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FUNDAMENTOS DA PRÁTICA DE ENSINO NA CONCEPÇÃO DA “PRÁXIS” Luiz Antonio de Oliveira 1 Resumo Esta proposta pretende pensar o desafio que se estabelece entre o pensamento pedagógico desenvolvido no Curso de Formação Docente – Modalidade Normal diante da política para a educação proposta pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná e o que acontece nas escolas de 1ª a 4ª anos do Ensino Fundamental. Num confronto entre as motivações que levam às construções pedagógicas contraditórias já a partir das orientações da Prática de Ensino frente aos princípios pedagógicos para a formação docente definidos pela SEED-Pr, bem como para os outros segmentos do Ensino Básico: o trabalho como princípio educativo, a práxis como princípio curricular, o direito da criança ao atendimento escolar. Palavras-chave: formação docente, prática de ensino, trabalho, práxis, princípio curricular.. 1. Contextualizando a discussão Este é um texto sobre a formação de professores, com referência e base de análise na Formação Docente no Ensino Médio. Nasceu de uma discussão proposta no PDE-Pr. Que teve por objeto a Prática de Ensino numa perspectiva histórico-crítica. O que motivou o interesse pelo objeto em questão foi o fato do projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Cristo Rei, em Cornélio Procópio-Pr, estabelecer como base teórica da formação docente o materialismo histórico. A proposição inicial era promover um levantamento por meio de 1 Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1994) e graduação em Pedagogia pela Fundação Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras Cornélio Procópio (1993). Atualmente é professor QPM e pedagogo QPM nos quadros da Secretaria de Estado da Educação, lotado no Colégio Estadual Cristo Rei em Cornélio Procópio-Pr, participante do GEPEDUC (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação da FAFICOP (Cornélio Procópio) e Acadêmico do Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na Formação de Professores e Ensino Médio.

Estágio Curricular supervisionado na concepção da “práxis” · FUNDAMENTOS DA PRÁTICA DE ENSINO NA CONCEPÇÃO DA ... Um novo conceito de cidadania acaba sendo imposto: cidadão

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Page 1: Estágio Curricular supervisionado na concepção da “práxis” · FUNDAMENTOS DA PRÁTICA DE ENSINO NA CONCEPÇÃO DA ... Um novo conceito de cidadania acaba sendo imposto: cidadão

FUNDAMENTOS DA PRÁTICA DE ENSINO NA CONCEPÇÃO DA

“PRÁXIS”

Luiz Antonio de Oliveira1

Resumo

Esta proposta pretende pensar o desafio que se estabelece entre o pensamento pedagógico desenvolvido no Curso de Formação Docente – Modalidade Normal diante da política para a educação proposta pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná e o que acontece nas escolas de 1ª a 4ª anos do Ensino Fundamental. Num confronto entre as motivações que levam às construções pedagógicas contraditórias já a partir das orientações da Prática de Ensino frente aos princípios pedagógicos para a formação docente definidos pela SEED-Pr, bem como para os outros segmentos do Ensino Básico: o trabalho como princípio educativo, a práxis como princípio curricular, o direito da criança ao atendimento escolar.

Palavras-chave: formação docente, prática de ensino, trabalho, práxis, princípio curricular..

1. Contextualizando a discussão

Este é um texto sobre a formação de professores, com referência

e base de análise na Formação Docente no Ensino Médio. Nasceu de

uma discussão proposta no PDE-Pr. Que teve por objeto a Prática de

Ensino numa perspectiva histórico-crítica. O que motivou o interesse

pelo objeto em questão foi o fato do projeto Político Pedagógico do

Colégio Estadual Cristo Rei, em Cornélio Procópio-Pr, estabelecer

como base teórica da formação docente o materialismo histórico.

A proposição inicial era promover um levantamento por meio de

1 Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1994) e graduação em Pedagogia pela Fundação Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras Cornélio Procópio (1993). Atualmente é professor QPM e pedagogo QPM nos quadros da Secretaria de Estado da Educação, lotado no Colégio Estadual Cristo Rei em Cornélio Procópio-Pr, participante do GEPEDUC (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação da FAFICOP (Cornélio Procópio) e Acadêmico do Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na Formação de Professores e Ensino Médio.

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entrevistas e questionários juntos aos professores de Prática de Ensino

e Metodologias que nos permitisse estabelecer o perfil do curso

naquelas especificidades. E a partir daí, propor textos, ações,

discussões, entre outras ações e instrumentos que possibilitassem um

encaminhamento mais próximo da fundamentação teórica assumida

oficialmente no PPP e Propostas Curriculares. O desinteresse, o

descaso, a resistência evidenciada por parte de boa dos profissionais

em colaborar com esse processo, exigiram que se conduzisse um outro

Plano de ação na Escola. Foi assim que alteramos a proposta inicial no

PDE por uma outra. Nessa resistência evidenciou a primeira certeza: a

condução das Metodologias e da Prática de Ensino não segue numa

perspectiva histórico-crítica, uma vez que em grande parte não se

abrem à discussão os agentes educativos que aí atuam, sobretudo

porque se sentem invadidos por problematizações que alterariam suas

tranqüilidades. Ou seja, confirmar-se uma fragilização da função

específica da escola notadamente pelas pedagogias de projetos.

A relevância da discussão aqui proposta se dá pela necessidade

em se constituir uma rede de educação comprometida como um projeto

alternativo de sociedade baseado na oferta da educação para todos.

Sem o que, a educação se torna um dos mecanismos de segregação, de

contingenciamento social em função de um projeto sócio-econômico

seletista e excludente com base em competências e habilidades a

serviço do neoliberalismo intelectual, social e econômico. Contexto em

que a educação, mais uma vez, corre o perigo do ecletismo: tentar

conciliar o inconciliável, separação entre a atitude científica e a atitude

docente, processo oficializado nos PCN2 e no RCNEI3, que tem em

nosso entendimento produzido a banalização da função social da

educação escolar.

CZERNISZ & BUENO (2005) analisam como o modismo das

2 Parâmetros Curriculares Nacionais.3 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

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competências na educação se desenvolveu a partir dos anos 90 do

século XX representando um processo de treinamento de adaptação do

sujeito ao contexto da flexibilização produtiva atingindo em cheio as

propostas de reformas educacionais de então. Reformas cuja função

principal foi possibilitar a inclusão de conceitos, práticas e métodos de

polivalência e empregabilidade. As reformas educacionais acontecidas

no Brasil nos últimos anos foram engendradas dentro das necessidades

econômicas de produção e lucro, tendo a pedagogia das competências

o papel de subserviência ao capital no processo de construção da

condição de adaptabilidade dos indivíduos. Tendência ainda muito forte

em autores que continuam sendo usados na fundamentação de PPPs4,

entre os quais citam Juan Carlos Tedesco com seu “Novo pacto

educativo”.

No Brasil o ideário de competências como solução dos problemas

no trabalho contemporâneo foi inserido oficialmente na educação pela

LDBEN5 (Lei 9394/96): os conteúdos como base foram substituídos pelo

construtivismo de base piagetiana. É apologia da tecnologia e das

informações sobre o trabalho e educação daí advindas (determinismo

tecnológico). São fixadas metas como mudança educacional,

reestruturação produtiva que irão incidir na precarização do trabalho.

É um processo que estabelece a construção de uma perspectiva

individualista e competitiva que culpa o indivíduo pelo insucesso no

mundo do trabalho e absolve o Estado, e responsabiliza a sociedade da

responsabilidade de oferta de trabalho (emprego). Neste contexto, a

função da educação em geral e da educação escolar em particular é

promover a adaptação ao processo de flexibilização da economia que

mantém do modelo taylorista-fordista o controle de forma acelerada

pelo advento das tecnologias da informática. Um novo conceito de

cidadania acaba sendo imposto: cidadão é aquele que está em

condições de adaptabilidade ao mercado produtivo, aquele que adquire

4 Projetos Políticos Pedagógicos.5 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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condições de consumo.

O relatório Delors da Unesco evidencia bem essa realidade dos

saberes adaptados à civilização cognitiva (2000, p. 89). Cria-se a

concepção de um contexto único que desmaterializa o conhecimento.

Idéias que influenciaram profundamente a essência dos DCNEM6

(Parecer 15/98), focando sensibilidade, identidade e igualdade. Sujeito

e autonomia são pensados para a capacidade adaptativa (o novo

conceito de cidadania); bem como os DCNEP7 (Parecer 16/99) que está

fixado sobre a competitividade e o desenvolvimento econômico:

qualificação segundo as perspectivas do capital e transferência de

responsabilidade para os indivíduos na busca de emprego, educação e

qualificação. É a individualização da cidadania. A revogação do Decreto

2.208/97 e o advento do 5.154/2004 que propõe a integração do Ensino

Médio e Profissional possibilitam uma perspectiva

emancipadora/emancipatória, respeitando a diversidade brasileira

segundo Frigotto et alii (2004, p.14).

Aos educadores, e em essência aos educadores formadores de

educadores, cabe a responsabilidade de definir uma concepção de

educação para a emancipação do homem e a sociedade nesse contexto

de contradições existentes, onde não se promova a adaptação, mas a

problematização da realidade e dos conteúdos na busca das

possibilidades de superação.

De outro lado, enquanto as disciplinas de fundamentação optam

por uma linha com base no materialismo histórico e pedagogia

histórico-crítica, esta não é uma realidade presente no

encaminhamento de Prática de Ensino em sua totalidade, mas se

apresenta de forma esparsa. A intenção é promover uma discussão

desta questão, e avançar neste sentido quanto à condução da Prática

6 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.7 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico.

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de Ensino, que deve ser focada numa perspectiva que possibilite a

definição de uma consciência da prática que leve à procura de

conhecimento teórico possibilitando um refazer-repensar. “A tomada

de consciência sobre essa prática deve levar o professor e os alunos à

busca do conhecimento teórico que ilumine e possibilite refletir sobre

seu fazer prático cotidiano” (GASPARIN, 2005, p. 6).

2. Especificidade da educação escolar

Qual é a especificidade da educação escolar? Qual é a

especificidade da educação pública escolar? Pensar a formação de

professores exige discutir o entendimento da especificiadade da

educação pública, uma vez que esta está posta para atender todo

cidadão, mas de uma forma especial na educação brasileira, aos filhos

da classe trabalhadora. Tratar da formação de professores exige pensar

essa questão, sobretudo quando das temáticas dea. A perspectiva aqui

proposta, fundamentando um projeto de pessoa, cidadão e sociedade

opta pela resposta dada por Saviani (1992, p. 19-30). Compreender a

natureza da educação exige compreender a natureza do homem: o homem

é uma produção contínua. Na medida em que transforma a natureza,

exerce uma atividade intencional que recebe o nome de trabalho. Essa

transformação leva à transformação do homem. O trabalho nasce da

necessidade de sobrevivência diante do desafio de transformação da

natureza. Esse processo gera cultura. A educação situa-se como

exigência do trabalho: é um trabalho. É uma ação intencional que

provoca transformações. A necessidade de produzir a subsistência

material gera a produção material, que, por sua vez gera a antecipação da

produção/ação. Essa antecipação é a representação mental que se gera a

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partir do conhecimento / ciência do mundo real que, por sua vez gera

posicionamento (valoração/ética) e produz uma simbologia (uma forma de

expressar-se). A produção material gera uma produção não-material:

conceitos, idéias, valores, dentre outros.

Este não é um questionamento novo. A escola vivencia já há um

bom tempo um processo de esvaziamento de conhecimentos científicos.

Consequentemente este vácuo está sendo preenchido com bandeiras

temporárias de governos; superficialidades e frivolidades por conta de

professores maus constituídos do ponto de vista do saber científico e

das possibilidades da metodologia de ensinar e de aprender;

responsabilização por papéis que deturpam tal razão específica de ser.

Diante deste quadro, mais do que nunca se tem constituído numa

escola como aparelho ideológico do Estado, da sociedade e

particularmente da mídia. A formação de professores, por exemplo,

assumido essa superficialidade na medida em que se abre mão do

conhecimento científico e se perde em programas de auto-ajuda e

concepções de que sua missão seria salvar o mundo da falta de ética e

de amor. Decididamente, escola não é lugar de formação para o amor

quando o maior sinal de desamor se expressa na desigualdade social

que é estrutural na falta de compromisso com o saber científico que os

meninos e meninas deveriam apreender para poder construírem novos

conhecimentos no enfrentamento de problemas e dificuldades. Sem

esse compromisso com a ciência a escola não cumpre o seu fim de

ensinar a pensar corretamente, o seja, a pensar com observação

experimental, de forma organizada e metódica.

Uma pseudo-concepção de escola nova tem se instalado nas

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escolas brasileiras, constatação que apontam pesquisas acadêmicas e

observação participante não sistematizada nestes anos de profissão.

Não é um fenômeno novo, nos anos de 1890, o Dr. Caetano de Campos

já afirmava esta preocupação quando então era diretor da Escola

Normal do primeiro governo republicano paulista (governador Dr.

Prudente de Moraes).

Não há (sic) ‘ordem’, não ha ‘progresso’ onde a anarquia mental, direi melhor, onde a selvageria da ignorancia(sic) imperar em absoluto, sob o pretexto de que cada um tem o direito de não aprender, ou de só aprender o que ele, ignorante, julga preciso (in MOACYR, 1942, p.90).

Descontextualizamos a afirmativa que pelo autor é usada para

tratar das dificuldades inerentes ao seu tempo quando se pensava que

ofertando a escola públicas das primeiras letras se estavam fazendo

muito, não sendo necessária a oferta dos patamares superiores do

ensino onde se privilegiaria o enfoque científico. Mesmo assim, seu

posicionamento não é de todo inadequado ao que aqui tratamos.

Tratar da formação de professores exige pensar essa questão,

sobretudo quando das temáticas de Prática de Ensino. Em nossa

perspectiva, fundamentando um projeto de pessoa, cidadão e sociedade

optamos pela resposta dada por Saviani (1992, p. 19-30). Compreender

a natureza da educação exige compreender a natureza do homem: o

homem é uma produção contínua. Na medida em que transforma a

natureza, exerce uma atividade intencional que recebe o nome de

trabalho. Essa transformação leva à transformação do homem. O trabalho

nasce da necessidade de sobrevivência diante do desafio de

transformação da natureza. Esse processo gera cultura. A educação

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situa-se como exigência do trabalho: é um trabalho. É uma ação

intencional que provoca transformações. A necessidade de produzir a

subsistência material gera a produção material, que, por sua vez gera a

antecipação da produção/ação. Essa antecipação é a representação

mental que se gera a partir do conhecimento / ciência do mundo real que,

por sua vez gera posicionamento (valoração/ética) e produz uma

simbologia (uma forma de expressar-se). A produção material gera uma

produção não-material: conceitos, idéias, valores, dentre outros.

Pensar a educação como ensino exige não separar produto e

produtor. A educação é uma atividade produtiva não-material na qual

não se pode separar produtor do consumo. A produção não-material

interessa à educação como necessária aos homens para a constituição

da natureza humana. Por isso a educação tem como uma de suas

funções a identificação dos elementos culturais que devem ser

assimilados para humanizar os homens, e outra função tão fundamental

quanto essa é identificar as formas de como realizar essa tarefa. Entre o

que é essencial e o acidental é importante a noção de "clássico" na

escolha dos conteúdos. O que se deve entender como clássico? Aquilo

que garante o acesso aos elementos da humanização. Aqui está o ponto

que define o papel específico da escola e da educação: a socialização

do saber sistematizado. O conhecimento científico, elaborado, deve

superar o conhecimento espontâneo; o conhecimento sistematizado deve

superar o conhecimento fragmentado, a cultura erudita deve fazer

avançar o conhecimento popular. A função da educação escolar não é a

doxa (opinião cotidiana) nem a sofia enquanto experiência de vida, mas

o conhecimento metódico e sistematizado (episteme).

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O que justifica a existência da escola? A apropriação do

conhecimento sistematizado e de forma metódica pelas novas gerações.

É função da escola possibilitar a aquisição dos instrumentos de acesso

a rudimentos do saber sistematizado (cultura erudita = letrada):

aprender a ler e escrever, aprender a linguagem dos números, aprender

a linguagem da natureza; aprender a linguagem da sociedade. Sem o

acesso ao saber sistematizado fica comprometida a democratização. Nesse

processo de esclarecimento é necessário repensar o conceito de

currículo assumido. Muitos conceitos justificam um elenco de

atividades, justificam fazer de tudo, menos a função específica da

escola: transmissão / assimilação de conhecimentos sistematizados.

Atividades extra-curriculares, por exemplo, só têm sentido se

enriquecem as atividades curriculares (o conhecimento sistematizado).

Do contrário serão sempre atividades alheias à função da escola.

A função principal da escola é passar do romantismo para o clássico,

para o racional, para o que permanece, para o que resiste ao tempo e à

discussão. O que seria o clássico na escola? A transmissão-assimilação

do saber sistematizado, bem como a organização de métodos que o

tenham como meta. Nesta perspectiva, currículo é a escola desenvolvendo

a função que lhe é própria. No exercício do que lhe é próprio, a escola

deve definir o "saber escolar": a organização da dosagem e da

sequência com que se deve trabalhar o saber sistematizado (científico)

para que possa ser transmitido e assimilado. O descompasso com essa

missão explica os equívocos da Escola Nova e a decadência da Escola

Tradicional. No processo de humanização do homem, a liberdade depende

de certos domínios, de certos mecanismos, de concentração e esforço que

sempre antecedem a automatização (exemplo do dirigir). Dominar

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mecanismos de linguagem escrita e oral exigem a integração ao nosso

ser de certas formas básicas (internalização): aprender é hábito,

disposição permanente, processo deliberado e sistematizado, que exige

insistência e persistência. Quais são os elementos culturais dos quais não

podemos abrir mão para que se possa contribuir com a humanização dos

homens? O que deve ser essencial em educação? O que é acidental? O que

existe de conhecimento sistematizado e metódico na educação escolar?

3. Educação na perspectiva de análise histórico-crítica

A formação de professores é um problema sociológico que deve

se basear na formação da dimensão política e científica, com

supremacia da segunda. No Estado do Paraná, a opção por uma sólida

formação a partir do materialismo histórico como origem de teorias do

conhecimento fundamentadas no trabalho como princípio educativo, na

práxis como princípio curricular e no direito da criança a uma escola

de qualidade social, demanda aprofundar a compreensão destas

categorias de análise no curso de Formação de Professores.

O que é ter o trabalho como princípio educativo? É conceber

o trabalho como presente na definição ontológica do ser humano. É

assumir o trabalho como uma produção histórica, portanto pertencente

à definição de homem: o que caracteriza o humano é a criação das

condições materiais e específicas da existência. A educação é um

trabalho, uma realização histórica, marcada pela possibilidade de

reprodução e transformação social. Sendo a emancipação um dos

objetivos da educação, isso se dá na produção e apropriação coletiva

dos saberes. Educar é libertar tudo o que impede a existência do ser

criativo e reflexivo.

O conhecimento para o materialismo histórico é fruto da relação entre o homem e a natureza, e, das relações

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sociais mais amplas. As forças sociais que se materializam em instituições, grupos, formas de pensar e interpretar o mundo são a base sobre a qual criam-se os instrumentos de apreensão dos fenômenos naturais e sociais. Quando afirmamos que o trabalho é o princípio educativo que orienta o currículo, estamos dizendo que compreendemos essa produção histórica como parte da totalidade trabalho, no sentido ontológico, ou seja, elemento pertencente ao ser humano. Ser humano significa que criamos para viver e sobreviver. Criamos as condições materiais e espirituais de nossa existência. (SILVA, 2003, 13).

Consciência do trabalho como processo de construção intelectual,

social e histórica é compromisso com o direcionamento e construção de

um homem autônomo e social. Na construção da dimensão humana,

trabalho é uma necessidade para a sobrevivência consciente e a

liberdade. O trabalho é elemento constitutivo, fundante, na definição

da realidade da essência humana (um ser que constrói e constrói-se

permanentemente). No trabalho se faz presente na dimensão educativa

da criação e da recriação econômica, cultural, de respostas às

necessidades de cada tempo e lugar.

Nesta concepção de trabalho o mesmo se constitui em direito e dever e engendra um princípio formativo ou educativo. O trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres humanos são seres da natureza e, portanto, têm necessidade de alimentar-se, proteger-se das intempéries e criar seus meios de vida. É fundamental socializar, desde a infância, o princípio de que a tarefa de prover a subsistência e outras esferas da vida pelo trabalho, é comum a todos os seres humanos, evitando-se desta forma, criar indivíduos ou grupos que exploram e vivem do trabalho dos outros. (FRIGOTTO, 2005, 3)

O que é ter a práxis como princípio curricular? É pensar a

elaboração e reelaboração da realidade (pensar a existência humana)

como uma atividade humana e social demarcada pelo contexto

histórico. Daí a necessidade de constante reelaboração teórica e

material da prática docente.

[...] Pensar a práxis como princípio curricular significa...

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comprometer-se com a transformação da realidade da educação: ensino médio, formação de professores, educação infantil e ensino fundamental. O objetivo é tornar as práticas docentes como objetos de estudo e de transformação da realidade educativa... Contudo, o esforço deverá ser no sentido de configurarmos um espaço educativo que leve a essa compreensão e ação da superação da realidade.” (SILVA, 2003, 15).

O conceito de práxis ultrapassa a definição de prática: é ação

mediatizada/refletida e intencional; constituída de valores escolhidos

por um homem histórico. É um agir intencional, com desejo de

transformação. Em se tratando da educação, e especificamente da

educação de professores é preciso pensar uma teoria dialética do

conhecimento, na qual o processo de conhecimento tem como ponto de

partida a prática social. É a teoria em função do conhecimento

científico da prática social que serve como guia para ações

transformadoras.

Se a teoria dialética do conhecimento afirma que; 1º o processo de conhecimento tem como ponto de partida a prática social; 2º a teoria está em função do conhecimento científico da prática social e serve com o guia para ações transformadoras e 3º a prática social é o critério de verdade e o fim último de todo processo cognitivo, a concepção metodológica dialética adota o mesmo paradigmas, qual seja – 1º) partir da prática; 2º) teorizar sobre ela e 3º) voltar à prática para transformá-la. (CORAZZA apud GASPARIN, 2005, p. 6)

O que é o direito da criança ao atendimento escolar? É um

direito social (por isso, um compromisso com as classes trabalhadoras/

populares) a uma escola de qualidade social e um dever do Estado que

impõe a responsabilidade deste na formação intelectual adequada do

professor (aquele que constrói consciência do projeto educacional e

participa de sua elaboração). As crianças das classes trabalhadoras

“têm direitos sociais que devem ser respeitados; para que isso

aconteça é preciso que haja uma rede de escolas e professores com

formação adequada para garantir a socialização dos saberes, condição

para a emancipação dessas crianças e de suas classes sociais.” (SILVA,

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2003, 16).

Num histórico processo de fragilização da educação, as novas

demandas sociais aparecem como uma reação importante evidenciada

na luta das classes trabalhadoras. É certo que a escola não faz

transformação social por si e a partir do que faz em sua especificidade.

Entretanto, transformação social só será promissora e sólida com o

acesso ao saber científico, social e historicamente construído, elemento

fundamental às conquistas no processo. Negar o acesso a um saber

com tal qualidade é comprometer o futuro da luta da classe

trabalhadora, e dos excluídos.

Sendo o aprender uma condição definidora do homem

(CHARLOT, 2000), este é o único ser entregue a si mesmo num mundo

pré-existente. Não está entregue à natureza como constituição e

definição de seu ser; daí que a construção do saber e da relação com os

saberes é específica no sujeito e seus contextos. Por essência o homem

precisa aprender. É uma questão de sobrevivência, de sobrevivência de

existência. Aprender é condição humana para existir. É no processo do

aprender que o homem é inserido no mundo humano pré-existente. Ele

é o único ser cuja existência está entregue a ele mesmo. A

aprendizagem do ser humano é uma condição de temporalidade que se

define a partir de situações, influências e necessidades. Aprender é

uma exigência da condição humana em um tempo determinado que só

é possível em função de um passado. O humano sobrevive muito mais

em função do passado do que do futuro. O próprio processo do futuro

depende da dinâmica da relação com o passado. Não existe ensinar e

aprender sem essa dimensão do passado, sem a mediação com o

passado, portanto sem o envolvimento do aluno, que é sempre mediado

e determinado em um contexto de espaço e tempo. O processo do

aprender e conseqüentemente a produção dos saberes escolares (do

processo, do conteúdo, do entendimento da função e especificidade da

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disciplina) na sua relação com os múltiplos saberes que se fazem

presentes na realidade social e educacional, por professores e alunos, é

complexo e contínuo que exige consentimento entendido como desejo.

Aprender e produzir saberes envolve opção por fazê-lo. Daí vem a

interrogação: de onde e como surge esse desejo? É possível provocá-lo,

instigá-lo? É possível despertar esse desejo? Quais os desejos que são

provocados por uma opção histórico-crítica? Quais são os desejos

provocados pela proposta de desescolarização (pedagogia do aprender

a aprender)?

Considerar que aprender exige desejo para, nos coloca diante de

uma encruzilhada existencial para a educação escolar. A de que, no

mínimo, ela não pode ou não deveria ser imposição. De outro lado, se é

obrigação do conjunto humano garantir a sobrevivência da humanidade

através da transmissão de saberes constituídos, como processar isso

quanto à necessidade de desejo? Se uma das finalidades da educação é

levar o aluno a produzir conhecimento, a existência do desejo se

apresenta como pré-condição. A experiência mostra que esta pré-

condição nem sempre se faz presente; indaga-se: como se deverá agir?

Será possível produzir conhecimentos e saberes e transmiti-los? Será

correto afirmar que se transmite conhecimento? Não seria melhor falar

em transmissão de informação? E estes termos não seriam só uma

manipulação lingüística de vocábulos? Não seriam a mesma coisa?

Não, se o entendimento em questão for o de inteligibilidade,

aclaramento, comunicabilidade, conjunto de relações. Parece, então,

que o que escola tem feito é transmitir informação e não conhecimento

em forma de saberes. Saberes dizem respeito a uma condição de

reflexão, o que dependeria da vontade (desejo) a produção de saber ou

transmissão-assimilação de informação? É possível fazer o aluno

produzir conhecimento?

Isso faz pensar na temática dos saberes significativos ao

aluno? O que é isso? Como deve ser pensada esta relação significativa?

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Ou a aprendizagem seria uma atividade solitária? O perguntar pelo

conteúdo significativo envolve pensar no fundo teórico que precisa

estar claro, uma vez que gera a pergunta e encaminha a resposta. É

significativo em que bases?

O ato de aprender tem sido submetido a teorias e propostas as

mais variadas, e com muita facilidade os responsáveis pela educação

têm embarcado em propostas diversas e contraditórias. Contraditórias,

sobretudo, no que concerne ao entendimento da especificidade da

escola pública. O professor tendo sido vítima, mas ao se descobrir

vítima precisa pensar-se como agente da história. O professor precisa

entender-se como “gerenciador” de condições do trabalho educativo

que leve os educandos ao encontro das competências de que precisa,

não aquelas que estão definidas nos manuais e na oficialidade. È na

sala de aula que acabam sendo processadas ou não aquelas ações que

permitirão ou não o aprimoramento do ato do aprender e das relações

do aprender. Contribuição que não pode ser entendida de forma

isolada, mas que socialmente estará sempre agregada a outras

influências e circunstâncias que permitirão a valorização e o

reconhecimento da diversidade das influências presentes no processo

educativo.

Um dos problemas da educação a ser enfrentado é exatamente o

das modalidades, dos tipos de relação com o saber. Qual o tipo de

relação que interessa? Qual tipo de relação está sendo evidenciado nas

práticas educativas escolares? Causadora de prazer? Provocadora de

sentido e desejo? As respostas demandam conseqüências pedagógicas

decisivas. O que não se pode esquecer é que a “a função central da

escola é instruir, mas ela participa da educação e é também um espaço

de vida” (CHARLOT, 2000, p.67). Não pode deixar perder de vista na

ação pedagógica que o aprendizado envolve relações entre pessoas de

gerações e perspectivas diferenciadas (importância de investir no

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relacionamento), momentos históricos e lugares específicos (que não

possuem a mesma lógica e a mesma perspectiva). A relação com o

saber não tem expressão única, mas diversificada porque plural,

situada, histórica, temporal; depende do sujeito desejante, sem ele não

há relação com o saber. Para que apareça o desejo, o saber precisa ter

significação como valoração (importância positiva ou negativa) e como

significação (entendimento: saber do que se trata, aprender)

(CHARLOT, 2000, p. 82). As pessoas aprendem de forma diferente e

coisas diferentes, mesmo quando são as mesmas coisas, por causa da

singularidade.

4. Elementos para pensar a práxis como princípio curricular.

No fundamento da Prática de Ensino a partir da concepção da

práxis como princípio curricular para se conceber e assumir o trabalho

como princípio educativo, e a convicção profissional e sócio-política do

direito da criança ao atendimento escolar demandam-se o

enfrentamento dos seguintes elementos:

a) O esclarecimento do conceito de currículo. O que entender

por currículo e como o construir no cotidiano escolar? Em tempos atuais

existe um medo generalizado em entender currículo com aquilo que

está escrito. É claro que se deve entender como todo o conjunto de

relações (conteúdos / pessoas / valores / fundamentação teórica: o que,

por que e para quem?) que de forma consciente ou inconsciente

perpassam a realidade escolar. Seguir tendências e modelos tem sido a

tônica, o que não exige reflexão. A reflexão é o momento gerador de

toda prática pedagógica que se quer consciente. Faz-se necessária

investigação de toda e qualquer proposta curricular, utilizando os

fundamentos da educação. O professor consciente de sua prática

deverá levar em consideração o currículo em suas múltiplas facetas,

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sabendo a quem interessa realmente os currículos formais e as

conseqüências de tais práticas no currículo em ação.

b) A definição da especificidade da escola pública. Qual saber

deve a escola difundir? Como, a quem, e por quê? Numa perspectiva da

práxis, o saber científico e filosófico. Conhecimentos racionais (que

permitem atitude interrogante do sentido das coisas e do próprio

homem). Conhecendo as nós mesmos (nossas limitações, nossas

fraquezas, nossas acomodações, nossos potenciais, etc.), nossos alunos,

e, sobretudo nosso conteúdo. É preciso romper com a crença comum

de que o que importa é o método. A todos os que vêm até a escola para

aprender, mesmo que expressem que querem outras coisas. Por quê?

Porque um direito (que ainda não sabe e não tem clareza) aprender o

saber produzindo pela humanidade.

Daí a essencialidade da retomada de determinados instrumentos

no processo escolar, como: uma memória que possibilite a

autoconsciência do entendimento; a inteligência entendida como

abertura ao entendimento conhecimento; vontade como disposição

permanente para entender e estudar; a autonomia que esvazia do

determinismo, mas que também não significa o que bem quiser; a

abertura ao conhecimento verdadeiro (amor pelo conhecimento); o

amor pelo enriquecimento do outro (conhecer os alunos, conhecer e

acreditar em suas capacidades, ter como finalidade o que lhe falta); o

esforço de paciência (entender o tempo do outro); o esforço de

exigência (não ser superficial e jamais se contentar que alunos sejam

superficiais); o esforço de constância (ser metódico e coerente); o

esforço da humildade (contribuir para que o outro cresça). O saber

escolar é um recorte dos conteúdos científicos, organizados para

situações de aprendizagem, sendo assim os conteúdos precedem os

métodos eleitos, visto suas especificidades. Com relação aos conteúdos

escolares é importante levar em consideração o que a sociedade espera

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da escola, que não é diferente da aquisição de conteúdos para melhoria

qualitativa de suas vidas.

c) Equilíbrio no respeito ao pluralismo de idéias e

concepções. É muito importante a manifestação do pluralismo de

idéias e concepções pedagógicas, mas que elas não negligenciem a

postura quanto ao conteúdo, sobretudo, que também se tenha a certeza

da linha teórica para não se perder no ecletismo. O qual foi banalizado

pela pedagogia da existência, no escolanovismo e mais tarde nas

concepções tecnicistas e neoliberais, por acreditarem que o conteúdo é

apenas uma convenção cultural. Assumir uma Pedagogia Histórico -

critica, não permite reproduzir o discurso da sociedade como se

encontra, nem acreditar que o psicologismo vai redimir a escola e a

sociedade, mas partir para a dialogicidade das questões sociais; então

os conteúdos relevantes que devem ser apropriados são os que buscam

superar as problemáticas da prática social. Apesar de os pais não

saberem expressar tão bem, é claro que querem conteúdos ricos, para

seus filhos, por parte da escola pública. Neste caso, quando os alunos

percebem a relação dos conteúdos escolares para a sua emancipação,

fora vencido sua alienação. Daí a importância do papel do educador.

Um posicionamento crítico precisa ter clareza de que muitos pseudo-

conteúdos amorosos na educação escondem e mascaram a verdadeira

função da escola. E no caso da escola pública não se pode continuar

negligenciando a sua função mais específica: ensinar o conteúdo

sociamente produzido e que acaba sendo apropriado por uma minoria e

distribuído aos filhos de trabalhadores na forma de conta-gotas. Tal

situação impede qualquer projeto de uma sociedade mais humana e

mais justa. Precisamos construir uma escola realmente pública. E neste

sentido só pode ser pública uma escola que responda aos

questionamentos feitos (Qual saber deve a escola difundir? Como, a quem,

e por quê?) de forma realmente a contribuir com a possibilidade de

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superação da concentração do saber que só privilegia quem já concentra os

meios e os bens de produção.

d) Clareza da fundamentação teórica. Até que ponto se tem

clareza teórica das opções que se faz? Em geral essa clareza é ausente.

Existe, mas parece ser uma raridade. As pessoas da educação são

levadas a nivelarem arcabouços teóricos que são contraditórios (pensar

que tudo é igual). Por exemplo, durante muito tempo o professor foi

induzido a pensar e dizer que Vygostsky e Piaget são semelhantes,

complementares, quando não iguais, em suas proposições teóricas. E

na verdade são totalmente antagônicos. Seus fundamentos filosóficos

definem concepções de homem, de economia, de sociedade, e de

escola, totalmente diferentes. Os professores têm sido vitimados pelas

facilidades do pronto, mas outros elementos o contribuem para tal

situação: deficiência na formação, não gosto pela leitura/estudos,

improvisação de conteúdos e métodos.

e) Envolvimento na definição de conteúdos. Como são

definidos os conteúdos no Planejamento das nossas escolas? Quem os

discute? Como deveriam ser escolhidos e discutidos? Na verdade, não

ficaram claro na cabeça dos educadores suas funções profissionais, as

quais contemplam a reflexão pedagógica, o planejamento real, ainda

continuam nas posturas da tendência tecnicista, onde o conteúdo

deveria ter caráter oficial, elaborado por técnicos supostamente

preparados. Assim o papel do professor seria também um técnico em

aplicação de conteúdos. O desfio está em transformar essa

mentalidade, para que o professor adquira o status de pesquisador

ativo que promova mudanças significativas em sua ação pedagógica e

do grupo a qual pertence. Não podemos esquecer os interesses da

mantenedora. Os conteúdos deveriam ser escolhidos e discutidos pelos

professores. A equipe pedagógica, com base na perspectiva PPP da

escola deve tomar coragem e questionar junto aos professores a

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escolha dos conteúdos. Eles devem ser escolhidos com base no coletivo

da escola, e não se pode esquecer que o coletivo da escola se expressa

nas definições do PPP. Há necessidade de ir construindo uma postura e

compromisso nesse sentido.

f) Superação do senso comum pedagógico. Fazemos um

balanço dos pre-conceitos, dos julgamentos precipitados e do senso

comum que ocorrem nas nossas escolas? Como nossas escolas se

posicionam perante tais situações? Normalmente não se discute a fundo as

questões. No lugar da busca da radicalidade (raiz das coisas)

preferimos as respostas do senso comum ou o não envolvimento.

Adapta-se e acostuma ao senso comum, visto que na maior parte das

situações não nos vemos como capazes de produzir conhecimentos

acreditamos que existe alguém pago para pensar e outros para

executar tarefas. O professor historicamente sempre foi desencorajado

ao questionamento, à não discutir a fundo as questões. Isto também se

deve ao tipo de gestão, a qual se manifesta sobre a forma do

autoritarismo. O senso comum acalma os ânimos e condiciona a

permanência e não ao enfrentamento das problemáticas.

g) Articulação coletiva do processo educativo e escolar.

Como articular os desejos individuais de mudança para se tornarem

realmente coletivos? O que é um projeto de escola? Com ele está

vinculado a um projeto Sociedade? Não se render ao comodismo. Insistir

nos momentos coletivos, sobretudo, de estudo e definição do projeto de

escola (assumir de forma consciente e engajada a constituição

curricular da escola: conteúdo, comportamento, valores, filosofia,

ideologia). Articular a um projeto de sociedade que questione as

estruturas sociais, as condições de vida, o acesso ao saber e aos bens

econômicos. Tendo compromisso com o conteúdo científico e filosófico

produzido e sistematizado pela sociedade. As discussões pedagógicas

em termos de formação continuada apontam para propiciá-la de forma

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não estanque, onde se tenha acompanhamento responsável por parte

dos órgãos mantenedores para sua efetiva realização.

h) Conscientização política dos formadores. O que precisa

acontecer para que a Escola Pública garanta um maior padrão de

conscientização política (ensino de qualidade para todos os sujeitos

escolares)? Para enfrentar o que a questão acima propõe a escola (aos

que a compõe) urge uma avaliação desinteressada (não corporativista)

de si mesma e do trabalho docente. Partir dos resultados obtidos e

rever a prática. À sociedade, ao governo e a nós mesmos: não tratar a

docência como trabalho de segunda categoria. À Sociedade e ao

governo: não remunerar de forma deficiente, oportunizar acesso ao

conhecimento científico e filosófico. Há trabalho nesse sentido sendo

construído. A questão da conscientização política do educador faz-se

necessária no momento que se entende, como a compreensão de sua

verdadeira função, a qual propiciaria através do ensino, possibilidade

de transformação social para uma sociedade verdadeiramente justa e

fraterna. A questão política na escola deve ser vista com bastante

cuidado e exige muita atenção. O maior papel político do educador é

garantir o ensino dos conteúdos ricos ao aluno, que não terá

possibilidade fora da escola, principalmente em se tratando da escola

pública.

4. Conclusão

A educação, em qualquer lugar, época ou instância (familiar,

escolar governamental, escolar, particular), mas, sobretudo, a

sistemática escolar, sempre estará comprometida com este ou aquele

projeto de história, de homem, de sociedade, de pessoa. Ela nunca será

neutra. Portanto, se a educação quer cumprir uma função na

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construção da cidadania, não pode negligenciar tal realidade.

Conscientes ou não, educadores cumprem uma função política porque

a educação o é. Negar ou conquistar a cidadania tem relação direta

com o conteúdo que se oferece aos estudantes.

Neste sentido, é que acreditamos que tudo o que se afirmou

acima pode ser colocado dentro da indagação de SAVIANI (apud

Bicudo, 1996): O que é necessário alguém saber para se constituir,

converter em professor? Saber atitudinal, saber crítico-contextual,

saber específico, saber pedagógico, saber didático. Na formação de

professores para a escola pública deve-se contribuir para que os

professorandos sejam iniciados, de forma sistemática, na construção de

tais saberes, de forma que essa seja uma busca que se prolongue por

toda uma vida profissional.

Atitudinal “compreende o domínio dos comportamentos e

vivências consideradas adequadas ao trabalho educativo. [...]

competências que se prendem à identidade e conformam a

personalidade do educador, mas que são objeto de formação por

processos tanto espontâneos, como deliberados e sistemáticos” (p.

148). A mediação aqui inerente ao professor é a questão ética,

sobretudo quanto ao direito do aluno da escola pública ao

conhecimento decididamente relevante, que adquire qualidade de

significativo exatamente pela sua relevância na compreensão do

processo social humano. A especificidade da função da escola pública

deve ser o conhecimento científico e filosófico que a humanidade

produziu, produz, está produzindo e produzirá.

O crítico-contextual envolve o saber relativo à compreensão das

condições sócio-históricas que determinam a tarefa educativa. É a

dimensão da prática social inicial, ou seja, o contexto no qual se dá a

práxis educativa. O Contexto é o da prática social do capitalismo, onde

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poucos detém os meios de produção e os demais são os trabalhadores e

os excluídos. Pensar o contexto prática social é pensar basicamente a

dinâmica excludente da realidade. E a partir daí responder que

conteúdos os alunos precisam dominar para o enfrentamento desta

situação. Com certeza uma compreensão devidamente fundamentada

não permitirá a superficialização do conhecimento a ser ensinado.

Demanda, por exemplo, conhecer história da educação de forma mais

profunda. Sem isso não poderá o professor perscrutar os caminhos de

manipulação de processo educacional a serviço de interesses que não

são coletivos, que não tem compromisso com a verdadeira

democratização do conhecimento. O saber crítico-contextual permitirá

ao professor a diferença fundamental entre democratização do acesso e

democratização do conhecimento.

No específico “incluem-se os saberes correspondentes às

disciplinas em que se recorta o conhecimento socialmente produzido e

que integram os currículos escolares – sejam elas oriundas das ciências

da natureza, das ciências humanas, das artes ou das técnicas ou de

outras modalidades” (149). O que demandará, na linha da reflexão até

aqui conduzida, compromisso com a instrução, com o ensino, com a

transmissão Ao professor cabe o compromisso ético de saber o

conteúdo específico de sua disciplina, e ao Estado selecionar de forma

coerente os profissionais. Escola virou lugar de leilão e não de

conhecimento específico na hora da escolha de professores, sobretudo

no caso dos professores temporários, no Paraná estes são conhecidos

como PSS. Quando falta o conhecimento específico (aquilo que o

professor deve saber) não há didática e pedagogia que dê jeito.

Ao saber pedagógico “se incluem os conhecimentos produzidos

pelas ciências da educação e sintetizados nas teorias educacionais,

visando a articular os fundamentos da educação com as orientações

que se imprimem ao trabalho educativo” (p.149); enquanto no didático-

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curricular “compreendem-se os conhecimentos relativos às formas de

organização e realização da atividade educativa no âmbito da relação

educado-educando. [...] é o domínio do saber-fazer” (p.149). O

pedagógico deve garantir o direito das crianças e adolescentes

oriundos das classes sociais trabalhadoras e dos imensos grupos

excluídos o acesso ao conhecimento, sem ceder ao discurso

tendencioso de que não conseguem aprender.

Enquanto no saber didático – Curricular “compreendem-se os

conhecimentos relativos às formas de organização e realização da

atividade educativa no âmbito da relação educado-educando. [...] é o

domínio da saber-fazer” (p.149). É preciso estudar o outro: como ele

aprende, como ele processa a informação. Não um “saber-fazer”

qualquer do professor, mas um fazer pedagógico comprometido com o

aprender do e pelo aluno. Dada a sua relevância no processo o saber

didático nunca é algo pronto, mas um saber o qual o professor deve

constantemente buscar. Um bom professor não se faz sem saber

didático. A percepção dos alunos denuncia esta inoperância todo dia

nas tantas vezes que afirma: “professor fulano sabe muito, mas não

consegue ensinar”.

Nenhuma ação educativa escolar por parte do professor é isenta

de posicionamentos. Da mesma forma não é orientação pedagógica

assumida pelo professor, de forma consciente ou levado pela onda do

momento, que tem compromisso com a democratização do

conhecimento. Como pode estar a serviço da democratização do

conhecimento direcionamentos pedagógicos que insistem em colocar o

conhecimento científico e filosófico em segundo plano e ficam

patinando no senso comum e naquilo que o aluno já sabe. O campo do

ensino da história é carregado de ações nas quais os alunos ficam

meses e meses estudando aquilo que já conhecem: o bairro onde

moram, onde circulam todo dia. Isso é um “significativo” que não é

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relevante. Aquilo que o menino pode aprender de outra forma não é

substancial no trabalho da escola.

Sem estes saberes não se consegue fazer da práxis um princípio

curricular que permita vivenciar o trabalho como princípio educativo,

no enfrentamento do direito da criança ao atendimento escolar, não se

faz professor. A Formação de Professores não pode continuar formando

profissionais que acreditam que a transmissão de conhecimento

(ensinar) é um crime e que o aprender é uma questão só de interesses.

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