Escritos Sobre Mito e Linguagem - Walter Benjamin

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Walter Benjamin

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  • 5/16/2018 Escritos Sobre Mito e Linguagem - Walter Benjamin

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    Co le ~ o E s pf ri ro C r lt ic oConsel ho ed it o ri a l:

    A l fr ed o Ba siAn to n io C a n di doAug us to M a s si

    Dav i Ar r igucci J r .Flora Si issekind

    G il da d e M e ll o e S ou zaRobe r to Schwa rz

    . ; 4 __

    Wa lte r B en jam in

    ESC RITO S SO BREM IT O E LIN GUAG EM

    (1915-1921)

    Organ i zar l io , apres tn tar iio e no tasJ ea nn e Ma ri e G a gn eb in

    TraduriioS us an a K amp ff L ag e s e E rn an i C h av es

    fro Uvrarlafro DuasCidades

  • 5/16/2018 Escritos Sobre Mito e Linguagem - Walter Benjamin

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    Escritos sobra mito a linguagem

    urn povo, nem a de urn indivfduo, nem outra coisa senao essavida propria que encontramos no "poeti ficado" do poema. Essavida e const rufda segundo asformas do mito grego, .mas- e essee 0 elemento decisivo - -nao apenas 'poi elas, precisamente 0elemento grego encontra-se suprirnido na ultima versao e subs-titufdo por um outro que (a bern da verdade , sem uma justif i-cativa explfcira) denomiriamos de oriental.iQuase jodas, as mo-dificacoes da ultimaversao v a o 'nessa' dire~ao, seja nas imagens,sejana introducao das ideias e, por fim, na nova significacao quee dada a morte, todos esses elementos elevando-se como ilimi-tados face ao fenomeno que repousa em simesmo, limitado porsua forma. Que at se oculte uma questao decisiva, nao apenaspara 0conhecimento de Holderlin, e algo'que nlio cabe demons-trar no presente contexto. 0 escudo do "poet ificado", entretan-to, nao .leva ao mito, mas leva apenas - nas obras maiores -a s l igac;6esmfticas que a obra de arre plasma numa figura unica,que nao e nem mitol6giea nem rnftica e que nos e impossfvel deconceber de modo mais preciso.

    Se houvesse palavras para captar a relacao que seestabeleceentre 0mito e a vida in ter ior da qual nasce 0ultimo poema, se-riam aquelas que Holderlin escreveu numa obra pertencente a urnperiodo ainda mats tardio: "As lendas, que da Terra seafastam'/[ . . . J / Voltam-se para a hurnanidade" [" Die S ag en, die de r E rd es ic h e nt fe rn en ,/ [. .. ]/ S ie k eh re n z u d er M e ns ch he it s ic h" J. 2o

    S ob re a lin gu ag em em g era .e s ob re a lin gu ag em d o h orn em

    Toda manifestac;ao da vida espiritual humana pode ser con-cebida como uma especie de l inguagem, e essa concepcao leva,em toda a parte, a maneira de verdadeiro metodo, a novos ques-tionamentos . Pode-se fa lar de uma linguagem da musica e daescul tura, de uma linguagem da jurisprudencia que nada tern aver , imedia tamente , com as lfnguas em que estao redig idas assentencas dos tribunais ingleses e alemaes; pode-se falar de umalinguagem da recnica que nao e a lingua especializada dos recni-

    1 1 21 "S . Icos. Nesse contexte, fngua, ou mguagem, sigm lea 0prmc -

    21 Vma das dificuldades de traducao deste texto esta no fato de 0 alernao(assim como 0 latim, 0 ingles e 0 russo, por exemplo) pertencer a s llnguas que fa-zem uma distincao binaria entre Spracbe e Rede, enquanto 0portugues opera comuma disrincao rernaria: "lingua", "linguagem" e "palavra". Essa diferencialfao. to-mada de emprestirno ao linguista E. Coseriu, ajuda a entender que 0termo Spra-cb e possa sertraduzido aqui tanto por "Hngua"como por "linguagem f t. dependen-do do contexro. 0 alcance especulativo e ontolcgico de Spracbe, em sua amplitu-de. merece ser ressaltado e pode servirde horizonre para toda afilosofia alemd, emparticular aquela do romantismo alemao, tradicao na qual0ensaio de Benjaminseinsere, ocupando lugar de destaque. Com efeito, mesmo que a lingua alemaconfira a lfngua humana, isto e . verbal e arriculada, e a s varias IInguas idiorndticas

    (I915)

    Tradufao de Susana Kampi f Lages

    20 Do poema "De r H erb s t" , "0 outono", (N. da E.)

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    Escri tas sabre mito e l inguagem

    pia que se volta para a comunicat;ao de conteudos espirituais22nos dominios em questao: na tecnica, na arte, na jurisprudenciaou na religiao, Resumindo: .toda~01Jlullicat;ao deconteudos es-piriruais e lingua, linguagem, sendo a comunicat;ao pela palavraapenas urn caso particular : o da comtmicat ;ao humana e do quea fundamenta ou do que se funda sobreela(a jurisprudencia, apoesia). Mas a existencia da linguagem-estende.:se'nao apenas atodos os domfnios de manifesracao do espfrito humano, ao qual,

    u rn s en ti do e mi ne nt e ( ve r 0verbete Spracht do Deut scht s Wort t rbuch d o s i rr n ao sG rim m ), e m c on fo rm id ad e c om t od a a t ra di ~o f il os 6f ie a q ue d is ti ng ue 0homemd os o ut ro s a ni ma is p el a p os se d a l in gu ag em , e la p re ss up Oe u ma f un ~o e xp re ss iv an a b as e d es sa l in gu a/ Ji ng ua ge m , q ue n ao p od e s er r ed uz id a u ni ea me nt e a s linguasv er ba is h um an as . N es se s en ti do , e m a le ma o n ao e u m a m er df or a f aJ ar d a " ll ng uad os p as sa ro s" o u d a " lin gu ag em d a m us ic a" ; a o c on rr ar io , a l ln gu a a le ma i ns tig a ain da ga r s ob re a s r el a~ oe s e nt re e ss as " li ng ua ge ns " e a " lf ng ua h um an a" ( co mo 0faz, p or ex em plo , A dorn o, em s eu fam os o "F rag me nt tibe r M usik u nd S prac he "," Fr ag m en to s ab re m ti si ea e I in gu ag em ", i n Gesammel te Schrif t en , v ol . 1 -3 , p p. 2 51 --6). A fun ~o e xp re ssiv a e sig nif ic an te da Sprache aju da ra mb em a en ten de r qu es e p os sa d iz er d os h om en s q ue d es t er n U ng ua s d if er en te s, m as , a o m es mo t em po ,p os su em a m es ma l ln gu al li ng ua ge m, c om o d is se W il he lm v on H um bo ld t,

    D eve -se, p or fim , ob se rva r q ue a trad u~ ao p ara 0 p or tu gu es d o a dj et iv osprachl ich,1 'ormado a p ar ti r d o s ub st an ti vo Spracbe, d e sd o br a e ss a s d i fi cu l da d es .Em a lg um a s s it ua cd es , p od e sec t ra du xi do p or " ll ng ul st ic o" , d es de q ue n ao s e p e re aa r iq ue za s em an ti ca d e s u a o ri ge m, n em s e c o nf ir a p es o d em as ia do a o a sp ec ro t ee -n ic o e c ie nt ff ic o d a e xp re ss ao . V ia d e r eg ra , o pt ou -s e p or tr ad uz ir p el a l oc u~ ao " del in gu ag em ", p ar a m a nt er 0 s eu a lc an ce . O ut ro s t ra du to re s, c om o M ar ci e S el ig -m a nn -S il va ( ve r Le r 0 l iv ro d o m u nd o . .W a lt er B e nj am in : r oma n ti sm o e c rl ti ca p o l-tica, S ao P au lo , I 1u m in ur as , 1 9 99 ), p re fe ri ra m 0n eo lo gi sm o " li ng ua l" p ar a a ss i-n al ar e ss a d ir ne ns ao , ( N. d a E .)

    22 S ob re a r ra du ca o d o t er mo Geistige s eu s c or re la to s, v er n ot a 9 d o e ns ai o"D ois po em as d e F ried rich H old erlin ", ne ste vo lum e. (N . d a E .)

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    Sabre a linguagem em geral e sabr e a linguagem do homem

    num sentido ou em outro, a lingua sempre pertence, mas a ab-solutamente tudo. Nao hi evento ou coisa, tanto na naturezaanimada, quanta na inanimada, que nao tenha, de alguma rna-neira, participacao na linguagem, pois e essencial a tudo comu-nicar seu conteudo espiritual. Mas aspalavras "lingua" e "lingua-gem", nessa acepcao, nao constituem em absoluto metaforas. 0fato de que nao podemos representar para nos mesmos nada quenao comunique, atraves da expressao, sua essencia espiritual, eum conhecimento pleno de conteudo, 0maior ou menor graude consciencia com 0qual tal comunicacao aparentemente (ourealmente) esta l igada em nada altera 0 fato de nao podermosrepresentar para nos mesmos em parte alguma uma total ausen-cia de linguagem. Uma existencia que nfio tivesse nenhuma re-la

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    _----- . . . ._-_....- ...-.---~Escri tos sobre mito e l inguagem

    no qual ameaca precipitar-se toda teoria da Iinguagem+' e suatarefa e a de rnanter-se em suspenso, precisamente acima desseabismo, A diferenciacao entre a essenciaespiri tual e a essencialingufstica, na qual aquela comunica, ea distincao primordial emuma investigacao de carater teorico sobre.a l inguagem; e essadiferenca parece ser tao indubitavel que; ao contrario, a identida-de entre a essencia espir itual e a lingufsrica, tant~ ~~ aflrma-da, constitui um profundo e incompreensfvel paradoxo, para 0qual seencontrou expressao no duplo sentido da palavra A6ro'C[Logosl. E, no entanto, esseparadoxo, enquanto solucao, ocupaum Iugar central na teoria da linguagem, permanecendo para-doxo, e insohivel, quando colocado no infcio.o que comunica a Hngua? Ela comunica a essencia espiri-tual que the corresponde. E fundamental saber que essa essen-:cia espiritual se comunica na lingua e nao atraves da lfngua. Por-tanto, nao ha um falante das llnguas, sese entender por falante.aquele que se comunica atraves dessas llnguas. A essencia espiri-, tual comunica-se em uma lingua e nao atraves de uma lingua,isto quer dizer que, vista do exterior, ela, a e ss en ci a e sp ir it ua l, n aoe identica a e ss en ci a l in gu fs ti ca . A e ss en ci a e sp ir it ua l s6 e iden-tica a essencia lingufstica na medida em que e comunicdvel. 0que e comunicavel em uma essencia espiritual e sua essencia lin-gufstica. Portanto, a linguagem comunica, a cada vez; a respec-tiva essencia lingufstica das coisas; mas sua essencia espiritual s6e comunicada na medida em que se encontra imediatamenteencerrada em sua essencia lingufstica, na medida em que elasejacomunicdvel.

    23 Ou seraantes a tentacao de colocar ahip6tese no infcio, que constitui 0abismo de rodo 0filosofar? (N_de W_8.)

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    Sobre a lingua gem em geral e sobre a l inguagem do homem

    A linguagem comunica a essencia lingu{stica das coisas.Mas a manifestas:ao mais clara dessa essencia e a propria lingua-gem. A resposra a pergunta "0 q~e comu.nica a li,?gua~em?"deve ser: "Toda linguagem comuruca-se a Slmesma . A lingua-gem desta laropada, por exemplo, na o comunica a laropada (po~sa essencia espir itual da lampada, na medida em que e comu~l-cavel, nao e em absoluto a propria lampada), mas a Iampada-hn-guagem, a lampa~a-na-comunicas:ao, a lampada-na-e~pressao.Pois na linguagem e assim: a e ss en c ia l ingulst ica d a s ctnsas e su al inguagem. A compreensao da teoria da linguagem depende ~acapaddade de levar essa assercao a u~ grau de clare~~que_eh~mine qualquer aparencia de tautologia. Essa proposrcao nao etautologica, pois significa que aquilo que e comunicavel em uma-e (essencia espiritual e sua linguagem. Tudo repousa nesse queequivale a dizer " e imediatamente"). - Nao set.ratade dizer ~ueaquilo que em urna e s senc ia e sp ir i tua l e comunicavel se ~an i fi s -ta mais daramente na sua l ingua, como acabamos de dizer, depassagem, no infcio desce paragrafo: mas esseelemento cornu-nicdvel e a linguagem mesma s em me di ac oe s. D it o de outra rn~-neira, a lingua de urna essencia espiritual e imediatamente aqm-10que nela e comunicavel. Aquilo que e comunicavel em urnaessencia espiritual e aquilo no que ela se comunica: 0 que querdizer que toda lingua secomunica a si rnesma. Ou melhor: rodalingua se comunica em si rnesrna; ela e , no sentid? mais p~ro, 0meio [Mediumf4 da comunicacao. A caractedstlca propria do

    24 Medium e Mittel sao termos recorrentes na reflexaobenjaminiana e as-sumern particular importancia no presence ensaio. 0 segundo tern a significa'faode "meio para determinado fim", caracteriza, portanto, urn contexto instrumen-tal e alude sempre a necessidade de media~o. J ;1 0primeiro termo, Medium, de-signa 0meio enquanto materia, ambiente e modo da comunica'fao, sem que seja

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    Escri tos sobre mito e l inguagem

    meio, isto e , a imediatidade de toda comunicas;ao espiritual, e 0problema fundamental da teoria da linguagem, e, sequisermo,c~amar. de magica essaimediatiaade~ enta"o0problema origina-no da ltnguagem sera a sua magia. Ao mesmo tempo, falar damagia da linguagem significa remeter 'aoutro aspecto: a seu ca-rater infinite. Este e condicionad

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    , !

    Escr itos sobre m ito e l ingua gem

    No ambito da linguagem, 0nome possui sornenre essesen-tido e essasignificac;:ao,de urn nfve]incomparavelmente alto: sera essencia mais Intima da propria lingua. 0 nome e aquilo atra-ve s do .qual nada mais se cornunica; e e m 'que' a pr6pri~ lingua secomunica a si mesma, e de modo absoluro. No nome, a essen-cia espiritual que se comunica e a li.Q.gua,Somenre onde a essen-cia espirirual .em Sua comunica~~o for _ap~6pr}~_lfqgua~~ sua _absoluta totalidade, somente'ali estara0nome e Ia estara0nomesomente. Assim, como parte do legado da linguagem humans,o nome garante que a l in gua e pura e simplesmente a essencia es-piritual do homem; e e somente por isso que 0homem e , entretodos os seres dotados de espfrito, 0unico cuja essencia espiri-tual e plenamente comuniclvel. E issoque fundamenta a dife-renca entre a Jinguagem humana e a linguagem das coisas. Mascomo a essencia espirirual do homem e a lIngua mesma, de naopode secomunicar arraves dela, mas apenas dentro dela. 0 nomee a condensacso dessa totalidade intensiva da lfngua como essen-cia espiritual do homem. 0 homem e aquele que norneia, nissoreconhecemos que por sua boca fala a pura l ingua. Toda natu-reza, desde que se comunica, se comunica na lingua, portanro,em ultima instancia , no homem. Por isso, de e 0senhor da na-tureza e pode nomear as coisas. E somenre atraves da essencial inguls~ica das coisas que ele, a parti r de si mesmo, alcanc;:a0conhecimenm delas - no nome. A criac;:aodivina completa-seno memento em que as coisas recebem seu nome do homem apartir de quem, no nome, somente a Ungua fala. Pode-se de-signar 0nome como a Hngua da lingua, a l inguagem da lingua-gem (desde que 0genitivo nao designe uma rdac;:aode "meio"[Mittelj, mas de "meio" [Medium]) , e, nesse sentido com certe-za, por que de fala no nome, 0homem e 0alanre da linguagem- e por isso mesmo, seu iinico falante. Ao designar 0homemcomo "aquele que fala" (que e , evidentemente, segundo a Bfblia,

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    Sobre a l ingua gem em geral e sabre a l inguagem do homem

    "Aquele-que-da-norne": "e como 0homem davanome a todosd . .. . devi h ") 25 os tipos e arumais ViVOS, assim estes eviarn se C o amar , mui-

    tas Hnguas abrigam esse conhecimento metaffsico. .Contudo, 0 nome nab e somente a ultima exclamacio: e

    tambem a verdadeira interpelacao da linguagem. Com isso, apa-rece no nome a lei essencial da l inguagem, segundo a qual ex-pressar-se a si mesmo e interpelar todas as outras coisas sao ums6 movimento. A linguagem - e nela, uma essencia espir itual- nao se exprime demodo puro senao quando elafala no nome,quer dizer, na nomeacao universal. Assim, no nome culminama totalidade intensiva da lingua como essencia absolutamentecomunicavel, e a totalidade extensiva da lingua como essenciauniversalmente comunicante (que nomeia). A linguagem seraimperfeita em sua essencia comunicante, em sua universalidade,quando a essencia espiri tual , que fala a parti r dela, nao for, emtoda a sua estrutura, algo linguistico, isto e , algo comunicavel,Somente 0 bomem po ssu ia l in guag em pe rf oi ta do p on to d e vista daun iv er sal id ade e da i nt en s id ade .

    A partir de tal conhecimento, e possfvel formulae, sem ris-co de equfvoco, uma questao que possui certamente a mais altaimportancia metaflsica, mas que aqui devera ser apresentada comtoda clareza, em primeiro lugar, como questao terminologica,Trata-se de saber se, do ponto de vista de uma teoria da lingua-gem, deve-se definir toda essencia espiritual como lingufstica -nao apenas a do ser humano (pois no seu caso isso se da neces-sariamente), mas tambem a essencia das coisas e, com isso, todae qualquer essencia espiritual em geral. Se a essencia espiritual

    25 Genesis, 2, 19. No original, Benjamin cita a Bfbliade Lutero: " io i e d e rMen sc h a l le r le i l eb endi g e T i tr e n ennen wurde , s o sollten sit h e is se n" ( gr if o d o a ur or ).(N. daE.)

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    Escri tos sobre mito e l inguagem

    for identica a essencia linguCstica, a coisae, em Sua essencia es-pirirual, 0meio da comunicas;ao, e aquilo que nela secomunicae - ~m funs;ao desse seu estaruro de m eio - predsamente essep~~prlo meio (a Iinguagem). Milri, a _ ' Iinguagem e a essencia es~piritual das coisas. A essencia espiritual, portanto, e colocadadesde 0princCpio c?m~ ~omunicavcl;?umelhor, colocada jus-t~m~nte n~comumcabtll~ade?~ a ~e~e~e_gu~9P_aqual a.essen-,cia Imgufstlca das coisas e identica a sua essencia espiritual, en-quanto ~ta e comunicavel, torna-se, com este "enquanto", umatautologla. N ao hd um conteUdo da lin gu a, o u da l in gu ag em ; e n-q ua n~ o c om un ic ar ao a lin gu ag em c om un ic a u ma e ss en cia e sp ir i-tual, " : 0 e , u ma c om un ic ab ilid ad e J ur a e s im ple s. As diferencasentre l t~gua~ens sao diferen~ entre meios que se diferenciam,~or assun dizer, por sua densidade, gradualmente, portanto; eISS0 tanto do ponto de vista da densidade daquele que comunica(0 que norneia) quanto do comunicavel (0 nome) na cornuni-ca~ao. Essas duas esferas, perfeitamente distinras, e no entantoumdasna lingua nominal do homem, nao cessam obviamentede se corresponder.

    Para a metaffsica da linguagem, essa equipara~ao entre es-sencia espiritual e essencia linguistica1 a qual s6 conhece diferen-cas de grau, produz urna grada~ao de todo 0ser espiritual. Essagrada~ao, que ocorre no interior da propria essencia espirirualnao sedeixa apreender por nenhuma outra categoria superior, ~conduz consequentemente a uma grada~ao de todas asessencias.. . ,tanto espirrtuars como linguisticas, segundo graus de existenciao~ de ser~como aqueles familiares a escolasrica medieval no quediz res!,el.to a s ~~encias e~pir.itu~is.Mas se essa equipara~ao en-tre essencia espirirual e essencia IlOguistica tern, do ponto de vistade uma teoria da linguagem, um alcance metaffsico tao grandee porque conduz aquele conceiro que sempre voltou a se desta-car, por si so, no centro da filosofia da linguagem e que estabe-

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    Sobre 8 l inguagem em ga ra l e sobre a l inguagam do homem

    leceu a mais Intima liga~ao entre esta e a filosofia da religiao, Estee 0 conceito de r eve la cao . - No inter ior de toda configuracaoIingulstica reina 0 confli to do expresso e do exprimfvel com 0inexprimfvel e 0inexpresso. Ao considerar esse conflito, vislum-bra-se na perspectiva do inexprimfvel, simulraneamente.a ulti-ma essencia espiritual, Ora, e claro que equiparar a essencia es-piritual a essencia lingufstica implica contestar essa relacao deproporcionalidade inversa entre ambas. Pois a tese aqui e a deque quanto mais.profundo, isto e , quanto mais existente e realfor 0esplriro, tanto mais exprimlvel e expresso; nesse sentido, eproprio dessa equiparacao tornar absolutamente unfvoca a rela-

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    Escri tos sobre mito e I inguagem

    llnguas dos objetos sao imperfeitas, e eles sao mudos. A s coisase negado 0pure principio formal da Iinguagem que e 0som. Elass6 podem se comunic~r,l!mas cpm,as:outras pot uma comuni-'dade 'mais ou menos material, Essa comunidad- e imediata einfi~ita,.~~moa de toda c~munica~oJi~gufstica; e1a~ica(p~-~~,~!I!~_e~_~~,.~.~a..~~ia_~a ~ateria). '0que e incompa:r-a_vel na Imguagem humana e-quesua comufiidide iii~gica com as ~coisas e imaterial e puramente es iritual , e disso 0 sfmbolo e 0~om!..t\ Bfblia exprim7eSse' ato simb6 ico quando diz que Deusmsuflou no_homem 0 sopro: que e, ao mesmo tempo, vida eespfriro e linguagem.

    Ao se considerar a seguir, com base nos primeiros capfru-los do Genesis, a essencia da linguagem, nao se pretende realizaruma interpretas:ao da Biblia, nem colocar aqui a Bfblia, objeti-vamenre, enquanro v~rdade reve1~ como base para nossa re-flexao, mas sim indagar 0que resulta quando seconsidera 0texto~o e.~_re1~~

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    Sobre a l inguagem am garal a sobr e a l ingua gam do homam

    Ora, essa singular revolucao do ate criador no que diz res-peito ao homem esta registrada de maneira igualmente.clara naprimeira hist6ria da Criacao. Em urn contexte be,mdiferente,encontra-se tambem, de modo igualmente determinado, a cor-relas:aoespecial que se estabelece entre 0ho~em e a lingu~gema partir do ato da Criacio. A variedade rftmica dos atos cn~do-res do primeiro capitulo deixa pereeber, porem, uma especie demolde basico do qual somente a criacao do homem se destacade modo significative. E bem verdade que nao setrata nunea,nem no caso do homem, nem no da natureza, de uma relacaoexplfcita eom a materia a partir da qual foram criados; e na~ epossivel determinar se as palavras "ele fez" implicam uma cna-s:aoapartir da materia. Mas 0ritmo da c~ias:aoda natureza (con- 'rr :Q'~,~forme Gtneis, 1) e: Haja . .. - Ele fez (criou) - Ele ehamou. - \J!~_:_Em alguns atos criadores (I, 3; 1, 14) intervem unicamente 0 '. ," . f ' 6 d VU~n.f!j""Haja". Nesse "Haja ne no "Ele ehamou ,no I II C IO e no im ,osaros, aparece, a cada vez, a profunda e clara relacao do ato cna-dor com a linguagem. Este comeca com a onipotencia eriadorada linguagem, e ao final a linguagem, por assim dizer, incorpo-ra a si 0criado, ela 0 nomeia. Ela e aquilo que cria, e perfaz, elae palavra e nome. Ern Deus 0nome e criador por ser palavra, ea palavra de Deus e saber por sernome. "E Deus viuque issoeraborn", isto e : ele 0 conh~s.c;u.pelc.nome, A relacao absoluta donome com 0conhe~~t.~.s~ existeem Deus, so nele 0nome,porque ~ i~ti~~~~~eid~ntjco a palavra eriadora, e ~ puro_meiodo conhecimento, Isso quer dizer: Deus tornou asCotsas.~~snos-:cfveisao lhes dar nomes. Mas 0homem s6 nomeia ascoisas na;;Ud~m que as conhece.

    Com a criacao do hornem, 0 ri tmo ternario da criacao danatureza d:i lugar a uma ordem inteiramente outra, A linguage~tern aqui, por conseguinte, outra significacao: 0aspecto ~ern:inodo ato e mantido, mas 0paralelismo ressalta amda mats clara-

    61 '.

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    Esc ri tas sab re m ito e l ingua gem

    mente a distancia; no triplo "ele criou" do verskulo 1,27, Deusnao eriou 0homem a partir da palavra, e e1enao 0 nomeou.26Deus nao quis submete-lo a l inguagem , -mas liberou no homem .a linguagem que the havia servido, a ele, como meio da Criacao.D:us descansou apos depositar no hornem seu poder criador.Pnvado de sua atualidade divina, esse poder criador converteu--se em conhecimento. 0 homeme aquele que'coithece n~- -milJfngua e1ll9ue_Deuscria, Deus criou 0homem a sua ima-~em, eriou aquele que conhece a imagem daquele que cria. E porISS0 que, quando se diz que a essencia espiritual do homem e alinguagem, essa Frase precisa de uma explicacao, Sua essenciaespiritual e a l inguagem em que ocorreu a Criacao. A Crias:aoocorre~ na palavra, e a essencia lingufstiea de Deus e a palavra.T oda hnguagem humana e tao so reflexo da palavra no nome.o nome alcanca tao poueo a palavra quanto 0 conhecimento, aCriacao, A infinitude de toda linguagem humana permanece~em~re de natureza l imitada e analftica em comparacao com ainfinitude absoluta, ilimitada e criadora da palavra divina.

    A imagem mais profunda dessa palavra divina - 0pontoem que a Hngua do homem participa mais intimamente da in-finitude divina da pura palavra, 0ponto em que essaHnguanaopode se tornar nem palavra finita e nem conhecimento - e 0~ome hU~l_l~.:.A teo ria do nome propr~o e a teoria do l imi te dalinguagem fimt~.~!ll.r.~la.s:ao linguagem infinita. Dent~ todosos seres,0homem e 0inico q J . i ~ JI'efe-mesmo u r n nome aos seussemelhantes, assim como e1e e 0unico a quem Deus nao no-meou. Talvez seja ousado, mas decerto nao impossfvel, citar nopresente contexte a segunda parte do versiculo 2, 20: 0homem

    26 Gt . 1 27 "D .nests, : eus cnou 0homern a sua imagem,l 11rnagernde Deusde 0 eriou,1 hornem e mulher e le oser iou", na t raducao da B t b li a d e J e r us a llm .(N. daE.)

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    Sobre a lin guagem em geral e sab re a linguagem do homem

    d " h ~deu nomes a to os os seres, mas, para 0 omem, nao eneon-t rou a auxil iar que the correspondesse". Como de resto Adao. .assim que a recebe, da um nome a sua mulher ( ' tsha, 27 no segun-do capitulo; Eva, no terceiro). Com a doa

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    Esc ri tas sab re m ito e l ingua gem

    mente a distancia; no triplo "ele criou" do verskulo 1,27, Deusnao eriou 0homem a partir da palavra, e e1enao 0 nomeou.26Deus nao quis submete-lo a l inguagem , -mas liberou no homem .a linguagem que the havia servido, a ele, como meio da Criacao.D:us descansou apos depositar no hornem seu poder criador.Pnvado de sua atualidade divina, esse poder criador converteu--se em conhecimento. 0 homeme aquele que'coithece n~- -milJfngua e1ll9ue_Deuscria, Deus criou 0homem a sua ima-~em, eriou aquele que conhece a imagem daquele que cria. E porISS0 que, quando se diz que a essencia espiritual do homem e alinguagem, essa Frase precisa de uma explicacao, Sua essenciaespiritual e a l inguagem em que ocorreu a Criacao. A Crias:aoocorre~ na palavra, e a essencia lingufstiea de Deus e a palavra.T oda hnguagem humana e tao so reflexo da palavra no nome.o nome alcanca tao poueo a palavra quanto 0 conhecimento, aCriacao, A infinitude de toda linguagem humana permanece~em~re de natureza l imitada e analftica em comparacao com ainfinitude absoluta, ilimitada e criadora da palavra divina.

    A imagem mais profunda dessa palavra divina - 0pontoem que a Hngua do homem participa mais intimamente da in-finitude divina da pura palavra, 0ponto em que essaHnguanaopode se tornar nem palavra finita e nem conhecimento - e 0~ome hU~l_l~.:.A teo ria do nome propr~o e a teoria do l imi te dalinguagem fimt~.~!ll.r.~la.s:ao linguagem infinita. Dent~ todosos seres,0homem e 0inico q J . i ~ JI'efe-mesmo u r n nome aos seussemelhantes, assim como e1e e 0unico a quem Deus nao no-meou. Talvez seja ousado, mas decerto nao impossfvel, citar nopresente contexte a segunda parte do versiculo 2, 20: 0homem

    26 Gt . 1 27 "D .nests, : eus cnou 0homern a sua imagem,l 11rnagernde Deusde 0 eriou,1 hornem e mulher e le oser iou", na t raducao da B t b li a d e J e r us a llm .(N. daE.)

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    Sobre a lin guagem em geral e sab re a linguagem do homem

    d " h ~deu nomes a to os os seres, mas, para 0 omem, nao eneon-t rou a auxil iar que the correspondesse". Como de resto Adao. .assim que a recebe, da um nome a sua mulher ( ' tsha, 27 no segun-do capitulo; Eva, no terceiro). Com a doa

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    de nao acontece a partir da linguagem de maneira absolutamenreilimitada e infinita, como ocorre na Criacao; 0nome que 0ho-mem atribui a coisa repousa sobre a maneira como ela se cornu-nica a ele . No nome a palavra divina nao continua criadora; elase torna em parte uma r~

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    I II 'II! !IIIIjlI'i'

    Esc ri tos sob re m ito e l ingua gem

    brora do poeta 0conhecimento de que somente a palavra a par-tir da qual ascoisas foram criadas permite ao homem nomea-las,palavra que secomunica, ainda que mudamente.inas varias lfn-guas dos animais, atravesda seguinte imagem: Deus faz urn si-nal aos animais para que eles, urn a um; se apresentem ao ho-mem para serem nomeados. Assim; de modo quase sublime, acomunidade lingufstica entre a cria~ao.muda eDens' e dada na -imagem do sinal.

    Como a palavra muda, na existencia das coisas, esta infini-tamente longe, e abaixo, da palavra que, no conhecimento do

    , homem, nomeia, por sua vez, esta palavra esta tambem longe\ da palavra criadora de Deus - eis af 0fundamento da pluralida-, de d a s linguas humanas. A linguagem das coisas pode adentraraquela l inguagem do conhecimento e do nome somente na tra-~ - ha tantas tradu~es quanto Hnguasdesde que 0homemcaiu do estado paradisfaco, que conhecia uma so H~~a. (Se bernque, segundo a Bfblia, essa consequencia da expulsao do paraf-so so ira severificar mais tarde.) A Hngua paradisfaca do homemdeve necessariamente ter sido a do conhecimento perfei to, aopasso que mais tarde todo 0c_Q_~h~qm~mQ$~gifet:C::.Q.ga,indauma vez, ao infiniro na multipl icidade da linguagem, e devia sediferenciar , num nfvel inferior , enquanto criacao no nome demodo geral. Que a lingua do parafso tenha sido a lingua do co-nhecimento perfeito e algo que nem mesmo a existencia da ar-yore do conhecimento pode dissimular . Suas macas deveriamproporcionar 0conhecimento daquilo que e bom e daquilo quee mau. Mas no setimo dia Deus ja 0 reconhecera com as pala-vras da criacao: "e era muito bom".29 0 conhecimento para 0

    29 Genesis, 1,31: "Deus viu tudo 0 que tinha fei to: e era rnuito born", narraducao da B { bl ia d e J e r us a llm ; a passagem refere-se ao sexto dia, e nao ao set i-mo, como observa 0 auror. (N. da E.)

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    Sobre a l ingua gem em geral a sobre a l inguagem do.homam

    qual a serpente seduz, 0saber sobre 0q~e e bom e 0que e mau,nao tem nome. Ele e , no sentido mais profundo, nulo; e esse,saber e justamente ele mesmo 0 unico mal que 0 estado para-disfaco conhece. 0 saber sobre 0que e born e 0que e mau naotern aver com 0nome, e urn conhecimento exterior, a imitacaonao criativa da palavra criadora. Nesse conhecimento, 0nomesai de si mesmo: 0pecad?_~r.!w.nale a ho~~4e.nasci,mt:11!p dapa~1!_!!!h':!mana, aquela em que 0n..?~l_!~o vi:v!~r.n.ais~~!l.~~aquela palavra que 'abandonou a_!!I}g!l~q!l:e!()~~la, a lingua queconhece, pode-se dizer: abandonou a sua propria magia ima-nente para reivindicar expressamente seu carater magico, de certomodo, a part ir do exter ior . A palavra deve comunicar , a l g u Y f l a . .coisa (afora si mesma). Esse e realmente 0pecado original doespirito lingufsrico. A p'alavraq_l!_~.c::()mUllica~ ~x~r~().r.~_t;~~~es-samente mediada, e de certa forma uma parodia da paJ,;tv~;!lme-diata, da palavra criadorade Deus: e tambem a queda do espfr i-t;;damico, do esplrito lingufstico bem-aventurado, que.se en-contra entre ambos. Pois ha, de fato, entre a palavra que conhe-ce 0bem e 0mal, segundo a promessa da serpente, e a palavraque comunica do exter ior, uma identidade fundamental : 0 co-nhecimento das coisas repousa no nome; mas 0 conheclmentodo bern e do mal e - no sentido profundo em que Kierkegaard > . " . "entende este termo - uma "tagare!!~(, e este s6 conhece uma iIi'purificacao e uma elevacao (aque tambem foi submetido 0ho- -,'mem tagarela, 0pecador): 0tribunal. Realmente, para a palavraque julga, 0 conhecimento do bem e do m~ e imediato. S~amagia e diferente da magia do nome, mas e 19ualmente magla.Essapalavra que julga expulsa os primeiros hom ens do parafso;des mesmos a incitaram, em conformidade com uma lei eternasegundo a qual essa palavra que julga pune seu proprio desper-tar como a unica, a mais profunda culpa - e e isso que ela es-pera. No pecado original, em que a pureza eterna do nome foi

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    Escri tos sobra mito a l inguagem

    lesada, ergueu-se a pureza mais severa da palavra judicante, dojulgamento. Para pensar 0nexo essencial da linguagem, 0peca-do original possui trfplice sjgnifica~o (para nao mencionar aquiSua_significa~o mais cOJ;Ciqueira)~o sair' dapura l inguagem donome, 0homem transforma a linguagem em meio (asaber, meiopara um conhecimento que nao~14e.eadequado), e com isso atransforma tambern, pelo menos em parte, e~ . 1 1 j f ! ! O ~igno; da],mais tarde, a pluralidade daslfnguas: 0 ~egUndo signifi~do dopecado original e que a partir dele se ergue - enquanto resti-tuis;ao da imediatidade do nome, que nele foi lesada _ umanova imediatidade, a magia do julgamento, que nao mais re-~ousa feliz em si mesma. 0 terceiro significado, que se pode ar-flscadamente supor, seria 0de que tambem a origem da abstra-s;aoenquanro capacidade do espfrito lingufstico deveria ser bus-cada no pecado original . Pois 0bern e 0mal se mantem, semnome e sem poderem ser nomeados, fora da l ingu:agem que no-meia, aquela linguagem que 0homem abandona precisamenteno abismo desse pergunrar ..Ora; com rela~o a Iinguagem exis-tente, 0nome fornece apenas 0solo no qual seus eiementos con-cretos se enraizam. Mas os elementos abstratos da linguagem _talvez seja lfcito supor - tern suas raizes na palavra judicante,no julgamento. A imediatidade30 (ora, essa e a raiz lingufstica)da comunicabilidade propria a abstra~o reside no veredicto ju-dicial. Essa imediatidade na comunicas:ao do abstraro instalou--se como judicante quando 0homem, pela queda, abandonou aimediatidade na comunica~o do concreto, isro e , 0nome, e caiu

    30N .. alo ongm ,os termos empregados nesta passagem guardam semelhan-cas foneticas que nao podem ser reproduzidas em portuguese a saber, Unmittel-barke i t (imediatidade), Mitteilbarkeit (comunicabilidade), Mittelbarkeit (cararermediado), Mitteilung (comunica~o) e Mittt l (meio), (N. da E.)

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    Sobre a linguagam am garal a sobr a a linguagem do homem ,

    no abismo do carater mediado de toda comunicacao, da palavracomo meiq, da ealavra va, no abismo da taga~lic~. Pois - epreciso repetir ainda uma vez- a pergunta sobre 0bem e 0malno mundo depois da Criacao foi tagarelice. A aevore do conheci-mento nao estava no jardim de Deus pelas informacoes que even-tualmente pudesse fornecer sobre 0bern e 0mal, mas sim comoinsignia do julgamento sobre aquele que pergunta. Essa mons-truosa ironia e 0sinal distintivo da origem mltica do Direito.

    Depois da queda, que, ao tornar a l lngua mediada, lancoua basepara sua plural idade, nao era preciso mais que urn passopara se chegar a confusao entre aslfnguas. Como os homens ha-viam ferido a pureza do nome, bastava apenas 0distanciamentodaquela contemplacao das coisas, atraves da qual sua linguagemadentra 0homem, para roubaraos homens a base comum doespfrito lingufsrico ja abalado. Os signos necessariamente se con-fundem, la onde as coisas.s: complic:un' A se~i~ao da lingua na .?,c.\.~tagarelice segue-se a servidao das cotsas na doidice quase como t>consequencia ineviravel. Nesse distanciamento das coisas, que foia servidao, surgiu 0pl:l_!1oa constr~~_4~_~!.~~ ..~~l}~~e.te, comela, a confusao entre asHnguas.

    A vida do homem no puro espfri to da linguagem era bern--aventurada. Mas a natureza e muda. Pode-se perceber com cla-reza, no segundo capitulo do Genesis, queessa mudez, nomeadapelo homem, tornou-se ela propria uma beatitude, ainda que degrau inferior. No poema do pintor Muller , Adao diz a respei todos animais que 0 deixam depois de terem sido nomeados: "epela nobreza com que seafastavam de mim, vi que 0homem Ihesdera urn nome". Mas depois do pecado original, com a palavrade Deus que amaldicoa a lavoura, 0aspecto da natureza altera-se profundamente. Agora principia aquela outra mudez a quealudimos ao falar da tristeza profunda da natureza. E uma ver-dade metaflsica que toda a natureza comecaria a sequeixar seIhe

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    I

    II

    I ' !

    Escrit os sobra mi to e l ingua gam

    Fossedada uma lingua. (Sendo que "dar urna lingua" e bern maisdo que "fazer com que seja capaz de falar".) Essa frase tern sen-tido duple: em primeiro lugar, significa que a- natureza .iria sequeixar da lingua mesma. Ser priv~.fIade linguagem: esse e 0

    ---7 g~~~~.~~~~i~,c:~~o~:t~a~~~eza (e e parat:e~l!li~la ~e a vida e alinguagem do homem esta na natureza;e naO".apenas, -como sesupoe, a vida e a linguagemdo poeea), Em segund"liIgar;essaafirma~ao quer dizer: a natureza iria selamentar. Mas 0Iamen-to e a expressao mais indiferenciada, mais impotente da lingua-gem; ele contem quase s6 0s~~pir.2_!~~{v~!te basta urn rumorde folhagem para que ressoe junto urn lamento. Por ser muda. .-.~,-:. a~~~_r.~ ~t~l~te e se enluta, 3 1 Mas e a inversao dessa Frasequepenetra ainda mais fundo na essencia da natureza: e a tristeza da

    31 No original, "We il s ie s t umm ist; traunt die Natur." 0 verbo traunn e 0substantivo feminino Trauerdesignam a "rristeza", porem, de maneira especffi-ca: a r ri steza oriunda damorte de urnseramado - ou seja, 0estado de luto (dis-tinguindo-se de Traurigkeit , que no alemao corrente designa a rristeza em geral).Ao que parece, Benjamin nao reve conhecimento da importante diferencia~ofeita por Freud entre Trauer e Melancholk. Em seu liveo Unprung des deutschenTrauerspieLr(1928), traduzido por Sergio Paulo Rouaner (Origem do d r ama ba r-rocoa / em3o , Sao Paulo, Brasiliense, 1984), Benjamin enfutiza a rela~o de Trauercom a caducidade, a tristeza e a morte, em oposi~o aomodelo classico da trage-dia (TragOdie) . Para ele, 0 teatro barroco (Trauerspiel) seria urn jogo (Spkl) , umaencena~o do luto (Trauer) , dal a proposes de Haroldo de Campos de traduzi-Iopor "luri-ludio",

    A ideia da tristeza da Natureza, presenre neste ensaio e tambem na filosofiada musica deAdorno, remere a urn estado de Iuto daNatureza ap6s a queda e 0fim do Paraiso; portanro, a uma narrativa blblica queservede refecfuIcia~itualpara devolver ~Natureza uma dignidade ontol6gica subjetiva. Quando 0homem,expulso do Paratso, nao consegue mais reconhecer, atravc!sdo nome, a significa-~o essencia l e boa da Natureza, mas a t rans fo rma nurn o~ jeto .a .s .~!. .g~O e~plorad~, a Natureza e condenada ao sHencio e aoluto, (N. da E.)

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    Sobre a l inguagem em garal a sobra a Iinguagam do homem

    natureza que a emudece. Em todo luto, hiu~a p~ofunda ind~-na~ao para a ausencia de linguagem, 0que e mfifll~ente ~aISdo que uma incapacidade ou uma aversao a comumcar. Assl~,aquilo que e triste sente-se conhecido de p_3!..!e_...~.!~.~~~~cogno~s:{yC!l,:er nomeado - mesmo quando aquele que no~elae se~elh~te aos deuses e bem-aventurado - talvez connnuesempre a ser urn pressagio de tristeza. Tanto mais p.oresse.nomenao provir daquela unica, bem-aventurada e paradisfaca hngu~-gem dos nornes, mas das centenas de lfnguas humanas nas qUaISo nome ji murchou e que, no entanto, segundo a sent~n~ ~eDeus, conhecem ascoisas. As coisasnao tern nome proprio a naoser em Deus. Pois, certamente, na palavra criadora, Deus ascha-mou por seu nome proprio, Em contrapartida, na linguagem doshomens, elas estao sobrenomeadas. Na rela~o entre aslngu~humanas e a das coisas ha algo que sepode designar, de rnanei-raaproximada, como "s~~.r~.!!~'!p-e~, fun~ento lin~sticomais profundo de roda tristeza e (do ponto de VIStada ~olsa)detodo emudecimento. Como essencia lingufstica da tnsteza, asobrenomeacao remete a urn outro aspecto curioso da lingua-gem: a excessiva dererminacao que vigora na trdgica relacao en-tre as linguas dos homens que falam.. .

    Hi uma linguagem da escultura, da pintura, da poesla. As-sim como a linguagem da poesia se funda - se nao unicamen-te, pelo menos em parte - na linguagem de nomes do hom em,pode-se muito bern pensar que a linguagem da escultura ou dapintura estejam fundadas em certas especies de linguagens dascoisas, que nelas, na pintura ou na escu!tura, ocor~a u~a tradu-~o da linguagem das coisas para uma linguagem infinitamentesuperior, embora talvez pertencente a mesma esfera. Tr~ta-seaqui AeHnguas sem nome, sem acu~tica, de l!n~as pr~_p_~~~~

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    Escr it os sobre m ito e l ingua gem

    De resto, a comunicacao das coisas e com certeza de tal tipode comunidade que the permite abracar 0mundointeiro comoum todo indiviso. _ __ _ _ _

    Para 0conhecimento das for~as-artfsticas, vale tentar con-cebe-las todas como linguagens e.buscar sua correlacao com aslinguagensda natureza. Um exemploque seoferece de.imedia-to, por pertencer a esfera acustica, e o parentesco do canto coma li~u~em dos p~s.ru .:0s .Por outro lado, e cerro que a lingua-gem da arte sopode ser compreendida em estreita conexao coma doutrina dos signos. Sem ela , toda e qualquer f ilosofia da lin-guagem permanece inteiramente fragmentaria , pois a rela~oentre linguagem e signo (da qual a relacao entre lfngua humanae escrita constitui apenas urn exemplo muito particular) e origi-naria e fundamental.

    Isso permite definir uma outra oposicao que atravessa todoocampo da linguagem e que apresenta relacoes importantes coma oposicso ja assinalada entre a linguagem em sentido estriroeo signo, com 0qual, e claro, a linguagem nao necessariamentecoincide. Pois de todo modo a linguagem nunea e somente co-municacao do c~munLgyel, mas e , ao mesmo tempo, sfmbolodo nao-comunicl!~l. Esse lado simbolico d a linguagem esta liga-do a sua relacao com 0igno, e estende-se tambem, por exemplo,em certos aspectos, ao nome e aojulgamento. Estes tern nao ape-nas uma funljao cornunicante, mas tambem, com toda probabi-l idade, uma funcao simbolica em estrei ta conexao com esta -a qual nao sealudiu aqui, pelo menos nao de modo explfcito .Resta assim, depois de tais consideracoes, um conceito maisdepurado de linguagem, por imperfeito que ele ainda possa ser.A linguagem de urn ser e 0 ! ! ! ! !E.. em que sua ~~.e!lcia.sspiritualse comuniea. 0fluxo ininterrupto dessa comunicacao percorretoda a natureza, do mais baixo ser existente ao homem e do ho-mem a Deus. 0homem comuniea-se a Deus atraves do nome

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    Sabre a l inguagem em garal e sob re a l inguagem dohomem

    que da a natureza e a seussemelhantes (no nome proprio) , e e~eda nome a natureza segundo a comunicacao que dela recebe, pOLSrambem a natureza toda e atravessada por uma Hngua muda esem nome, residuo da palavra criadora de Deus, que se conser-vou no homem como nome que conhece e paira - acima dele_ como veredicto judicante. A linguagem da natureza pode sercomparada a uma ~enha sec~!. que cada sentinela passa a pro-xima em sua pr6pria Hngua, mas 0 conteudo da senha e a lin-gua da sentinela mesma. Toda linguagem superior e tradus:ao deuma linguagem inferior, ate que sedesdobre, em sua ultima cla-r~;--ap.~~~l_!_~? que e a unidade desse movimento dalinguagem.

    (1916)

    TradUfiio tk Susana Ki tmpffLages

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