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Juiz de Fora 2006 251 Wagner Luíz de Almeida¹ José Luis Oliveira de Paula² RESUMO SUMMARY Keywords: INTRODUÇÃO Trataremos, no presente estudo, de algumas das explicações mais usuais para o fenômeno da adoção da escravidão africana no Brasil a partir da segunda metade do século XVI, enfatizando aquelas que privilegiam as discussões sobre as causas superestruturais deste processo. Posteriormente, faremos pequena referência a uma das formas alternativas de resistência ao cativeiro, amplamente usada pelos escravos africanos no Brasil, a negociação. We will deal with in the present study to some the explanations most usual for the phenomenon of the adoption of the African slavery in Brazil from the second half of century XVI, emphasizing those that privilege the argue on the super structural aspects of this process. Later, we will make reference to small one reference of the alternative forms of resistance to the captivity, widely used for the African slaves in Brazil, the negotiation. Brazil’sHistory, African slaver, resistance É intuito deste trabalho desenvolver uma pequena discussão historiográfica acerca das justificativas produzidas ao longo dos tempos, de como e por que a escravidão africana foi introduzida no Brasil. Esperamos que esse estudo, venha nos possibilitar uma compreensão mais abrangente a respeito deste Palavras-chave: História do Brasil, Escravidão Africana, Resistência. SOBRE A ADOÇÃO DA ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL ¹Graduando o nono per odo de história ²Mestre em história í .

escravidao africana no brasil - cesjf.br · relação de trabalho que vigorou em nosso país por quase quatrocentos anos, estamos nos remetendo a um passado ... difusão da ideologia

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251

Wagner Luíz de Almeida¹José Luis Oliveira de Paula²

RESUMO

SUMMARY

Keywords:

INTRODUÇÃO

Trataremos, no presente estudo, de algumas das explicaçõesmais usuais para o fenômeno da adoção da escravidão africanano Brasil a partir da segunda metade do século XVI, enfatizandoaquelas que privilegiam as discussões sobre as causassuperestruturais deste processo.Posteriormente, faremos pequena referência a uma das formasalternativas de resistência ao cativeiro, amplamente usada pelosescravos africanos no Brasil, a negociação.

We will deal with in the present study to some the explanationsmost usual for the phenomenon of the adoption of the Africanslavery in Brazil from the second half of century XVI,emphasizing those that privilege the argue on the superstructural aspects of this process. Later, we will make referenceto small one reference of the alternative forms of resistance tothe captivity, widely used for the African slaves in Brazil, thenegotiation.

Brazil’s History, African slaver, resistance

É intuito deste trabalho desenvolver uma pequenadiscussão historiográfica acerca das justificativas produzidas aolongo dos tempos, de como e por que a escravidão africana foiintroduzida no Brasil. Esperamos que esse estudo, venha nospossibilitar uma compreensão mais abrangente a respeito deste

Palavras-chave: História do Brasil, Escravidão Africana,Resistência.

SOBRE A ADOÇÃO DA ESCRAVIDÃOAFRICANA NO BRASIL

¹Graduando o nono per odo de história

²Mestre em história

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fenômeno, de suma importância na formação de nossopovo.

Faz-se necessário para tanto, indagarmos antes denossa análise, sobre quais seriam os fatores que poderiam tercontribuído para que, no Brasil, a escravidão do nativo silvícola,fosse aos poucos, sendo substituída pela do africano. E até queponto as dificuldades de se escravizar o indígena ou mesmo oposicionamento do clero teriam relação com esteacontecimento? Procuraremos achar respostas para estasquestões no decorrer de nosso texto.

Nos parágrafos que antecederão as nossasponderações finais, apresentaremos ainda ao leitor um exemploclássico daquela que, na opinião de muitos autores de produçãorecente, foi uma das formas de resistência ao cativeiro maisutilizadas pelos cativos africanos no Brasil-colônia: anegociação.

Todavia é mister observarmos previamente, que oprocesso de substituição da escravidão indígena pela escravidãoafricana em nosso país vem, ao longo dos tempos, sendo objetode múltiplas interpretações, fundamentadas em divergentesmetodologias e concepções do processo histórico, portanto,qualquer conclusão sobre este tema sempre necessitará serrelativizada futuramente.

A partir da segunda metade do século XX, muitospesquisadores brasileiros passaram a explicar a dinâmicacolonial, tendo como base à ênfase ao estudo dos fenômenosrelacionados ao tripé: .Este tipo de análise tem suas raízes na idéia de que é o fatoreconômico o responsável principal por toda a organizaçãosocial e política de um povo, explicação baseada na ortodoxiamarxista.

Interpretando a colonização lusitana no Brasil sobreesse prisma, tais autores acabaram, na opinião de João Fragoso(1992, p. 48) superestimando os interesses mercantil-metropolitanos ligados à exploração colonial e à interferênciados mesmos no cotidiano da América portuguesa.

Daí, a questão da própria monocultura merecer danossa parte mais prudência, ao ser estudada, pois, embora aprodução e extração de gêneros revendidos no continenteeuropeu a altos preços fossem priorizadas, havia as atividades

plantation, monocultura e escravidão

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economia brasileira durante toda a sua históriacolonial: a pecuária, o algodão, a produção de alimentos para oconsumo interno, um complexo sistema de crédito e agiotagem.Tudo isto nos passaria despercebido se, de acordo com a escolado “sentido da colonização”, concebêssemos a monoculturaassentada nas como sendo o agente regulador davida social e econômica no Brasil-colônia.

Por fim, quando queremos ter em mente a escravidão,relação de trabalho que vigorou em nosso país por quasequatrocentos anos, estamos nos remetendo a um passadoriquíssimo. Rico na concepção plena do termo, nas relaçõessociais, no sincretismo religioso e na fusão cultural, tão presenteem nosso dia-a-dia.

Ao escravismo coube o mérito de ter sido um doselementos aglutinadores de três povos distintos (índios,portugueses e africanos) que dariam, mais tarde, à culturabrasileira traços singulares, como bem demonstra o livro deGiberto Freyre, (1933). A leituraimprescindível desta obra nos atenta para o fato de que operíodo colonial da história brasileira dificilmente poderá sercompreendido satisfatoriamente sem se levar em conta osfatores culturais e ideológicos do Brasil daquela época.

Ao priorizarmos somente as questões relacionadas àeconomia ou à luta de classes, como almejam algunspesquisadores sociais alinhados à doutrina do materialismo-histórico, teoria empírica sistematizada por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), segundo a qual a matériaconstitui propriamente o fundamento da realidade, corremos orisco de estarmos menosprezando uma parte significativa dessahistória, uma vez que a vida na sociedade colonial brasileira foisem sombra de dúvidas muito mais complexa do que teriamdemonstrado muitos destes pesquisadores . Escravos e senhoresnão eram e nem podiam ser movidos apenas por interessesimediatos, de ordem material, como veremos mais adiante.Estudar e entender este passado riquíssimo, cremos, é tomarconhecimento de parte do que aconteceu com aquelesindivíduos: índios, portugueses e africanos; homens e mulheres,livres ou cativos, ao longo da nossa história.

O que implica, inevitavelmente, em irmos mais alémdo contato com nomes e datas ou de esquemas generalizantes

plantations

Casa Grande e Senzala

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onde portugueses, ìndios e africanos possuíam cadaum, o seu padrão de comportamento já estabelecido eindependente da realidade que os cercavam. A história "nãopode ser compreendida corretamente se for tomada comosimples narrativa sem conexão com a práxis e sem interligaçãocom os grupos sociais que formam a dinâmica da história..."(MOURA, 1990, p.15-16). Só assim, conseguiremos ter maiorconsciência do que fomos um dia e o quanto isto interfere emnossa atualidade.

Na história da humanidade, seria impossíveldeterminarmos quem foi o primeiro homem a ser escravizado equando isso aconteceu. Já na Antigüidade, a escravidão atingiaproporções expressivas, povos inteiros eram subjugados graçasa derrotas militares, mas havia também sociedades onde umhomem se tornava legalmente propriedade de outro devido àimpossibilidade do pagamento de dívidas financeirascontraídas. Esta última era uma prática muito difundida entre asvárias civilizações localizadas à margem do mar Mediterrâneo(hebreus, mesopotâmeos, fenícios).

A escravidão sempre esteve profundamente enraizadana cultura dos povos antigos. Possuindo até mesmo um discursoideológico que a justificasse. Em Atenas, na Grécia Antiga, porexemplo, Aristóteles considerava a condição de escravo umaprerrogativa imposta pela natureza que deveria serdesempenhada pelos homens nascidos para a servidão.

Durante o Império Romano, o termo latino nãomudara muito seu significado, designava a condição social deum indivíduo bárbaro que havia tido a vida poupada após suaderrota em combate, em troca de sua submissão e serviço aovencedor.

No período de apogeu militar do Império, o trabalhoescravo foi fundamental para sustentar a expansão romana. Essadependência econômica em relação a práticas servis contribuiumuito para que esta "modalidade" de trabalho fosse instituídanas diversas províncias que, um dia, pertenceriam aos romanos,inclusive a própria Península Ibérica.

PEQUENO HISTÓRICO SOBRE A ESCRAVIDÃO ANTIGA EMEDIEVAL

servus

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Em todo o período medieval, as disputas territoriais ereligiosas entre cristãos e bárbaros, demonstraram ser umimportante estímulo à manutenção das práticas escravistasherdadas da Antigüidade. Na Europa do século XII, Tomás deAquino baseou-se nas idéias aristotélicas para formular umadoutrina filosófica que tentava conciliar a fé cristã à razão(Tomismo). O clero fundamentado nesta doutrina declarava aescravidão dos povos bárbaros e infiéis (muçulmanos, asiáticos,etc.) legítima.

Segundo os preceitos católicos da época todos aquelesque se opusessem à fé cristã deveriam ser combatidos,subjugados e convertidos compulsoriamente. Assim, o ato dedifusão da ideologia cristã era visto durante toda a Idade Médiacomo um propósito divino, uma missão a ser cumprida pelospovos da Europa-ocidental (cristã) a qualquer custo.

Mas, o que significava ser escravo no início da IdadeModerna ? Tomemos o próprio exemplo brasileiro comomodelo:(BOTELHO; REIS, 2002, p. 69) define o escravo como sendoo mesmo que cativo, indivíduo que, por ser propriedade do

senhor, deveria trabalhar para ele e se sujeitar às suas ordens"Aparentemente esta definição nada difere dos casos já citadosaté aqui, porém, na prática, o tipo de escravidão que se deu naAmérica, posteriormente à sua descoberta, no início da eramoderna (1492), por Cristóvão Colombo, tinha um caráterinédito em relação aos casos da Antiguidade e do períodomedieval, por dois fatores:

A visão etnocêntrica dos lusitanos em relação aos povos

ESCRAVIDÃO NO NOVO MUNDO

O Dicionário Histórico Brasil: Colônia e Império, :

“.

1- O atrelamento à política mercantilista quepossibilitou a acumulação primitiva de capitais no continenteeuropeu, tendo como pilares principais: o comércio exclusivometrópole-colônia, o sistema tributário que recolhia impostosno Novo Mundo e os transferia para Europa e ainda aimplantação de uma economia dependente na América;

2- O paradigma do domínio racial em função de umsuposto atraso cultural-religioso de negros africanos e índiosamericanos em relação ao conquistador europeu.

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da América e da África não diferia do consenso e eratambém baseada nos parâmetros cristãos da época.Acreditavam os portugueses, que os nativos americanos erampovos ignorantes apenas por desconhecerem a Bíblia, "ovelhasdesgarradas" do rebanho daqueles que pertenciam à verdadeirae única fé (católica), mas que ainda podiam ser salvos através deconversão ao cristianismo.

Quando aqui chegaram pela primeira vez os lusitanos,Pero Vaz de Caminha já escrevia em sua carta ao rei DomManuel sobre a conversão do nativo: “... Parece-me gente de talinocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriamlogo cristãos... portanto Vossa Alteza, que tanto desejaacrescentar a santa fé católica, deve cuidar de sua salvação" (PEREIRA, 2001, p.66).

Já no caso dos africanos, além de muitos povos daquelecontinente, serem pagãos ou adoradores de outras divindades aexemplo dos autóctones americanos, ainda era muito difundidana época, a tese de que pertenciam a uma raça amaldiçoada porDeus e traziam na pele a marca dessa maldição, tanto que a suaescravidão tinha como uma de suas explicações, a interpretaçãode determinados textos bíblicos:

três interpretações diversas mas convergentes, eramapresentadas para explicar a origem da escravidãonegra.A primeira delas afirma que a escravidão eraconseqüência do pecado de Adão, e da maldiçãodivina imposta ao homem de trabalhar a terra “com osuor" do rosto...A segunda versão considerava os africanos comodescendentes de Caim e, portanto, traziam ainda nacarne a maldição divina, ao primeiro homicida dahumanidade... Na tradição popular, os negros eramconsiderados como a raça maldita de Caim, sendo anegritude de sua pele o sinal imposto pelo próprioDeus.De acordo com a terceira interpretação, os africanoseram os descendentes de Cam, o filho de Noé,amaldiçoado pelo pai por ter zombado de sua nudez,quando jazia embriagado após provar o fruto davideira. (AZZI, 1987, p.80)

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Vejamos agora com mais detalhes como as naçõesibéricas vieram implantar o sistema escravista em suas colôniasdo Atlântico.

Logo após o período histórico comumente designadode Grandes Navegações, época dos grandes descobrimentosmarítimos, era comum se dizer nas cortes européias que quemnão colonizasse suas terras além-mar não seria dono dasmesmas, por isso, lusitanos e castelhanos logo se apressaram emgarantir a posse de suas colônias na América por meio dopovoamento.

Portugal e Espanha, donos de vastíssimos territóriosrecém encontrados, então se viram diante de um enormeproblema: como ocupar suas terras? Para os espanhóis estaquestão seria solucionada com muito mais rapidez graças aonumeroso contingente populacional de autóctones quehabitavam seus territórios, as relações de produção já evoluídasexistentes entre os mesmos e a descoberta precoce de metaispreciosos que logo atraiu milhares de aventureiros para o NovoMundo.

Já a coroa lusitana, há tempos, vinha correndo sériosriscos de perder sua colônia americana para diversas naçõesinimigas, mais notadamente a França, que não se conformavacom o Tratado de Tordesilhas e, por isso, seus navios visitavamfreqüentemente nosso território para negociar pau-brasil eprodutos nativos diretamente com as tribos indígenas do litoral.A coroa francesa alegou por muito tempo o princípio do

que determinava que só a ocupação efetiva do lugargarantia o direito de propriedade.

Portugal que sofria um enorme déficit populacionalcausado pela peste negra (século XIV) e pelas batalhas pelareconquista de parte de seus territórios na península Ibérica,durante muito tempo ocupados pelos mouros, não dispunha deum número suficiente de colonos para enviar ao Brasil-colônia.Além disso, havia o medo de que a abundância de terras aquiexistentes funcionasse como um estímulo para que os homenslivres vindos da Europa se tornassem pequenos proprietáriosautônomos, voltando os seus esforços exclusivamente para aconstituição de lavouras de subsistência ou que visassem ocomércio local, o que, fatalmente, impulsionaria a economiacolonial rumo à auto-suficiência administrativa-econômica.

utipossidetis

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Portugal, então, esforçou-se para estabelecer aqui noBrasil atividades produtivas de gêneros primários altamenterentáveis quando comercializados no mercado europeu. Para ohistoriador Caio Prado Júnior este seria, desde o início, o sentidofundamental da nossa colonização. (PRADO JR., 1970)

Nos primeiros trinta anos após o descobrimento doBrasil, a coroa lusitana arrendou a extração de pau-brasil, naépoca, aparentemente, nossa única riqueza, a particulares,porém, a atividade de extrativismo predatório desta madeiranão possuía um caráter colonizador que viesse garantir aocupação e a posse definitiva da terra aos portugueses.

Seguindo esta lógica, compreendermos por que osistema de , ou (1532), jáutilizado na ocupação das ilhas atlânticas (Ilha da Madeira eAçores), parecia então a melhor maneira de solucionar aquestão pertinente de como dar início à empresa colonial, semcomprometer os cofres lusitanos. As permitiram noséculo XVI a formação dos primeiros povoados brasileiros e aconstituição do que em breve seria a aristocracia colonial (aindade origem lusitana), assentadas principalmente sobre cultivo dacana-de-açúcar, que aqui encontrou várias condiçõesfavoráveis: clima, solo fértil e terras abundantes; principalmenteno nordeste brasileiro.

A convencionou-se definir como sendo asgrandes lavouras monocultoras assentadas sobre imensosterritórios (latifúndios) que serviam de base às unidadesprodutoras do nordeste açucareiro (engenhos).

A afirmação de que estas gigantescas fazendaspredominaram ao longo dos séculos XVI e XVII, leva-nos a ter auma visão reducionista e equivocada da realidade brasileira daépoca e desprezarmos a existência da pequena propriedadefamiliar e de uma “rica” economia de mercado interno

capitanias hereditárias donatárias

capitanias

plantation

De fato, a colonização por meio da agriculturatropical, como a inauguraram pioneiramente osportugueses, aparece como a solução através da qual setornou possível valorizar economicamente as terrasdescobertas, e dessa forma garanti-lhes a posse (pelopovoamento). (NOVAIS, 1995, p.48)

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impulsionada por ela.O Brasil-colônia, em pouco tempo, se tornou o maior

produtor mundial de açúcar, tendo sua produção como pano defundo, toda uma gama de atividades ditas “secundárias” mas devital importância para o próprio sucesso da lavoura canavieira,porém, como já dissemos antes, Portugal não dispunha decolonos na quantidade necessária e nem podia enviá-los a“Deus-dará” para matar a fome de braços trabalhadores dacolônia. A saída mais cômoda e econômica encontrada foientão a adoção imediata de regimes que empregassem a mão-de-obra dos nativos aqui encontrados através do trabalhocompulsório ou semicompulsório.

Portugal possuía vasta experiência na pratica doescravismo. Desde as suas origens, os lusitanos valiam-se doregime escravista para remediar a baixa densidade demográficae a conseqüente falta de mão-de-obra causada por ela,principalmente na sua região setentrional.

A respeito da implantação do sistema servil em nossopaís, Gilberto Freyre sugeriu, como já citamos, que, desde osseus primeiros tempos, a vida no interior da colônia foi ditadapela miscigenação racial de índios, portugueses e africanos,tendo como um de seus aspectos mais marcantes o convívioharmonioso entre essas três culturas. “harmonia racial” que nasua opinião, teve sua expressão mais visível na benevolência eno paternalismo por parte dos senhores de engenho para comseus escravos negros.

Contra esta visão "paternalista" e o mito da "democraciaracial brasileira", ganharam força no Brasil, nas décadas de 1960e 1970, as interpretações sobre a escravidão brasileirafundamentadas na denúncia contundente dos interesseseconômicos lusitanos e na violência que permeavam todo osistema escravista em nosso país.

Os intermináveis combates travados durante aocupação muçulmana da Península Ibéricapropiciaram ótimas condições para que cristãos emaometanos se escravizassem mutuamente em nomeda verdadeira fé e das necessidades de braços "servis”. (MAESTRI, 2001,p.54)

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Para esta corrente de pensadores em geral,eram as relações econômicas de produção (infra-estrutura) que determinavam a produção cultural eideológica do Brasil-colonia (superestrutura), por isso,pregam em seus trabalhos ter sido a nossa economiacolonial, assentada no escravismo e ditada pelosinteresses metropolitanos, a causa principal de tudo oque acontecia no seio de nossa sociedade colonialdurante os séculos XVI e XVII.

Cremos que a principal falha deste modelointerpletativo, resida, no fato de que, quando este élevado ao “pé-da-letra” leva-nos a um tipo dedeterminismo, onde as estruturas econômicas sãovistas como independentes das próprias sociedadesque as produziam, ditando o modo de agir e de pensardos indivíduos, como se estes, fossem seresdesprovidos de qualquer capacidade de auto-determinação.

Esta versão é até hoje em dia a mais difundidanos currículos escolares de nível básico e fundamental,portanto é também a mais conhecida.

Em algumas áreas do Brasil-colônia como emdiversas outras regiões do Novo Mundo, desde cedo epor muito tempo o indígena chegou a ser a maisimportante mão-de-obra utilizada, constituindo o seuapresamento e exploração do seu trabalho a basefundamental dos primeiros esforços coloniaisportugueses, entretanto, a escravidão nativa estavaintimamente relacionada à oferta de grandescontingentes populacionais indígenas nas diferentespartes do continente. No caso específico da Américaespanhola, por exemplo, a densidade demográfica dascomunidades nativas encontradas nas regiões dosantigos impérios ameríndios (Astecas, Incas e Maias)era de aproximadamente 50 hab./Km (PEREGALLI,1994, p.6), um número elevado em relação ao Brasil-colônia o que, explica em parte, por que ao contrário

ESCRAVIZANDO O NATIVO

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do que ocorrera na América Portuguesa, a escravidãoindígena na parte castelhana do continente somente em poucoscasos regionais foi superada pela escravidão africana.

Até a pouco tempo, muitos historiadores sequermencionavam a escravidão nativa em seus trabalhos. Outrosalegavam que um dos motivos da substituição do escravo nativopelo africano, no Brasil-colônia, por volta de 1550, teria sidouma conseqüência direta de uma suposta "indisposição natural"do índio brasileiro ao trabalho regular.

Atualmente, este raciocínio é objeto dequestionamentos. Tachar o nativo como um ser preguiçoso einadaptável ao trabalho, mesmo sendo este compulsório, éjulgá-lo de modo etnocêntrico, tendo como base os mesmosvalores e concepções do colonizador europeu.

Sheila de Castro Faria chega a citar que: "Em Sergipe doConde, por exemplo, grande engenho da Bahia, mais de 90%dos escravos eram índios, em 1572." (FARIA, 1997, p.33) Quaseum século depois, em 1637, o bandeirante Pedro Teixeiraaprisionava milhares de índios na região do Amazonas paravendê-los nas prósperas lavouras de algodão maranhenses.

Baseando-se nestes exemplos e em muitos outros,pode-se concluir que a substituição do escravo nativo peloafricano no Brasil-colônia não pode ser explicada,satisfatoriamente, por meio da tese já ultrapassada dainadaptação do índio ao trabalho, uma vez que os nativosbrasileiros sempre foram escravizados ao longo de toda a nossahistória colonial.

Ciro Flamarion Santana Cardoso enumera váriosobstáculos à escravidão indígena e que, para ele foramdeterminantes para a "preferência" do africano como escravo.

As epidemias, a mortalidade ligada ao trabalhoforçado e ruptura da economia de subsistênciaindígena tradicional, a fuga de tribos inteiras mais para ointerior, acabaram por inviabilizar uma plantationaçucareira baseada principalmente no trabalho dosíndios, seja escravo, seja livre em teoria, mas na verdadesob compulsão na imensa maioria dos casos. Assim, asprimeiras décadas do século XVII viram a transição aopredomínio da escravidão negra (CARDOSO, 1990,p.89).

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Mesmo assim, apesar de todos esses empecilhos, pormuito tempo índios e africanos ainda foram largamenteutilizados em atividades paralelas, coabitando, inclusive, osmesmos espaços físicos.

A ação dos missionários jesuítas também era umaimportante barreira à escravidão indígena. Embora, em muitasunidades produtoras de propriedade da Companhia de Jesus otrabalho do indígena fosse aproveitado, não eram utilizadoscomo escravos, mas exerciam tarefas simples como a da limpezaanual da levada, cuidar do sangradouro e cortar lenha". (FELINE,1994, p.57)

Quando chegaram ao Brasil-colônia, em 1549,comandados pelo padre Manuel da Nóbrega, os membros daCompanhia tiveram um propósito já definido de propagação docatolicismo no Novo Mundo, inspirados pelos ideais da

. O projeto de conversão dos nativos brasileiros à fécristã, através da catequese se tornaria impossível caso essesmesmos nativos continuassem a ser escravizados e,conseqüentemente, dizimados pelos colonos europeus.

Este posicionamento dos religiosos deixava o reiportuguês em uma situação delicada, já que o regime depadroado selava a forte aliança político-econômica entre acoroa e a igreja Católica, por isso, uma determinação régia, de1570, já fixava que os nativos brasileiros só pudessem sercapturados e escravizados através desolucionando parcialmente o impasse entre religiososcatequistas e colonos apresadores de nativos.

O mesmo clero que lutava pela erradicação daescravidão indígena, em relação ao negro africano, por muitasvezes, só se pronunciou contra as longas jornadas de trabalho econtra os castigos excessivos. Reforçando a idéia de que osafricanos estariam salvando suas almas da " "trazida em suas peles, através do sacramento do batismo queera realizado em massa nas praias africanas antes do embarquepara o Brasil, e por meio do trabalho braçal, que os permitia“expiarem seus pecados”.

O CLERO E A ESCRAVIDÃO

"

reformacatólica

guerras justas,

maldição divina

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Para os jesuítas, os africanos deveriam ser gratos aoslusitanos, por terem esses lhes dado aquela oportunidade de"purificarem" suas almas através do cristianismo. Observemoscomo esse raciocínio está claramente expresso no sermãodécimo quarto do padre Antônio Vieira: “Oh se a gente pretatirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecerabem quanto deve a Deus, e a sua santíssima Mãe por este quepode parecer desterro, cativeiro, e desgraça, e não é senãomilagre, e grande milagre!” . (VIEIRA, 1907, p.47)

Cientes também da necessidade de trabalhadores, semos quais a colônia passaria caso a escravidão não fosse mantida,como já na época, advertia o jesuíta Antonil: “Os escravos são asmãos e pés do senhor de engenho. Sem eles no Brasil éimpossível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem terengenho.” ( ANTONIL, 1955, p. 47), os membros daCompanhia de Jesus logo se valeram de todo o aparatoideológico cristão-medieval para apoiarem a escravidãoafricana nas terras brasileiras.

É possível termos a dimensão do quanto era importanteessa opinião do clero. Basta lembrarmos que a Igreja Católica foià detentora do monopólio educacional durante o períodocolonial brasileiro e que pensar diferente do clero eraconsiderado uma heresia. Toda a vida na colônia era assimorganizada e regida, tendo como parâmetros de referência osensinamentos e dogmas daqueles religiosos que não se furtavamdiante da necessidade de interferirem na realidade social epolítica da colônia sempre que julgavam ser preciso.

Para que entendamos de forma clara e abrangentetodos os aspectos que envolveram a transição da escravidãoindígena para a escravidão africana no Brasil, é preciso quetambém notemos estes fatores ideológicos e religiosos tãofundamentais para aquele acontecimento.

Devido à grande necessidade de mão-de-obra farta ebarata exigida pelas lavouras canavieiras, confrontadas com asdificuldades de se escravizar o índio e a oposição dos jesuítas àescravidão nativa, a atividade do comércio de escravos africanospara o Brasil-colônia se desenvolveu e se intensificou em larga

SOBRE O TRÁFICO NEGREIRO

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escala por volta da segunda metade do século XVI.Traficar escravos para a América Portuguesa transformou-se,rapidamente, em uma das mais rentáveis fontes de riquezas daépoca tanto para os traficantes como para a coroa.

Portugal lucrava muito com este comércio, tributandoa "mercadoria" duplamente, tanto no momento do embarquena África, quanto no seu desembarque em terras brasileiras.Somente a partir deste momento a mão-de-obra utilizada noBrasil-colônia passou a ser, em maior parte, provenientes destecomércio de africanos, trazidos para trabalhar em nossaslavouras.

Ao analisarmos este panorama brasileiro dos séculosXVI e XVII até aqui apresentado, deparamos com uma realidadehistórica na qual o entendimento de que a introdução doafricano como escravo no Brasil-colônia possa ser justificadaapenas como sendo uma simples decorrência direta dasexigências dos traficantes de escravos, ávidos por lucros, deveser relativizado.

Entendemos que a adoção da escravidão africana noBrasil-colônia foi o que determinou o início do tráfico negreiropara nosso país e não o contrário, como assinalam muitospesquisadores. Vejamos o que disse um especialista no assunto,Celso Furtado, a respeito disto:

Atentemos ainda que, apesar de o fragmento acimatranscrito se referir apenas à lavoura canavieira, a força detrabalho dos africanos foi empregada para suprir váriasnecessidades já existentes por aqui. Simplesmente faltava gentepara trabalhar nas lavouras, na casa-grande, na mineração e até

As dificuldades maiores, encontradas na etapa inicialadvieram da escassez de mão-de-obra. Oaproveitamento do escravo indígena, em queaparentemente se baseavam todos os planos iniciais,resultou inviável na escala requerida pelas empresasagrícolas de grande envergadura que eram osengenhos... A mão-de-obra africana chegou para aexpansão da empresa, que já estava instalada. É quandoa rentabilidade do negócio está assegurada que entramem cena, na escala necessária, os escravos africanos.(FURTADO, 1991, p.41-42)

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mesmo nos setores pecuários e de produção dealimentos destinados ao consumo interno da colônia.

Ainda sobre o tráfico negreiro, uma outra afirmaçãomuito presente nos livros didáticos brasileiros propõe que aescravidão indígena foi, aos poucos, sendo abandonada noBrasil, devido ao fato de o apresamento e escravização do nativoser um negócio interno-colonial e que, portanto, não geravalucros à burguesia portuguesa, ao passo que o comérciointercontinental de africanos possibilitava o enriquecimentodaquela aristocracia residente na metrópole e ligadadiretamente à atividade do tráfico negreiro.

A pesquisa minuciosa de nossa economia colonial, feitapelo historiador João Fragoso (1992) , baseada na análise deinventários compreendidos num período decinqüenta anos (1770-1820) da história brasileira, comodiversos outros estudos, confirma a fragilidade deste argumento,demonstrando o caráter endógeno-colonial do tráfico deescravos africanos para o Brasil-colônia.

Desde o início da expansão marítima lusitana peloAtlântico, os tentáculos do império ultramarino português sefizeram presentes em diversas regiões africanas (Moçambique,Costa do Marfim, Congo, Angola, Guiné). Essas áreas foram asgrandes fornecedoras dos trabalhadores que Portugal tantocarecia pra enviar à sua colônia americana.

Em 1539, o donatário da capitania de Pernambuco,Duarte Coelho, já pedia ao rei de Portugal, D. João III, que lhefosse concedida permissão para “comprar alguns escravos-de-Guiné”, como eram chamados os africanos na época. Em 1559,atendendo os apelos dos senhores de engenhos, a coroafinalmente editou o alvará que regulamentava a introdução deescravos africanos no Brasil.

O medo das fugas e rebeliões dos africanos recémchegados era uma constante. Uma grande estrutura de controle,vigilância e repressão sobre a vida dos cativos foi criada e aprópria administração colonial respaldava a prática de castigosseveros, chegando até mesmo a aplicação da pena de mortepara os escravos mais indisciplinados.

pós-mortem

A RESISTÊNCIA AO SISTEMA

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Quanto à resistência dos africanos a esse sistemaopressor , é preciso que notemos que as formas de lutarelacionadas unicamente a reações violentas por parte destes,tais como: as fugas em massa para os quilombos, suicídios,assassinatos de feitores e senhores, etc, não foram os únicosnem os mais utilizados meios de resistência adotados pelosafricanos.

Análises mais recentes indicam ter sido a negociaçãoum dos recursos mais eficazes e, por isso mesmo, um dos maisutilizados pelos cativos. Através da negociação direta com seussenhores eram engendradas formas que pudessem amenizar ascondições adversas do cativeiro por meio de um simplessistema de ganhos e de concessões de favores. Negociar,naquele contexto, era resistir.

É elucidativo transcrevermos, neste instante, algunstrechos do "curioso"

:

tratado proposto a Manuel da Silva Ferreirapelos seus escravos durante o tempo em que se conservaramlevantados (1789)

Meu Senhor, nós queremos paz e não queremos guerra;se meu senhor também quiser nossa paz há de ser nessaconformidade, se quiser estar pelo que nós quisermos,a saber....Não nos há de obrigar a fazer camboas, nem mariscar,e quando quiser fazer camboas e mariscar mandes osseus pretos Minas... Faça uma barca grande para quando formos paraBahia nós metermos as nossas cargas para nãopagarmos fretes... Na planta da mandioca, os homens querem que sótenham tarefa de duas mãos e meia e as mulheres deduas mãos... Os atuais feitores não os queremos, faça eleição deoutros com a nossa aprovação....Poderemos plantar arroz onde quisermos, e emqualquer brejo, sem que para isso peçamos licença... A estar por todos artigos acima, e conceder-nos estarsempre de posse de ferramenta, estamos prontos para oservimos como dantes, porque não queremos seguir osmaus costumes dos mais engenho.Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os temposque quisermos sem que nos empeça e nem seja preciso

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pedir licença. ( REIS; SILVA, 1989, p.123-124)

o Zumbi, rebelde de tempo integral, herói da resistênciae o Pai-João permanentemente resignado ao papel quelhe era reservado no interior do sistema escravista. Sãoestereótipos falsos, criados a partir de concepçõesteóricas equivocadas. (DE PAULA, 2004, p.124)

Os escravos do senhor Manuel da Silva Ferreira, comomuitos outros no Brasil-colônia, diferiam do grupo daquelescativos que tinham uma atitude passiva perante o cativeiro eforam reduzidos a meros instrumentos de trabalho de seusproprietários (coisificados), por tanto, não se enquadram nainterpretação de Gorender que entende que, “na sua condiçãode propriedade, o escravo é uma coisa, um bem objetivo".(GORENDER, 1978, p.49)

Mas, também não se encaixavam naquele grupo deafricanos que optaram pela resistência violenta, que quasesempre terminava de maneira desastrosa trazendo consigomuitos transtornos (as mais variadas formas de castigos,chegando até mesmo a pena de morte) para o cativo rebelde.

A postura daqueles cativos atesta a tese de que, oescravo africano no Brasil, deve ser encarado como construtorde sua história de vida. Mesmo naquele ambiente social tensoonde concessões e adaptações ao sistema eram muitas vezesnecessárias e até mesmo admitidas.

A ação dos referidos escravos do senhor Manuel daSilva Ferreira,

ajuda-nos ainda, a entendermos que em cadacanto da colônia, a instituição escravocrata e suas diversasformas de resistência tiveram suas singularidades determinadaspor vários fatores como, a lavoura predominante na região, agrande ou reduzida oferta da mão-de-obra nativa, a demandainterna da produção e a ação dos jesuítas.

Basta observarmos atentamente esta nova realidadepara concluirmos que escravos e senhores devem sercompreendidos como agentes de um processo histórico onde adiversidade (regional, econômica e cultural) foi à mola mestradas relações sociais do universo complexo em que aqueles ou

durante o tempo em que se conservaramlevantados,

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indivíduos estiveram inseridos. As atitudes e maneirasde pensar daqueles homens, livres ou cativos, de nossa eracolonial, jamais se enquadraram perfeitamente neste ounaquele padrão de comportamento estabelecido, mesmo queestes padrões sejam tidos como regra geral por muitosestudiosos de hoje em dia.

Durante as décadas de 1960 e 1970, estiveram em altano Brasil as teorias vinculadas ao materialismo histórico, comoinstrumento de interpretação das relações sociais ocorridasdurante o Brasil-colônia.

Os autores ligados a essa escola, de modo geral, foramcríticos ferrenhos da visão paternalista contida na obra:

, de Gilberto Freyre ,e procuraram retratar aescravidão africana no Brasil, priorizando apontar a incessanteluta de classes entre escravos e senhores e o papel da colônia nocontexto do antigo sistema colonial. Tarefa a qual cumpriram deforma muito rica e singular.

Muitos representantes desta linha interpretativa,porém, apesar de possuírem o mérito de terem trazido à luz abrutalidade e os interesses financeiros tão próprios ao regimeescravista em nosso país, não consideraram a complexidade dadinâmica interna colonial, tendo-a sempre como mero reflexode interesses econômicos externos.

Esta vertente do marxismo brasileiro, que criticou atese de que a escravidão brasileira possuía algum traço debenevolência, paternalismo e até mesma doçura, ao denunciartais mitos, acabou também criando novas visões limitadas.Destas, podemos destacar:

1- a idéia da inexistência de uma economia interno-co lon i a l capaz de d i t a r seu s p róp r io s rumosindependentemente de Lisboa;

2- a definição dos escravos como sendo uma massaamorfa, despolitizada, portanto, historicamente passiva,coisificada, ou por outro lado considerar apenas as formasviolentas de resistência à escravidão.

Quisemos engrossar aqui o coro daqueles autores quesugerem que a substituição da escravidão indígena pela

CONSIDERAÇÕES FINAIS

CasaGrande e Senzala

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apenas de maneira parcial por muitos destespesquisadores, por isso, foi nossa intenção neste artigodemonstrar que a vinda dos escravos africanos para o Brasil-colônia, a partir do século XVI, foi parte de um processocomplexo e abrangente que não poderá ser analisado,satisfatoriamente, através de um único viés, seja ele oeconômico (materialismo-histórico), o político ou ainda ocultural-religioso.

Ao nosso ver, a necessidade de a coroa lusitana tomarposse efetiva da sua colônia na América através do povoamento,durante o século XVI, associada às dificuldades de se implantarum sistema produtivo rentável baseado unicamente na servidãoindígena (população nativa pouco numerosa, resistência,epidemias e oposição jesuíta), já anteriormente discutidas,constituíram juntas um imperativo para que a falta dostrabalhadores exigidos pela lavoura, fosse suprida pelaintrodução da mão-de-obra escrava de origem africana noBrasil-colônia. Cremos por tanto na múltipla casualidade(política, demográfica, cultural-religiosa e econômica) destefenômeno.

Nossa conclusão teve como fundamento uma pesquisabibliográfica, durante a qual foram consultados diversos trabalhosrelacionados com o tema da escravidão indígena e africana noBrasil-colônia. Com mais destaque àqueles produzidos nasdécadas de 1980 e 1990, que, apesar de representarematualmente a palavra mais recente em relação ao tema, não sãouma versão definitiva. Pois, “ Por mais que se creia Ter chegado averdade absoluta, é necessário que se admita que essa verdade ésempre aproximativa e nunca total”(DAU; DAU, 2001, p.15) .Não podemos nem devemos, portanto, esperar esquemasgeneralizantes, frases feitas e nem verdades absolutas quando oassunto é o estudo do passado e da história de um povo.

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