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JANEIRO DE 2016 EDIÇÃO Nº 38 www.estajornal.com JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA DE ABRANTES DIRETORA: HÁLIA COSTA SANTOS DIRETORA ADJUNTA: RAQUEL BOTELHO F p. 4 F p. 7 F p. 3 F p. 7 F p. 2 MOURNKIND é uma banda de Black Me- tal formada em Abrantes em 2014. É composta pelos membros Selvmord (guitarra, vocal), Folkemord (guitar- ra), Andremord (baixo) e Hovedmord (bateria). Escolheram nomes que são palavras usadas na Noruega porque o género musical que praticam tem origem nesse país nórdico. Na sua tradução direta, os nomes que esco- lheram significam atos como o sui- cídio e o genocídio, mas rejeitam as conotações negativas. Pelo contrário: a ideologia da banda é "destruir a hu- manidade atual como um conjunto de grupos que se aniquilam mutua- mente" promovendo "a mudança para uma humanidade mais unida". Selvmord diz que o seu nome - que significa suicídio - implica ideia da "introspeção do indivíduo em me- ditação consigo próprio para chegar à nova pessoa, ao novo conceito de humano, que é aquilo que nós pre- tendemos". Já Folkemord - que sig- nifica genocídio - diz que o seu nome pretende ajudar a espalhar uma nova visão da humanidade em que se co- mece por "destruir comportamen- tos nocivos que são comuns a toda a humanidade, como por exemplo Mournkind, uma banda abrantina de Black Metal com inspiração nórdica Espalhar uma nova visão de humanidade também a Rebirth, a segunda música do álbum. Essa música vem falar da nossa ideologia, de um modo geral: reconstruir a humanidade. O refrão da música é curioso porque, para além de ter um instrumental bas- tante alegre, vem dizer: 'Homicídio, suicídio, juntem-se, lado a lado o re- nascimento é o genocídio'. Portanto, quer isto dizer que, se nós próprios mudarmos e ajudarmos o próximo a mudar, faremos com que todos mudemos. Depois temos músicas mais alegres como 'Forsamling', que fala sobre todos nós sermos filhos da natureza, todos nós sermos ir- mãos. Até mesmo com os animais, nós falamos do exemplo dos lobos, que são um símbolo da nossa banda, temos o corvo e o lobo como símbo- los. O lobo é um animal que vive em sociedade antes mesmo dos huma- nos viverem em sociedade e pratica todo um conjunto de ações de modo a melhorar tudo aquilo que ele tem de fazer. E é isso que nós pedimos na música 'Forsamling', pedimos que eles se juntem a nós e nos aju- dem a melhorar. Temos também a última música do álbum, 'Master of Blasphemy,' que vem reforçar que queremos individualmente crescer e adquirir uma nova visão do mundo e uma forma de conseguir espalhá-la. Para além disso, temos a música que dá nome ao álbum, 'Whispers', que critica a humanidade atual, os vícios, etc. e chama-se Whispers mesmo por isso, porque fala das ações que a humanidade pratica, mas que são camufladas e acaba por ser como se fosse um sussurro." g DANIEL SEABRA ESTA D COMUNICAÇÃO SOCIAL LOs ensaios “têm tomado proporções mais sérias” o racismo, o extremismo religioso e todo o tipo de comportamentos degenerativos". Os Mournkind ensaiam numa gara- gem espaçosa. Tem duas divisões: uma maior, que serve de porta de entrada e onde se armazenam os objetos de maior dimensão, e outra mais pequena, onde decorrem os ensaios. Esta última tem saída para a rua (um terraço), que é utilizado pela banda para fazer uma pausa em cada ensaio. Esta pausa é "obrigató- ria" e serve para discutir a primeira parte do ensaio. É um lugar limpo, em que se pode encontrar todos os objetos pertencentes a uma gara- gem regular (automóvel, latas de tinta, etc.). Assim que chegam à garagem, os elementos da banda começam montar o equipamento (ligar am- plificadores, montar a bateria, etc.). Depois fazem o 'soundcheck', tes- tando os instrumentos e a qualida- de do som. Os primeiros ensaios da banda eram feitos só com dois ele- mentos. Mais recentemente, "têm tomado proporções mais sérias". Os músicos preocupam-se "cada vez mais em saber as músicas, para estarem prontas a ser tocadas em qualquer ocasião". Atualmente estão a ensaiar as músicas todas do álbum para que o momento da gravação "seja simplesmente chegar lá e gravar". Para já, "um ou outro engano é normal obviamente, mas vamos poupar muitas horas por música". Um álbum repleto de mensagens O álbum dos Mournkind é espera- do antes do verão. Terá 14 temas, como 'Whispers', '666' e 'Ningen'. Os membros da banda acrescentam que estão disponíveis na net (mour- nkind.bandcamp.com), no facebook e no youtube e que se pode fazer o 'download'. "Temos logo a primeira do álbum, chama-se Asmodeus, foi das primeiras deste projeto com esta nova formação. Fala sobre o demó- nio da luxúria e da sodomia e da sua relação connosco. Claro que não é uma figura que exista, mas refere-se à nossa maneira de viver enquanto que um animal humano e não como uma coisa falsa que simplesmente faz as mesmas coisas mas esconde o que faz e tem pudor. Depois temos D FOTOGRAFIA DR Passageiros do comboio entre Portalegre e Entroncamento esperam que o serviço continue depois do período experimental O emblemático café de Filipe Gomes e Telma Dias tem ago- ra um novo espaço, no 1º andar. Com mais de 80 anos de existência da Praça Barão da Batalha, em Abrantes, o Chave d'Ouro continua a distinguir-se pela atmosfera especial e pela simpatia dos donos. Família síria tem o sonho de ajudar a reconstruir a pátria Os cinco elementos da família Barazi chegaram a Viana do Castelo há dois anos. Vieram a fugir da guerra e da falta de condições. Dizem que foram bem acolhidos e estão integrados. Estudam e trabalham, mas um dia querem regressar à “mãe”, a Síria. Formação dada aos jovens fará a diferença no futuro A Azinhaga do Barruncho é um bairro de Odivelas co- nhecido pelas más condições em que ali se vive. Os jovens dividem-se entre os que gostam do bairro assim e os que anseiam por uma vida melhor. O apoio da Igreja tem sido determinante em quase tudo. Chave d’Ouro reabre em Abrantes depois de obras de remodelação Ermida, a cerveja abrantina, tem vindo a aumentar a sua produção e a chegar a mais locais, dando resposta às solicitações.

Estajornal 38

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Page 1: Estajornal 38

JANEIRO DE 2016EDIÇÃO Nº 38www.estajornal.com

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA DE ABRANTES

DIRETORA: HÁLIA COSTA SANTOS DIRETORA ADJUNTA: RAQUEL BOTELHO

f p. 4

f p. 7

f p. 3 f p. 7f p. 2

Mournkind é uma banda de Black Me-tal formada em Abrantes em 2014. É composta pelos membros Selvmord (guitarra, vocal), Folkemord (guitar-ra), Andremord (baixo) e Hovedmord (bateria). Escolheram nomes que são palavras usadas na Noruega porque o género musical que praticam tem origem nesse país nórdico. Na sua tradução direta, os nomes que esco-lheram significam atos como o sui-cídio e o genocídio, mas rejeitam as conotações negativas. Pelo contrário: a ideologia da banda é "destruir a hu-manidade atual como um conjunto de grupos que se aniquilam mutua-mente" promovendo "a mudança para uma humanidade mais unida".Selvmord diz que o seu nome - que significa suicídio - implica ideia da "introspeção do indivíduo em me-ditação consigo próprio para chegar à nova pessoa, ao novo conceito de humano, que é aquilo que nós pre-tendemos". Já Folkemord - que sig-nifica genocídio - diz que o seu nome pretende ajudar a espalhar uma nova visão da humanidade em que se co-mece por "destruir comportamen-tos nocivos que são comuns a toda a humanidade, como por exemplo

Mournkind, uma banda abrantina de Black Metal com inspiração nórdica

Espalhar uma nova visão de humanidadetambém a Rebirth, a segunda música do álbum. Essa música vem falar da nossa ideologia, de um modo geral: reconstruir a humanidade. O refrão da música é curioso porque, para além de ter um instrumental bas-tante alegre, vem dizer: 'Homicídio, suicídio, juntem-se, lado a lado o re-nascimento é o genocídio'. Portanto, quer isto dizer que, se nós próprios mudarmos e ajudarmos o próximo a mudar, faremos com que todos mudemos. Depois temos músicas mais alegres como 'Forsamling', que fala sobre todos nós sermos filhos da natureza, todos nós sermos ir-mãos. Até mesmo com os animais, nós falamos do exemplo dos lobos, que são um símbolo da nossa banda, temos o corvo e o lobo como símbo-los. O lobo é um animal que vive em sociedade antes mesmo dos huma-nos viverem em sociedade e pratica todo um conjunto de ações de modo a melhorar tudo aquilo que ele tem de fazer. E é isso que nós pedimos na música 'Forsamling', pedimos que eles se juntem a nós e nos aju-dem a melhorar. Temos também a última música do álbum, 'Master of Blasphemy,' que vem reforçar que queremos individualmente crescer e adquirir uma nova visão do mundo e uma forma de conseguir espalhá-la. Para além disso, temos a música que dá nome ao álbum, 'Whispers', que critica a humanidade atual, os vícios, etc. e chama-se Whispers mesmo por isso, porque fala das ações que a humanidade pratica, mas que são camufladas e acaba por ser como se fosse um sussurro."g

daniel Seabra ESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

l Os ensaios “têm tomado proporções mais sérias”

o racismo, o extremismo religioso e todo o tipo de comportamentos degenerativos".Os Mournkind ensaiam numa gara-gem espaçosa. Tem duas divisões: uma maior, que serve de porta de entrada e onde se armazenam os objetos de maior dimensão, e outra mais pequena, onde decorrem os ensaios. Esta última tem saída para a rua (um terraço), que é utilizado pela banda para fazer uma pausa em cada ensaio. Esta pausa é "obrigató-ria" e serve para discutir a primeira parte do ensaio. É um lugar limpo, em que se pode encontrar todos os objetos pertencentes a uma gara-gem regular (automóvel, latas de tinta, etc.).Assim que chegam à garagem, os elementos da banda começam montar o equipamento (ligar am-plificadores, montar a bateria, etc.). Depois fazem o 'soundcheck', tes-tando os instrumentos e a qualida-de do som. Os primeiros ensaios da banda eram feitos só com dois ele-mentos. Mais recentemente, "têm tomado proporções mais sérias". Os músicos preocupam-se "cada vez mais em saber as músicas, para estarem prontas a ser tocadas em qualquer ocasião". Atualmente estão a ensaiar as músicas todas do álbum para que o momento da

gravação "seja simplesmente chegar lá e gravar". Para já, "um ou outro engano é normal obviamente, mas vamos poupar muitas horas por música".

um álbum repleto de mensagensO álbum dos Mournkind é espera-do antes do verão. Terá 14 temas, como 'Whispers', '666' e 'Ningen'. Os membros da banda acrescentam que estão disponíveis na net (mour-nkind.bandcamp.com), no facebook

e no youtube e que se pode fazer o 'download'. "Temos logo a primeira do álbum, chama-se Asmodeus, foi das primeiras deste projeto com esta nova formação. Fala sobre o demó-nio da luxúria e da sodomia e da sua relação connosco. Claro que não é uma figura que exista, mas refere-se à nossa maneira de viver enquanto que um animal humano e não como uma coisa falsa que simplesmente faz as mesmas coisas mas esconde o que faz e tem pudor. Depois temos

d FOTOGRAFIA DR

Passageiros do comboio entre Portalegre e Entroncamento esperam que o serviço continue depois do período experimental

O emblemático café de Filipe Gomes e Telma Dias tem ago-ra um novo espaço, no 1º andar. Com mais de 80 anos de existência da Praça Barão da Batalha, em Abrantes, o Chave d'Ouro continua a distinguir-se pela atmosfera especial e pela simpatia dos donos.

Família síria tem o sonho de ajudar a reconstruir a pátriaOs cinco elementos da família Barazi chegaram a Viana do Castelo há dois anos. Vieram a fugir da guerra e da falta de condições. Dizem que foram bem acolhidos e estão integrados. Estudam e trabalham, mas um dia querem regressar à “mãe”, a Síria.

Formação dada aos jovens fará a diferença no futuroA Azinhaga do Barruncho é um bairro de Odivelas co-nhecido pelas más condições em que ali se vive. Os jovens dividem-se entre os que gostam do bairro assim e os que anseiam por uma vida melhor. O apoio da Igreja tem sido determinante em quase tudo.

Chave d’Ouro reabre em Abrantes depois de obras de remodelação

Ermida, a cerveja abrantina, tem vindo a aumentar a sua produção e a chegar a mais locais, dando resposta às solicitações.

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FOTOGRAFIA ELISA NÓBREGA

a família barazi gosta de Portugal mas quer regressar à Síria assim se que for possível pensar em reconstruir o país

“Confortáveis, descansados e contentes”

l Uma família síria que vive há dois anos em Viana do Castelo conta a sua história ao ESTAJornal

CoMo é norMal, ao domingo, as fa-mílias passeiam pelo jardim públi-co. As crianças andam de bicicleta e os casais de mão dada. Perto do rio, são várias as pessoas que vão apreciar a paisagem. Outras, estão viradas para o lado oposto. Olham em direção à Igreja de Santa Luzia. O encontro com esta família é no café do jardim.Foi para Viana do Castelo que a família Barazi se mudou há dois anos. Tiveram de decidir em con-junto, que iriam ter de abandonar a sua cidade, o seu país. Isto acon-teceu porque a guerra tinha come-çado, mas também porque a vida mudara: “Vivíamos numa cidade pequena perto da capital Damasco, esta cidade foi uma das que come-çou a guerra”, conta Ibrahim, o pai desta família. Contabilista durante 30 anos, teve de deixar tudo para trás. Ele e a família deixaram tudo o que lhes era querido e familiar. Quando a situação começou a fi-car pior, foram para uma casa no

centro de Damasco. Ficaram lá um ano e depois vieram para Portu-gal. Por sorte, nunca assistiram, nem foram vítimas, de qualquer tipo de violência. Quando nos de-paramos quando estas histórias costumamos pensar em qual terá sido o momento, o que aconte-ceu, para tomarem a decisão de ter de abandonar tudo e irem para outro país. “Apesar da guerra já existir há algum tempo, sempre pensámos que se fosse resolver. Mas quando começaram a faltar as condições básicas (água, luz…), aí foi o momento. Até porque as pessoas se começaram a zangar por coisas mínimas”, conta Ibrahim. O que facilitou a vinda desta famí-lia síria para Portugal foi o facto do irmão de Ibrahim viver em Portu-gal. Ele é diretor de uma empresa de agricultura biológica sediada em Carreço, Viana do Castelo, empresa onde Ibrahim trabalha agora. “Eu trabalhei 30 anos como contabi-lista, trabalhar na agricultura bio-

lógica é muito diferente, mas gosto muito.” Tinha visitado o irmão no verão antes do início dos incidentes na Síria. Disposto a ajudar, o irmão de Ibrahim saiu de casa e deixou-a para a família recém-chegada. Quando chegaram a Portugal sen-tiram-se “confortáveis, descansa-dos e contentes”, conta Ghalia. Ela é a filha mais velha, tem 19 anos e frequenta o 12º ano, em Artes. Ainda não sabe o que quer seguir na universidade, “mas talvez algo

beatriz baptiStaESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

Ibrahim, Maglena, Ezmaail, Ghalia e Joudi. Esta é a família Barazi. Todos têm um desejo em comum: voltar para a sua “mother”, Síria, país que tiveram que abandonar há dois anos, no início da guerra. Viana do Castelo é o porto de abrigo desta família, que já fala Português. O pai, con-tabilista, trabalha agora na agri-cultura biológica. Os filhos mais velhos sonham com a universi-dade. As mulheres usam 'hijabs', incluindo a mais pequena, que assim se sente mais completa.

ligado às Artes”, diz em Português, com o seu sotaque.Quem já fala muito bem Portu-guês é o seu irmão, Ezmaail. Tem 18 anos e também anda no 12ºano. Optou pelas Ciências, mas ainda está indeciso no que seguir: “Às vezes penso na parte da Medici-na, e outras vezes penso na parte de Informática. Vou esperar pelas notas e depois penso no que eu vou estudar na universidade e depois trabalhar, claro.”Ezmaail tem um canal no youtu-be, onde publica vídeos a ensinar e a tocar flauta, “Também gosto de piano e toco num teclado que uma amiga nossa mo emprestou”, explica o jovem. As artes parecem estar no sangue desta família. O grande 'hobby' de Ibrahim, o pai, é a pintura. Pinta as paisagens por onde vai passando e, por ter tido um excelente feedback, está a pen-sar em começar a vendê-las.Com 13 anos, a irmã mais nova, Joudi, usa o 'hijab'. Usa porque

quer. “Quando cheguei de Portu-gal, a Joudi já usava o 'hijab'. Fiquei muito surpreendido, mas contente claro, pois ela ainda é nova e tem tempo para decidir se quer usar ou não”, conta Ibrahim. Um dia decidiu usar o 'hijab' na escola e a partir daí nunca mais o largou. “Sem ele eu não me sinto eu, gosto muito de o usar. Sinto-me com-pleta” - explica Joudi. Em Viana o que ela mais gosta é da nature-za, sendo o seu sítio preferido, a Igreja da Nossa Senhora da Agonia. “Gosto de ler e aprender línguas, nos meus tempos livre.” Ela acha que as escolas da Síria e de Portugal são muito diferentes, tendo sido a sua maior dificuldade “aprender a língua rápido para poder perce-ber as aulas”. Para já, “quando for grande”, a Joudi quer ser “médica do coração”.Magdalena, a mãe desta famí-lia, é uma mulher bem disposta. Apesar de falar maioritariamente Inglês, ela está a ter aulas de Por-tuguês, que são proporcionadas pela Câmara Municipal de Via-na do Castelo. “Estas aulas têm o propósito de fazer com que os imigrantes tenham a oportunida-de de aprender a falar e a escrever Português. Baseiam-se em dois tipos de aula. A primeira, é onde dão calmamente a matéria, in-tercalando um pouco com Inglês, para eles perceberem. Já a segun-da é Português puro e duro”, ex-plica a vereadora Ana Margarida. “É mais destinado aos pais, pois os filhos têm mais facilidade de aprender a língua porque estão na escola. Já os adultos não têm tanta convivência nem chances de desenvolverem o Português”, acrescenta.Para Joudi, Portugal é o "país que nos recebeu extremamente bem e com pessoas muito simpáticas". A família Barazi gosta de cá viver, mas tem um sonho. Esse sonho é de um dia poderem voltar para a Síria e, todos juntos, voltarem a construir o país. “You can not change your mother (Tu não po-des mudar a tua mãe)”, remata Ibrahim.g

“”

A maior dificuldade foi “aprender a lín-

gua rápido para poder perceber as aulas”

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03WWW.ESTAJORNAL.COM

d FOTOGRAFIA SOLANGE CRUz

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FOTOGRAFIA SOLANGE CRUzSolange Cruz

ESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

a vida num ‘bairro de lata’, entre a catequese, as explicações e a falta de condições básicas

“A nossa esperança é que sigam um caminho melhor”

l Para além de apostar na formação, a Igreja tem um papel ativo no sentido de lutar pelo melhoramento de infraestruturas do bairro

l Muitos dos jovens sentem-se bem com o estilo de vida que levam, embora a formação que lhes é dada faça alguns quererem mudar

Azinhaga do Barruncho, na Póvoa de Santo Adrião, em Odivelas, é um bair-ro de barracas onde vivem famílias vindas sobretudo dos países africa-nos de língua portuguesa. Apesar da falta de condições, as ajudas que lhes são dadas, nomeadamente pela Igre-ja, fazem a diferença. Os mais velhos anseiam por outro tipo de habitações, mas os mais novos dividem-se. Con-forme crescem, uns vão admitindo que o futuro passará por outros sítios. Mas também há quem não queiram abdicar do bairro: "Destruírem o bair-ro para construírem os prédios seria criar mais um clima de revolta."

uM eStilo de vida degradante e pouco agradável para uns e uma alegria e orgulho para outros. À procura de melhores condições não só económicas, mas também de habitação, mães, pais e avós da Azinhaga do Barruncho, porque querem dar mais condições de vida aos seus filhos e netos, mos-tram descontentamento pelo es-tilo de vida do bairro. Contraria-mente, a maior parte dos jovens da comunidade mostram orgulho na sua maneira de viver. Apesar das condições menos favoráveis em que vivem e da discriminação a que são sujeitos diariamente, acreditam que a sua felicidade se encontra na “pobreza”.A Igreja é um dos principais pila-res da comunidade da Azinhaga do Barruncho. Sentado na cadeira do barbeiro, Rui Valério, pároco da Pó-voa de Santo Adrião e Olival Basto, explica a ajuda social concedida pela Igreja à comunidade. “Muitas ini-ciativas têm sido feitas. No entanto, podemos salientar que a colabora-ção vem ao nível de três aspetos: o apoio social, a formação e o acom-panhamento cultural.”Muitas das pessoas da comunidade deslocam-se semanalmente à pa-róquia da Póvoa de Santo Adrião em busca dos alimentos e outros bens oferecidos pela instituição. Roupas que são conseguidas através de da-dores residentes da vila são entre-gues às pessoas mais necessitadas. O centro paroquial tem também um sistema bem organizado para fornecer medicamentos às pessoas do bairro. A técnica superior, for-mada em Farmácia, garante a efi-cácia ao nível dos medicamentos entregues. Crianças e adolescentes do bairro frequentam as catequeses e o grupo de jovens da paróquia. Para além da formação cristã, voluntários dão explicações de Matemática, Por-tuguês e História, colaborando na formação académica dos miúdos e jovens. Maioritariamente, a popula-ção residente no bairro provém dos Países Africanos de Língua Oficial

Portuguesa (PALOP). Os que vêm de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe são os que sentem mais dificuldades ao nível da língua portuguesa, pelo diferente historial do seu país.

"apenas uma gotinha de água"Normalmente as explicações são dadas na própria paróquia. “A nossa esperança é que os meninos e as meninas, com toda esta ajuda, sigam um caminho melhor e vivam iluminados pelos princípios da coe-rência, da justiça, da honestidade, do trabalho… Essa é a nossa expe-tativa!" - adianta o pároco. Mas tem consciência de que, por muito que se faça, há sempre outros fatores a contribuir para o futuro daquelas crianças: "É preciso compreender que o que a paróquia faz a essas crianças é apenas uma gotinha de água. Basta que eles saiam da cate-quese e de seguida vão ver um fil-me qualquer. O que é que eles vão aprender? Coisas que contrariam aquilo que lhes está a ser ensina-do...”A paróquia também se envolve com o bairro na organização de iniciativas que pretendem chamar a atenção da autarquia para o me-lhoramento de infraestruturas e das condições de vida das pessoas. “A Câmara Municipal de Odive-las, em colaboração connosco, está interessada em efetuar melhora-mentos ao nível do saneamento básico, e nós também estamos en-

volvidos nessa questão” - afirma o padre Rui Valério.O centro paroquial também faz acompanhamento a pessoas do bair-ro que se encontram acamadas, pelo menos uma vez por mês, sendo que garantem a sua presença assídua. As situações sociais de maior deli-cadeza são também acompanhadas mais de perto, como por exemplo, pessoas que vivem em profundas dificuldades sociais e económicas. Segundo o padre Rui Valério, “hou-ve alturas em que pensámos em lá promover missas, mas no entanto, preferimos que as pessoas se deslo-quem à igreja.”Apesar das condições de vida não serem as melhores, este estilo de vida agrada a vários jovens da co-munidade, pois foi dessa maneira que aprenderam a lidar com o mun-do e fora isso que formou cada uma das suas personalidades.Os jovens sentem a ajuda por parte da Igreja, mas não a sentem por parte da Junta de Freguesia. Cláu-dio, jovem residente da comuni-dade há 19 anos, afirma: “A mim não me ajudaram em nada, apren-di a jogar à bola, a ler, a escrever e a andar, tudo aqui! Ficam sempre a dizer a Junta é isto, a Junta é aqui-lo! Mas nós nem temos associa-ção!”. Um dos seus amigos, Mauro, de 18 anos, acrescenta: "Uma vez eles retiraram os caixotes do lixo do bairro e meteram na entrada. Até a luz já nos quiseram cortar!”

"é aqui que quero ficar"O bairro da Azinhaga do Barrun-cho é reconhecido por gente de fora como um sítio sem as condi-ções necessárias para se viver. Nem toda a gente gosta da vida que leva dentro da comunidade, mas mui-tos dos mais jovens sentem-se bem com o estilo de vida que levam. “Eu, quando era 'puto, andava na escola e preferia viver numa casa de ricos´, é claro! Depois vim a crescer e percebi que é aqui que eu quero ficar” - ex-plica Caio, mais um jovem perten-cente à comunidade.No bairro já se soube de uma inten-ção da Câmara Municipal de Odi-velas de substituir as barracas por habitações com melhores condições de saneamento básico. Para uns se-ria um alívio, para outros um desa-grado. Já com alguns anos passados, nunca aconteceu. Cláudio prefere que assim tenha sido: “Crescemos aqui… É a nossa mãe, o bairro! Des-truírem o bairro para construírem os prédios seria criar mais um clima de revolta e assim é que não acabaria a paz!”Acerca da questão da criminalida-de e da discriminação vivida pelo bairro, o grupo de amigos entra em discordância. Todos os jovens gos-tam do bairro e da vida que levam, mas no entanto, à medida que o tempo passa e que vão crescendo, as suas mentalidades podem mudar. Muitos pretendem criar e alcançar qualidades melhores do que as que

têm atualmente. “Muita gente que cá vive não gosta de cá estar. Eu se tivesse um filho, daqui a uns anos, e se ele quisesse viver num sítio mais acomodado como os prédios, eu mudaria” - afirma Caio. No entanto, a maior parte dos jo-vens sente-se discriminada pela sociedade devido ao sítio onde vive. Mas nem todos pensam as-sim, conforme garante Gilson: “Muita gente que vive aqui ao lado, no Casal da Paradela, que é um sítio que só tem vivendas, dá-se muito bem com as pessoas do bairro e não nos discriminam por vivermos em barracas.” O que mais incomoda os jovens do bairro são as associa-ções que se fazem entre eles,por viverem no limiar da pobreza, e o crime. “Sempre que acontece algo na Póvoa, dizem logo que fomos nós que o fizemos. Somos muito discriminados e olhados de lado” - lamenta Caio.Hoje vive-se uma realidade dife-rente na Azinhaga do Barruncho quando comparada com a realida-de de há uns anos, em que a taxa de criminalidade era elevada. Es-tes jovens rapazes sentem-se bem no sítio onde moram, tal como as suas mães. Reconhecem as ajudas que têm, nomeadamente o facto de não pagarem luz, água e renda de casa. Com os baixos salários, estas são ajudas essenciais para vive-rem com o mínimo das condições básicas.g

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linha do leste: Comboio à experiência facilita a vida dos estudantes e dos mais velhos

“Gostaria que o comboio continuasse todos os dias”apóS uMa faSe negra de quatro anos, o comboio de passageiros voltou à cidade de Portalegre, mas ape-nas ao fim de semana. Foi assi-nado um protocolo (ver caixa) no qual se define que esta auto-motora funcionará num período experimental de seis meses. Até março de 2016 foi, então, resta-belecida a Linha Leste entre Por-talegre e o Entroncamento, que passa também pelo Crato, Chan-ça, Torre das Vargens, Ponte de Sor e Abrantes.Numa tarde de Outono, o am-biente naquele comboio da Linha do Leste estava calmo. Viajavam sobretudo idosos e estudantes. Ouvia-se o barulho da automotora e os raios de sol entravam pelas ja-nelas. Alguns passageiros ouviam música, como forma de passar o tempo, outros conversavam entre si e os restantes aproveitavam para dormitar. Inês Realinho, de 20 anos, estuda na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes (ESTA) e é provenien-te de Portalegre. Adora andar de comboio e acha que o este meio de transporte é uma mais valia para a sua rotina. A viagem de comboio fica-lhe mais barata do que a de autocarro: “Os estudantes têm a oportunidade de ter um desconto gigante, o que é ótimo!”Do outro lado, viaja Sofia Pires que também é estudante. Sofia vai de Coimbra até Portalegre. Usa este meio de transporte porque é o mais rápido, o que lhe dá mais jeito e lhe fica mais económico. Antigamente, quando não existia esta ligação, as suas viagens eram mais complicadas, mais extensas e, sucessivamente, mais caras. Salienta que os horários podiam ser mais flexíveis. Mas, na sua opi-nião, este comboio é fundamental para a cidade de Portalegre, não só pelos estudantes, mas também pelas pessoas que querem visitar outras cidades do país. Quando pensa que, após o período de ex-perimentação, o comboio pode voltar a terminar, o cenário só piora: “Iria utilizar o autocarro, iria ser muito dispendioso outra vez, iria gastar muito mais tem-po e talvez não pudesse vir tantas vezes a casa.”Francisco Nunes, reformado, de 82 anos, utiliza o comboio para ir visitar os familiares ao Alentejo. Refere que é o meio de transpor-te que mais adora desde sempre. Apesar de achar que as condi-ções da automotora não são as melhores, não se queixa: “Não exijo mais”. Os seus lamentos são outros: “Gostaria que o comboio continuasse, que continuasse to-dos os dias. Foi pena terem aca-bado com o comboio no perío-do em que acabaram, porque os jovens usavam-no muito. Agora arranjaram outro meio trans-

Marta Claro ESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

l Partido Ecologista ‘Os Verdes’ defende que “as linhas não têm que ser rentáveis, têm que ser geridas de forma a terem passageiros”

l O comboio é sobretudo usado por jovens, que vão estudar, e por pessoas mais velhas, que vão visitar as famílias

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FOTOGRAFIA MARTA CLARO

Em resposta ao ESTAJornal a CP explicou que a nova oferta ferroviária se baseia num protocolo, estabelecido entre a CP, a Infraestruturas de Portugal, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e os municípios de Portalegre, Crato, Alter do Chão e Ponte de Sor, que estabelece as condições para a criação de quatro

ligações semanais entre Portalegre e o Entroncamento, durante o período letivo. A empresa acrescenta que "a colaboração entre as entidades deverá permitir a sua sus-tentabilidade". Para além disso, refere que, "ao abrigo do acordo estabelecido, a CP e a IP garantem as condições de realização do serviço e as autarquias comprometem-se a promover a utilização do comboio junto das populações e garantir a existência de ligações rodoviárias, articuladas com os horários dos comboios, entre as estações e os res-petivos centros urbanos, por um período experimental de seis meses". A partir dessa data as entidades envolvidas apreciarão os resultados desta nova aposta na mobilidade ferroviária. O ESTAJornal tentou ainda contactar a presi-dente da Câmara de Portalegre, sem sucesso.

porte e já não vêm para aqui.” Pensando no possível fim deste comboio, o senhor Francisco sabe como se tornará difícil ir visitar os familiares. É com um sorriso nos lábios que os mais velhos anseiam por che-gar ao destino, onde do outro lado estão os entes mais queridos à sua espera. Com uma energia diferente, os mais novos desejam voltar a chegar a casa. Mas tan-to uns como outros destacam a importância deste comboio nas suas vidas. São várias as histórias das pessoas que por aqui passam e todas elas afirmam o quão útil é este meio de transporte para a sua rotina. Mais determinada viajava Ma-nuela Cunha, de 59 anos, diri-gente do Partido Ecologista ‘Os Verdes’. Efetuava a viagem até Portalegre, mas com um pro-pósito diferente da maioria dos outros passageiros. No dia 13 de novembro de 2015 decorreu uma conferência de imprensa em Portalegre onde terá apresentado

O protocolo e o envolvimento de cada uma das partes

um projeto que entrou no mes-mo dia na Assembleia da Repú-blica. O Grupo Parlamentar ‘Os Verdes’ propôs à Assembleia que deliberasse e que recomendasse o Governo um conjunto de me-didas, a começar pela manuten-ção da circulação de passageiros na linha do Leste, “mesmo que parcial, até que seja encontra-da uma solução definitiva para o seu funcionamento a termo de serviço de passageiros, com horários adequados às necessi-dades das populações, em todo o ser percurso, repondo a ligação a Espanha”. O Partido Ecologista pede tam-bém um diagnóstico, até ao final do período de experimentação, que inclua: “as medidas de me-lhoramento da infraestrutura ferroviária que faltam tomar, na sequência da paragem da in-tervenção do melhoramento da linha em 2011; medidas de me-lhoramento das estações e apea-deiros; custos respetivos; calen-dário das intervenções a realizar; assim como uma proposta de prazos para repor o serviço de passageiros a funcionar, numa ótica de serviço público, em todo o percurso da linha”.Manuela Cunha afirma que o comboio é o meio de transpor-te que deveria ser mais usado no país. Defende que as linhas não têm que ser rentáveis, têm que ser geridas de forma a terem passageiros. Convicta, assegura que “é fundamental haver outras ofertas de horário, porque isto é um serviço público”. E acrescen-ta: “Um comboio não vive com dois dias por semana, a horários como este.” Está certa que deve voltar a fazer-se o percurso fer-roviário que se fazia, antigamen-te, para Espanha. Na sua opinião, só assim haverá mais passageiros e o país terá menos prejuízo eco-nómico.A dirigente do partido ecologis-ta conta que ‘Os Verdes’ sempre foram contra o término deste comboio e que, agora, lutam para que este se mantenha. “Custa seis vezes menos um quilómetro de comboio do que um de autoestra-da, viaja-se com mais segurança e mais conforto. Um comboio pro-duz um gasto energético dez vezes inferior a um transporte de auto-carro. Esta resposta é muito mais adequada, mais barata para o país e do ponto vista ambiental é muito melhor.” Para finalizar, a deputada defen-de a reposição do período nor-mal, ao longo de toda a linha fer-roviária, e conclui: “Não venham dizer que o país não tem dinheiro porque nesta linha em particular é fácil repor a normalidade, por-que não é preciso fazer grandes investimentos, eles já estavam a ser feitos.” g

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l Num espaço colorido, a cabeleireira atende as suas clientes especiais, que quase sempre querem “cabelo curto”. Às vezes lá surge um pedido de madeixas ou de permanentes.

l Na Carregueira existem “muitas pessoas com doenças neurológicas”. Marina Barradas criou, com a cunhada, uma associação para construir, no Lar, uma sala de tratamentos de fisioterapia.

Marina Barradas tem um Salão de Cabeleireiro na Golegã. Mas, no seu dia de folga, vai a um Lar prestar os seus serviços por um valor simbóli-co. Esta é a apenas uma das formas que encontrou para ajudar os outros. Com a cunhada, criou Associação de Doentes Neurológicos da Carreguei-ra (ADN), com o objetivo de angariar fundos para se construir uma sala de tratamentos e fisioterapia.

Manhã ChuvoSa e fria, segunda-feira de finais de outubro. As instalações da valência Lar do Centro de Apoio Social da Carregueira (CASC) es-tão ainda em fase de acabamentos, sendo um edifício de planta baixa, de traça moderna, com toda uma parede lateral de vidraças que dei-xam antever um longo corredor e o refeitório. A chuva cai sem cessar mas o vento não é desagradável, é uma sinfonia cadente a bater no guarda-chuva.Situado no limite norte da vila da Carregueira, no concelho da Chamusca, o CASC tem no espaço contíguo a valência 'Centro de Dia' de onde vem o cheiro a peixe fri-to. Adivinha-se que venha a ser o almoço dos utentes e funcionários da instituição.Ao entrar nas instalações, verifi-ca-se que em nada se assemelha a um típico lar de idosos. Corredores longos e largos, piso cinzento cla-ro, paredes brancas e impecáveis, o cheiro a novo. Passando pelo refeitório com uma imagem aco-lhedora, colorida, limpa. Chega-se à sala de estar, cadeirões novos, coloridos, televisão LCD de gran-de dimensão. Dali vem a primeira cliente de Marina Barradas, cabe-leireira, casada, mãe de um me-nino e uma menina. Ali nascida e criada, apesar de já não viver na localidade, continua a fazer parte da vida social da sua terra natal. Tem um Salão de Cabeleireiro na Golegã, mas usa uma parte do seu tempo para, no CASC, tratar do cabelo de quem lá está. No saco transporta alguns equipa-mentos, como um secador, pentes, escovas, borrifador, pinças, molas e laca. No CASC o pagamento pelo seu trabalho é simbólico, menor do que num cabeleireiro convencional. No fim de um longo corredor, está o Cabeleireiro, uma pequena sala, com azulejos coloridos, um grande espelho, uma bancada de trabalho, um lavatório de cabeleireiro e uma cadeira preta com apoio para os pés e com patilha de elevar e baixar a mesma. Por norma, as clientes deste espaço especial pedem cabelo curto, mas também existem alguns pedi-dos de permanentes ou madeixas.De há um ano a esta parte, Marina Barradas é presença assídua, se-manalmente. Ali foi acolhida com muito carinho. Em algumas oca-

uma cabeleireira especial no Lar do Centro de Apoio Social da Carregueira

Cuidar com carinho dos cabelos brancosSónia valdoleiroS liMa ESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

siões, leva um dos seus filhos, que joga xadrez com alguns utentes, durante o serviço da mãe.A primeira cliente demora algum tempo a percorrer o longo corre-dor com o seu andarilho. “Curto e todo para trás” - é assim que esta cliente quer ver o seu cabelo. En-quanto lava, delicadamente, os ca-belos da doce senhora, que ronda os 70 anos, a mesma queixa-se: “A água está quente”. Falam de alguns utentes. Varre os cabelos do chão. O som do secador abafa a conversa e por momentos não se fala uma palavra. Nas cadeiras laranja, no corredor, aguarda a segunda clien-te do dia. Falam de um senhor tetraplégico que fez uma viagem até Lisboa, em protesto. Após ter passado pela instituição, no seu caminho, e de ali ter sido acolhido, cuida-do e tratado, mais tarde viria a tornar-se utente da mesma. “É um senhor tetraplégico, nunca teve apoio do Estado e veio, no ano passado ou há dois anos, de cadeira de rodas a bateria, da Concavada para Lisboa em pro-testo. Passou à Carregueira, veio acompanhado pela polícia e tra-zia carros de apoio. O Centro de Dia colocou uma mesa de apoio, o presidente estava lá para o ver passar. Parou e aqui lhe deram co-mida, carregaram-lhe a bateria da cadeira de rodas, deram apoio a todas as pessoas que vinham com ele. Deram-lhe banho, comida e roupa lavada. Nessa noite conver-sou com o presidente, conheceu as instalações do lar que, naque-la altura, ainda se estava a fazer.

Retoma o trabalho, penteando a ter-ceira cliente que dormita na cadeira. Volta ao telefone com a diretora téc-nica do Centro sobre outra cliente, sobre o que fazer nessa situação. Aproveita para avisar que na segun-da-feira não irá ao CASC, uma vez que será a semana em que decorre a XL Feira Nacional do Cavalo na Golegã. Ou seja, tem a possibilida-de de ter mais clientes no seu Salão de Cabeleireira. “Eu não venho para a semana, mas se durante a sema-na eu tiver um dia mais fraquinho lá no Salão, eu venho cá, nem que seja à hora do almoço. Por vezes não posso vir à segunda, por causa dos meus filhos ou outra coisa, mas sei que estão à minha espera. Fecho do meio-dia às duas, saio das onze às quinze e venho aqui.”Quando fala em pintar cabelos, olha-se ao espelho. “Tenho de pintar o meu também. Vou tentar hoje.” Olhando para o telemóvel, comenta: “Estou com fome. Já é meio-dia.” Sem mais clientes, é hora de arrumar os equipamen-tos, varrer o chão, fechar a porta. A chuva que nos recebeu à entrada é a mesma que nos acompanha na saída do CASC.“O meu único motivo é que o meu irmão que tem Esclerose Múlti-pla e igual ao meu irmão existem muitas pessoas na Carregueira com doenças neurológicas e que não têm apoio para nada. Com esta associação e com o dinheiro, aqui no Lar vai construir-se uma sala de tratamentos, onde podem fazer fisioterapia, onde se podem movi-mentar. É essa a ideia. É um proje-to feito”, remata com convicção. g

Soube do projeto, do qual eu faço parte. Fazemos festas e angaria-ções de fundos para material te-rapêutico para doentes neurológi-cos. O senhor ficou mais ou menos a par do que se estava a fazer aqui. Resumindo, depois de fazer a via-gem até Lisboa, decidiu vir para o Lar da Carregueira e aqui está. Esse moço da Concavada também ajuda e participa” – conta Marina.A vida desta cabeleireira tem muitos episódios de ajuda aos ou-tros. Recebe uma chamada sobre

a organização de um evento para angariação de fundos para a ADN Carregueira. Fala sobre o apoio da Câmara Municipal da Chamusca, da responsável pela animação e após alguns minutos desliga a cha-mada. “Somos, a minha cunhada e eu, que organizamos, o dinhei-ro reverte a favor disto, desta as-sociação para comprar material terapêutico para apoiar doentes ou instituições. Temos o apoio do Centro de Dia” - explica Marina Barradas.

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FOTOGRAFIA DR

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06 ESTA JORNALJANEIRO 2016

Nos lagares de azeite tradicionais sentia-se o cheiro quente e suado de azeitona esmagada, que deleita qualquer apreciador deste néctar. Rita da Conceição Cruz, de 80 anos, ainda se lembra bem do tempo em que ranchos de homens e mulheres faziam a apanha da azeitona de forma tradicional. Orlando Navalho Dias, to-rador de árvores, conta como se ‘pa-dejava’ a azeitona para a ‘trapa’. João Curado, mestre lagareiro há mais de 40 anos, explica a arte de separar as águas ruças.

no paSSado MêS de outubro, em ple-na época de apanha da azeitona, uma exposição, dedicada ao ciclo do azeite, em Sardoal, surpreen-deu pela apresentação da maioria dos utensílios usados num lagar de azeite tradicional. O arran-jo esteve a cargo de João Soares e tem como objetivo preservar a memória sobre a antiga forma da laboração dos lagares de azeite. Até março, a exposição - “No fio do azeite” - poderá ser vista no Espaço Cá da Terra, no Centro Cultural Gil Vicente.A iniciativa serve de pretexto para um olhar sobre toda a engrena-gem que leva à produção de um dos mais sofisticados e aromáticos néctares conhecidos. Ao longo de uma boa parte da História da hu-manidade, o azeite sempre teve um papel importante na alimen-tação e na medicina. Aliás, mui-tos dos instrumentos que fazem parte dessa história vão também ser preservados pelo município de Sardoal, no antigo Lagar dos Paulinos.Em Portugal há várias qualidades de azeitona, sendo a mais cobi-çada para a preparação de azeite a “galega”. Com a industrializa-ção agrícola, a transformação da maioria da azeitona é feita nos lagares de “linha direta”. De-pois de apanhada com máquinas próprias, chega ao lagar onde é expurgada num ventilador. Tri-turada, passa por uma centrifuga-dora horizontal, máquina que faz a separação do “bagaço”, os restos da azeitona moída, e da mistura de água e azeite. Esta mistura vai a outra centrifugadora vertical que procede à sua separação. Este é o método que atualmente é o mais utilizado e produz um azeite mui-to fino.Rita da Conceição Cruz que, com os seus 80 anos, abordou de uma forma expressiva a apanha da azei-

os processos da sua produção do azeite estão cada vez mais modernizados, mas as memórias estão as ser preservadas

“No fio do azeite”Sérgio figueiredoESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

tona, conta que longe vão os tem-pos em que ranchos de homens e mulheres procediam à sua recolha. Eles, varejando as oliveiras. Elas, apanhando-a do chão, com dedos encarquilhados pelo gelo entoando belas cantigas. Também havia os panos, atualmente confecionados em fio de ‘nylon’ e com as dimen-sões pretendidas. À data eram feitos de pedaços de linhagem, normalmente aproveitada das sa-cas de batata da semente e cozidas umas às outras. Na vareja, palavra atribuída no bater da árvore que provoca a queda da azeitona, eram usados o varejão e a vara.Para além do próprio processo de produção do azeite, também as árvores sofreram uma enorme modificação. Segundo Orlando Navalho Dias, torador de árvores, as oliveiras de grande porte foram sendo cortadas de forma a ser des-necessária a sua subida e para que fosse possível a sua vareja a partir do solo. Após a apanha procede--se à limpa que, como nos disse, é o trato comum do processamento de tirar a folha e ramos da oliveira panada, ou seja, “a que ficou nos panos”.

No início, após a primeira limpa manual, a azeitona era ‘padejada’, para a ‘trapa’. Isto é, era efetua-da uma bolsa em forma de U, com varas e panos denominados ‘tra-pa’, para onde era lançada com uma pá, de madeira e cabo longo. No lançamento, sempre contra o vento, a pá era volteada, ou seja, torcia-se ligeiramente o cabo da pá, o que originava a dispersão do fruto e provocava a melhor forma da folha voar e da azeitona cair na ‘trapa’, livre de impurezas.Chegada ao lagar era pesada, lava-da através de um ‘sem-fim’, uma espécie de parafuso que roda con-tinuamente com a ponta em vão e colocada no moinho. O moinho é o recipiente redondo em ferro, onde circulam as ‘galgas’, nome atribuído às pedras de granito, de forma circular ou cónica que processam o esmagamento da azeitona.As ‘galgas’ foram inicialmente ro-dadas com gado, posteriormente usada a água e, atualmente, são movidas através de eletricidade. Contudo, este tipo de moagem foi substituída, na maioria dos lagares de azeite, pelos chamados

‘moinhos de martelos’, com um funcionamento similar.Uma amálgama resultante do fru-to da azeitona moída e água quen-te é enseirada ou encapachada, ou seja, estendida de forma circular nos ‘capachos’. Também nestes houve alguma transformação. Outrora feitos em crina passaram a sê-lo em ‘nylon’. Consoante se vão enseirando, os ‘capachos’ são colocados em pilha, sobre um car-ro próprio para o efeito, e condu-zidos para uma prensa hidráulica, onde se procede ao seu aperto. O resultado da prensagem é uma água suja ruça alourada, fruto da mistura do azeite e da água, e é conduzida para as tarefas.É nas tarefas em que se opera a ardilosa forma de separar o azeite da água sem recurso à utilização de maquinaria moderna, como diz o mestre João Curado, que exe-cuta a tarefa há mais de 40 anos. ‘Mestre lagareiro’ é o nome dado ao trabalhador, encarregado ge-ral do lagar, a quem, para além de coordenar e supervisionar os trabalhos, incumbe, igualmente, proceder à decantação do azeite e subsequente trasfega. Como é sa-bido, o azeite boia na água quente que jorra da prensa e cai na tarefa. Aí entra a ciência do mestre. Se-para as águas ruças que são um subproduto da extração do azei-te, e vai baldeando, com auxílio do seu ‘caço’, prato e espátula, a gordura flutuante, de tarefa em tarefa, até obter azeite limpo. Em tempos idos o mestre usava ‘varinha’, uma pequena vara de marmeleiro ou outra árvore com a qual determinava a profundidade do azeite. Ao introduzir a ‘vari-nha’, ia-a abanando. Enquan-to houvesse azeite, a ‘varinha’ apenas oscilava dada a densidade deste, mas, quando atingia a água

ruça, começava a vibrar, indican-do onde terminava o azeite. De-pois sangrava a tarefa até a altura do azeite e subsequentemente procedia à sua decantação.Em alguns lagares a ‘varinha’ era substituída por um medidor artesanal, constituído por uma palha, geralmente de trigo, com uma azeitona espetada na ex-tremidade mais grossa a servir de boia. Esta palha, na vertical, só descia até à zona da água uma vez que aí flutuava, permitindo ao mestre determinar a altura da coluna de azeite dentro da tarefa e decantá-lo.Atualmente, é uma centrifuga-dora que procede à separação das águas ruças e do azeite, a uma ligeira temperatura que ronda os 30 graus, e em nada altera o sabor do azeite tradicional. No final procede-se à sua trasfega para os depósitos. Ainda resta a baga ou bagaço, os restos da pasta que ficou dentro dos capachos, e que é aproveitado no alimento de animais, para o lume ou caldeiras de aquecimento.O presidente da COPOLAN, la-gar de azeite no Sardoal, alerta os utentes dos lagares para terem atenção à ‘funda’. A ‘funda’ é o resultado obtido entre a azeitona prensada e os litros de azeite que rendeu por alqueire (13 quilos). Mas não esquecer que um litro de azeite apenas pesa 0,916 gramas. Na maioria dos lagares, o uten-te paga em função dos quilos de azeitona levada. Fica, assim, garantido o pagamento da labo-ração, independentemente da produção, ao contrário dos la-gares em que se paga por quilo de azeite, o que obriga a uma pren-sagem muito mais apurada, pois o lagar recebe segundo o azeite produzido. g

l Com a industrialização agrícola, a transformação da azeitona passou a ser feita em lagares de “linha direta”.

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renata CunhaESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

Miguel lopeSESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

ermida, a cerveja de culto abrantina feita com produtos de qualidade

“Pura, sem corantes ou conservantes”intereSSado pelo Mundo da cerveja artesanal, Rui Reis, mestre cer-vejeiro, iniciou esta aventura em 2012. Começou a produzir a sua cerveja e a dar a provar a amigos, que lhe deram a confirmação de que deveria expandir o negócio. Hoje, quando se fala em Ermida, já todos sabem do que se trata. Er-mida é a cerveja dos abrantinos.O promotor da cerveja artesanal Ermida já estava bastante ligado à indústria de desenvolvimento de novos produtos e da área alimen-tar, o que facilitou a sua entrada neste mercado. Uma noite, ao fazer pesquisas na internet sobre novos produtos alimentares, de-parou-se com a cerveja artesanal. Interessado por esta ideia, decidiu viajar até à cidade invicta, o Por-to, onde frequentou uma formação sobre cerveja artesanal. “Este é um percurso que não dá apenas para aprender com formações. Temos de ir praticando todos os dias e ir aprendendo com os erros”, afirma o mestre cervejeiro.As primeiras tentativas “bebiam--se”, reconhece Rui Reis. “À me-dida que vamos aprendendo mais sobre cada tipo de cerveja, vemos que se bebia, mas que não esta-va bom, faltava aperfeiçoar.” É, assim, necessário melhorar cada

receita, até se obter o resultado pretendido, “para dar às pessoas produtos com qualidade”. Quando começou a produzir o seu líquido dourado, começou a levá--lo para jantares com amigos e a oferecer-lhes. Desde essa altura teve de aumentar a quantidade de produção. A partir daí, os 20 litros que Rui Reis fazia deixaram de ser suficientes. Atualmente, o mestre cervejeiro produz cerca de 200 a 250 litros de cerveja, que leva cerca de oito horas a ser con-fecionada, dependendo do tipo de cerveja. “Produzir cerveja artesanal é um processo demorado”, pois an-tes de obtermos o produto final é necessário passar por algumas etapas. A moagem do grão, a braçagem que lhe retira todos os açúcares e que vem dar origem ao mosto, a filtragem, a fervura que serve para esterilizar, a co-locação do lúpulo que confere à cerveja os seus típicos aromas, o arrefecimento do mosto para lhe colocar as leveduras, sendo estas o que constrói a cerveja em si. Após este processo, a cerveja passa pela maturação que demora cerca de três semanas. Só depois está pronta para ser engarrafada. Já na garrafa, existe uma segunda fermentação que vai fazer com que a cerveja ganhe o seu gás. Dependendo do tipo de cerveja, algumas estarão prontas passadas

algumas semanas, outras só pas-sado alguns meses estarão pron-tas para fazerem as nossas papilas gustativas dançarem. Rui Reis afirma que o segredo que faz com que a Ermida se diferencie de outras cervejas é por ser “feita com produtos de qualidade e o cui-dado na escolha dos produtos e na confeção da mesma”. A Ermida é uma cerveja “pura, sem corantes ou conservantes”, com uma gran-de riqueza de aromas e sabores.

O nome é Ermida, mas não serve para rezar. Após algumas tenta-tivas para se encontrar um nome que fizesse jus à cerveja, Ermida surge a partir da morada do mes-tre cervejeiro, Rua Ermida de Sto. André. Ermida significa “um lugar de culto” e era isso que Rui Reis pretendia que fosse a sua cerve-ja, uma cerveja de culto que fosse apreciada e para ser bebida. Tudo batia certo. Rui Reis, o mestre cervejeiro, não encontrou grandes dificuldades em entrar neste mercado. Entrou lentamente, com uma produção a uma escala reduzida e, pouco a pouco, foi aumentando a sua car-teira de clientes. “Foi apenas uma questão de apresentar o meu pro-duto e começar a vender”. Grande parte dos seus clientes residem na Cidade Florida. Alcai-de, A Merceneta, Chave D’Ouro, Restaurante Santa Isabel e Palha de Abrantes, são alguns dos locais

onde se pode encontrar esta cer-veja artesanal abrantina. Contudo, também em Ponte de Sor e Vila de Rei é possível encontrar-mos uma Ipa, uma Trigo ou outras Ermidas que farão qualquer pessoa ficar rendida a este produto. Bre-vemente a cerveja Ermida também irá viajar para Portalegre e para Mação. Rui Reis pretende dar a conhecer a outros locais de Portugal as suas loiras, contudo o promotor afirma que “vai em função das suas capa-cidades de produção”, apesar de não faltarem pedidos para que a Ermida seja comercializada nou-tros locais do nosso país. A exportação, neste momento, não é um objetivo do promotor. Para o mestre cervejeiro, a Ermida terá sempre o cariz de uma cerveja local, para que se possa associar a cerveja à nossa terra. Rui Reis con-clui que “a Ermida poderá conti-nuar a ser a cerveja de Abrantes”. g

Café emblemático do centro histórico de Abrantes acaba de ser remodelado

“O Chave D’Ouro é o melhor sítio do mundo”

Filipe Gomes e Telma Dias são os proprietários do emblemático café Chave D’Ouro, que fica na praça Ba-rão da Batalha, no centro histórico de Abrantes, há 81 anos, tornando-se assim um ponto de referência para quem visita a cidade florida. Recen-temente o café esteve fechado, para obras de remodelação. A ideia é criar um novo espaço, no 1º andar.

Quais são os pontos fortes do Chave d’ouro?Telma Dias: São todos. Somos nós, é o café em si, são os clientes que fazem o café e que nos ajudam a ter o negócio aberto, tudo aquilo que ser-vimos cá, a nossa simpatia e o facto de nós tratarmos bem toda a gente que aqui vem.Como é que o café se tem adaptado com o passar dos anos?Telma Dias: Eu acho que nós fomos uns visionários na altura em que fi-zemos remodelações, há 30 anos. Como tal isto manteve-se sempre atual e moderno. Penso que é um sítio bastante acolhedor, pelo mo-

biliário e pela maneira como foi feito.e o que é que mudou ao longo dos tempos?Telma Dias: Nós fomo-nos adaptan-do.Filipe Gomes: O que mais mudou foi o próprio centro histórico. Foi o que mais mudou na existência deste café,

mas as cidades são feitas de mudan-ças e temos que acompanhá-las e tentar o melhor possível.o facto de o café estar presente numa praça emblemática de abrantes, in-fluencia o negócio?Filipe Gomes: Sem dúvida. É muito mais fácil estar numa praça comercial

do que estar numa rua paralela ou num outro local menos frequentado.Qual o público-alvo do café?Filipe Gomes: É variado. Acho que o público-alvo nesta cidade de Abran-tes como está atualmente terá que ser de todos os tipos. Na parte da manhã há um determinado movi-mento, de uma determinada faixa etária. Já durante a hora de almoço há uma certa miscelânea porque, normalmente, é designada pela hora do café. Durante a tarde vai come-çando a filtrar para um público-alvo mais jovem.em que alturas do ano é que o Chave d’ouro tem mais procura?Filipe Gomes: Penso que ao longo do ano inteiro. Todos nós sabemos que há picos de afluência, durante o dia por variadíssimas razões. A parte do verão é sempre mais propícia a forasteiros, malta que anda em pas-seios de férias. Durante a altura em que as escolas desta região estão a funcionar, na parte da tarde é mais frequente haver mais afluência, du-rante a noite e aos fins de semana. Nós sabemos perfeitamente que a população que neste momento frequenta o centro histórico não é

considerável em termos numéricos, nós desejamos sempre muito mais. Desejamos que as pessoas que vi-vem na periferia venham ao centro e há que fazer tudo para cativar as pessoas, para que não haja grandes quebras e para que se mantenha uma certa regularidade no movi-mento e nas pessoas que frequen-tam o centro histórico.a que se deveu ao fecho temporário do café?Filipe Gomes: Fundamentalmente a obras de remodelação.e o que veio de novo?Filipe Gomes: Estamos apostados em fazer do primeiro andar outro espaço ou mais espaço para quem nos visita e mais opções, neste caso, dentro do estabelecimento.Quais as expetativas que têm para o futuro?Filipe Gomes: Temos que ser positi-vos senão não embarcávamos nesta fase. Nem todos sabemos o que neste momento está a valer nesta zona. Te-mos sempre esperança, foi assim há 30 anos e vai ser novamente assim porque ao fim ao cabo isto não deixa de fazer parte da minha existência.Uma palavra que descreva o Chave D’Ouro.Telma Dias: O melhor sítio do mundo. Aquele em que se está mais confortá-vel e espero que continue a ser cada vez mais.g

l O processo de maturação pode chegar a levar meses

l “Somos nós, é o café em si, são os clientes que fazem o café e que nos ajudam a ter o negócio aberto”

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FOTOGRAFIA RUI REIS

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08 ESTA JORNALJANEIRO 2016Última

FICHA TÉCNICA | DIRETORA: Hália Costa Santos DIRETORA ADJUNTA: Raquel Botelho REDATORES: Adriana Claro, Beatriz Baptista, Daniel Seabra, Elisa Nóbrega, Marta Claro, Miguel Lopes, Renata Cunha, Sérgio Figueiredo, Solange Cruz, Sónia Valdoleiros Lima PROJETO GRáFICO: José

Gregório Luís PAGINAÇÃO: João Pereira TIRAGEM: 15000 exemplares

Na última década, de Norte a Sul de Portugal, as praxes ganharam um novo fôlego. Desde o caso do Meco à recente praxe no Algarve que todos ficámos um pouco mais alerta. Todos os anos são discutidos os prós e os contras desta tradição. Mas, afinal, como é realmente a praxe? Momentos e testemunhos de Santarém e de Abrantes mostram a praxe pela positiva.

é dia do deSfile aCadéMiCo para a cidade de San-tarém. Às duas da tarde o sol é intenso mas não chega para aquecer o friozinho deste fim de Outubro. O trânsito está um caos, devido ao corte de uma das principais ruas, e é mui-to difícil estacionar o carro nos arredores da Praça de Touros. É lá que se juntam todos os caloiros e veteranos das cinco Escolas do Politécnico de Santarém: Escola Superior Agrária, de Desporto, de Educação, de Ges-tão e Tecnologia e a de Saúde. O barulho é ensurdecedor. São centenas as pessoas que aqui estão. Encostados à praça de Touros, agrupados consoante a sua escola, estão os alunos que vão desfilar: são todos caloiros e estão ves-tidos com fatos feitos por eles mesmos. A Escola Agrária é a última a chegar: funda-dora do desfile académico em Santarém, co-nhecida por ser irreverente e por encarnar o espírito festivo, chega de trator e com uma grande algazarra. “Eles não querem saber da competição, fazem isto porque se querem divertir e pelo espírito académico. Todos os anos são desclassificados”, explica Nânci Ouro. É aluna do 2º ano de enfermagem, tem 19 anos, e não se arrepende de fazer parte da praxe: “Da minha experiência de praxe tiro tudo de bom: o batismo, os amigos, as festas e o desfile, que é o mais importante. Voltava a repetir tudo.” Para a Escola Superior de Saúde o desfile é o momento mais importante da praxe: é o dia em que se vão apresentar à cidade de Santarém. As regras são simples: cada escola tem de fazer o seu próprio fato, nada que não tenha sido feito por eles pode ser usado. Têm de escolher um tema e inventar várias mú-sicas. Qualquer infração a estas regras pode levar à desclassificação. O júri é composto por um professor de cada Escola e a votação é feita por pontos. Há três anos consecutivos que ganha a Escola Superior de Desporto. O desfile marca o fim da época de praxe. Para o superior João Mendes, membro da Comissão de Praxe e aluno do 3º ano de En-fermagem, a praxe é uma forma de inte-gração: “Acho que eles [caloiros] aprendem valores que não era possível se não existisse a praxe.” Assume também que se pudesse voltava a ser caloiro. O único motivo que o levou a fazer parte da Comissão de Praxe foi a vontade de passar aos caloiros os valores que lhe passaram a ele.“Dura praxis, Sed praxis” tem sido, desde há muito tempo, o mote associado à praxe académica. Tem inspiração no mote latino “Dura Lex, Sed Lex” (A lei é dura, mas é a Lei). Foi assumido que “dura praxis” carac-terizava a praxe como sendo física e psico-logicamente dura. Para Nânci Ouro, a praxe

os momentos altos são o dia do batismo e o dia em que se traja pela primeira vez

“A praxe é uma lição para a vida”adriana ClaroESTA d COMUNICAÇÃO SOCIAL

só tem de ser dura no sentido em que tem de ensinar aos caloiros o que é o respeito: “Eles têm de ter respeito por nós tal como nós também temos respeito por eles. Eles estão lá porque querem e têm de ter respeito às pessoas que são mais velhas na academia, tal como vai acontecer em toda a sua vida profissional.”

Para Francisco Antunes, aluno do 1º ano de Enfermagem, a praxe não teve nenhum pon-to negativo. Aos 21 anos ingressou no ensino superior e diz-se muito feliz por ter chegado ao dia do desfile: “Era um sonho que eu tinha chegar a este dia e, felizmente, consegui. Para mim a praxe é uma lição para a vida. Fiz amizades que não esperava e descobri uma força, que eu pensei que não tinha, dentro de mim. O que eu aprendi aqui não se aprende em mais lado nenhum.”

“espírito de camaradagem”Mais acima no Tejo encontramos Abrantes. Pequena cidade com algumas relíquias es-condidas e uma vista extraordinária para o rio. Este é o monte que acolhe os estudantes da Escola Superior de Tecnologia de Abran-tes (ESTA). Inaugurada em 1999, a ESTA faz parte do Instituto Politécnico de Tomar (IPT). “A praxe é uma forma de mostrar a Es-cola e o melhor que a cidade tem. É também o incutir do espírito académico, o espírito de fraternidade e o espírito de camaradagem aos novos alunos”, explica Sérgio Aleluia, aluno do 3º ano de Comunicação Social. É membro do Conselho de Veteranos, o órgão máximo da praxe académica da ESTA, e este ano faz parte da Comissão de Praxe. A praxe na cidade de Abrantes é conhecida por dar vida às ruas. As noites de setembro a novembro são as mais animadas: de segunda a quarta, a praxe começa às 21h30 na Praça da República, com os caloiros alinhados em frente à estátua. “Não houve momentos em que pensei desistir, mas houve noites em que não apetecia sair de casa”, confessa Marta Claro, caloira, aluna do 1º ano de Comuni-cação Social. “À noite acaba por ser mais complicado para nós irmos porque está frio ou porque chove. Mas sei que eles fazem isso na tentativa de não faltarmos às aulas, o que é bom”, conclui. Maria Romana, docente na ESTA desde a sua fundação, acredita que “a praxe tem influência positiva se for feita naquilo a que nós chamamos ‘tempo de praxe’, e se não prejudicar o tempo das aulas”. Beatriz Baptista, caloira de Comunicação Social, decidiu fazer parte das praxes para poder ter a sua própria opinião. Acabou por ficar até ao fim porque estava a gostar da ex-periência. “Pensei que na praxe íamos beber e assim, mas afinal não”, explica divertida-mente. No entanto, aos olhos de Beatriz nem tudo foi um mar de rosas: “Houve algumas praxes que achei estúpidas e que não me fi-zeram aprender nada. Há sempre alguns que mandam mesmo só porque querem mandar nas pessoas, nota-se na cara.”Ao longo dos últimos anos tem-se assistido a uma crescente denúncia de praxes violentas. Sérgio Aleluia explica que existem órgãos na ESTA capazes de evitar tais abusos: “O Con-selho de Veteranos tem a função de manter o espírito académico e de fazer cumprir as regras de praxe, ou seja, praxes abusivas nunca! E cabe ao Conselho de Veteranos evitá-las”. Na ESTA a praxe tem quatro pe-ríodos distintos, sendo o mais importante aquele em que o caloiro é batizado e o dia em que traja.Trajar é o símbolo máximo do espírito aca-démico. “Eu trajo porque penso naquilo que aprendi enquanto caloiro”, afirma João Men-des. Para Nânci Ouro trajar simboliza um sen-timento mais forte: “Trajar é um símbolo de união. Nós somos um, e através do traje nós conseguimos identificar isso. Eu não tenho insígnias na capa, quero ser capa negra. Somos todos iguais, os emblemas diferenciam-nos.”A tarde já vai longa e o sol já se pôs quando se dá por terminado o Desfile Académico de Santarém. Na praça do seminário já só se veem capas negras. As vozes que antes cantavam estão agora a descansar. Só quem lá passa se arrepia com espírito que se faz sentir. Se há realmente algum ensinamento que fica da praxe, é, sem dúvida, este espí-rito de união. g

l Em Santarém o desfile marca o fim da época de praxe. Em Abrantes a praxe faz-se em diferentes momentos, para integrar, incluindo ao almoço, na cantina.

ESTAJORNAL ERROu | A ficha técnica da última edição do ESTAJornal (edição 180 Creative Camp), publicado em agosto de 2015, estava incompleta: na referência aos créditos das fotografias deveria constar o nome de Dina Arsénio, que é autora de parte das imagens publicadas.