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Espaço do Professor de Ensino Superior na Rede:
Oportunidade, compromisso e esperança
O COMPROMISSO
Valério G. Schaper
Fac. EST
Tecnodohms
Introdução
Que relação há entre educação e compromisso? Entendo que a educação – em suas dimensões
(informal e formal) – é a forma que usamos para estabelecer compromissos entre uma geração e outra.
Uma geração transmite à outra os instrumentos e os valores que a guiaram na esperança de que siga vinculada/comprometida com estes elementos.
I – O “crepúsculo do dever” ou o paradoxo do vínculo
O que significa o compromisso hoje? Profissional de marketing: “vivemos na era
da infidelidade”.Há uma interdição ao compromisso em
nossa época?Quero apontar para pontos de
convergência no pensamento de dois autores: Lipovetsky e Bauman.
Lipovestky: a) o esvaziamento da noção dever e o inchaço
da noção de “direito” do indivíduo; b) uma moral “sem obrigações nem sanções”; c) uma moral indolor e não imperativa; d) a consagração da noção de um dever mínimo
e livre. Síntese: Uma moral não-imperativa fragiliza a
criação de vínculos ou de compromissos duradouros.
Bauman: a) a solidez das coisas e a solidez das
relações humanas - uma ameaça; b) vínculos limitam a liberdade de
movimento e reduzem a capacidade de agarrar as novas e ainda desconhecidas oportunidades;
c) se temos muito peso e muita carga (vínculos) alçamos vôos de galinha;
d) queremos laços “frouxamente atados” e que possam ser facilmente “desfeitos”;
Síntese: Tendo destruído sistematicamente o peso contingente dos vínculos, o indivíduo da modernidade tardia parece incapaz de criar vínculos duradouros e de se comprometer de forma permanente.
O paradoxo: a) Temos “obsessão por conexão” - conexão
estável – mas queremos sair delas como a mesma velocidade com que entramos;
b) queremos pertencer, queremos vínculos, mas temos medo da proximidade, medo de sofrer;
c) o que mais angustia empresas, escolas, serviços é a bendita “fidelização” do cliente, mas todos queremos também que estejam dispostos a novas experiências.
Síntese: Somos prisioneiros de uma trágica condição: queremos desesperadamente a relação, o vínculo, mas nos apavoramos diante da possibilidade de ficarmos ligados, conectados, de forma permanente.
Resumindo: o paradoxo trágico
Para resumir este primeiro ponto, podemos dizer o seguinte:
a) Não há uma interdição ao compromisso em nosso tempo.
b) Seria mais acertado falar de um paradoxo trágico: queremos e tememos os vínculos, os compromissos.
c)Portanto, admitimos o compromisso “light”.
d) O compromisso é suportável desde que destituído do seu princípio ativo: a duração.
II – O que é mesmo educação?
No auge da modernidade educação assentava-se sobre dois pressupostos básicos:
a) o saber, o conhecimento era uma representação fidedigna da ordem imutável do mundo;
b) a transmissão deste saber via educação concedia grande vantagem aos destinatários.
Nosso contexto de modernidade tardia:
a) repele fortemente a idéia de comprometer-se com bens duráveis (materiais e espirituais);
b) a promessa contida na idéia de acumular cultura, conhecimento, educação soa assustadora ou inútil;
c) o sentido histórico da educação como forma de compromisso entre gerações está ameaçada;
Uma imagem para a educação: mísseis balísticos e mísseis inteligentes.
Síntese: - cabe à educação possibilitar ao indivíduo fazer
escolhas e agir coerentemente; - ele deve estar apto a reconstruir os vínculos entre
as pessoas e a empenhar-se junto com outros para construir uma convivência real e viável (espaço público);
- Em suma, a educação deve renovar sua incumbência de levar o indivíduo a comprometer-se num tempo de compromissos frágeis.
III – Comprometer-se é prometer
A palavra compromisso (em latim compromissus) é o particípio passado do “compromittere”:
a) Com - “em companhia de”; “juntamente com”, “com a ajuda de”.
b) Pro - “à frente”, “diante de de, defronte de, em presença de”;
c) Mittere - “mandar”, “enviar”; “lançar”, “arremessar”.
Resumindo:
a) compromitto/compromisso significa colocar ou enviar algo ou alguém adiante na companhia de alguém ou com a ajuda de alguém;
b) “compromissus” eram pessoas enviadas à frente para agir em nome de alguém, inicialmente em questões militares, depois em propostas de casamento.
c) Os “compromissus” eram a garantia de que seria cumprido o que foi combinado pelos enviados. Depois passou a significar o acordo em si.
Neste sentido, todo “compromisso” inclui também uma “promessa”, isto é algo que enviamos para diante ou colocamos diante de nós e que estamos dispostos a fazer.
Não há compromisso que não seja ao mesmo tempo uma atividade social, uma vez que só é possível na companhia de outros.
Na linguagem dos Áugures, sacerdotes romanos, o verbo “promitto” tinha também o sentido de “colocar diante dos olhos”, no sentido de “predizer” o futuro.
Em síntese: a) com o termo compromisso expressamos
que, na companhia de outros, colocamos diante de nós, dos nossos olhos aquilo que une, vincula, ata. Não se trata de mera conexão, mas relação.
b) Recuperando, o sentido religioso da palavra no uso que tinha nas artes divinatórias, por incluir a noção de predição, o compromisso encerra uma idéia de futuro. Não uma idéia vaga, mas uma idéia do que nós, em cooperação, nos propomos como meta a que nos submetemos.
c) No compromisso somos vinculados não por uma determinação externa ou o imperativo exógeno, mas por aquilo que colocamos diante dos nossos olhos e que vai adiante de nós, sendo o que nos guia e, ao mesmo tempo, o que pretendemos realizar na medida que nos submetemos a isso.
IV – O sentido político do compromisso: porque prometemos, podemos esperar
A promessa, no entender de Arendt, tem uma dimensão política.
Portanto, a política está entre nós como uma promessa em cumprimento (contínuo e renovado), mas também diante de nós, como promessa a ser realizada, uma vez que é promessa que fazemos uns aos outros.
A promessa da política efetiva-se entre nós enquanto a política é evento no qual a pluralidade dos seres humanos engendra ações que inauguram o novo
O novo é aquilo que pode ser colocado adiante, que pode crescer, ainda que fragilmente, para diante, vinculando-nos, comprometendo-nos.
Arendt lembra que somos capazes de fazer e cumprir promessas.
Esta capacidade humana de comprometimento pode criar “ilhas de segurança no oceano de incertezas futuras”.
Conforme Arendt, o perdão livra a ação do trágico círculo vicioso da repetição sem novidade;
A promessa descortina a possibilidade de continuidade e de alguma durabilidade nas relações entre os seres humanos.
Podemos assim superar o paradoxo trágico do compromisso moderno que nos condena uma espera sem esperança.
O tênue fio do comprometimento coloca a ação no horizonte diáfano da promessa e, porque podemos prometer, podemos, então, esperar. Estamos aí no limiar da esperança.