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De 22 a 28 de abril de 2004 12 AMÉRICA LATINA Beto Almeida enviado especial a Caracas (Venezuela) O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, recebeu a re- portagem do Brasil de Fato em uma área livre conjunta à sua sala de despachos – onde mandou construir um quiosque de palha que lembra a casa onde nasceu, para “manter vivas as raízes cam- pesinas”. Seus traços de mistura afro-indígena sobrepõem-se ao seu cansaço evidente ao m de um dia de trabalho e debates com interna- cionalistas de todos os continentes, que estavam em Caracas para o II Encontro Mundial de Solidariedade com a Revolução Bolivariana. Seu interesse pelo Brasil não disfarça o respeito apaixonado pelo pernam- bucano Abreu de Lima, general que lutou com Bolívar até o seu último respiro. “Por que não temos alguns desses bispos brasileiros por aqui?”, perguntou, ao ver, na edição 58 do Brasil de Fato, a foto de dom José Maria Libório Saracchio bei- jando os pés de um sem-terrinha na cerimônia do lava-pés da Semana Santa. Não há formalismos, a roupa é simples, mistura com naturalidade complexas análises políticas e ver- sos de uma canção revolucionária do cantor venezuelano Alí Primera. Parece ver em cada brasileiro um Abreu de Lima... Brasil de Fato – Como evitar golpes como os que derrubaram João Goulart, no Brasil, e Salva- dor Allende, no Chile? Como evi- tar outro 11 de abril na Venezuela e fazer que os 13 de abril sejam permanentes na América Latina? Hugo Chávez – Como evitar que as oligarquias, impulsionadas e apoiadas pelo império, calem os processos de mudanças, cor- tando as esperanças? Como evitar, aqui nestas terras, que se cumpra a cínica expressão de Winston Churchill sobre a União Soviética: “É preciso cortar a ca- beça do bebê antes que cresça”? Como evitar que os Herodes de hoje cumpram a meta perversa de cortar a cabeça do bebê da esperança? A experiência da Venezuela pode contribuir para evitar os golpes fascistas que derrotam governos democráticos e legítimos, sobretudo progres- sistas, com projetos de mudan- ças, como o de Allende ou de Goulart. No nosso caso, o golpe foi derrotado em 24 horas, pois o povo se colocou de pé quase de imediato. Um elemento fun- damental é a organização popu- lar. Eu a colocaria em primeiro ENTREVISTA EXCLUSIVA ENTREVISTA EXCLUSIVA “Estamos vivendo uma nova onda rebelde Considerando a organização popular fundamental para garantir os governos democráticos, Hugo Chávez defende a Quem é Filho de professores, Hugo Rafael Chávez Frias nasceu em 1954, na Venezuela. No interior das Forças Armadas, onde seguiu carreira militar, junto com outros ociais, criou o movimento político inspirado em Sí- mon Bolívar, libertador da América Latina. Em 1992, com cerca de 300 pára-quedistas, Chávez liderou a tentativa de tomar o Palácio Miraores do governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez. Mesmo com o fracasso da operação, antes de ser preso, Chávez falou em rede nacional e desde então passou a ser a principal opção política de caráter popular no país. Em 1999 foi eleito presidente e deu início ao projeto de revolução bolivariana. lugar! Essas massas de povo que despertaram na América Latina, na Venezuela, no Brasil, na Ar- gentina, no Equador, precisam estar organizadas. É necessário que os dirigentes, os líderes na- turais, os líderes políticos, os lí- deres sociais sejam uma direção política consciente, que articulem um plano e ponham em marcha, no seio das massas, para elevar progressivamente o nível de consciência e de organização. Simão Rodrigues dizia: “A força material está na massa e a força moral, no movimento da massa”. Eu, humildemente, na prisão, lendo Simão Rodrigues nas ma- drugadas, me atrevi a acrescen- tar uma terceira consigna, pois me parece que faltava a força material que estava na massa e a força moral que estava no movimento. A força transforma- dora está na massa consciente e organizada, em movimento acelerado e permanente. Muitos movimentos de massa fracassa- ram por falta de uma direção política, uma consciência, uma ideologia. Não tinham um apa- relho, chamemos isso de apare- lho ou de partido. BF – Às vezes as rebeliões vêm com um aitolá... Chávez – Sim, no Irã pode ser que sim. Às vezes são até subjetivos os aparelhos, mas vão se transfor- mando em aparelhos concretos, em correntes concretas, enfim, em organização, consciência e ideologia, programa e direção, de forma tal que tenhamos uma massa organizada e consciente em movimento. Com uma direção determinada. E acredito que esse é o fator mais importante e foi o que salvou o processo venezuelano. Salvou inclusive a nossa vida e nos seguirá salvando das ameaças. BF – Qual é o papel dos militares nos processos de transformação? Qual a importância da unidade cívico-militar? Chávez – Aqui o povo e as forças armadas voltaram a se reencontrar. Em 1989, em Cara- cas, vi quando os soldados foram enviados por Carlos Andrés Pé- rez para massacrar o povo que se levantou no Caracazo! Des- carregaram a fuzilaria sobre os bairros pobres. Foram milhares de mortos. Falam em trezentos, mas foram milhares de corpos lançados em fossas comuns, que nunca apareceram. Exatamente no dia em que se completavam dez anos daquela tragédia, 25 dias depois de termos assumido o governo, começamos o “Plano Bolívar 2000”. Nesse dia, os mili- tares saíram de todos os quartéis do país, mas já não iam com a metralhadora da morte e sim com armas carregadas de vida, para fazer trabalho humanitário! Era uma ação meramente conjun- tural, mas era uma resposta de um governo que começava com grandes dificuldades econômi- cas, uma pesada dívida externa, a pobreza infinita que tivemos aqui durante todo esse tempo, mas com um gesto: as Forças Armadas saem para ajudar seu povo e desde então não pararam mais e não pararão. Agora es- tamos organizando os reservistas do Exército, todos os que passa- ram pelas fileiras militares, junto com o povo pobre. Já temos 80 mil inscritos e aprovamos recur- sos extraordinários para unifor- mizá-los, para armá-los e para treiná-los. BF – Quais os antecedentes históricos dessa unidade cívico- militar? Chávez – 99 % dos militares da Venezuela vêm dos bairros pobres, dos campos. É um po- vo das classes baixas, nem das classes médias. Na melhor das hipóteses, ascendemos social- mente no Exército e chegamos a ser um pouco classe média. Mas eu nasci em uma casa de palha. Um militar venezuelano que vem da classe alta é um ex- traterrestre, uma coisa estranha. Na tropa, os suboficiais também são de profunda extração po- pular. Porém, sabemos que isso não é garantia suficiente porque temos visto na América Latina, como aqui, militares arremeten- do contra seu próprio povo. Na verdade, o processo revolucio- nário bolivariano resgatou as raízes militares de nossas Forças Armadas. Eu repeti um milhão de vezes aos militares venezue- lanos: quando Simon Bolívar estava morrendo, acompanhado de Abreu de Lima – o grande revolucionário pernambucano, símbolo da integração de nossos povos – afirmou em sua última proclamação que “os militares devem empunhar suas espadas para defender as garantias sociais!”. Anos antes, dissera: “Maldito seja o soldado que aponte as armas contra seu po- vo!”. Isso está entranhado pro- fundamente nas Forças Armadas e, por isso, no golpe de 11 de abril, a elite governante de Wa- shington, a CIA, a elite venezue- lana com todos os seus recursos e analistas, a elite petroleira que tinha um governo paralelo, todos se equivocaram bastante. Pensaram que o povo venezue- lano ficaria de braços cruzados diante do golpe fascista. BF – Como foi essa resistência? Chávez – Dia 13 de abril este palácio foi rodeado pelas mas- sas, as cidades foram tomadas e a população começou a sair para as ruas. Como diz a can- ção: “E desceram, e desceram e desceram” (canção revolucio- nária de Ali Primera). Primeiro, um pequeno grupo, depois uma avalanche com bandeiras e com a Constituição, alguns com fuzis, outros com facões, uns cantando e outros chorando, e aí se levan- ta um povo campesino, obreiro e desempregado, os camelôs, os jovens estudantes. Um artigo escrito por um golpista conta como o ministro, o cardeal e os donos dos meios de comunicação estavam numa reunião, aqui no palácio, e alguém avisa que têm que evacuar o palácio porque estavam cercados! Eles saíram correndo pela porta de trás. Al- guns não tiveram nem tempo de sair porque as tropas e o povo tomaram o palácio e os telhados, as portas. Pedro Carmona fugiu pelos fundos junto com os donos dos meios de comunicação, o cardeal fugiu pelo outro lado. Assim, nesse dia começou a evi- denciar-se o resultado de todo o trabalho, do empenho, da fusão civil-militar. Foram as horas em que vivi no fio da navalha. Por- que os golpistas já tinham dado a ordem da minha morte. Estava consciente de que essa gente que havia poupado minha vida em 4 de fevereiro de 1992 não cometeria o mesmo erro de novo. Mas a fusão civil-militar começou a brotar por todas partes e a consciência dos jovens militares salvou minha vida e deu tempo para que a pressão popular se unisse inclusive com chefes mili- tares. O general Garcia Carnei- ro, que era ministro da Defesa, estava preso pelos golpistas. Mas com a ajuda dos soldados esca- pou pela janela do banheiro do Forte Tiúna e foi para a portaria onde as massas populares se concentravam, buscando aliança com os militares. Carneiro pegou um megafone e incentivou o povo à luta. Ouviram-se canções revo- lucionárias: “No basta rezar...e todos cantaram, a tropa e o povo! Aí está uma fórmula, um povo unido, organizado, cons- ciente, capaz de mobilizar-se e veja que se mobilizou sem ser convocado! Os meios de comuni- cação alternativos tiveram papel importantíssimo e são a outra parte da fórmula para impulsio- nar a rebelião. Assim como disse Che Guevara, “criar um, dois, três Vietnã na América Latina”, temos que impulsionar uma, duas, três mil emissoras de tele- visões e rádios comunitárias na América Latina, que convoquem e orientem o povo. Golpe do 11 de abril – Nesse dia, em 2002, militares e empresários vene- zuelanos depuseram e seqüestraram o presidente Hugo Chávez. Os golpistas receberam apoio e dinheiro do governo estadunidense. Dois dias depois, após manifestações de apoio a Chávez por todo o país, ele voltou ao cargo. Caracazo – Levante de trabalhadores e estudantes de Caracas, em fevereiro de 1989, contra as políticas neoliberais do então presidente Carlos Andrés Pérez. Confrontos com a polícia deixaram cente- nas de mortos. Revolução bolivariana – Programa econômico, político e social lançado por Chávez para romper com a dependência da Venezuela aos Estados Unidos, aca- bar com a corrupção no poder público e enfrentar os problemas da população pobre, como falta de acesso à saúde e à educação. A revolução se baseia nos ideais do general venezuelano Simón Bolívar (1783-1830), que lutou pela inde- pendência de diversos países da América do Sul. Pedro Carmona – Empresário venezue- lano que, após o golpe do 11 de abril, assumiu a presidência da Venezuela. Hoje ele participa da oposição a Chávez. 4 de fevereiro de 1992 – Rebelião militar liderada por Chávez para depor o então presidente Carlos Andrés Pérez. O le- vante fracassou e os rebeldes, incluindo Chávez, foram presos. A TV do Sul vai evitar que nossos povos assistam apenas a CNN Com a Petrosul, teremos uma das maiores reservas do mundo Discurso do presidente durante ato comemorativo do segundo aniversário do golpe que o tirou do poder por 48 horas Fundo latino americano poderia ser usado para erradicação do analfabetismo Cláudia Jardim Juan Barreto/AFP

"Estamos vivendo uma nova onda rebelde e de muitos avanços nas lutas de massas"

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Considerando a organização popular fundamental para garantir os governos democráticos, Hugo Chávez defende a integração da América Latina e propõe a criação de um fundo financeiro, de uma companhia petrolífera e uma rede de TV

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De 22 a 28 de abril de 200412

AMÉRICA LATINA

Beto Almeidaenviado especial a Caracas

(Venezuela)

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, recebeu a re-portagem do Brasil de Fato

em uma área livre conjunta à sua sala de despachos – onde mandou construir um quiosque de palha que lembra a casa onde nasceu, para “manter vivas as raízes cam-pesinas”. Seus traços de mistura afro-indígena sobrepõem-se ao seu cansaço evidente ao fi m de um dia de trabalho e debates com interna-cionalistas de todos os continentes, que estavam em Caracas para o II Encontro Mundial de Solidariedade com a Revolução Bolivariana. Seu interesse pelo Brasil não disfarça o respeito apaixonado pelo pernam-bucano Abreu de Lima, general que lutou com Bolívar até o seu último respiro. “Por que não temos alguns desses bispos brasileiros por aqui?”, perguntou, ao ver, na edição 58 do Brasil de Fato, a foto de dom José Maria Libório Saracchio bei-jando os pés de um sem-terrinha na cerimônia do lava-pés da Semana Santa. Não há formalismos, a roupa é simples, mistura com naturalidade complexas análises políticas e ver-sos de uma canção revolucionária do cantor venezuelano Alí Primera. Parece ver em cada brasileiro um Abreu de Lima...

Brasil de Fato – Como evitar golpes como os que derrubaram João Goulart, no Brasil, e Salva-dor Allende, no Chile? Como evi-tar outro 11 de abril na Venezuela e fazer que os 13 de abril sejam permanentes na América Latina?Hugo Chávez – Como evitar que as oligarquias, impulsionadas e apoiadas pelo império, calem os processos de mudanças, cor-tando as esperanças? Como evitar, aqui nestas terras, que se cumpra a cínica expressão de Winston Churchill sobre a União Soviética: “É preciso cortar a ca-beça do bebê antes que cresça”? Como evitar que os Herodes de hoje cumpram a meta perversa de cortar a cabeça do bebê da esperança? A experiência da Venezuela pode contribuir para evitar os golpes fascistas que derrotam governos democráticos e legítimos, sobretudo progres-sistas, com projetos de mudan-ças, como o de Allende ou de Goulart. No nosso caso, o golpe foi derrotado em 24 horas, pois o povo se colocou de pé quase de imediato. Um elemento fun-damental é a organização popu-lar. Eu a colocaria em primeiro

ENTREVISTA EXCLUSIVAENTREVISTA EXCLUSIVA

“Estamos vivendo uma nova onda rebelde Considerando a organização popular fundamental para garantir os governos democráticos, Hugo Chávez defende a

Quem éFilho de professores, Hugo Rafael Chávez Frias nasceu em 1954, na

Venezuela. No interior das Forças Armadas, onde seguiu carreira militar, junto com outros ofi ciais, criou o movimento político inspirado em Sí-mon Bolívar, libertador da América Latina. Em 1992, com cerca de 300 pára-quedistas, Chávez liderou a tentativa de tomar o Palácio Mirafl ores do governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez. Mesmo com o fracasso da operação, antes de ser preso, Chávez falou em rede nacional e desde então passou a ser a principal opção política de caráter popular no país. Em 1999 foi eleito presidente e deu início ao projeto de revolução bolivariana.

lugar! Essas massas de povo que despertaram na América Latina, na Venezuela, no Brasil, na Ar-gentina, no Equador, precisam estar organizadas. É necessário que os dirigentes, os líderes na-turais, os líderes políticos, os lí-deres sociais sejam uma direção política consciente, que articulem um plano e ponham em marcha, no seio das massas, para elevar

progressivamente o nível de consciência e de organização. Simão Rodrigues dizia: “A força material está na massa e a força moral, no movimento da massa”. Eu, humildemente, na prisão, lendo Simão Rodrigues nas ma-drugadas, me atrevi a acrescen-tar uma terceira consigna, pois me parece que faltava a força material que estava na massa e a força moral que estava no movimento. A força transforma-dora está na massa consciente e organizada, em movimento acelerado e permanente. Muitos movimentos de massa fracassa-ram por falta de uma direção política, uma consciência, uma ideologia. Não tinham um apa-relho, chamemos isso de apare-lho ou de partido.

BF – Às vezes as rebeliões vêm com um aitolá...Chávez – Sim, no Irã pode ser que sim. Às vezes são até subjetivos os aparelhos, mas vão se transfor-mando em aparelhos concretos, em correntes concretas, enfi m, em organização, consciência e ideologia, programa e direção, de forma tal que tenhamos uma massa organizada e consciente em movimento. Com uma direção determinada. E acredito que esse é o fator mais importante e foi o que salvou o processo venezuelano. Salvou inclusive a nossa vida e nos seguirá salvando das ameaças.

BF – Qual é o papel dos militares nos processos de transformação? Qual a importância da unidade cívico-militar?Chávez – Aqui o povo e as forças armadas voltaram a se reencontrar. Em 1989, em Cara-cas, vi quando os soldados foram enviados por Carlos Andrés Pé-rez para massacrar o povo que se levantou no Caracazo! Des-carregaram a fuzilaria sobre os bairros pobres. Foram milhares de mortos. Falam em trezentos, mas foram milhares de corpos lançados em fossas comuns, que nunca apareceram. Exatamente no dia em que se completavam dez anos daquela tragédia, 25 dias depois de termos assumido o governo, começamos o “Plano Bolívar 2000”. Nesse dia, os mili-tares saíram de todos os quartéis do país, mas já não iam com a metralhadora da morte e sim com armas carregadas de vida, para fazer trabalho humanitário! Era uma ação meramente conjun-tural, mas era uma resposta de um governo que começava com grandes difi culdades econômi-cas, uma pesada dívida externa, a pobreza infi nita que tivemos aqui durante todo esse tempo, mas com um gesto: as Forças Armadas saem para ajudar seu povo e desde então não pararam mais e não pararão. Agora es-tamos organizando os reservistas do Exército, todos os que passa-

ram pelas fi leiras militares, junto com o povo pobre. Já temos 80 mil inscritos e aprovamos recur-sos extraordinários para unifor-mizá-los, para armá-los e para treiná-los.

BF – Quais os antecedentes históricos dessa unidade cívico-militar?Chávez – 99 % dos militares da Venezuela vêm dos bairros pobres, dos campos. É um po-vo das classes baixas, nem das classes médias. Na melhor das hipóteses, ascendemos social-mente no Exército e chegamos a ser um pouco classe média. Mas eu nasci em uma casa de palha. Um militar venezuelano que vem da classe alta é um ex-traterrestre, uma coisa estranha. Na tropa, os subofi ciais também são de profunda extração po-pular. Porém, sabemos que isso não é garantia sufi ciente porque temos visto na América Latina, como aqui, militares arremeten-do contra seu próprio povo. Na verdade, o processo revolucio-nário bolivariano resgatou as raízes militares de nossas Forças Armadas. Eu repeti um milhão de vezes aos militares venezue-lanos: quando Simon Bolívar estava morrendo, acompanhado de Abreu de Lima – o grande revolucionário pernambucano, símbolo da integração de nossos povos – afi rmou em sua última

proclamação que “os militares devem empunhar suas espadas para defender as garantias sociais!”. Anos antes, dissera: “Maldito seja o soldado que aponte as armas contra seu po-vo!”. Isso está entranhado pro-fundamente nas Forças Armadas e, por isso, no golpe de 11 de abril, a elite governante de Wa-shington, a CIA, a elite venezue-lana com todos os seus recursos e analistas, a elite petroleira que tinha um governo paralelo, todos se equivocaram bastante. Pensaram que o povo venezue-lano fi caria de braços cruzados diante do golpe fascista.

BF – Como foi essa resistência?Chávez – Dia 13 de abril este palácio foi rodeado pelas mas-sas, as cidades foram tomadas e a população começou a sair para as ruas. Como diz a can-ção: “E desceram, e desceram e desceram” (canção revolucio-nária de Ali Primera). Primeiro, um pequeno grupo, depois uma avalanche com bandeiras e com a Constituição, alguns com fuzis, outros com facões, uns cantando e outros chorando, e aí se levan-ta um povo campesino, obreiro e desempregado, os camelôs, os jovens estudantes. Um artigo escrito por um golpista conta como o ministro, o cardeal e os donos dos meios de comunicação estavam numa reunião, aqui no palácio, e alguém avisa que têm que evacuar o palácio porque estavam cercados! Eles saíram correndo pela porta de trás. Al-guns não tiveram nem tempo de sair porque as tropas e o povo tomaram o palácio e os telhados, as portas. Pedro Carmona fugiu pelos fundos junto com os donos dos meios de comunicação, o cardeal fugiu pelo outro lado. Assim, nesse dia começou a evi-denciar-se o resultado de todo o trabalho, do empenho, da fusão civil-militar. Foram as horas em que vivi no fi o da navalha. Por-que os golpistas já tinham dado a ordem da minha morte. Estava consciente de que essa gente que havia poupado minha vida em 4 de fevereiro de 1992 não cometeria o mesmo erro de novo. Mas a fusão civil-militar começou a brotar por todas partes e a

consciência dos jovens militares salvou minha vida e deu tempo para que a pressão popular se unisse inclusive com chefes mili-tares. O general Garcia Carnei-ro, que era ministro da Defesa, estava preso pelos golpistas. Mas com a ajuda dos soldados esca-pou pela janela do banheiro do Forte Tiúna e foi para a portaria onde as massas populares se concentravam, buscando aliança com os militares. Carneiro pegou um megafone e incentivou o povo à luta. Ouviram-se canções revo-lucionárias: “No basta rezar...” e todos cantaram, a tropa e o povo! Aí está uma fórmula, um povo unido, organizado, cons-ciente, capaz de mobilizar-se e veja que se mobilizou sem ser convocado! Os meios de comuni-cação alternativos tiveram papel importantíssimo e são a outra parte da fórmula para impulsio-nar a rebelião. Assim como disse Che Guevara, “criar um, dois, três Vietnã na América Latina”, temos que impulsionar uma, duas, três mil emissoras de tele-visões e rádios comunitárias na América Latina, que convoquem e orientem o povo.

Golpe do 11 de abril – Nesse dia, em 2002, militares e empresários vene-zuelanos depuseram e seqüestraram o presidente Hugo Chávez. Os golpistas receberam apoio e dinheiro do governo estadunidense. Dois dias depois, após manifestações de apoio a Chávez por todo o país, ele voltou ao cargo.

Caracazo – Levante de trabalhadores e estudantes de Caracas, em fevereiro de 1989, contra as políticas neoliberais do então presidente Carlos Andrés Pérez. Confrontos com a polícia deixaram cente-nas de mortos.

Revolução bolivariana – Programa econômico, político e social lançado por Chávez para romper com a dependência da Venezuela aos Estados Unidos, aca-bar com a corrupção no poder público e enfrentar os problemas da população pobre, como falta de acesso à saúde e à educação. A revolução se baseia nos ideais do general venezuelano Simón Bolívar (1783-1830), que lutou pela inde-pendência de diversos países da América do Sul.

Pedro Carmona – Empresário venezue-lano que, após o golpe do 11 de abril, assumiu a presidência da Venezuela. Hoje ele participa da oposição a Chávez.

4 de fevereiro de 1992 – Rebelião militar liderada por Chávez para depor o então presidente Carlos Andrés Pérez. O le-vante fracassou e os rebeldes, incluindo Chávez, foram presos.

A TV do Sul vai evitar que nossos povos assistam apenas a CNN

Com a Petrosul, teremos uma das maiores reservas

do mundo

Discurso do presidente durante ato comemorativo do segundo aniversário do golpe que o tirou do poder por 48 horas

Fundo latino americano poderia ser usado para erradicação do analfabetismo

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