse Grfico 6 permite ver com clareza como a mdia de anos de estudo entre empregado-res varia em razo direta do nmero de emprega-dos, valendo isso para todas as quatro categorias de sexo e cor ou raa, obedecendo ordem encontrada no Grfico 5: mulheres brancas, homens bran-cos, mulheres negras, homens negros. Para cada uma dessas quatro categorias, a mdia de anos de estudo aumenta na medida em que se passa de empregadores com 1 empregado at a categoria de empregadores com 11 e mais empregados.

    A PNAD 2008

    So apresentados aqui alguns resultados na PNAD 2008, com o objetivo de captar o movimento da escolarizao a partir do Censo 2000. Tais resultados foram obtidos mediante processamento dos microdados da referida PNAD (Brasil, 2008). Considerando que a categorizao das posies na ocupao nessa PNAD no coin-cide com as categorias utilizadas no Censo 2000, o estudo comparativo limita-se, nesta parte, considerao das dimenses gnero e cor ou raa. O estudo limita-se tambm, aqui, a confrontar a gerao 1988/1998, que na PNAD 2008 tinha 20 a 29 anos de idade, com a gerao 1970/1980, a qual tambm tinha 20 a 29 anos quando da realizao do Censo 2000. A questo simples: qual o ganho, no oitnio 2000/2008, em termos de anos de estudo, para a gerao 1978/1988 em relao gerao 1970/1980?

    O ganho, no oitnio em questo, foi bastan-te elevado, variando de +2,9 a +3,3 anos de estudo. Foi maior entre negros(as) do que entre brancos(as), diminuindo, mesmo que em pequena medida, a desigualdade racial quanto escolarizao. Tendo-se como referncia os dados da Tabela 3 para a gerao 1970/1980 do Censo 2000 e os resultados obtidos da PNAD 2008 para a gerao 1978/1988, foram da seguinte ordem os ganhos no perodo 2000/2008 em termos de mdia de anos de estudo:

    Mulheres brancas: aumento de 8,6 para 11,5 anos de estudo (+ 2,9); Homens brancos: aumento de 8,0 para 10,9 anos de estudo (+ 2,9); Mulheres negras: aumento de 6,7 para 9,9 anos de estudo (+ 3,2); Homens negros: aumento de 5,9 para 9,2 anos de estudos (+ 3,3).

    O ganho no oitnio foi proporcionalmen-te maior para mulheres negras e homens negros do que para mulheres brancas e homens bran-cos, diminuindo assim em quase meio ano de estudo a desigualdade de negros(as) em relao a brancos(as). Manteve-se, porm, no mesmo

  • 524 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    nvel a desigualdade de gnero, com ganho igual entre homens e mulheres de mesma cor ou raa. Tais resultados vm aguar a expectativa em relao ao Censo 2010.

    Concluso

    Antes de qualquer concluso, necess-rio repetir que o trabalho aqui desenvolvido no pretendeu ser mais do que um experimento ou tentativa de articulao das dimenses gnero, raa e classe social com a escolarizao, recor-rendo-se, para tanto, a processamentos originais dos microdados do Censo Demogrfico 2000.

    Dito isso, retomam-se, agora, a ttulo de concluso, alguns pontos que parecem merecer ateno especial.

    Em primeiro lugar, com todos os limites inerentes ao estudo, seja pela complexidade das dimenses envolvidas, seja pela prpria extenso admissvel num artigo, os resultados revelam que no invivel perseguir-se o ob-jetivo de articular, no estudo da escolarizao, as perspectivas de classe social, de gnero e de raa. Parece que a dificuldade a enfrentar na construo de bons indicadores de classe social a partir dos dados censitrios no deveria levar a se ignorar essa possibilidade.

    Em segundo lugar, vale salientar que as dimenses gnero, cor ou raa e classe social produzem efeitos que no podem ser simples-mente adicionados. Isso equivale a dizer que os efeitos que essas trs dimenses produzem na escolarizao esto ou podem estar obedecendo a lgicas distintas. Alm disso, se classe social no explica tudo, seria um equvoco imaginar

    que as dimenses gnero e cor ou raa o pos-sam fazer, isoladamente ou em conjunto. Com isso no se quer significar que cada estudo individualmente deva considerar essas trs di-menses. Quer-se apenas dizer que o coletivo das pesquisas deveria dar conta desse conjunto de dimenses gnero, raa e classe.

    Em terceiro lugar, em que pese a pre-gao insistente, nas ltimas dcadas, da nova e pretensamente definitiva morte de Marx e de sua teoria de classes sociais, os resultados analisados neste trabalho mostram que a dimen-so classe social continua a exercer influncia determinante no campo da educao. Por isso, nem a dificuldade que se tem em construir bons indicadores de classe social com base nos censos demogrficos e, de modo geral, com base nas estatsticas oficiais, justificaria que se abandonasse a perspectiva de classes sociais no estudo da educao.

    Como j se observou antes, resta um quarto desafio. Trata-se de tentar algum tipo de desagregao dentro das categorias Empregado-res e Empregados com carteira assinada e Conta prpria. A ideia que, sem se comprometer o conceito de classe social com que se vem traba-lhando, se consiga, de um lado, separar grandes empregadores de pequenos e mdios e, de outro, desagregar, da massa de empregados com carteira assinada, aqueles assalariados que comporiam a classe mdia, particularmente a classe mdia alta. No h como antecipar em que medida isso ser realizvel. De maneira semelhante, haveria que tentar uma caracterizao melhor da pequena burguesia, presente principalmente na categoria de atividades por conta prpria.

  • 525Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 36, n.2, p. 505-526, maio/ago. 2010

    Referncias bibliogrficas

    ALMEIDA, J. R. P. Histria da instruo pblica no Brasil (1500-1889). Histria e legislao. Braslia/So Paulo: INEP/MEC/EDUC, 1989.

    APPLE, M. W. Relaes de classe e de gnero no processo do trabalho docente. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, n. 60, p. 3-14, fev. 1987.

    BRASIL. Recenseamento geral do Brasil 1920. Rio de Janeiro: Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio. Diretoria Geral de Estatstica (IBGE), 1920. v. IV, Parte 4 Populao.

    ______. Censo Demogrfico 1940. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), 1940.

    _____. Censo Demogrfico 2000. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), 2000. Disponvel em CD-ROM: . Acesso em: 9 dez. 2008.

    ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 2008 (PNAD 2008). Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), 2008. Em CD-ROM.

    BRUSCHINI, C.; AMADO, T. Estudos sobre mulher e educao: algumas questes sobre o magistrio. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, n. 64, p. 4-13, fev. 1988.

    CARVALHO, M. P. A Histria de Aida: ensino, classe, raa e gnero. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 25, n. 1, p. 89-106, jan./jun. 1999.

    ______. Sucesso e fracasso escolar: uma questo de gnero. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 29, n. 1, p. 185-193, 2003.

    ______. Quem so os meninos que fracassam na escola? Cadernos de Pesquisa, So Paulo, v. 34, n. 121, p. 11-40, jan./abr. 2004.

    CASTRO, J. A. Evoluo e desigualdade na educao brasileira. Educao e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 108, p. 673-697, out. 2009.

    CHRISTIE, P. GORDON, A. Politics, poverty and education in rural South Africa. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 13, n. 4, p. 399-418, 1992.

    CROMPTON, R. Class theory and gender. The British Journal of sociology, Londres, v. 10, n. 4, p. 565-587, dez. 1989.

    ENGUITA, M. Os desiguais resultados das polticas igualitrias. Classe, gnero e etnia na educao. Revista Brasileira de Educao, Rio de Janeiro, n. 3, p. 5-17, set./dez. 1996.

    FERRARO, A. R. Excluso, trabalho e poder em Marx. Sociologias, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 300-324, jan./jun. 1999.

    ______. Gnero e alfabetizao no Brasil de 1940 a 2000: a histria quantitativa da relao. Didticas Especficas Revista Eletrnica de Investigacin/UAM, Madrid, n. 0, p. 30-47, 2009a.

    ______. Gnero, raa e escolarizao na Bahia e no Rio de Janeiro. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, v. 39, n. 138, p. 813-835, set./dez. 2009b.

    ______; SCHFER, A. N. G. Alfabetizao e escolarizao indgena no Brasil segundo o Censo Demogrfico 2000. Educao em Questo, Natal, v. 36, n. 22, p. 35-55, set./dez. 2009.

    JACCOUD, L.; BEGHIN, N. Desigualdades raciais no Brasil: um balano da interveno governamental. Braslia: Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), 2002.

    LANGONI, C. G. Distribuio da renda e desenvolvimento econmico do Brasil. Rio de Janeiro: Expresso e Cultura, 1973.

    MARX, K. As lutas de classes em Frana. Moscovo/Lisboa: Progresso/Avante, 1982.

    ______. O capital. Livro 3, v. 6. Trad. Reginaldo SantAnna. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, s/d.

    MERRIEN, F.-X. tat-providence et lute contre lxclusion. In: PAUGAM, S. (Dir.). Lexclusion, ltat des savoirs. Paris: La Dcouverte, 1996. p. 417-427.

    NICHOLSON, L. Interpretando o gnero. Estudos Feministas, Florianpolis, v. 8, n. 2, p. 91-108, 2000.

  • 526 Alceu FERRARO. Escolarizao no Brasil: articulando as perspectivas de...

    OLIVEIRA, A. R. Marx e a excluso. Pelotas: Seiva, 2004.

    OSRIO, R. G. Classe, raa e acesso ao ensino superior no Brasil. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, v. 39, n. 138, p. 867-880, set./dez. 2009.

    PAUGAM, S. (Dir.). Lexclusion, ltat des savoirs. Paris: La Dcouverte, 1996.

    QUEIROZ, D. M. O vestibular e as desigualdades raciais. In: OLIVEIRA, I.; SILVA, P. B. G. (Orgs.). Identidade negra: pesquisas sobre o negro e a educao no Brasil. Rio de Janeiro/So Paulo: ANPEd/Ao Educativa, 2003. p. 7-16.

    REAY, D. Intersections of gender, race and class in the primary school. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 12, n. 2, p. 163-182, 1991.

    RIBEIRO, M. Excluso e educao social: conceitos em superfcie e fundo. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 25, n. 1, p. 35-49, jan./jun. 1999.

    ROSEMBERG, F. Analfabetismo, raa e gnero nos censos demogrficos. So Paulo, nov. 1993. 63 p. Cpia de texto indito.

    ______. Caminhos cruzados: educao e gnero na produo acadmica. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 27, n. 1, p. 47-68, jan./jun. 2001.

    ______; PIZA, E. Analfabetismo, gnero e raa no Brasil. Revista USP, So Paulo, n. 28, p. 110-121, dez./jan./fev. 1995-96.

    SANTOS, J. A. F. A teoria e a tipologia de classes neomarxista em Erik Olin Wright. Dados, Rio de janeiro, v. 41, n. 2, p. 1-23, 1998.

    ______. Estrutura de posies de classe no Brasil: mapeamento, mudanas e efeitos na renda. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: UFMG/IUPERJ, 2002.

    SCOTT, J. W. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.

    TOURAINE, A. Face lexclusion. Esprit, n. 169, p. 7-13, fev. 1991.

    WALBY, S. Gnero [verbete]. In: OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T. Dicionrio do pensamento social no sculo XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 332-335.

    Recebido em 03.01.10

    Aprovado em 04.05.10

    Alceu Ravanello Ferraro professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS e pesquisador do CNPq. Desenvolve atualmente suas atividades de ensino e pesquisa no Programa de Ps-Graduao em Educao da mesma UFRGS na condio de docente convidado. Tem produzido principalmente sobre analfabetismo/alfabetizao e escolarizao no Brasil.