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1 Eixo: Instituições Escolares 07 ESCOLAS POLIVALENTES NA DITADURA CIVIL-MILITAR: MARCONO MODELO DE ENSINO PROFISSIONALIZANTE OUINSTRUMENTOS DE PROPAGANDA DO REGIME?: O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO POLIVALENTE DE ITUIUTABA- MG (1974-1985) 1 Genis Alves Pereira de LimaUFU 2 Drº Sauloéber Társio de SouzaUFU Resumo: Este texto apresenta resultados da pesquisa em torno da história da Escola Estadual "Antônio de Souza Martins" - o Polivalente, na cidade de Ituiutaba-MG, no período que abrange os anos de 1974 a 1985, e parte da observação do contexto de sua criação legal, no período da Ditadura Civil-Militar, sendo este o fator da implantação desse tipo de escola em nosso país.Tem como objetivo destacar processos históricos que deixaram marcos em nossa sociedade, na vida dos atores que participaram das vivências neste âmbito escolar, valorizando a identidade da instituição, bem como os conhecimentos gerados para o campo da história da educação de nosso país e da região em específico.É fato que o Brasil no contexto da Ditadura Civil-Militar, encontrava- sesob influências internacionais que contribuíram para o seguimento de novos paradigmas ideológicos; neste sentido a educação também foi articulada como um mecanismoimportante para o alcance das novas propostas educacionais ligadas ao setor industrial, com ênfase ao ensino técnico profissionalizante, forçando um alinhamento do país à nova ordem econômica imposta pelo capitalismo monopolista. As escolas Polivalentes surgem em meio a essa vertente pedagógica, tendo como principal característica serem as precursoras da implantação do modelo educativo tecnicista do regime, o qual se baseou nas relações entre o Brasil e Estados Unidos, por meio de acordos entre MEC/ USAID (Ministério da Educação e Cultura/ United StatesAgencyofInternationalDevelopmetn). Metodologicamente o estudo se pautou por pesquisas bibliográfica, documentais e iconográficas e entrevistas com ex-gestores, ex- alunos e ex-professores que tiveram participação em meio as vivências e experiências da referida instituição. A escola Polivalente de Ituiutaba-MG, desde sua criação, contou com boa infraestrutura diferenciando-se das demais escolas públicas criadas anteriormente, marcadas pela precariedade de suas instalações, contou, portanto, com 1 Genis Alves Pereira de Lima, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Sauloéber Társio de Souza, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]

ESCOLAS POLIVALENTES NA DITADURA CIVIL-MILITAR: … · de um povo, capaz de retratar as realidades, as vivências e os modos de vida de uma comunidade em cada tempo e nas suas mais

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Eixo: Instituições Escolares 07

ESCOLAS POLIVALENTES NA DITADURA CIVIL-MILITAR:

MARCONO MODELO DE ENSINO PROFISSIONALIZANTE

OUINSTRUMENTOS DE PROPAGANDA DO REGIME?: O

PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO POLIVALENTE DE

ITUIUTABA- MG (1974-1985)

1Genis Alves Pereira de Lima– UFU

2Drº Sauloéber Társio de Souza– UFU

Resumo: Este texto apresenta resultados da pesquisa em torno da história da Escola

Estadual "Antônio de Souza Martins" - o Polivalente, na cidade de Ituiutaba-MG, no

período que abrange os anos de 1974 a 1985, e parte da observação do contexto de sua

criação legal, no período da Ditadura Civil-Militar, sendo este o fator da implantação

desse tipo de escola em nosso país.Tem como objetivo destacar processos históricos que

deixaram marcos em nossa sociedade, na vida dos atores que participaram das vivências

neste âmbito escolar, valorizando a identidade da instituição, bem como os

conhecimentos gerados para o campo da história da educação de nosso país e da região

em específico.É fato que o Brasil no contexto da Ditadura Civil-Militar, encontrava-

sesob influências internacionais que contribuíram para o seguimento de novos

paradigmas ideológicos; neste sentido a educação também foi articulada como um

mecanismoimportante para o alcance das novas propostas educacionais ligadas ao setor

industrial, com ênfase ao ensino técnico profissionalizante, forçando um alinhamento do

país à nova ordem econômica imposta pelo capitalismo monopolista. As escolas

Polivalentes surgem em meio a essa vertente pedagógica, tendo como principal

característica serem as precursoras da implantação do modelo educativo tecnicista do

regime, o qual se baseou nas relações entre o Brasil e Estados Unidos, por meio de

acordos entre MEC/ USAID (Ministério da Educação e Cultura/ United

StatesAgencyofInternationalDevelopmetn). Metodologicamente o estudo se pautou por

pesquisas bibliográfica, documentais e iconográficas e entrevistas com ex-gestores, ex-

alunos e ex-professores que tiveram participação em meio as vivências e experiências

da referida instituição. A escola Polivalente de Ituiutaba-MG, desde sua criação, contou

com boa infraestrutura diferenciando-se das demais escolas públicas criadas

anteriormente, marcadas pela precariedade de suas instalações, contou, portanto, com

1 Genis Alves Pereira de Lima, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. E-mail:

[email protected]

2 Sauloéber Társio de Souza, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. E-mail:

[email protected]

2

condições boas para efetivar, desde sua criação, práticas norteadoras de umaformação

pautada na qualidade do ensino ofertada aos seus alunos, desenvolvendo trabalho

integrado entre o ensino regular e o técnico, este último representava pequena parcela da

carga horária curricular, o que permite afirmar que a ambição profissionalizante dessas

escolas não foi exitosa, nesse quesito, como pretendia o governo civil-militar.

Palavras-chave: Instituições Escolares; Escolas Polivalentes; Ditadura Civil-Militar;

Ensino Profissionalizante.

Introdução

A pesquisa consiste no estudo sobre o processo de implantação das escolas

Polivalentes, e especificamente o da Escola Estadual “Antônio de Souza Martins ”- o

Polivalente, na cidade de Ituiutaba-MG, bem como da reflexão sobre a história dessa

instituição e dos atores que ali estiveram em parte de sua vivência.

Neste sentido, a proposta em buscar pesquisar essa escola Polivalente decorre da

compreensão do contexto que abrange sua criação (1974); o período do Regime Militar,

sendo este o marco da implantação das referentes escolas no país, e isso implica

compreender: Que educação a ser implantada nelas? A partir de que ou/de quem seriam

os interesses desse modelo de educação? Quais seriam os grupos sociais atendidos por

essas escolas? Quem eram as pessoas que compuseram parte dessa história? Estas são

algumas das indagações a serem investigadas nesta proposta de trabalho.

Investigar a referida instituição implicou, portanto, a busca pela reflexão dos

processos históricos que deixaram marcos em nossa sociedade, na vida dos gestores,

professores, alunos, além da própria valorização da identidade da instituição enquanto

provedora da educação, e assim das pessoas que por ali construíram um pouco da sua

história de vida naquele determinado período.

A proposta metodológica do trabalho aqui delineado se pautou ao início à

revisão bibliográfica, pela qual o pesquisador tem a possibilidade de expandir os

conhecimentos metodológicos, essenciais na investigação histórica, uma vez que as

mudanças ocorridas nas teorias metodológicas produziram embasamentos favoráveis ao

desenvolvimento das pesquisas históricas. Neste sentido, apontam Souza e Castanho

(2009, p.3):

3

As mudanças de ordem teórico-metodológica na investigação histórica

produziram efeitos positivos em diferentes aspectos da produção do

conhecimento, o que refletiu também na maneira de se fazer a história

da educação no Brasil, contribuindo para que este campo da ciência se

constituísse em espaço autônomo, com objeto próprio, mesmo que se

apoiando em outras disciplinas.

O procedimento metodológico para a investigação se compôs também em visitas

a Escola Polivalente e ao Acervo Cultural do Município, para o levantamento de

informações a partir dos documentos encontrados, além da análise das fontes,

compostas por documentos como o Regimento de implantação, caderno de Posse e

Exercício de professores, algumas matérias jornalísticas, publicações oficiais e

iconografia, bem como se apoiou em fontes orais em entrevistas com seis ex-alunas,

quatro ex-professores, uma ex-funcionária e um ex-diretor da escola, os quais

contribuíram relevantemente com as informações sobre o período em que ativamente

estiveram em meio ao interior da instituição3.

Alberti (2008, p.166) ao se referir sobre a relevância da História Oral no trabalho

de pesquisa:

Essa riqueza da História oral está evidentemente relacionada ao fato

de ela permitir o conhecimento de experiências e modos de vida de

diferentes grupos sociais. Nesse sentido, o pesquisador tem acesso a

uma multiplicidade de "histórias dentro da história", que dependendo

de seu alcance e dimensão, permitem alterar a "hierarquia de

significações historiográficas", no dizer da historiadora italiana Silvia

Salvatici. Outros campos nos quais a História oral pode ser útil são a

História do cotidiano (a entrevista de história de vida pode conter

descrições bastante fidedignas das ações cotidianas); [...]Histórias de

comunidades, como as de bairro, as de imigrantes, as camponesas etc,

podendo inclusive auxiliar na investigação de genealogias; História de

instituições, tanto públicas como privadas; registro de tradições

culturais, aí incluídas as tradições orais, e História da memória.

(ALBERTI, 2008, p. 166)

3 Todas as entrevistas foram previamente marcadas com data e horários específicos com os participantes.

Foram usados pseudônimos para os nomes dos entrevistados. Neste artigo especificamente serão

destacadas dentre as entrevistas realizadas, uma de cada parte constitutiva como exemplificação das

abordagens relativas à História Oral com os sujeitos entrevistados.

4

A referida autora ressalta que outra especificidade da História Oral é o fato desta

ter como um dos principais alicerces a narrativa, já que “um acontecimento vivido pelo

entrevistado não pode ser transmitido a outrem sem que seja narrado”. (ALBERTI,

2008, p. 170-171).

Já para Xavier (2005, p.2), a História Oral “é considerada como fonte identitária

de um povo, capaz de retratar as realidades, as vivências e os modos de vida de uma

comunidade em cada tempo e nas suas mais variadas sociabilidades” No entanto,

segundo este autor, é preciso que, ao trabalhar com as fontes orais, tenha-se a precaução

quanto a não priorizar somente estas, mas buscar redimensioná-las com fontes escritas,

visando chegar a uma investigação mais aprofundada no objeto de pesquisa.

A memória pode ser vista como uma busca de representações constitutivas de

culturas entre os povos. Neste sentido esse autor ressalta a importância da memória ao

se trabalhar com a História Oral:

Não se pode negar que, ultimamente, vários estudos são direcionados

para o estudo da memória. Já se disse que "um povo sem memória é

um povo sem história". Entende-se por esta expressão que não há

história sem memória. O discurso, hoje, sobre memória, enfoca que

ela é o encontro do passado no presente e que significa a identidade

cultural, a construção e a história de um povo. A memória representa a

forma de organização de uma nação, sociedade, comunidade, cidade

ou grupo social. É necessário ressaltar que a memória em debate é a

memória coletiva, pois, os indivíduos, não podem ser analisados

separadamente. Eles não vivem isoladamente e a memória, ao ser

retratada, será sempre de um grupo ou classe social. Deste modo,

entende-se que a memória individual é parte constitutiva e inseparável

da memória coletiva(HALBWACHS, 1990: 36).(XAVIER, 2005, p.

8).

Diante desse novo fazer metodológico sobre as instituições escolares, os estudos

temáticos referentes à estas tem se mostrado relevantes fontes de pesquisas, uma vez

que propicia o conhecimento relativo à própria identidade da instituição pesquisada,

bem como a valorização desta na sociedade, e sobretudo às vivências passadas pelos

atores que foram participantes em meio ao processo de construção da sua respectiva

historicidade.

5

Pode-se refletir sobre as inúmeras possibilidades de se buscar fazer a

História de Instituições Escolares, no entanto é pertinente nos indagarmos o porquê de

se fazer a história de uma determinada instituição. Sanfelice (2006) aponta alguns

pontos a serem considerados para a resposta, a qual segundo ele não é muito simples;

dentre os pontos destacam-se:

[...] As instituições escolares têm também uma origem quase sempre

muito peculiar. Os motivos pelos quais uma unidade escolar passa a

existir são os mais diferenciados. Às vezes a unidade surge como uma

decorrência da política educacional em prática. Mas nem sempre. Em

outras situações a unidade escolar somente se viabiliza pela conquista

de movimentos sociais mobilizados, ou pela iniciativa de grupos

confessionais ou de empresários. A origem de cada instituição escolar,

quando decifrada, costuma nos oferecer várias surpresas.

(SANFELICE, 2006, p, 23).

O trabalho de pesquisa historiográfica neste intuito, é produzido a partir da

interpretação que se faz do sentido que tais instituições escolares propiciaram aos

sujeitos enquanto nas formas que educaram, instruíram e contribuíram para a formação

ofertada, e que de algum modo estão preservadas na memória dos que vivenciaram

práticas no interior dessas instituições.

O pesquisador, assim ao adentrar o trabalho de pesquisa, deve se atentar para

uma profunda investigação, que compreende uma vasta dedicação entre o objeto e as

partes envolvidas; nesta análise metodológica proposta “é essencial indagar a origem

social e o destino profissional dos atores de uma instituição escolar para se definir o

sentido social da mesma; assim como é essencial analisar os currículos aí utilizados para

se compreender seus objetivos sociais”. (BUFFA e NOSELLA 2005, p.5083)

Diante desta perspectiva, se torna necessário, que o trabalho de investigação às

instituições escolares, abranja uma contextualização ampla de compreensão histórica.

Portanto, neste trabalho de pesquisa da história da Escola Estadual Antônio

Souza Martins- Polivalente, buscamos a construção de uma história propiciadora de

relevantes conhecimentos constituintes de parte de nossa história local e brasileira no

período empreendido em que o país se encontrava sob o regime da Ditadura Militar,

6

com o intuito de que esta poderá servir de apoio à maiores explanações posteriores na

área da historiografia referente às Instituições Escolares.

Desenvolvimento

1. As implicações oriundas do contexto político educacional brasileiro durante

o período do regime ditatorial

Ao procurar entender sobre a criação de uma instituição escolar, é buscar o

aprofundamento dos processos históricos que abrangem o contexto político, econômico,

cultural e social de um determinado período da história, dessa forma, torna-se favorável

uma breve abordagem do contexto histórico, ao qual há uma estreita relação entre

acontecimentos marcantes da história, entre as políticas internacionais que adentraram

nosso país, contribuindo para modos de organização no âmbito educacional brasileiro,

especificamente se tratando do período ao qual objetiva o presente trabalho: A 4Ditadura

Civil Militar, ocorrida entre os anos de 1964 a 1985.

Podemos destacar as interferências oriundas do contexto da Segunda Guerra

mundial entre os anos de 1934 a 1945, como marcantes às determinações econômicas,

políticas, sociais e consequentemente educacionais; uma vez que a partir de então, os

países considerados economicamente prejudicados passaram a ter a “ajuda” de

financiamentos dos Estados Unidos, bem como passaram também ao endividamento e

controle político até mesmo na educação, estando o Brasil à mercê dessas questões.

Este breve contexto remete às influências capitalistas de poder, exercidas pelos

Estados Unidos, que a partir de então cada vez se tornaram mais visíveis as relações de

linhagem capitalista, e consequentemente de empréstimos e dívidas aos quais o Brasil

4 O início da Ditadura Civil Militar teve como principal característica a inconformidade por parte dos

opositores, as propostas de governo de João Goulart, o então presidente com planos democráticos de

reformas, que favorecia as massas de trabalhadores; seus adversários assim em 31 de março de 1964 o

destituíram do poder com o Golpe Militar, resultando na permanência de governos militares no poder até

o ano de 1985. Neste período, fortes repreensões davam sustentação ao regime, e a oposição ao mesmo

era visto como ameaça nacional (ARAÚJO, 2010).

7

foi se submetendo ao mesmo, referente às negociações que se intensificavam no

mercado internacional.

Tal contexto deixou marcos na história brasileira, bem como na Educação, a

qual foi também negociada e submetida a financiamentos e modelos de ensino a serem

seguidos; sendo assim considerada como meio de poder ideológico e possível

manteadora da esfera social; no que diz respeito aos reflexos deixados pelo período

compreendido pela Ditadura Militar, no qual o autoritarismo e controle estiveram

presentes.

Em frente às propostas de implantação de um modelo educativo, pautado numa

lógica de produção capitalista, a qual favorecesse o controle social de homogeneidade;

destacam-se a USAID5. De acordo com Araújo (2007), a USAID estava diretamente

ligada à esfera da educação brasileira, com vistas a manifestar a "intenção em legitimar

um projeto de transformação modernizadora da educação imposta à capitalista.

Logicamente era uma visão de educação a partir do contexto da sociedade brasileira

dividida em classes" (ARAÚJO, 2007, p. 2).

Surge a partir dessas decisões, a implantação das Escolas Polivalentes no Brasil,

seguida da legalização da Lei 5.692/71, e nesta vertente, essas escolas se apresentaram

como uma proposta de ensino, com ênfase de promover o ensino garantindo a qualidade

de uma educação pautada no ensino profissionalizante, no qual se encontrava elevado

grau de prestígio educacional, uma vez que o aparato metodológico e prático contava

com um significativo diferencial, diante dos demais modelos em vigor.

2. Breve contexto da educação frente às propostas do ensino profissionalizante: a

Pedagogia Tecnicista no Brasil

Ao se propor buscar o entendimento sobre a compreensão sobre as práticas

pedagógicas e curriculares de um determinado contexto, implica buscar explicitar fatos

5USAID – Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional/ MEC – Ministério da

Educação e Cultura.

8

determinantes que ocorreram em cada momento histórico em uma sociedade, sendo

assim necessário relacioná-las a aspectos que estiveram estritamente ligados, como os

de ordem econômica, política e social do período em que se efetivaram tais práticas no

meio educacional. Nesse sentido, Mira in Romanowski (2009) ao se referirem sobre as

mudanças ocorridas na educação:

Para compreender as mudanças sofridas na educação, é preciso

relacioná-las com as questões políticas, sociais e econômicas do

momento histórico em que essas mudanças ocorreram. Da mesma

forma, é preciso, também, compreender os pressupostos teóricos

oriundos das relações sociais que fundamentaram propostas de

mudança. (MIRA in ROMANOWSKI, 2009, p. 10208).

Todavia, a década de 70 nos revela um período em que a Pedagogia Tecnicista

esteve à frente de um modelo implantando com maior intensidade na Educação

brasileira, uma vez que esta se encontrou diretamente vinculada ao trabalho pedagógico

escolar.

Tal modelo se caracterizou em vista da organização da necessidade da mão-de-

obra para o trabalho frente à sociedade que se encontrava nesse exato momento, em

meio ao crescimento capitalista industrial e consequentemente, aflorando o aumento das

produções que emergiam sob os interesses de um país economicamente mais

desenvolvido para o progresso.

Nesta perspectiva, ao analisar se realmente ocorreu uma Revolução em 1964, ou

seja, uma ruptura ao que diz respeito aos aspectos políticos e socioeconômicos no

Brasil, Saviani (2007, p. 362) coloca que a partir do Golpe Militar, desencadeado em

março de 1964, de fato a ruptura deu-se no nível político e não no socioeconômico, uma

vez que esta ruptura política buscou “preservar a ordem socioeconômica, pois se temia

que a persistência dos grupos que então controlavam o poder político formal viesse a

provocar uma ruptura no plano socioeconômico” (SAVIANI, 2007, p. 362).

Neste sentido, a Educação sofreu ajustes específicos a partir da concepção do

ensino proposto junto à formação técnica profissionalizante. De acordo com Saviani

(2007, p. 363), a concepção produtivista de Educação, teve como marco de abertura o

9

ano de 1969; a partir deste ano ocorreram reformas implementadas na área educacional

em virtude de aprovações que regulamentavam a incorporação destas reformas na

legislação.

MIRA in ROMANOWSKI (2009, p. 10210), colocam que “as reformas de

Ensino Superior (Lei 5540/68) e do Ensino Primário e Médio (Lei 5692/71 – que

instituiu o Ensino de 1º e 2º graus), decorrentes dos acordos MEC-USAID (1966) foram

representativas da influência da concepção tecnicista no contexto escolar”.

Especificadamente em relação aos objetivos da reforma do 1º e 2º graus as autoras

apontam:

A reforma do Ensino de 1º e 2º Graus teve por objetivo geral

“proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento

de suas potencialidades como elemento de auto-realização,

qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da

cidadania” (Brasil, 2009). Para tanto, ampliou a obrigatoriedade para 8

(oito) anos, aglutinando o curso primário e o ginasial e extinguiu a

separação entre escola secundária e escola técnica, criando o ensino

profissionalizante. (MIRA in ROMANOWSKI, 2009, p. 10211).

A Pedagogia Tecnicista é compreendida assim, tendo sua origem no Brasil a

partir da tendência produtivista, sob a aprovação da Lei n. 5692, de 11 de agosto de

1971, a qual buscou seu estendimento a todas as escolas do país.

Mediante tais indagações o presente trabalho buscou uma reflexão sobre essa

Pedagogia aplicada no âmbito da referida instituição pesquisada, a fim de estabelecer

uma relação entre o trabalho desenvolvido entre o ensino ali ofertado e aprendizagem

apreendida pelos ex-alunos que ali perpassaram parte do processo de formação, na qual

se pautou a voz ativa dos sujeitos que fizeram parte dessa história, pela pesquisa aqui

delineada.

3. A Escola Polivalente em Ituiutaba: um grande marco educacional e social

permeado de vivências, práticas e significados (1974-1985)

A história de uma instituição escolar não se restringe apenas ao seu fazer

burocrático, pedagógico e prático, mas vai muito além disso, uma vez que todas as

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relações que a envolvem são advindas de processos interativos entre os atores que a

comporam em determinado período.

Nesta perspectiva, ao pesquisarmos sobre a historicidade de uma Instituição

Escolar, é imprescindível a consideração de que há em meio ao todo, um contexto

histórico-social representativo por distintas práticas que foram construídas e

estabelecidas, colocando-se como fontes indicativas para importantes compreensões

relativas aos processos constituintes da sua estrutura organizacional em meio à

sociedade.

As Escolas Polivalentes surgem em meio a essas vertentes pedagógicas, tendo

como principal característica serem as precursoras da implantação do modelo educativo

tecnicista, o qual se baseou nas relações econômicas entre o Brasil e Estados Unidos,

por meio de acordos entre MEC/USAID (Ministério da Educação e Cultura/United

StatesAgencyofInternationalDevelopment).

Dentre os objetivos das Escolas Polivalentes estava o de propiciar o ensino no

qual além das disciplinas regulares, abrangeria também as disciplinas de Práticas

Agrícola, Industrial, Comercial e Educação Para o Lar.

Em meio a este contexto histórico, a cidade de Ituiutaba recebe, assim, através

do PREMEM (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio) em convênio com

o Estado, a implantação da Escola Estadual Polivalente “Antônio Souza Martins”,

situada em área central desta cidade. No entanto, esta Escola trazia um diferencial que a

distinguia das demais escolas também implantadas neste período: a proposta de ensino

curricular, bem como as metodologias aplicadas no processo de ensino e de

aprendizagem aos alunos.

Este marco constituinte ficou estabelecido por meio do Decreto Nº 16. 654, de

Outubro de 1974, de Criação das Escolas Polivalentes de 1º Grau.

A futura implantação desta instituição, como constatado em acervo histórico, foi

consideravelmente anunciada em Jornal da cidade quando ainda se encontrava em

processo de construção: "O Ginásio Polivalente será sem sombra de dúvidas, uma nova

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arrencada de Ituiutaba no setor educacional e haverá de contribuir muito para com o

nosso desenvolvimento sócio-cultural e econômico" (Jornal de Ituiutaba, 4 de novembro

de 1973).

Figura 01: Notícia sobre a inauguração do Polivalente

Fonte: Acervo Cultural do Município.

Em outra matéria jornalística, revela-se que a instituição escolar era

ansiosamente aguardada pela comunidade local, carente de oportunidades educativas:

A instalação do Polivalente é de grande significação para nossa

comuna. É a concretização de um ideal, para a qual contribuíram a

administração anterior e a atual e os homens do governo ligados ao

setor da instrução pública. Ela virá a ajudar a resolver um dos grandes

problemas de nossa terra, qual seja o da falta de vagas para todos os

que desejam estudar. (Jornal de Ituiutaba, 21 de agosto de 1974).

É possível identificar a partir de sua arquitetura a ampla construção destinada a

suas atividades, bem como ao espaço de sua área física. Neste sentido, a construção

dessa Escola se constitui em um avanço de modernidade educacional da época, uma vez

12

que esta apesar de contar com todas essas especificidades era pública e visava atender

aos anseios da comunidade tijucana por mais oportunidades de escolarização,

especialmente na esfera pública.

Podemos refletir a partir dessa perspectiva, que o Colégio Polivalente, antes de

tudo se mostrava com o intuito de se apresentar como um diferencial, não apenas ao

setor educacional como também ao desenvolvimento cultural e econômico da cidade,

uma vez que, os processos advindos das relações econômicas fluíam em alta por meio

das indústrias que cada vez mais se instalavam no comércio ituiutabano. É

compreendido neste contexto, que este período do recorte temático aqui delineado, se

destaca como um dos mais fluentes no que diz respeito ao desenvolvimento industrial

que a cidade vivia até então, ou seja, as grandes indústrias vieram a se instalar em

Ituiutaba, consideravelmente no decorrer da década de 70.

Segundo constatações através de documentos locais investigados, nesta década a

cidade vivenciou uma grande expansão de progresso, uma vez que recebeu a criação de

importantes obras públicas, como o terminal rodoviário, implantação de rodovias e

aeroporto, o parque de exposições, bem como de indústrias de porte agrícola, pecuária,

pneus, adubos, cerâmicas, dentre outras, destacando-se dentre elas a Nestlé, sendo sua

instalação prevista na cidade, já no ano de 1974, a qual se mantém ativamente no

mercado de produção da cidade. Em destaque editorial de jornal da cidade referente à

tal crescimento industrial: "Já contamos com mais de 200 unidades industriais,

incluindo-se é claro, as máquinas de beneficiar arroz". (Cidade de Ituiutaba, 16-

17/07/1974).

Nesta perspectiva, a Escola Polivalente veio a ser implantada em meio a este

próspero crescimento industrial em Ituiutaba, a qual perpassava por grandes

investimentos que foram efetivados em prol do desenvolvimento econômico, sendo um

fator primordial para novas possibilidades do crescimento do mercado de trabalho, ao

passo que as atividades industriais buscavam se expandir neste município.

13

Esta Instituição foi assim compreendida no primeiro momento ao ensino de 1º

Grau desde sua implementação no ano de 1974, quando foram iniciadas suas atividades,

passando a partir do ano de 1984, a ser ofertado e ensino de 2º Grau.

Figura 02: Alunas (os) da Escola Estadual “Antônio Souza Martins” - Polivalente

Fonte: Acervo da Escola Estadual Antônio Souza Martins – Polivalente.

Deste modo, a Escola Polivalente se constituiu através do trabalho coletivo,

desenvolvido por meio das práticas formativas e realizadas entre os atores que estiveram

inseridos nessa instituição. Logo, podemos perceber através dos relatos de parte dos

sujeitos que tiveram participação nessa instituição, que significativas marcas estão

presentes na vida dos mesmos.

A partir dos depoimentos destes, foi possível a reflexão sobre os significados

construídos em meio as suas práticas experenciadas junto a esta escola, podendo

também ser vista suas considerações ao terem sido partícipes do processo histórico

educativo propiciado pelo Polivalente à população tijucana. Sendo assim oportuno uma

breve contextualização relativa a alguns dos entrevistados.

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Ao falar sobre sua vida acadêmica, o Professor Valter relata que o seu processo

de contratação nesta escola, segundo ele, se deu por meio de seleção através de

vestibular, mediante sua formação no Curso de Licenciatura para Formação de

Professores destinado aos profissionais que atuariam nas Escolas Polivalentes, realizada

na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, na qual se especializou na área de

Práticas Agrícolas.

A escola segundo ele, contava com uma Gestão participativa, já que Diretor,

Vice, Supervisão, Orientação, Professores e Serviçais trabalhavam sempre em conjunto,

mantendo uma boa relação com todos da escola.

Quanto ao aspecto físico do Polivalente na época em que atuou nesta escola, ele

relatou que este era excelente, capaz de atender alunos e professores em todos os

aspectos, uma vez que contava com uma ampla estrutura tanto no ambiente interior,

com salas e laboratórios adequados ao trabalho pedagógico, quanto ao ambiente

exterior, o qual contava com vasta área para as práticas efetivadas com os alunos, como

a sua disciplina de Práticas Agrícolas, a qual no momento das aulas práticas era

realizada no espaço específico destinado às mesmas, como também quadras de esporte,

dentre outros.

Ele relatou que a escola contava com uma grande demanda de alunos e era

muito procurada pela população tijucana, segundo ele, vinham muitos filhos de

fazendeiros da região estudar no Polivalente, como também alunos de famílias

tradicionais da cidade. Sobre o perfil destes, na maioria, em sua consideração quanto o

nível socioeconômico, estava no nível da classe média.

Segundo o Professor, não havia casos de evasão desses alunos e quanto a

transferências, estas ocorriam apenas por motivo de mudança de família, já que quem

começava na 5ª série sempre terminava o curso que abrangia até a 8ª série. A

distribuição das vagas era organizada de modo a preencher o número correspondente ao

que a escola ofertava: “existiam na época 400 vagas por turno para as 4 áreas de

atuação – Agrícolas, Comerciais, Industriais e Educação Para o Lar. Havia exame de

seleção para todos os alunos”. (VALTER, 2015)

15

Neste sentido, os alunos já eram orientados a refletirem sobre a possível vocação

profissional, ou seja, a escola propiciava ao aluno a se conhecer e se identificar com as

ramificações propostas pelos cursos integrados ao ensino que este aluno frequentava no

decorrer de sua formação nas quatro séries abrangentes nesta escola.

Dentre as alunas que foram entrevistadas, todas residem neste município; estas

se fizeram integrantes em prol do processo de construção dessa história, bem como das

interpretações que foram sendo constituídas nessa trajetória em busca de significados

vividos na Escola Polivalente.

Ao falar sobre sua trajetória acadêmica, a ex-aluna Vanusa relata que começou a

estudar na Escola Polivalente no ano de 1976 na 5ª série, concluindo nesta até a 8ª, o

que de acordo com ela, era o que a escola oferecia, não possuindo nenhuma reprovação

neste período. Ao se referir sobre o ensino que o Polivalente ofertava, bem como das

disciplinas que compunham o currículo, o qual abrangia o ensino regular integrado ao

profissionalizante, Vanusa bem destaca a forma como estas eram organizadas mediante

as práticas ali vivenciadas por ela no período em que lá estudou:

O diferencial da escola era a oferta em concomitância com o ensino

regular, disciplinas de caráter profissionalizante. Não era

propriamente um curso independente, mas disciplinas que integravam

o currículo escolar. Essas disciplinas eram: Educação para o lar,

Técnicas Comerciais, Técnicas Industriais e Técnicas Agrícolas. As

matérias do ensino regular eram: Português, Matemática, História,

Geografia, Ciências, que dispunha de um magnífico laboratório todo

equipado e até as mesas eram diferenciadas das demais disciplinas,

pois a sala era específica. Educação Física, Educação Artística,

Inglês, Francês, Moral e Cívica OSPB - Organização Social e

Política do Brasil. Essas duas últimas substituíram as disciplinas de

filosofia e sociologia consideradas de caráter comunista e

reacionárias pelo governo militar, claro que entendi isso depois de

adulta.... As salas de aula eram todas específicas, por conta da

diversidade de cada disciplina, não somente para as disciplinas

profissionalizantes, mas as do currículo regular também. Sendo

assim os alunos que mudavam de sala a cada troca de horário, não os

professores. (VANUSA, 2015).

Segundo esta aluna, as avaliações eram realizadas sem muita distinção do que

temos atualmente, já que faziam provas de caráter somativa, mensais e bimestrais, como

16

|também trabalhavam em grupo, faziam cópias de conteúdos dos livros, “mas também

fazíamos trabalhos interessantes como dramatizações de livros de literatura,

maquetes,avaliações práticas de ciências no belíssimo laboratório, entre outros”.

(VANUSA, 2015)

Ao concluir sobre sua experiência e vivência formativa no Polivalente, Vanusa

relatou sua consideração quanto a qualidade do ensino que a escola buscou oferecer no

período de seus estudos:

No contexto do período e considerando a realidade das demais

escolas públicas, o Polivalente ofereceu sim uma educação

polivalente e de qualidade... foi uma escola de proeminência na

sociedade ituiutabana, principalmente por oferecer um ensino de boa

qualidade e de acesso a população de baixa renda. (VANUSA, 2015)

Considerando que escola se constitui como espaço educativo mediante aos

conhecimentos que são produzidos em meio às relações sociais que se estabelecem entre

os sujeitos, buscamos enfatizar a importância da participação dos funcionários que junto

a comunidade escolar constituem o processo organizacional educativo deste espaço.

A senhora Carla relatou que ao iniciar sua atividade profissional na Escola

Polivalente a sua adaptação foi tranquila porque era um ambiente muito bom, de acordo

com ela o desenvolvimento do seu trabalho era dinâmico “a gente chegava, varria,

fazia a organização das salas, ajudava na cantina, na área externa, ajudei também na

secretaria, rodando provas”. (CARLA, 2015)

Desse modo, a senhora Carla em seu depoimento relatou que a escola na época

promovia interações com a comunidade “era muito bom, lá tinha o Dia do Convívio,

com a participação dos pais, alunos e professores, nesse dia tinha almoço, recreação,

lanche”. (CARLA, 2015)

Ao se referir sobre sua consideração referente a vivência junto a todos que

faziam parte do Polivalente e as relações que lá foram constituídas, a senhora Carla

relatou que:

Sempre tive uma boa convivência com todos, não havia indiferença

entre diretor, professores, funcionários e alunos, parecia uma

família... também havia as regras na escola, e as advertências de

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acordo com o Regimento Interno para todos. Foi uma escola muito

importante para mim, eu cresci.(CARLA, 2015)

O ex-diretor Sandro, em seu depoimento, relatou que em sua carreira docente

lecionou em Goiânia, as disciplinas de Filosofia e Psicologia em 2º Grau, no entanto sua

ambição educacional sempre foi a de gerir uma escola técnica, até que foi convidado a

criar uma Escola Normal em Magistério em uma cidade do interior, através da qual ele

considera que o fez gostar e se identificar com a área da gestão:

[...] me aventurei e me apaixonei pela gestão administrativa escolar;

porque o que eu encontrei; um pessoal que não tinha visão nenhuma,

com uns costumes muito elementares de educação e mesmo de

família, [...] fiquei surpreso, mas falei aqui é o meu lugar, vou dar um

salto nisso. (SANDRO, 2015)

Neste sentido, o ex-diretor relatou que esta foi sua primeira experiência como

gestor na área educacional, na qual ele atuou até quando prestou concurso para o

Polivalente, no qual passou e posteriormente foi realizar o Curso de Administração

Escolar em Belo Horizonte, como aponta em seu depoimento:

[...] o processo seletivo foi o seguinte, uma seleção onde tinha mais de

400 pessoas concorrendo a 76 vagas, que eram para as novas escolas

que iam abrir, então eu consegui, daí tivemos que fazer o curso

específico para as escolas Polivalentes na Universidade Federal de

Belo Horizonte, fiz o curso de Administração Escolar. (SANDRO,

2015)

Como relatado pelo ex-diretor Sandro, a escola iniciou suas atividades com o

regime semestral no 2º semestre, em Setembro de 1974, o que veio a ser uma tremenda

surpresa, já que, segundo ele, foi um drama em relação a conseguir alunos e, o que

propuseram foi procurar e oferecer vagas para os alunos evadidos das escolas existentes,

bem como para quem não havia ainda se matriculado “então nós fizemos uma proposta

para 400 alunos e tivemos um atendimento para mais de 700 alunos, passavam pelo

exame de seleção, especificamente matemática e português”. (SANDRO, 2015)

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Referente ao exposto pelo ex-diretor Sandro, foi notícia em destaque do jornal

da cidade o anúncio sobre as vagas disponibilizadas na escola, como demonstra a

imagem abaixo:

Figura 03: Notícia sobre as vagas para inscrições no Polivalente

Fonte: Acervo Cultural do Município.

Nesta perspectiva, o ex-diretor Sandro, colocou que ao início a escola recebeu

muitos alunos que não haviam conseguido acesso as principais escolas de Ituiutaba,

dando-se atendimento a um grande número de alunos moradores de distintas áreas da

cidade, segundo ele, os alunos buscavam também o acesso a uma escola nova, bonita e

atraente.

Ao se referir sobre o ensino ofertado na escola, considerando que o mesmo

contava com o diferencial do curso técnico integrado ao ensino regular, o ex-diretor

relatou que este visava a uma preparação inicial para o aluno se apropriar de uma futura

descoberta, como relatado:

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Esse programa na época do PREMEM, ele deveria ser o que hoje

aspiram a formação técnica, começamos com uma iniciação

profissional, então ela funcionava de 5ª a 8ª série, e nós

trabalhávamos com o aluno o ensino acadêmico, com as disciplinas

comuns, o currículo comum e mais as de iniciação profissional, de

Artes Industriais, Educação para o Lar, Práticas Comerciais e

Práticas Agrícolas, para nível de 5ª série era simplesmente uma

iniciação ou uma apropriação para a pessoa descobrir uma

profissionalização, um futuro educacional, então era semestral, como

que funcionava, em dois anos os alunos passavam por semestre para

uma dessas práticas de iniciação profissional e na sétima série ele

definia por dois anos o que ele queria fazer, a cada semestre ia

passando por uma dessas práticas e depois na 7ª e 8ª ele definia.

(SANDRO, 2015)

No entanto, segundo ele, apesar da grade curricular contar um número

determinado para cada disciplina que compunha o currículo do Polivalente, a

preponderância era para as áreas de Português e Matemática. Desse modo, o ex-diretor

relatou que sempre houve uma certa competitividade entre outras escolas da cidade, ou

seja, havia as escolas consideradas as melhores para prepararem os alunos para o

vestibular, e assim começaram a descobrir que no Polivalente também isso era viável, já

que o ensino deste dava possibilidade para os alunos passarem nos vestibulares também.

O ex-diretor, nessa perspectiva, ao falar sobre o conceito de educação ofertada

na escola durante o período de sua gestão, relatou que sempre procurou desenvolver um

trabalho coletivo com todos da escola, pois segundo ele, em primeiro lugar ele tinha

uma proposta pedagógica para esta escola mediante sua concepção de educação, a qual

foi pautada nos ideais de Paulo Freire, o qual foi seu professor de Mestrado.

Sendo assim, o ex-diretor Sandro colocou que aprendeu muito nos estudos que

realizou sobre o pensamento de Paulo Freire, como também na qualidade de aluno deste

autor, tendo assim se identificado com a educação proposta por este educador, sob a

qual pensou em uma escola aberta para todos, alunos, professores, funcionários e

comunidade:

Eu tinha uma proposta, inclusive a proposta pedagógica do

Polivalente, a partir de 1974 era uma experiência que eu sonhava,

que eu visualizava muito o trabalho de Paulo Freire e me encantei e

estudei muito Paulo Freire e fui aluno dele depois no Mestrado em

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Campinas, então a minha proposta era uma escola aberta, uma escola

franca oficial com o aluno sendo o dono do saber, dos interesses, das

necessidades, tudo isso, mas uma escola atraente, agradável, tanto é

verdade que a fanfarra era aberta, era o xodó da escola, tinha 115

instrumentos na época, o esporte era outro atrativo mas ao mesmo

tempo o aluno sabia que era rigorosa e lá era lugar de estudo mesmo

que ela fosse aberta para o esporte aos sábados a vontade, para os

pais, para a família, nós tínhamos um convívio, todo semestre os pais

participavam e iam lá para a escola, chamava-se “um dia na escola

de seu filho”, então nós descobrimos coisas fantásticas... era um

processo tremendamente saudável, agradável e moderno. (SANDRO,

2015)

Neste sentido, o ex-diretor em seu depoimento ao falar sobre o tempo em que

atuou no Polivalente, ressaltou que embora o seu sonho de atuar em uma escola

profissionalizante talvez não tenha se concretizado como almejou, foi nesta escola que

ele vivenciou processos marcantes de sua vida ao sentir que colocou em prática aquilo

que acreditava alcançar no processo educacional enquanto educador:

O Polivalente foi o meu lar, foi lá que eu me realizei como educador,

foi lá que eu realizei um processo que eu acreditava de educação,

onde as matrizes que eu criei com Paulo Freire, com Moacir Gadotti,

com Rubem Alves que foram meus professores também de Mestrado,

com todo esse pessoal eu senti que a educação que eu acreditava, eu

conseguia passar para frente. No aspecto profissional ficou evidente

que foi uma realização tremendamente forte e eu consegui passá-la

para frente com muita maturidade, com muita confiança e com muita

segurança e os resultados, hoje você recebe do pessoal que passou

pela escola, que amadureceu com a gente que conviveu com a gente,

que assumiu com a gente, então eu não posso esquecê-los, como

jamais vou esquecer todo aquele pessoal que se envolveu comigo,

acreditou que ali tinha uma proposta que era diferente e nós fizemos

uma escola diferente, essa foi a minha gratificação. (SANDRO, 2015)

Portanto, de acordo com o ex-diretor Sandro, a sua experiência de atuação no

Polivalente no decorrer deste período, lhe propiciou muitas vivências marcantes. Como

demonstrado, tal experiência remete para uma história que tem sido construída e

constituída a partir de vínculos afetivos que foram vivenciadas em meio a Escola

Polivalente, os quais remetem os significados dessas vivencias que se encontram vivas

na memória dos sujeitos envolvidos.

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Considerações finais

Neste trabalho consideramos que, apesar do contexto político educacional mediante a

ênfase no Ensino Técnico Profissionalizante no período em questão, bem como na

intenção das Escolas Polivalentes no Brasil decorrente do processo de crescimento

industrial e à necessidade de mão-de-obra especializada para o mercado de trabalho, a

Escola Polivalente buscou efetivar, desde sua criação, práticas norteadoras de uma

formação pautada na qualidade do ensino ofertada aos seus alunos, desenvolvendo um

trabalho integrado ao ensino regular e técnico, considerando as especificidades das áreas

do conhecimento.

Tal questão remete para a importância do trabalho mediante a coletividade das partes

constituintes, o qual demonstrou ter sido incorporado às práticas educativas que

estiveram presentes no Planejamento desenvolvido nesta instituição; estas, por sua vez,

foram vividas e assimiladas pelos atores envolvidos no compromisso com a qualidade

da Educação dos seus educandos, não se restringindo a formação técnica profissional,

mas envolvendo também a formação intelectual, social e humana.

É visível a importância do trabalho desenvolvido nesta instituição, bem como no que se

refere à subjetividade relatada pelos sujeitos envolvidos nessa pesquisa histórica, a qual

nos possibilitou a reflexão de que os alunos consideram o Polivalente como uma Escola

que promoveu não apenas o ensino formal acadêmico, como também a construção da

história pessoal e humana vivida nessa instituição. Portanto, ao buscar enfatizar a

história desta escola, foi possível refletir sobre a origem de sua criação, sua rica

estrutura física e arquitetônica (que se diferenciava do histórico de criação de outras

instituições públicas de ensino locais), os atores envolvidos, as práticas vivenciadas, o

modelo e as concepções do ensino ofertado e, sobretudo os significados que se fazem

ainda presentes na vida dos sujeitos que perpassaram por esta instituição escolar. Fato

este que consideramos relevante para a História da Educação ao contemplarmos parte

dos processos constituintes das práticas educativas de nossa sociedade.

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Polivalentes no Brasil. Disponível em:

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