Estamento_Burocratico (Raymundo Faoro)

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Política Estamento Burocrático

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  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 16, janeiro de 2009.

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    Estamento Burocrtico e Intencionalidade: Raymundo Faoro, Florestan Fernandes1

    Paulino Varela Tavares2

    Pedro Cezar Dutra Fonseca3

    Resumo

    O termo estamento burocrtico, de inspirao weberiana, foi utilizado por Raymundo Faoro em sua interpretao sobre a sociedade brasileira e geralmente associado a patrimonialismo, privilgios extra-econmicos e, por outro lado, ao desenvolvimento das estruturas institucionais e polticas centralizadas e no racionais, com destaque especial para uma constante adaptao aos mecanismos de continuidade e permanncia nas estruturas polticas de uma sociedade. Sob outro enfoque, tambm a caracterizao de estamental para a sociedade brasileira aparece na obra de Florestan Fernandes. O artigo faz um cotejo entre as duas interpretaes e enfoca a questo da intencionalidade ou racionalidade quanto a sua adoo pelo grupo dirigente, em dilogo com contribuies institucionalistas. Palavras-chave: Instituies; Estado; Brasil.

    Abstract

    The term estamento burocrtico, inspired by Weber, was used by Raymundo Faoro in his interpretation of the Brazilian economy, and it is usually linked to patrimonialism, extra-economical privileges and, on the other hand, the development of the non-rational and centralized political and institutional structures, especially in regard to a constant adaptation to the mechanisms of continuity and permanence on the political framework of a society. Under a different approach, the characterization of patrimonialism in the Brazilian society is also mentioned by Florestan Fernandes. This paper compares the two interpretations and centers on the issue of purpose or rationality regarding their adoption by the ruling class, incorporating institutionalist contributions. Keywords: Institutions; State; Brazil.

    1 Trabalho baseado nos textos e nas aulas das disciplinas de Economia Brasileira e Interpretaes do Brasil, no Programa de Ps-Graduao em Economia (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Economia do Desenvolvimento. 2 Doutorando em Economia pelo Programa de Ps-Graduao em Economia (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Economia do Desenvolvimento. [email protected] ; [email protected] 3 Professor do Programa de Ps-Graduao em Economia PPGE/UFRGS e pesquisador do CNPq.

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    1. Introduo

    A constante discusso sobre a formao econmica, social

    e poltica da sociedade brasileira nos remete s mltiplas e no

    consensuais anlises e interpretaes histricas. Essa recorrncia

    histria refora a necessidade de revisitar seus grandes

    intrpretes, passo fundamental para compreender o presente e

    imprescindvel para construir os alicerces para o futuro. Ademais,

    remete-nos clssica questo sobre as foras que impelem as

    mudanas sociais e/ou contribuem para a continuidade e para

    a permanncia de seus marcos estruturais ao longo do tempo.

    Mudana, na concepo dos institucionalistas antigos

    Commons est associada ao comportamento evolucionrio

    das instituies4, ou seja, da cultura, crenas e hbitos, alm das

    leis e regras, estas associadas s demandas da sociedade a

    qual, para Commons, est em constante transformao. Tendo

    em vista a sociedade brasileira, imprescindvel analisar as

    diferentes interpretaes e, por outro lado, procurar nas mesmas

    quais suas linhas definidoras, a fim de captar o sentido que

    atribuem ao curso de sua histria.

    Caio Prado Jr., influenciado por Marx, deixa transparecer

    que a histria segue uma linha evolutiva, ao passo que Faoro

    (1979)5, rejeitando a acepo marxista e fortemente influenciado

    por Weber, tambm recorre a argumentos histricos, mas

    explicitamente descarta a possibilidade de uma marcha

    progressiva: a metfora que utiliza de uma viagem redonda,

    na qual os problemas se repetem e se reatualizam, com

    marcada linha de continuidade. Em Faoro, plausvel observar

    que atravs da incorporao na histria dos interesses

    (polticos, econmicos e estratgicos) do Estado patrimonial da

    4 O conceito da instituio pode ser expresso, em geral, por um conjunto de valores, crenas, regras, comportamentos e capacitaes sociais, o qual se forma e se torna enraizado (embedded) e transmitido socialmente. 5 Todas as demais citaes de Faoro foram extradas desta obra.

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    metrpole (Portugal) que se torna possvel perceber a formao

    da estrutura estamental no Brasil, remontando a suas origens. J

    Florestan, mesmo que em abordagem muito diferente e tambm

    com marco terico marxista, aceita a presena de marcada

    influncia patrimonialista e estamental na sociedade brasileira

    portanto, conjugando categorias weberianas com marxistas em

    sua anlise. Em certo sentido, resgata a importncia das teses de

    Faoro em uma reconstituio histrica do pas de fundo marxista,

    uma vez que outros autores com esta formao, como Nelson

    Werneck Sodr, haviam criticado enormemente a concepo

    de Faoro (e este explicitamente trata o materialismo histrico

    como dogma j nas primeiras pginas de Os donos do

    Poder).

    Ao ilustrar a importncia das instituies no curso da histria,

    na verdade procura-se, implicitamente, delinear trs pontos

    crticos fundamentais, que vo ser abordados a seguir. So os

    seguintes: a sociedade estamental s possvel em um contexto

    de relaes feudais ou pode coexistir com a expanso da

    circulao do capital (e/ou do capitalismo)? Caso a sociedade

    estamental se configure como barreira ao capitalismo, como se

    poderia explicar que o Brasil, ao longo dos sculos XIX e XX,

    desenvolveu uma economia com todas as caractersticas

    capitalistas? E, por fim, qual a convergncia, caso exista, entre

    essas duas questes anteriores?

    Para se ensaiar uma resposta, mesmo preliminar, a essas

    questes, parte-se das interpretaes de Raymundo Faoro e

    Florestan Fernandes (1981)6, nas duas obras em que estes autores

    analisam em profundidade a formao histrica do Brasil desde

    o perodo colonial: Os Donos do Poder e A Revoluo

    Burguesa no Brasil. Por outro lado, tentarse- verificar a

    existncia de ponto(s) de convergncia entre ambas,

    6 Todas as demais citaes de Florestan Fernandes foram extradas desta obra.

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    principalmente no que tange s caractersticas estamentais e

    patrimonialistas da sociedade brasileira.

    2. Estamento Burocrtico em Faoro (1979)

    Faoro consagra uma interpretao do Brasil transdisciplinar -

    com entrosamento entre variveis econmicas, jurdicas,

    polticas, culturais e sociolgicas -, e alicerada em farta

    documentao histrica. Nela destaca dois aspectos que, ao

    seu ver, so interligados s prprias razes histricas do Brasil.

    O primeiro aspecto refere-se ao estamento e ao

    patrimonialismo7. Em sua concepo, esses termos apontam

    para fenmenos que so complementares e se auto-reforam

    ao longo da historia da formao da sociedade brasileira.

    Quanto ao segundo aspecto, destaca-se a formao do Estado

    Nacional, que, segundo Faoro, est intimamente relacionada

    com a evoluo do comportamento estamental os donos do

    poder em detrimento da ausncia de uma legitimao

    formal-legal do poder poltico8.

    2.1. Faoro e Sistemas de Dominao: a Influncia Weberiana

    Faoro (1979), influenciado pela doutrina weberiana,

    defende que o patrimonialismo - a realidade do Estado

    patrimonial alm de uma forma de exerccio de poder poltico,

    derivado de um sistema de dominao que autorrefora a

    consolidao e a continuidade da estrutura estamental na

    sociedade. Como conhecido, a dominao social em Weber

    pode apresentar-se segundo trs tipos ideais: dominao

    carismtica; dominao racional-legal; e, por fim, dominao

    tradicional.

    7 Em geral, o termo patrimonialismo refere-se a uma forma de exerccio de dominao por uma pessoa e/ou grupo. Essa autoridade legitimada pelos preceitos da tradio e costume, onde as caractersticas fundamentais repousam no poder individual do governante, este selecionado atravs de critrios pessoais. O governante exerce, de forma legal, o poder poltico e administrativo em determinado territrio e atravs de um quadro de funcionrios. 8 Em resumo, a ausncia de uma estrutura burocrtica estvel leva ao estabelecimento de um vnculo orientado administrao.

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    A dominao carismtica uma forma de dominao

    pautada por fatores emocionais, afetivos, sobrenaturais e/ou

    divinos. O exerccio de dominao executado por lderes. A

    obedincia do dominado determinada, nesta forma

    institucional de dominao, por crenas (muitas vezes

    arcaicas) em caractersticas qualitativas e subjetivas desses

    lderes que, por outro lado, nomeiam os dirigentes para cargos

    administrativos de acordo com as convices pessoais.

    A dominao racional-legal se d atravs de estruturas

    regulamentadas, com objetivos e regras claramente

    especificados. Nesta estrutura institucional de dominao,

    existem normas, regras e/ou leis comuns para todas as classes,

    consagrando a universalidade e a igualdade jurdica entre

    cidados. O governante escolhido por critrios definidos e

    racionais no sentido weberiano, de onde provm sua

    legitimidade. Por outro lado, os agentes que exercem essa

    dominao legal so considerados funcionrios com contratos

    de trabalho fixos, prestadores de servios mediante pagamento

    de ordenados e, por fim, com capacidades tcnicas para tomar

    decises, de interesses pblicos, idealmente sem juzo de valor.

    Trata-se de uma burocracia tambm racional, impessoal e

    adepta de critrios universais em uma tipificao ideal.

    A dominao tradicional, de um modo geral, manifesta-se

    a partir da existncia de uma crena divina e aceita pela

    coletividade, de ordens e poderes legitimados pessoa e/ou

    grupos que exercem a dominao. Essa aceitao da

    coletividade fruto de costumes que, na ausncia de

    contestao, mantm-se e enrazam-se ao longo do tempo. Ou

    seja, a dominao tradicional se auto-refora pela prpria

    aceitao social, o que contribui para o desenvolvimento de

    fundamentos que enrazam o prprio estamento burocrtico e,

    consequentemente, o fenmeno de patrimonialismo. Sendo

    assim, retoma-se, a seguir, mesmo que de forma breve, a relao

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    presente em Faoro entre dominao tradicional e Estamento

    Burocrtico.

    2.2. Dominao Tradicional e Estamento Burocrtico

    Na dominao tradicional, quando a sociedade

    reconhece quem exerce a dominao e/ou poder, por um lado,

    pode legitimar a no obedincia das normas jurdicas institudas

    e, por outro lado, validar os privilgios dos que exercem o poder

    em nome do soberano e/ou monarca. Este, por exemplo, ao

    instigar o aprofundamento do culto personalidade, baseado

    na tradio, costume ou crena9, tenta instituir e reforar,

    atravs da persuaso, certo poder institucional quase divino. O

    poder do soberano e de seus funcionrios incontestvel:

    ... a direo dos negcios da Coroa exigia o trato da empresa econmica, definida em direo ao mar, requeria um grupo de conselheiros e executores, ao lado do rei, sob a incontestvel supremacia do soberano... (Faoro, 1979, p. 60).

    A incontestvel supremacia do soberano demonstra uma

    dimenso absoluta para tomar determinadas decises privadas,

    usando todas as estruturas pblicas, inclusive determinando e

    fazendo valer leis, no s em benefcio prprio, mas tambm em

    benefcio daqueles que desempenham determinadas funes

    em nome do soberano. Nesse contexto, importante destacar

    que, de um modo geral, no existe a separao dos interesses

    privados10 dos soberanos em relao ao interesse pblico, sendo

    9 Em Commons e no Antigo Institucionalismo, as tradies, os costumes e as crenas so considerados como instituies. 10 Exemplo: Evans (1996), ao caracterizar um Estado predatrio, usou um exemplo muito difundido deum Estado Estamental corrupto, onde os rent-seekers apropriam parte da renda gerada na economia. Zaire e Mobutu so citados como exemplos de estruturas (e agentes pblicos) em que o mainstream tem dificuldade para explicar, embora, por vezes at seu comportamento possa ser previsto pela concepo neoutilitarista. importante mencionar que a ao individual dos agentes para explicar a dinmica do crescimento econmico constitui a pea-chave de mainstream microeconmico. Sendo assim, a ao individual de Mobuto como presidente do Zaire poderia ser explicada tendo em vista que grupos particulares controlam a prpria ao e as decises do Estado; o aumento das exportaes de minrios tem uma relao direta com o aumento da riqueza particular desses grupos; o aumento da misria e da pobreza correlaciona-se diretamente com a apropriao da renda por parte dos grupos polticos e com seu elevado grau de arbitrariedade. Neste ambiente, diante da ausncia de aparato

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    assim, fundamental para o desenvolvimento do chamado

    estamento poltico e/ou burocrtico. Portanto, Faoro (1979)

    destaca que, de um modo geral, o estamento poltico constitui

    uma conformidade legitimada pela coletividade, onde os seus

    membros pensam e agem conscientes de pertencer a um

    mesmo grupo, a um crculo elevado, qualificado para o

    exerccio do poder. E refora que,

    ... a situao estamental, a marca do indivduo que aspira aos privilgios do grupo, se fixa no prestgio da camada, na honra social que ela infunde sobre toda a sociedade. Esta considerao social apura, filtra e sublima um modo ou estilo de vida; reconhece, como prprias, certas maneiras de educao e projeta prestigio sobre a pessoa que a ela pertence; no raro hereditariamente... Faoro (1979, p.61).

    Partindo da afirmao anterior, percebe-se que a situao

    estamental, como subtipo da dominao tradicional, abrange

    uma relao entre indivduos e grupos, os quais desfrutam

    privilgios e honra social, os quais no dependem

    necessariamente da hereditariedade. Os interesses polticos,

    misturados aos econmicos e, sobretudo, a perpetuao no

    poder so cada vez mais importantes para explicar o

    comportamento dos indivduos e dos governantes. Assim, fica

    explcita que essa situao estamental se desenvolve em

    sociedades onde as condies econmicas, sociais e polticas11

    so frgeis, como acrescenta Faoro:

    ... os estamentos florescem, de modo natural, na sociedade feudal ou patrimonial. No obstante, na sociedade capitalista, os estamentos permanecem, residualmente, em virtude de certa distino econmica

    institucional capaz de repensar o papel e a funo do Estado, assim como de reformular e diferenciar os interesses privados e pblicos, o Zaire de Mobutu exemplificaria um Estado estamental coorporativo, onde as estruturas de rent-seeking ajudam a explicar sua prpria dinmica acumulativa. 11 No caso do Brasil, a presena de benefcios particulares e polticos levam ao chamado problema de coordenao das polticas do desenvolvimento, porque as oligarquias existentes influenciam as decises do estado. Por esta razo, a criao de estruturas capazes de impor determinadas caractersticas racionais dentro do processo de desenvolvimento torna-se necessria como exemplo a criao do BNDES, como fonte de financiamento de longo prazo mediante anlise de projetos, e no de vontade unilateral do governante (Evans, 1996).

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    mundial, sobretudo nas naes no integralmente assimiladas ao processo de vanguarda... ( p. 62).

    Faoro, ao mencionar que o estamento, como forma de

    dominao tradicional, desenvolve-se nas sociedades feudais

    ou patrimoniais, argumenta que isso no impede que tambm

    possa se verificar na formao histrica da sociedade

    brasileira, embora no mencione a existncia de feudalismo

    no Brasil, como alguns autores marxistas da poca. Para ele

    (p.62), o Estado patrimonial e estamental corporifica uma

    forma de dominao que, ao contrrio da dinmica da

    sociedade de classes, projeta-se de cima para baixo. Todas as

    camadas sociais, desde artesos e jornaleiros aos lavradores e

    senhores de terra, assim como comerciantes e armadores,

    orientam suas atividades dentro das raias permitidas,

    respeitando os preceitos determinados pelo controle superior

    e submetendo-se s regras convencionalmente fixadas12.

    Sintetiza Faoro:

    os estamentos governam, as classes negociam. Os estamentos so rgos do Estado, as classes so categorias sociais (econmicas).

    Como se sabe, h relativo consenso entre os estudiosos

    mais recentes da formao da sociedade brasileira quanto

    inexistncia de feudalismo em sua formao histrica. Nem

    mesmo instituies feudais, em comparao com a Frana e

    a Inglaterra, foram estruturas marcantes ao longo da histria

    do Brasil13. Essa observao, para alguns autores,

    fundamental para explicar por que a revoluo burguesa no 12 Juntamente ao rei, livremente recrutada, uma comunidade patronato, parceria, oligarquia, como quer que a denomine a censura pblica manda, governa, dirige, orienta, determina, no apenas formalmente, o curso da economia e as expresses da sociedade, sociedade tolhida, impedida, amordaada Faoro (1979, p.63). 13 Florestan Fernandes, em divergncia com Caio Prado Jr., afirma que o senhor de engenho, por exemplo, no possui comportamento empresarial, no inovador e nem assume risco. Na economia colonial nordestina no havia nem feudalismo nem capitalismo, tampouco uma ordem social competitiva.

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    Brasil se deu atravs de um processo prprio, diferenciado dos

    casos clssicos das revolues burguesa francesa e inglesa,

    onde o desfecho ilustra um confronto entre a burguesia e os

    defensores das estruturas feudais.

    Levando em conta essas observaes, podemos indagar

    como poderiam ter se desenvolvido, ao longo da formao

    da sociedade brasileira, os mecanismos e estruturas

    caractersticas do Estado patrimonial e estamental, luz da

    concepo weberiana de dominao tradicional, se as

    relaes sociais vigentes no se caracterizavam como

    feudalismo?

    2.3. O Estamento e a Influncia da Metrpole Portuguesa

    Em Faoro, percebe-se que as caractersticas institucionais

    e administrativas da metrpole portuguesa evidenciam, desde

    as origens do Estado Nacional, a concentrao do poder e

    da riqueza nas mos do rei e/ou soberano. Assim, este, como

    detentor e controlador via dominao tradicional das

    foras polticas e econmicas da metrpole, determinava a

    criao de companhias, distribua cargos e ttulos como

    privilgios a um estamento burocrtico. Em nome da nao,

    voltava-se obteno de lucros, para o que contava com a

    obedincia dos subordinados, mesmo que burgueses:

    ... O contexto econmico de Portugal, no sculo XV, obedece a um ncleo ativo, dinmico, associado ao Estado. Burguesia e domnio territorial estavam domesticados ao mesmo fim, sob as rdeas do soberano (p. 69).

    Segundo Faoro, a dinmica da economia portuguesa

    nos sculos XIV e XV no conhecia, em sua teia social, a

    predominncia de estruturas agrrias - condio fundamental

    para assegurar a apropriao do excedente e o poder

    nobreza territorial e lhe conferir capacidade para uma

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    pretenso de compartilhar e/ou limitar o poder do soberano.

    Assim, segundo Faoro (p. 68), o sistema se afastava da

    concepo tradicional, ajustando-se aos interesses ligados ao

    comrcio, onde h procedncia, neste particular, do vnculo

    entre a economia monetria e capitalismo (embora no

    necessariamente o capitalismo industrial...):

    ... A nobreza cedia todos os seus privilgios ancestrais: no futuro, s lhe restaria, ares cortesos, despida de arrogncia, pedir um lugar no governo, fonte nica de poder, de prestigio, de gloria e de enriquecimento. Por seu turno, a burguesia, orgulhosa de seus xitos, sentir, sem definir uma ideologia prpria, que seu papel se reduz a agente do rei, o futuro insigne mercador da pimenta... (p. 66).

    Assim, a associao entre uma nobreza com bem menos

    privilgios, se comparada aos casos clssicos antes

    mencionados, com uma burguesia14 sem ideologia prpria (ou

    seja, formada sombra do estado e muitas vezes avessa

    concorrncia e s regras liberais de mercado), sustentava o

    poder absoluto do rei, o que contribuiu para o fortalecimento

    dos mecanismos e dos arcabouos propcios para a

    institucionalizao do estamento burocrtico em Portugal. Em

    Faoro, fica evidente que o poder do Estado patrimonial,

    enraizado com este estamento burocrtico, associado

    situao geogrfica de Portugal, foram importantes para as

    conquistas ultramarinas15 durante os sculos XV e XVI. Pois,

    como observa Faoro (p. 67), a geografia, se elevada causa

    14 A aristocracia, no aquinhoada de novas terras, isolada do comrcio, precisava de rendosos postos, dentro do estamento. Ceuta foi a soluo, a Ceuta cobiada pela burguesia cosmopolita, centro irradiador do comrcio africano, sob os cuidados dos detestados mouros. A deciso cabe ao rei, que, definida a campanha, busca o apoio dos homens do dinheiro, os quais viam na empresa o lucro fcil, pingue, nababesco... (Faoro, 1979, p.72). 15 A proposta da expedio, maduramente pesada e discutida pelo antigo Mestre de Avis, no veio da burguesia nem da velha nobreza. Saiu da cabea de Joo Afonso, membro do estado-maior do rei, vedor de sua fazenda, homem que, pelas suas funes, estava em permanente e ntimo contato com a burguesia martima. O estamento filtra, pondera e tece um plano que daria ao tesouro real grossas compensaes... (Faoro, 1979, p.72).

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    autnoma, sugeriria aos espanhis o comando da empresa

    ultramarina, cujo povo estava ativamente empenhado nas

    trocas mediterrneas. Todavia, a centralizao tributria

    precoce de Portugal foi varivel institucional no desprezvel:

    ... O estamento, com o colorido particular que lhe infunde o sculo XIV zela pela supremacia do poder nacional, poder ao mesmo tempo civil em oposio nobreza e ao controle do poder econmico. A nobreza perdeu a ampla imunidade fiscal, sujeita que ficou sisa, o primeiro imposto geral e permanente de Portugal, logo representando trs quartos das rendas pblicas (p. 66).

    A conjugao de outros fatores, todavia, alm dos cais

    europeus assentados nas costas portuguesas, elegeu Portugal

    para a aventura ultramarina. Mas, em termos institucionais e

    organizacionais, o estamento burocrtico foi fundamental

    porque, ao associar o poder estamental aos interesses

    polticos, econmicos e financeiros advindos das conquistas

    de ento, era quem detinha a fora com capacidade de

    organizar, financiar e usar foras militares nos territrios

    ultramarinos.

    ... O comrcio exigia maiores lucros, maiores rendas e maiores vantagens. Comrcio, note-se sempre e uma vez mais, conduzido pelo rei, herdeiro do Estado patrimonial, cercado pelo estamento, que discutia razes e objees ... (Faoro, 1979, p. 70).

    Percebe-se que a construo das estruturas coloniais que

    garantem maiores lucros, rendas e vantagens das conquistas

    ultramarinas dependia das classes sociais e econmicas como

    nobreza e burguesia, mas apenas parcialmente, posto que

    estava fundamentalmente nas mos de uma fora maior: o

    Estado patrimonial e estamental portugus:

    O estado atinge a perfeio capaz de lan-lo ao grande salto, s suas portas desde dois sculos, da expanso no mundo. Somente esta organizao poltica

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    ensejaria, naquela hora, a magna arrancada ultramarina... (p. 67).

    importante acrescentar, finalmente, que as atividades e

    conquistas ultramarinas16 da metrpole portuguesa, como

    expe Faoro (p.68), alm de imprescindveis para o

    desenvolvimento econmico e social, tambm o foram para

    a edificao das razes da nacionalidade, donde sobe como

    a seiva para o tronco, mas como que a linha medular que

    d vigor e unidade a toda a sua histria. Nesse contexto,

    podemos acrescentar que a influncia da estrutura

    institucional portuguesa Estado patrimonial e estamental foi

    para Faoro determinante, mesmo sujeita s transformaes ao

    longo do tempo, para a constituio, no Brasil, de

    caractersticas similares:

    ... O mercantilismo emprico portugus, herdado pelo Estado brasileiro, fixou-se num ponto fundamental, inseparvel de seu contedo doutrinrio, disperso em correntes, faces e escolas. Este ponto, claramente emergente da tradio medieval, apurado em especial pela monarquia lusitana, acentua o papel diretor, interventor e participante do Estado na atividade econmica... (p. 81).

    Por fim, a influncia do Estado portugus pode ser

    considerada intencional17, fruto de decises conscientes e

    sujeitas a um clculo racional, com a criao de

    empreendimentos, rgos burocrticos e regras por parte dos

    governantes, tanto na metrpole como nas colnias. Portanto,

    o estamento burocrtico, nesse contexto, traz consigo um

    16 ... A mola que orienta o comrcio martimo e a formao territorial uma s, definida desde a reconquista, inscrita no Estado patrimonial... (Faoro, 1979, p. 68). 17 O infante dom Henrique (1394-1460) no o pai do comrcio e da expanso ultramarinas. Limita-se a dirigir a empresa martima, racionalmente planejada e racionalmente expandida. Foi a era de dom Henrique: o comrcio africano, modelo do futuro comrcio ultramarino, patrimnio inalienvel da Coroa, reconhecido pelas bulas papais, se empreendeu em duas modalidades: por conta do prncipe ou mediante delegao rgia. No se confunda este sistema com o exclusivismo nacional, nem com o aambarcamento da coroa o comrcio era, na verdade, atividade do Estado, que podia deleg-la ou confi-la a particulares, mediante concesso de privilgios. (Faoro, 1979, p.73).

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    sentido histrico e particular, ou seja, foi instituio

    fundamental para atingir os objetivos das conquistas do

    Estado patrimonialista e colonial: lucros financeiros, expanso

    e defesa territorial - condies para o poder do soberano

    eram ao mesmo tempo as bases do poder do prprio

    estamento18.

    3. Florestan Fernandes, Revoluo Burguesa e

    Estamento

    Florestan Fernandes foi desde cedo extremamente

    preocupado com a metodologia de pesquisa nas cincias

    sociais, tendo escrito vrios estudos epistemolgicos, como

    Fundamentos Empricos da Investigao Sociolgica (1959).

    Seu rigor evidencia-se, dentre outras razes, por defender uma

    metodologia alicerada em pesquisas empricas, crtica e

    avessa a generalizaes apressadas e a dedues a priori. Em

    sua obra, nota-se a influncia tanto de como Marx como de

    Max Weber, alm da chamada Misso Francesa na USP,

    intelectuais que contriburam para a iniciao do ensino e da

    pesquisa em cincias humanas nessa instituio.

    Florestan Fernandes, apesar de reconhecer a influncia

    de Caio Prado Jr. em sua obra e na histria do marxismo

    brasileiro, no concorda com sua tese segundo a qual o

    capitalismo nasce no Brasil com a prprio empreendimento

    colonial, j que este se circunscreve ao circuito internacional

    do capital mercantil. Menciona que senhor de engenho no

    18 A realeza, para garantir a posse da conquista, constri, como o fez nos primeiros tempos da formao nacional, fortalezas militares destinadas a garantir a posse efetiva das novas terras e assegurar a regularidade dos resgates. No ultramar voltam a encontrar-se o colono, o militar, o mercador e o missionrio. Ao lado do forte crescem, paralelas, a feitoria comercial e a igreja. Portugal crescia, assim, pela ocupao militar, pela explorao mercantil e pela evangelizao constantes da histria ultramarina Faoro (1979, p. 75).

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    era inovador, nem feudal e nem capitalista, alm da ausncia

    nele de um comportamento empresarial e voltado ordem

    competitiva. Entende que a revoluo burguesa no Brasil foi

    resultado de um processo que se desenvolveu lentamente,

    mas nem por isso menos efetivo quanto a seu sentido e

    desfecho: a consolidao das relaes capitalistas e a

    consolidao do poder burgus. Todavia, assinala a existncia

    de empecilhos19 para a construo de uma ordem

    competitiva a qual, por outro lado, representa ambiente

    propcio para a expanso e permanncia de estruturas

    estamentais. A vinda da corte portuguesa para o Brasil

    contribuiu para que o processo de independncia se desse

    como uma alterao poltica que no decorreu

    imediatamente de causas econmicas endgenas,

    contribuindo para a permanncia de instituies coloniais

    arraigadas, pois no houve ruptura drstica com a velha

    ordem20. E afirma que:

    Baseados na evidncia fornecida pelos fatos, que atestam a persistncia daquela ordem social de forma inabalvel, e na inexistncia de mobilizao das massas para a luta poltica, concluem que a independncia representou uma transio poltica pacfica, inteligente e segura da casa de Bragana, (Fernandes, p. 31).

    Sem permitir metodologicamente a generalizao e

    influenciado pela abordagem weberiana de ao racional e

    intencional, Florestan procurava analisar e reconstruir atravs

    de fundamentos empricos tipologias para captar fatos

    mentais (supra-histricos), mas inseridos em uma situao

    19 Por exemplo, a ausncia de uma classe burguesa estruturada e forte considerada um dos mais importantes empecilhos existentes que afetam a transio das caractersticas patrimoniais para a ordem competitiva. 20 Na fase de transio, as elites nativas encaravam o Estado, naturalmente, como meio e fim, para realizar a internalizao dos centros de deciso poltica e promover a nativizao dos crculos dominantes; e o fim de ambos os processos, na medida em que ele consubstanciava a institucionalizao do predomnio poltico daquelas elites e dos interesses internos com que elas se identificavam, Fernandes (1981, p. 34).

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    concreta (Marx), este representando uma sntese entre

    objetividade e abstrao. Nesse contexto, Florestan afirma

    que a revoluo burguesa no Brasil um processo que se

    construiu ao longo do tempo, sem rupturas abruptas, onde,

    sem negar a ordem social imperativa na sociedade colonial

    e reforando-a, ao contrrio, as referidas elites atuaram

    revolucionariamente21 ao nvel das estruturas do poder

    poltico, que foram consciente e deliberadamente adaptadas

    s condies internas de integrao e de funcionamento

    daquela ordem social(p. 32).

    No entanto, para Florestan, tanto a abertura dos portos

    brasileiros em 1808 quanto a independncia do Brasil em 1822

    representam dois acontecimentos que balizam uma mudana

    no desprezvel na ordem poltica patrimonialista22, em

    direo para uma ordem competitiva. Ou seja, sob ponto de

    vista econmico e poltico, os dois fenmenos representam,

    respectivamente, o fim do estatuto colonial e a ascenso de

    polticos brasileiros para dirigir a nao. Florestan refora que,

    com a Abdicao, em 1831, e o fim do regime de escravido,

    em 1888, alm da proclamao da repblica, em 1889,

    venceram-se empecilhos para que houvesse o predomnio da

    ordem competitiva, mas o processo foi gradual sem a

    negao da existncia dos preceitos estamentais no cerne do

    Estado brasileiro.

    Nesse sentido, Florestan destaca que o processo de

    Revoluo Burguesa no Brasil no se assemelha com os caos

    clssicos; se verdade que as relaes capitalistas tendem a

    21 O elemento revolucionrio aparecia nos propsitos de despojar a ordem social, herdada da sociedade colonial, dos caracteres heteronmicos aos quais fora moldada, requisito para que ela adquirisse a elasticidade e a autonomia exigidas por uma sociedade nacional, Fernandes (1981, p. 32). 22 ...A dominao patrimonialista vinculava, ao nvel da sociedade global, os interesses e as formas de solidariedade dos estamentos senhoriais constituio de um Estado nacional independente e ordenao jurdica-poltica da nao., Fernandes (1981, p. 55).

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    se universalizar, a forma com que o processo concretamente

    ocorre em cada nao no igual, pois cada qual tem suas

    peculiaridades histricas e institucionais; sinteticamente: cada

    nao constroi sua prpria histria, e por isso a ordem

    capitalista e competitiva, em certas circunstncias, pode

    coexistir com o patrimonialismo e com a sobrevivncia de

    estamentos.

    3.1. Estamento em Florestan Fernandes

    Florestan, como vimos, ao abordar a transio das

    estruturas patrimonialistas para uma ordem competitiva,

    afirma que o processo se deu de forma gradual. Admite, sem

    dvida, a existncia, concomitantemente, de relaes sociais

    antagnicas, mas que foram fundamentais para explicar o

    processo particular de revoluo burguesa no Brasil. Nesse

    sentido, ao destacar o fim do estatuto colonial e a evidncia

    de elementos empricos que reforam o comportamento

    capitalista, mostra que, no caso brasileiro, a nao

    organizada a partir de dentro e/ou do velho, elementos

    que contribuem para a manuteno de um o lado

    conservador na transio. Por exemplo: a manuteno da

    grande propriedade e do trabalho escravo ao longo do

    sculo XIX, e a influncia no poder, aps a proclamao da

    repblica, de grupos polticos e econmicos simpticos

    manuteno do imprio; e, por fim, a manuteno e, talvez, a

    expanso da sociedade estamental, em anlise bem prxima

    ao estamento burocrtico de Faoro:

    O elemento conservador evidencia-se nos propsitos de preservar e fortalecer, a todo custo, uma ordem social que no possua condies materiais e morais suficientes para engendrar o

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    padro de autonomia necessrio construo e ao fortalecimento de uma nao, Fernandes (p. 33).

    Assim, a ausncia de rupturas e a manuteno de

    algumas estruturas coloniais tornaram-se condies propcias

    para o desenvolvimento de arcabouo institucional, nas

    estruturas do Estado, alicerado no patrimonialismo, onde a

    no diferenciao dos interesses privados dos interesses

    pblicos coexiste com a lgica capitalista de acumulao e,

    ao mesmo tempo, refora o grau de acomodao da

    dinmica competitiva. Mas, Florestan, assim como Faoro,

    deixa transparecer que o estamento um fenmeno que est

    relacionado com a estrutura institucional desenvolvida ao

    longo da colonizao portuguesa, mesmo sendo

    autorreforado por grupos de dentro aps da

    independncia nacional23.

    A dominao senhorial traduzia um estilo estamental de pensamento e de ao, mas no integrada a viso do mundo e a organizao do poder dos agentes, como e enquanto membros de estamentos dominantes (p. 41).

    Com isso, o autor refora que o estamento, mesmo sendo

    empecilho transio para uma ordem competitiva plena,

    no constitui, por si s, um obstculo para a revoluo

    burguesa, pois tem capacidade de acomodao e de

    adaptao s circunstncias histricas.

    Enfim, tudo sugere que para Florestan Fernandes, o

    Estado patrimonial e estamental resultou de um longo

    processo histrico que remonta expanso capitalista das

    23 A estrutura do patrimonialismo permanecia a mesma, pois continuava a manter-se sobre a escravido e a dominao tradicional. O aparecimento de um Estado nacional, a burocratizao da dominao senhorial ao nvel poltico e a expanso econmica subseqente Abertura dos Portos colocavam em novas bases, contudo, as funes econmicas e sociais dos estamentos intermedirios e superiores, Fernandes (1981, p. 47).

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    conquistas ultramarinas. Este em parte representou empecilho

    na transio para uma estrutura dinmica capitalista

    moderna, mas, por outro lado, fundamental para explicar a

    prpria dinmica de acomodao no cerne da revoluo

    burguesa no Brasil. E, ao contrrio de Faoro, deixa dvida

    quanto conscincia em torno deste marco da formao

    histrica brasileira: O presente (estrutura estamental) e o

    futuro (capitalismo) esto contidos, na mesma escala, nas

    opes histricas, conscientes ou no, que ficam por trs da

    absoro de um padro de civilizao (p. 49).

    4. Concluso

    A aproximao, mesmo limitada, entre Raymundo Faoro

    e Florestan Fernandes, na abordagem sobre estamento e

    patrimonialismo traz um elemento que tem sido pouco

    explorado por seus crticos e analistas. Mostra que, a despeito

    de approaches diferentes, para ambos estes foram

    fenmenos que marcaram a formao histrica brasileira e

    tenderam a nela permanecer, mesmo coexistindo com a

    ordem capitalista e competitiva. Quanto intencionalidade

    do fenmeno, para Faoro fica evidente que a organizao

    das expedies ultramarinas, sendo coordenada e dirigida

    pelo Estado patrimonial e estamental portugus, onde o

    soberano e/ou o rei praticamente monopolizava todas as

    decises, tinha o objetivo maior era usufruir das riquezas

    conquistadas nas colnias. Assim como para Caio Prado Jr.,

    para Faoro a colnia era, para Portugal, um negcio. E,

    como tal, o empreendimento era racionalmente organizado,

    planejado e executado. A estrutura estamental, assim,

    entende-se como intencional, fruto de deciso consciente dos

    governantes: estes precisavam do estamento burocrtico

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 16, janeiro de 2009.

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    para fazer valer seus interesses econmicos e polticos seja na

    metrpole seja na colnia.

    A intencionalidade na instituio do estamento, no caso

    das colnias, est relacionada com a prpria expanso

    ultramarina, a defesa dos territrios conquistados e, por fim, o

    estabelecimento de uma estrutura que garantisse a

    manuteno, no s do poder do soberano, mas tambm,

    que assegurasse a defesa de seus resultados econmicos e

    financeiros. No havia distino entre o negcio privado do

    rei e os negcios privados da burguesia mercantil.

    Portanto, para terminar, tanto em Raymundo Faoro

    quanto em Florestan Fernandes possvel observar que a

    constituio e permanncia de um Estado patrimonial e

    estamental no Brasil, coetneo ordem capitalista, dependeu

    de decises que, a rigor, representaram projetos conscientes

    de governantes. Mas Florestan, ao contrrio de Faoro,

    apresenta mais precauo ao afirmar tal conscincia,

    embora tambm afirme que se trata de opes histricas.

    Mas, para ambos, o patrimonialismo ficou arraigado na

    sociedade brasileira, permanecendo nas instituies at o

    sculo XX.

    Bibliografia

    EVANS, Peter (1986). El estado como problema y como solucin. Desarrollo Econmico, v.35, n. 140, enero-marzo.

    FERNANDES, Florestan. A Revoluo Burguesa no Brasil. So Paulo, Zahar, 1981.

    FAORO, Raymundo. Os donos do Poder; Formao do Patronato Poltico Brasileiro. 7. ed. Porto Alegre, Globo, 1979, 2v.