125
1 1 “ESTIVE PRESO E ME VISITASTES”

ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

1

1

“ESTIVE PRESO E ME VISITASTES”

Page 2: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

2

2

“Uma abordagem sobre a assistência religiosa à

pessoa humana em condição de privação de

liberdade, em consonância com tratados

internacionais, a Constituição Federal e a Lei de

Execução Penal como política pública, humanista e

espírita-cristã, com vistas à implantação desta

atividade nos presídios em parceria com as

instituições religiosas organizadas (sociedade civil)

no processo de reintegração à sociedade, com

valorização do voluntariado e garantia dos direitos

do cidadão nesta condição.

NOTA IMPORTANTE: Esta proposta de trabalho não pretende ser a única expressão do

sucesso. Mas, a experiência e a observação ditou até aqui a conclusão de que sem uma

obediência a projeto bem estudado, bem discutido e avaliado em cada uma de suas

etapas e bem como a necessidade de grupo de voluntários bem preparados e

responsáveis, dificilmente a atividade se sustentará. Trata-se de transformar uma

atividade árdua, dura, sem apoio e realizada em ambiente bem hostil, antes quase

opcional, em uma política pública com participação da sociedade, começando pela

formação de uma consciência nova – a da reintegração social. É preciso admitir que o

modelo prisional brasileiro é meramente prisionalizador. O fracasso do projeto será o

fracasso do Estado, da instituição religiosa, dos voluntários e sobretudo, da pessoa

humana que será beneficiada. Excelentes iniciativas fracassaram por falta de disciplina

a um método experimentado de trabalho.

Page 3: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

3

3

ÍNDICE

Página

- Índice. ..........................................................................................................................003

- Agradecimentos. .........................................................................................................005

- Prolegômenos. ............................................................................................................008

PARTE I 4

- Caridade para com os Criminosos. ............................................................................012

- Espiritismo nas prisões. .............................................................................................014

- Acolher ou evangelizar: O que vem primeiro? ..........................................................016

- Influência da música sobre criminosos, loucos e idiotas. ..........................................019

- Evangelizar – Missão dos continuadores de Jesus. ....................................................026

- A influência moral do Espiritismo. .............................................................................030

- Hospitalização Carcerária. ..........................................................................................032

- Prisão. ........................................................................................................................034

- O Homem de Bem. .....................................................................................................035

PARTE II

- A assistência sócios espiritual ao apenado como Política Pública. .............................037

- O diálogo inter-religioso e internos de outras crenças. ..............................................041

- O Código Penal da Vida Futura e a Justiça Restaurativa. ..........................................043

- A andragogia da pena e a humanização das prisões. ................................................047

- O Conselho da Comunidade e a sociedade. ...............................................................052

- O menor infrator e a espiritualidade. .........................................................................055

- Planejamento de Atividades e Responsabilidades. ....................................................059

- Voluntariado Espírita. .................................................................................................061

- Sensibilização do trabalhador e frequentador do Centro Espírita. ............................066

- Recrutamento, Cadastramento e Treinamento de Voluntários. ................................069

- A entrevista do voluntário. .........................................................................................072

- A habilitação e inserção do voluntário na atividade. .................................................074

- Requisitos e Conduta do Voluntário. ..........................................................................076

Page 4: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

4

4

- O projeto de assistência sócios spiritual nos presídios. ............................................... 078

- Metodologia da Assistência sócios spiritual à pessoa humana presa. ........................080

- A escolha do Coordenador e do líder de grupo. .........................................................083

- Atividades ecumênicas – comemoração em datas especiais. ......................................091

- A relação com a administração do Presídio e o poder público. ....................................094

- O Ambiente Prisional e as Estruturas Arquitetônicas dos Presídios. ............................097

- O acolhimento do egresso e assistência à família. .......................................................101

- O Projeto. Passo a Passo. ..............................................................................................107

PARTE III

ANEXOS

- Orientações gerais aos voluntários da assistência sócio espiritual em presídio. .........112

- Anexo II – Modelo de Projeto de atendimento sócioespiritual. .................................118

- Anexo III – Cadastro do Voluntário religioso. ...........................................................120

- Anexo IV – Lista dos Voluntários habilitados. ............................................................122

- Anexo V - Termo de adesão do voluntário. ...............................................................123

- Conclusão. ..................................................................................................................124

Page 5: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

5

5

AGRADECIMENTOS

Neste singelo trabalho operaram mãos visíveis, invisíveis, operosas, suarentas, calosas,

amorosas, abençoadas, firmes, suaves, consoladoras, socorristas, encaminhadoras,

protetoras, condutoras e acolhedoras. Mãos de trabalho, umas calosas outras

intelectualizadas, todas visando bem comum.

A primeira dela foi a mão operosa do Criador que me permitiu a vida e vida em

abundância para que eu pudesse ter a disponibilidade de ir ao presídio e elaborar este

trabalho que foca um universo quase esquecido e por isto, dolorido e doloroso. Mão

que me enviou os colaboradores desta tarefa.2

A segunda mão é da equipe espiritual que me supriu todas e muitas vezes em que os

desvios apareceram e então me corrigiram. Especialmente, os Espíritos Maurício e

Idalinda, companheiros queridos que do Plano Maior nos socorrem e nos orientam.

A terceira mão – aliás, diversas terceiras, foram as mãos de minha querida esposa Soraya

e o filho João Arthur que não só se privaram da minha presença, como me estimularam

também nesta tarefa. Aos meus queridos filhos Eduardo, Emmanuelle e Evelyn, não

posso também deixar de reconhecer que de alguma maneira tive que estar ausente do

aconchego e carinho que lhes poderia receber e dar.

Minha gratidão à diretoria da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo que,

mesmo conhecendo minhas limitações, me ofereceu a oportunidade de remir pequena

parte de minhas imperfeições. Às casas espíritas que oportunizaram o espaço para a

divulgação do trabalho e o sustentaram no estímulo aos seus trabalhadores para se

engajarem na tarefa.

Registro o inabalável apoio dos trabalhadores do Núcleo Espírita Irmão Mauricio,

instituição que ajudei na fundação, os quais, em nenhum momento nos negaram apoio,

recursos, sustentação nas preces e amparo aos egressos e seus familiares, sem qualquer

ranço de discriminação, preconceito ou indiferença, usando a caridade como primeira

ferramenta do acolhimento e o acompanhamento dos atendimentos, enquanto

perdurar a necessidade do socorrido ou a sua vontade de ser atendido.

Aos companheiros do Grupo Espírita de Apoio aos Apenados Idalinda de Aguiar,

inabaláveis que durante semanas a fio, meses sem falta e anos sem deserção,

cumpriram o papel que lhes foi dado. Desde os primeiros momentos fiéis, intimoratos,

absolutos na tarefa. Dedico este trabalho a eles! Pacíficos e pacificadores! Dedicados!

Aos companheiros gestores da proposta de Política Pública de Assistência Socio-

Espiritual – O GRUPO INTERCONFISSIONAL – Pastor Adahyr Cruz e Pastor Celso Godói e

a valorosa Ana Maria Caracoche, que se afastaram por questões funcionais. Recomposta

a equipe com os que permaneceram e novos – José Carlos Fiorido, Padre Carlos Pinto

Barbosa, Pastor Romerito da Encarnação, Pastor Christian Tatagiba, Missionária Marta

Alves Pereira Passos e pelo Governo do Estado a nossa coordenadora Maria Jovelina

Debona, juntamente com a eficiente secretária Elizângela Costa, o nosso agradecimento

pelo aprendizado e conquistas.

Page 6: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

6

6

Meus líderes Aloísio, Izaulina, Barreto, Virgílio, Nélio, Otoniel, Ana Lúcia, Eduardo,

Damaceno, Jaime e Wellington, fiéis escudeiros na missão de visitar esclarecer, consolar,

servir e amar. Estendo a todos os voluntários igual consideração e reconhecimento.

Às queridas amigas espíritas Élcia, Cecília e Fátima que me ajudaram na revisão.

No sistema prisional, os diretores e funcionários que tanto nos ensinaram. Aos internos

do sistema prisional que fazem a caridade de nos ouvir, enquanto os utilizamos para o

nosso aprendizado da paciência, da humildade e do amor ao próximo. E aproveitamos

para ensiná-los algumas regras de vida que se perderam.

O autor e organizador

3

Page 7: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

7

7

“Tempo virá ... as prisões se transformarão em escolas e

oficinas. Os homens imunizados contra o crime, cidadãos

de um novo mundo, contarão às crianças do futuro as

histórias absurdas de prisões, celas, altos muros de um

tempo superado. ”

Cora Coralina

Organizado por José Carlos Fiorido

Textos próprios e de outras fontes.

Page 8: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

8

8

PROLEGÔMENOS.

Entre a minha pretensão e a minha capacidade de produzir um trabalho respeitável há

um abismo que não consigo medir. Minha pretensão, com este trabalho – não deixa de

ser – é oferecer subsídios aos que perceberam que prisão pode se tornar uma

excrecência tão abominável quanto ao crime que pretende frear e desejam

compreender de forma prática o dilema da prisão, da pessoa humana confinada e do

seu retorno à sociedade através da pedagogia da pena. Quanto à capacidade, te peço

compreensão!

Meus recursos de comunicação, tanto falada quanto escrita, são parcos. Minha

aventura, por anos protelada, só se encorajou depois de buscar inutilmente no meio da

assistência religiosa à pessoa humana privada da liberdade literatura que pudesse

orientar, sem proselitismo, os que se propõem, dentro dos presídios a executar a

prestação do serviço de assistência sócio espiritual à pessoa humana em condições de

privação da liberdade, prevista na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal.

O material doutrinário encontrado e reunido, embora da melhor lavra, o que se traduz

e qualidade, está disperso em diversas páginas. A pretensão inicial, então, era a de

oferecer subsídios para construir um passo a passo para essa relevante tarefa, de modo

a auxiliar o religioso visitador do presídio, que se ampara no Evangelho de Mateus, cap.

25 a realizar o seu trabalho.

Dividi-o em três partes. Na primeira parte inseri textos doutrinários como instrução dos

espíritos e outro de lavra própria, já publicado. Na segunda textos doutrinários

evangélicos e jurídicos, além da construção do projeto que desenvolvemos como

proposta de indicar um caminho seguro ao voluntário iniciante. Na terceira, anexos

importantes como um modelo de projeto e formulários que auxiliarão a coordenação

dos trabalhos.

Embora, o enfoque espírita, os textos aqui se aplicam a qualquer religião, com algumas

simples adaptações teológicas ou podem auxiliá-los a editar suas orientações

específicas. Não tratamos nele sobre dogmas ou princípios religiosos. O bom intérprete

perceberá isto. Outros não lerão assim. Mas, importante que serviu como modelo

seguro e exitoso que estamos implantando com segurança com a valiosa e indispensável

ajuda dos colaboradores do Grupo Espírita de Apoio aos Apenados Idalinda de Aguiar

aqui no Estado do Espírito Santo.

Não consegui produzir um manual e nem um livro. O que você lerá aqui são

apontamentos das observações práticas e experiências adquiridas na minha vida

profissional de 30 anos de policiamento de rua e outros 15 na lida com a criminalidade,

dentre os quais, os últimos 10 anos de visita semanais ininterruptas na evangelização de

pessoas em condições de privação de liberdade.

Page 9: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

9

9

Este material, tome o formato que tomar, não é de estante. Não é material para

filósofos que falam muito. Não é para sentimentalistas que sofrem com a dor, mas não

usam as mãos e a inteligência. Não é para os que somente usam as mãos porque a tarefa

é complexa e requer estudos. Destina-se, assim, aos que usam inteligência, coração e

mãos. A inteligência estuda e planeja; o coração ama e as mãos abençoam e realizam.

Se este material servir de inspiração para que alguém consiga escrever um manual de

poucas páginas para orientar o serviço de assistência sócio espiritual à pessoa humana

na condição de privado da liberdade, já me sentirei realizado. Já está autorizado a usar

os textos que desejar. Não são mais meus, a partir da publicação. Que se faça dele o que

bem entender, como se faz com o sol e com o vento que a natureza não racionaliza e

nem limita o uso.

A grave questão das prisões, da prisionalização e da falta de perspectivas que o ser

humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial

austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível e mais humana.

7

Meu coração está aqui dentro. Não é uma proposta de descriminalizar atos abomináveis,

ou defender a impunidade e ainda desconsiderar a dor da vítima. São reflexões que,

somadas a outras tantas podem auxiliar a minimizar o grave e enorme problema da

reincidência criminal. A prisão ainda é necessária. Mas ela precisa ser instrumento de

educar o transgressor. E a vítima precisa de proteção e de reparação do dano que

sofreu.

Como doentes morais que todos somos, alguns internados nos presídios e outros que

ainda não prestaram contas à justiça humana e aprisionados num corpo físico do qual

desprenderemos um dia, habitando num planeta de iniquidades, compomos uma

sociedade onde impera a falta de ética, valores, egoísmo e orgulho. Precisamos

construir novos paradigmas e conceitos e por isto me lembro do Nelson Mandela que

afirma: "Uma nação não deve ser julgada pela forma como trata seus cidadãos de

posição mais elevada, e sim pela forma como trata os mais humildes".

O paradigma é o de Jesus não é novo: “Amai-vos como eu vos tenho amado”. Este é

limite máximo. O mínimo exigido para o padrão terreno é o “ama o teu próximo como

a ti mesmo.

Ainda não aprendemos educar amando. Do que aprendi é que, nestes 45 anos de lida

com a violência, criminalidade, vítimas, prisão, reincidência, estudos jurídicos e

espirituais, nada sei da alma humana e somente agora começo a perceber que se a

educação não carregar as tintas do amor na compreensão do ser integral – isto é, do ser

bio-psico-sócio-espiritual, - continuará falida como falido está o modelo escolar e o

sistema prisional - e as escolas continuarão a formar o homem para o mercado, quando

deveriam formar o homem para os desafios da vida em toda a sua dimensão, onde a

prisão fosse a última e excepcional alternativa.

Page 10: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

10

10

Aqui você encontrará fundamentação doutrinária evangélica sobre a assistência sócio

espiritual à pessoa humana; fundamentos jurídicos desta atividade; relatos de

experiências vividas e práticas que auxiliem o trabalho dentro do presídio e bem como

opiniões sobre a prisão, violência, criminalidade e reintegração social.

Estão aí as considerações da minha pretensão. Da minha capacidade, peço ao leitor

amigo seja complacente em seu julgamento, se conseguir concluir a leitura. Mas lendo

ou não, importa saber o que estamos fazendo para tornar o mundo melhor?

Pretensão ou trabalho útil, é uma singela contribuição que pude dar, fazendo o melhor

que pude. Espero que algum proveito possa ter.

8

Page 11: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

11

11

PARTE I

Page 12: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

12

12

CARIDADE PARA COM OS CRIMINOSOS.

“Permite Deus que entre vós se achem grandes

criminosos, para que vos sirvam de ensinamento. ”

(Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.11, item 14.)

“A verdadeira caridade constitui um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao

mundo. Completa fraternidade deve existir entre os verdadeiros seguidores da sua

doutrina. Deveis amar os desgraçados, os criminosos, como criaturas, que são, de Deus,

às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também

a vós, pelas faltas que cometeis contra sua Lei. Considerai que sois mais repreensíveis

e culpados do que aqueles a quem negardes perdão e comiseração, pois, as mais das

vezes, eles não conhecem Deus como o conheceis, e muito menos lhes será pedido do

que a vós.

Não julgueis, oh! Não julgueis absolutamente, meus caros amigos, porquanto o juízo que

proferirdes ainda mais severamente vos será aplicado e precisais de indulgência para os

pecados em que sem cessar incorreis. Ignorais que há muitas ações que são crimes aos

olhos do Deus de pureza e que o mundo nem sequer como faltas leves considera?

A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem, mesmo, nas

palavras de consolação que lhe aditeis. Não, não é apenas isso o que Deus exige de vós.

A caridade sublime, que Jesus ensinou, também consiste na benevolência de que useis

sempre e em todas as coisas para com o vosso próximo. Podeis ainda exercitar essa

virtude sublime com relação a seres para os quais nenhuma utilidade terão as vossas

esmolas, mas que algumas palavras de consolo, de encorajamento, de amor, conduzirão

ao Senhor supremo.

Estão próximos os tempos, repito-o, em que nesse planeta reinará a grande

fraternidade, em que os homens obedecerão à lei do Cristo, lei que será freio e

esperança e conduzirá as almas às moradas ditosas. Amai-vos, pois, como filhos do

mesmo Pai; não estabeleçais diferenças entre os outros infelizes, porquanto quer Deus

que todos sejam iguais; a ninguém desprezeis. Permite Deus que entre vós se achem

grandes criminosos, para que vos sirvam de ensinamento. Em breve, quando os homens

se encontrarem submetidos às verdadeiras leis de Deus, já não haverá necessidade

desses ensinos: todos os Espíritos impuros e revoltados serão relegados para mundos

inferiores, de acordo com as suas inclinações.

Deveis, àqueles de quem falo, o socorro das vossas preces: é a verdadeira caridade. Não

vos cabe dizer de um criminoso: “É um miserável; deve-se expurgar da sua presença a

Terra; muito branda é, para um ser de tal espécie, a morte que lhe infligem. ” Não, não

é assim que vos compete falar. Observai o vosso modelo: Jesus. Que diria ele, se visse

junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem

digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. Em realidade, não podeis fazer o mesmo; mas,

pelo menos, podeis orar por ele, assistir-lhe o Espírito durante o tempo que ainda haja

de passar na Terra. Pode ele ser tocado de arrependimento, se orardes com fé. É tanto

Page 13: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

13

13

vosso próximo, como o melhor dos homens; sua alma, transviada e revoltada, foi criada,

como a vossa, para se aperfeiçoar; ajudai-o, pois, a sair do lameiro e orai por ele”.

(Isabel de França. (Havre, 1862.) (Evangelho

Segundo o Espiritismo, cap. XI, item 14, Allan

Kardec)

Page 14: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

14

14

ESPIRITISMO NAS PRISÕES

Na Revista Espírita de novembro de 1863, publicamos uma carta de um condenado detido numa penitenciária, como prova da influência moralizadora do Espiritismo. A carta abaixo transcrita, de um condenado em outra prisão, é um exemplo dessa poderosa influência. É de 27 de dezembro de 1863. Transcrevemo-la textualmente, quanto ao estilo. Corrigimos apenas os erros ortográficos.

“Senhor,

“Há poucos dias, quando me falaram pela primeira vez de Espiritismo e de revelação de além-túmulo, eu ri e disse que isto não era possível. Eu falava como um ignorante, que sou. Alguns dias depois tiveram a bondade de me confiar, em minha horrível posição em que me acho agora, vosso bom e excelente Livro dos Espíritos. A princípio li algumas páginas com incredulidade, não querendo, ou melhor, não crendo nessa ciência. Enfim, pouco a pouco e sem me aperceber, por ele tomei gosto; depois levei a coisa a sério; depois li pela segunda vez o vosso livro, mas então com um outro espírito, isto é, com calma e com toda a pouca inteligência que Deus me deu.

“Senti então despertar essa velha fé que minha mãe me tinha posto no coração e que dormitava há longo tempo. Senti o desejo de me esclarecer sobre o Espiritismo. A partir desse momento tive um pensamento muito decidido, o de tomar conhecimento, aprender, ver e depois julgar. Pus-me à obra com toda a crença que se pode ter e que é preciso ter em Deus e em seu poder. Eu desejava ver a verdade. Orei com fervor e comecei as experiências.

“As primeiras foram nulas, sem resultado algum, mas não me desencorajei. Perseverei em minhas experiências e, palavra, redobrei minhas preces, que talvez não fossem bastante fervorosas e mergulhei no trabalho com toda a convicção de uma alma crente e que espera.

“Ao cabo de algumas noites, pois só posso fazer as experiências à noite, senti, por cerca de dez minutos, frêmitos nas pontas dos dedos e uma leve sensação no braço, como se tivesse sentido correr um riachinho de água morna, que parava no punho. Eu estava então bem recolhido, todo atenção e cheio de fé. Meu lápis traçou algumas linhas perfeitamente legíveis, mas não bastante corretas para não crer que estivesse sob o peso de uma alucinação. Esperei então com paciência a noite seguinte para recomeçar as experiências, e dessa vez agradeci a Deus, de todo o coração, pois tinha obtido mais do que ousava esperar.

“Desde então, de duas em duas noites, entretenho-me com os Espíritos que são bastante bons para responder ao meu apelo e, em menos de dez minutos, respondem sempre com caridade. Escrevo meia página ou páginas inteiras que minha inteligência não poderia fazer sozinha, porque, às vezes, são tratados filosófico-religiosos em que jamais pensei nem pus em prática; porque dizia-me, aos primeiros resultados: Não serás joguete de uma alucinação ou da tua vontade? E a reflexão e o exame me provavam que

Page 15: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

15

15

eu estava bem longe dessa inteligência que havia traçado aquelas linhas. Eu baixava a cabeça, cria e não podia ir contra a evidência, a menos que estivesse inteiramente louco.

“Remeti duas ou três dessas comunicações à pessoa que tinha feito a caridade de me confiar o vosso bom livro, para que ela sancione se estou certo. Venho pedir-vos, senhor, vós que sois a alma do Espiritismo, que tenhais a bondade de me permitir vos envie o que obtiver de sério em minhas conversas de além-túmulo, se, todavia, achardes bom. Se isto for de vosso agrado, vos enviarei as conversas mantidas com Verger, aquele que feriu o arcebispo de Paris. Para bem me assegurar de que o manifestante era ele mesmo, evoquei São Luís, que me respondeu afirmativamente, bem como outro Espírito no qual tenho muita confiança, etc...............”

- - - - - - - - - - - - - - - - -

As consequências morais deste fato se deduzem por si mesmas. Eis um homem que tinha abjurado toda crença e que, ferido pela lei, se acha confundido com o rebotalho da Sociedade. Esse homem, no meio do pântano moral, voltou à fé. Ele vê o abismo em que caiu; ele se arrepende; ele ora e, digamo-lo, ah! Ele ora com mais fervor que muita gente que exibe devoção. Para isto bastou a leitura de um livro onde encontrou elementos de fé que a sua razão pôde admitir, que reanimaram as suas esperanças e lhe fizeram compreender o futuro. Além disso, o que é digno de nota, é que a princípio leu com prevenção e sua incredulidade só foi vencida pelo ascendente da lógica.

Se tais resultados são produzidos por uma simples leitura, feita, por assim dizer, às ocultas, o que seria se a ela se pudesse juntar a influência das exortações verbais! É bem certo que, na disposição de espírito em que hoje se encontram, esses dois homens (ver o fato relatado no número de novembro último), não apenas não terão, durante sua detenção, qualquer conduta reprovável, mas entrarão no mundo com a resolução de aí viverem honestamente.

Considerando-se que estes dois culpados puderam ser reconduzidos ao bem pela fé que acharam no Espiritismo, é evidente que se eles tivessem tido essa fé previamente, não teriam cometido o mal. A Sociedade é, pois, interessada na propagação de uma doutrina de tão grande poder moralizador. É o que se começa a compreender.

Uma outra consequência a tirar do fato relatado é que os Espíritos não são detidos pelos ferrolhos, e que vão até o fundo das prisões levar suas consolações. Assim, não está no poder de ninguém impedir que eles se manifestem de uma ou de outra maneira. Se não for pela escrita, será pela audição. Eles enfrentam todas as proibições, riem-se de todas as interdições, transpõem todos os cordões sanitários. Que barreira podem, então, lhes opor os inimigos do Espiritismo?

Revista Espírita de novembro de 1863

10

Page 16: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

16

16

ACOLHER E EVANGELIZAR: O QUE VEM PRIMEIRO?

“Jesus é o Mestre e o Evangelho é o roteiro seguro

da felicidade”. (Q. 625 de O Livro dos Espíritos)

Ao analisar a proposta do "ide e evangelizai" não podemos nos esquecer "do vinde a

mim as criancinhas" e do "bem-aventurados os aflitos por que serão consolados" e nem

o " todas as vezes que fizerdes isto a um destes pequeninos é a mim que o fareis", todas

colunas de sustentação do " AMAI-VOS".

Na busca de elevar o homem à perfeição, despertando nele o germe da perfectibilidade,

há reflexões importantes e profundas que podem ser deduzidas da análise do Evangelho

de Jesus, cujo programa traçado nas elevadas esferas espirituais é o de instalar o reino

de Deus dentro de nossos corações.

Todo Centro Espírita é Escola – Hospital – Espaço de convivência e fraternidade e Oficina

de trabalho no bem é e tem como um dos objetivos centrais a evangelização de adultos,

crianças e jovens. Nos Centros Espíritas bem organizados há sempre grupos de

abnegados seareiros envolvidos na tarefa divina de evangelizar, de iluminar caminhos e

oportunizar as reflexões sobre a origem do ser, do seu destino e das causas das suas

aflições.

Há trabalhos belíssimos com resultados visíveis no despertamento do ser. Há

experiências marcantes desenvolvidas por instituições que conseguiram montar um

modelo de atenção ao ser que procura a casa espírita para encontrar consolo, alívio e

esclarecimento para suas angústias.

Mas qual a receita? Na verdade, nas discussões que temos acompanhado entre os

trabalhadores do setor, há grande indagação sobre como fazer para manter o

"evangelizando" perseverante no programa de evangelização da instituição. As

desistências e deserções são grandes e não se chegou ainda aos fatores determinantes

desta evasão.

Nas receitas de sucesso da evangelização, o que se percebe é que o trabalhador desse

segmento está consciente de que o processo evangelização não começa na entrada dos

alunos no ambiente do encontro e nem termina quando eles saem. Já entenderam que

evangelização é muito mais do que uma "aula de evangelho", se é que se pode chamar

assim.

O atendimento na Casa Espírita, seja em qual departamento ocorra, deve buscar o ser

bio-psico-sócio-espiritual. Com este foco, cabe uma pergunta ou várias. Por exemplo:

como evangelizar uma criança com fome? Ou um adulto analfabeto? O que fazer com

uma criança que se apresenta irrequieta, agressiva e malcuidada? Ou ainda, como

evangelizar uma criança aflita porque os pais estão se separando? Vê-se, que

evangelizar é muito mais do que informação cristã.

Page 17: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

17

17

Há que se pensar aqui, que o foco é bio-psico-sócio-espiritual, e se não atendidas as

necessidades primárias do indivíduo, a "aula de evangelização" não produzirá qualquer

efeito, de vez que, sua necessidade momentânea na hierarquia natural não é esta. Além

destas carências, facilmente perceptíveis, descobrir-se-ão outras, particularmente as de

origem espiritual, caracterizadas, muitas vezes, por processos obsessivos, cuja

intervenção se faz também necessária, através da ação conjunta e interativa de outros

departamentos da Casa Espírita ou mesmo com a rede espírita ou de atenção social.

A ação interativa dentre os diversos departamentos da instituição será capaz de

solucionar muitos problemas na sala de aula de evangelização. Diz Emmanuel que "a

quem tem fome, pão e evangelização e a quem não tem fome, evangelização". Desta

forma, fica claro que, se a Casa Espírita tem a proposta da atenção integral, é preciso

buscar primeiro atender as necessidades primárias para, em seguida, suprir as outras 12

necessidades.

Não se deve ler nestas linhas a proposta de fuga do Centro Espírita dos seus objetivos,

mas, deve-se ler que¸ utilizando os recursos disponíveis (do centro e da comunidade)

podemos atender integralmente o ser que nos procura e assim criar as condições

necessárias para que possa estar tranquilo na sala de evangelização, em condições de

assimilar a lição esclarecedora. Uma criança com fome ou obsedada ou ainda em

conflito familiar é um ser em "estado de necessidade ou um caído da nossa estrada de

Jericó". Pretender atender a ela apenas com palavras esclarecedoras e consoladoras é,

no mínimo, ineficaz e descaridoso.

Imaginemos que essa criança fosse o seu filho: que atendimento seria esperado? Ou

mesmo você, evangelizador ou dirigente espírita – que atendimento esperaria?

Nesta linha de raciocínio, evangelizar é mais do que estar por uma hora na sala de aula

por semana. Assim entendemos que:

• Evangelizar é observar a realidade de cada ser e sua complexidade. Evangelizar,

significa até mais do que isto! É estar disponível para o outro, expressando este

sentimento em qualquer circunstância em que o outro se encontre.

• Evangelizar é ir ao encontro das ansiedades e angustias daquele que se

disponibiliza a receber a mensagem de Jesus. É preciso oferecer a mensagem de Jesus

com os condimentos do amor, tal como o Mestre no-la ofereceu.

• Evangelizar é utilizar dos recursos da Casa Espírita para que a ação de atenção

seja integral. Identificar as necessidades materiais, espirituais, psíquicas e intelectuais é

ação que deve ser complementada com a integração dos diversos departamentos da

casa espírita. Sendo necessário, a instituição deverá buscar em outros centros ou na

comunidade os recursos necessários à melhor execução da atividade.

• Evangelizar é acompanhar o ser em evolução. Como um filho espiritual que agora

se torna irmão, o acolhimento significa acompanhar o evoluir do ser, motivando-o para

que se mantenha ligado à tarefa de evangelização. Assim procedendo, naturalmente o

manteremos vinculado à instituição.

Page 18: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

18

18

• Evangelizar é confirmar o pleno atendimento, tornando-se responsável pelo

outro. Promover o ser é a grande meta. Oferecer-lhe pequenas tarefas e ir

paulatinamente oportunizando o trabalho de acordo com o seu progresso e nível de

responsabilidade é compromisso espírita.

Assim posto, infere-se que a tarefa de evangelizar confunde-se com a proposta do

centro espírita no campo macro. Mas não podemos perder de vista que cada ser é um

universo micro dentro do conjunto de outros seres que compõem o grupo. E assim deve

ser considerado.

Se o objetivo da evangelização é levar a pessoa a professar uma fé viva, raciocinada, não

a aceitação intelectual do Evangelho, a ação evangelizadora e transformadora deve

comprometer-se com a lição/apelo e exercício da caridade, em conjunto. O ser integral

precisa ler a realidade humana nos campos físico, social, intelectual e espiritual e

encontrar respostas para suas indagações, sem imposições, cuja base não pode ser

apenas cultural. Ao examinar os exemplos de cuidado e amor de que foi alvo, deve

compreender que é também adotando um comportamento cristão que deve encarar o

seu dia-a-dia.

A evangelização deve sensibilizar pela valorização da justiça, da paz social, da ética e da

fraternidade e, portanto, deve ser mais do que uma "aula de evangelho" onde a prática

deve coincidir com o que se fala.

Assim, evangelizar e acolher são cordas do mesmo instrumento de amor. Sem uma ou

outra corda, o instrumento desafina. Um não vem antes do outro... ambas atitudes

devem ser conjuntas e afinadas com benevolência, compaixão e tolerância.

Sem o exercício da caridade, a evangelização morre. "O que vos ordeno é que vos ameis

uns aos outros". (Jo,15:17)

Page 19: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

19

19

INFLUÊNCIA DA MÚSICA SOBRE OS CRIMINOSOS, OS LOUCOS E OS IDIOTAS.

Embora o avanço da tecnologia das comunicações, da medicina micro e macro, o conhecimento da dinâmica aeroespacial que permite conquistar o espaço, em algumas áreas do conhecimento humano se avançou pouco, quase nada. Uma destas áreas em que se evoluiu pouco é o tratamento penal. Mesmo diante de modernas legislações e conceitos humanizados constante dos livros, a sua execução está longe de ser aquilo que a filosofia do direito indica e mesmo aquilo que as sentenças determinam.

O texto abaixo aqui inserido, tem a finalidade de chamar a atenção sobre o grave problema das pessoas acometidas por doenças mentais que cometem crimes e que são amontoadas nos chamados manicômios judiciários.

Vejamos o texto publicado pela Revista musical do Siècle, de 21 de junho de 1864:

“Sob o título de Um órfão sob ferrolhos, o Sr. de Pontécoulant acaba de publicar excelente notícia em favor de uma boa causa. Parece que o diretor de uma casa de detenção concebeu a engenhosa ideia de fazer a música penetrar nas celas dos condenados. Ele compreendeu que seu dever não era apenas punir, mas corrigir.

“Para agir com certeza sobre o caráter do prisioneiro, magoado pelo castigo, ele foi direto à música. Começou por criar uma escola de canto. Os detentos que se haviam distinguido por sua boa conduta consideraram como uma recompensa fazer parte desse orfeão.

“A penitenciária assim se achava transformada. Entre cerca de mil prisioneiros foram escolhidos cem, que foram chamados a participar dos primeiros ensaios. O efeito foi muito grande sobre o moral desses infelizes. Uma infração dos regulamentos podia afastá-los da escola, então eles se organizaram a fim de respeitar as obrigações, até então desdenhadas.

“Com o propósito de dar melhor a compreender a importância que eles ligam à instituição desses coros, lembrarei que o silêncio lhes é imposto habitualmente. Eles pensam, mas não falam. Eles poderiam esquecer a sua língua, da qual não mais se servem momentaneamente. Nessas condições, compreende-se que essas peças falados e cantados em grupo lhes caem como maná do céu. É o momento de se reunirem, de ouvir vozes, de romper sua solidão, de comover-se, de existir.

“Repito que os resultados são excelentes. De setenta cantores que este ano compunham o orfeão, dezesseis indultos puderam ser concedidos. Não é convincente?

Nota do organizador: Algumas palavras podem soar fortes,

inadequadas e até preconceituosas. Leve em consideração que

o texto é de 1864, traduzidos do francês. A medicina

psiquiátrica e a psicologia eram ainda, senão inexistentes,

embrionárias.

Page 20: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

20

20

“Esquecia-me de dizer que a experiência foi feita em Melun. É uma prova a encorajar, um exemplo a seguir. Quem sabe esses corações endurecidos talvez sintam derreter o gelo e ainda possam gostar de alguma coisa! Ensinando-lhes a cantar, ensinam-lhes a não mais maldizer. Seu isolamento se povoa, a cabeça se acalma e a tarefa lhes parece menos pesada. Depois, terminada a pena, por vezes reduzida graças à aplicação e à boa conduta, eles sairão, livres da perversão pelo ódio.

“Um dia visitei a casa de saúde do Dr. B..., em companhia de um alienista. No caminho, dizia este:

─ “As duchas! As duchas!... Não conheço senão as duchas e a camisa de força. É a panaceia... Todos os outros paliativos são insuficientes quando se está diante de um louco furioso.

“Nesse momento, gritos no fundo do jardim atraíram a nossa atenção.

─ “Olhai! Disse ele, vejo um que vai sofrer um dos dois suplícios, talvez os dois. Quereis que o sigamos? Vereis o efeito.

“O pobre diabo se debatia desesperadamente nas mãos dos guardas. Ele tinha ameaças na boca e fogo nos olhos. Parecia impossível tentar um apaziguamento sem o recurso dos grandes meios.

“De repente ouviu-se uma voz na outra extremidade do jardim. Ela vinha de um pavilhão isolado que se poderia supor que se erguera sozinho, com sua vinha virgem e suas parasitas caindo do telhado, num tufo de espinheiros em flor. A voz cantava o romance de Saulo, da Desdêmona.

“Parei para escutá-la. Não sei se devo a impressão que experimentei à influência da atmosfera e do lugar, mas o que afirmo é que jamais, em tempo algum, me senti tão profundamente comovido. Eu soube, depois, que a cantora era uma dama do mundo, à qual a infelicidade tinha feito perder a razão.

“O louco furioso parou de súbito, cessando de se debater e de blasfemar.

─ “A voz! A voz! Disse ele... psiu!

“E, ouvido à escuta, não experimentava senão o êxtase.

“Ele tinha-se acalmado.

─ “Então! Perguntei ao alienista descontrolado, que dizeis do vosso famoso tópico?

“Ele preferia ser feito em pedaços do que retirar sua brutal afirmação. As pessoas sistemáticas são assim. Os fatos nada podem sobre elas. Elas tratam o que as contraria como uma exceção. Não tenteis combatê-las, porque elas têm sua ideia fixa e quando tiverdes esgotado todos os argumentos, elas vos rirão na cara. Nada de concessões! Estão convencidas ou não estão.

Page 21: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

21

21

“Em vários hospícios de alienados, notadamente em Bicêtre, compreenderam o partido que poderia ser tirado da música e dela se servem vitoriosamente. Aí as missas são cantadas por loucos. Salvo raros incidentes, tudo se realiza conforme o programa, sem que se haja de reprimir o menor desvio.

“Há uma doença mais horrível que a loucura. Refiro-me ao cretinismo. Os loucos têm suas horas de lucidez; às vezes, mesmo, apenas são afetados por uma mania. Conversam razoavelmente sobre todos os assuntos, salvo sobre aquele que os faz divagar. Um se julga de vidro e recomenda que só o toquem com precaução; outro vos aborda e diz, mostrando um de seus vizinhos: ‘Vedes bem aquele moreninho? Ele se julga o filho de Deus, mas o Cristo sou eu! ’ Um terceiro vos convida para as suas grandes caçadas, em seu parque esplêndido; ouve a matilha, os criados que o apoiam, as fanfarras que lhe respondem, a presa a gritar; é feliz em seu sonho; é quase sempre um ambicioso caído mais ou menos longe do objetivo visado. Todos os curáveis e incuráveis têm um ponto de referência para a imaginação.

“Mas aos outros, aos idiotas, aos cretinos, o que lhes resta? Eles ficam agachados a um canto de parede, sobre uma pedra, o rosto embrutecido, como horríveis bolas de carne, jamais tendo um lampejo de inteligência e não possuindo nem mesmo o instinto dos animais inferiores. Eles estão completamente perdidos de corpo e alma, não estão? Estão muito rebaixados em sua dignidade humana, muito degradados, muito tolhidos fisicamente e moralmente? Eles têm ouvidos para não ouvir, olhos para não ver, sentidos extintos. Eles são mortos vivos.

“Em vão tentaram algo ressuscitar neles, quer pela dureza, quer pela doçura. Era desesperador.

“Então vocalizaram notas em sua presença, até que as repetissem maquinalmente. Cantarolaram para eles motivos simples e curtos, que eles repetiram. Agora eles cantam. Para eles, cantar é uma festa. Pelo canto, eles são controlados. É sua punição ou sua recompensa; eles obedecem; eles têm consciência de suas ações. Ocupam-nos nos mesmos trabalhos. Ei-los a caminho de uma meia reabilitação intelectual.

“Há regiões em que essa cruel enfermidade se reproduz incessantemente. Será o ar ou a água que a provoca?

“Certa manhã, após uma noite de caça laboriosa, na vertente meridional dos Pireneus, eu tinha entrado na choupana de um pastor, para me refrescar. Aí encontrei o pai debilitado, sua mulher fragilizada e três crianças enfraquecidas, das quais uma enrodilhada sobre um monte de palha podre. Como eu examinasse esse infeliz apatetado, o pai me disse:

─ “Oh! Esse aí jamais viveu; ele nasceu como está. Aqui o cretinismo toma um em três. Eu pago a minha dívida.

─ “Ele vos reconhece? Perguntei.

Page 22: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

22

22

─ “Nem a mim, nem aos irmãos; fica na posição em que o vedes, e só desperta do entorpecimento quando o sol se põe e eu recolho o rebanho esparso; então ele se agita, parece contente, como se acontecesse alguma coisa feliz.

─ “E a que atribuís esse movimento?

─ “Não sei.

─ “De que sinal vos servis?

─ “Do refrão de todos os pastores.

─ “Vejamos. Dizei o refrão, como se os animais fossem ser recolhidos.

“O velho dócil foi para a porta, e, de pé no terreiro, com as mãos em concha, recomeçou o canto de chamada. Um fato estranho ocorreu: o menino doente ergueu-se de um salto, soltando gritos inarticulados. Adivinhava-se que ele queria falar. Expliquei que a música agia poderosamente sobre os seus nervos. O pai compreendeu e me disse na sua gíria acentuada:

─ “Eu sei canções; eu lhes direi.

“Dois anos mais tarde tive ocasião de rever essa pobre gente, a quem eu trazia uma camurça ferida.

“O menino se havia tornado dócil.

“Publiquei a história antes que pensassem em servir-se da música como processo curativo em casos semelhantes. Meu relato foi considerado como uma fábula.

“O meio prático depois fez o seu caminho, com os cretinos e com os loucos, o que não impediu o meu alienista de sustentar que nada vale a camisa de força e as duchas. Ele está convicto disso. ”

Não sabemos se o autor do artigo, Sr. Chadeuil, é antiespiritualista, mas o que é certo é que é antiespírita de marca maior, a julgar pelos sarcasmos que não poupa à crença nos Espíritos, sempre que achou ocasião em sua Revue musicale.

Para negar uma doutrina baseada nos fatos e aceita por milhões de indivíduos ele viu, observou e estudou? Informou-se escrupulosamente em todas as fontes? Seus próprios artigos testemunham ignorância daquilo de que ele fala. Em que, então, ele se apoia para afirmar que é uma crença ridícula? Em sua opinião pessoal, que acha ridícula a ideia de Espíritos comunicando-se com os homens, exatamente como todas as ideias novas de alguma importância foram julgadas ridículas pelos homens, mesmo os mais capazes. É assim, sem dúvida, a aplicação dessas notáveis e verídicas palavras de seu artigo:

Page 23: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

23

23

“As pessoas sistemáticas são assim. Os fatos nada podem sobre elas. Elas tratam o que as contraria como uma exceção. Não tenteis combatê-las, porque elas têm sua ideia fixa e quando tiverdes esgotado todos os argumentos, elas vos rirão na cara. ”

Não é mais uma vez a história da trave e do argueiro no olho? É verdade que não sabemos se esta reflexão é dele ou do Sr. Pontécoulant. Seja como for, ele a cita como um elogio, portanto a aceita. Mas deixemos de lado a opinião do Sr. Chadeuil, que pouco nos importa, e vejamos o artigo em si mesmo, que constata um fato importante: A influência da música sobre os criminosos, os loucos e os idiotas.

Em todos os tempos tem-se reconhecido a influência salutar da música para o abrandamento dos costumes. Sua introdução entre os criminosos seria um progresso incontestável e só poderia ter resultados satisfatórios. Ela excita as fibras entorpecidas da sensibilidade e as predispõe a receber as impressões morais. Mas, isso é suficiente?

Não. É um trabalho em terra inculta, que necessita da semeadura de ideias próprias a provocar uma profunda impressão sobre essas naturezas desviadas. É preciso falar à alma, depois de haver amolecido o coração. O que lhes falta é a fé em Deus, em sua alma e no futuro; não uma fé vaga, incerta, incessantemente combatida pela dúvida, mas uma fé baseada na certeza, a única que pode torná-la inabalável. Sem dúvida a música pode predispor a isso, mas não a dá. Nem por isto deixa de ser uma auxiliar que não se pode negligenciar. Esta tentativa, e muitas outras que a Humanidade e a civilização não podem senão aplaudir, testemunham uma louvável solicitude pelo moral dos condenados. Resta, porém, atingir o mal na sua raiz.

Um dia será reconhecida toda a extensão do socorro que pode ser haurido nas ideias espíritas, cuja influência já está provada pelas numerosas transformações que elas operam nas naturezas aparentemente mais rebeldes. Os que aprofundaram esta doutrina e meditaram sobre as suas tendências e as suas consequências inevitáveis são os únicos a compreender a força do freio que ela opõe aos arrastamentos perniciosos. A razão desse poder é que ele se dirige à própria causa desses arrastamentos, que é a imperfeição do Espírito, ao passo que a maior parte do tempo só a buscam na imperfeição da matéria.

O Espiritismo, atualmente, como doutrina moral, não mais se acha no estado de simples teoria. Ele entrou na prática, ao menos para um grande número dos que admitem os seus princípios. Ora, conforme o que se passa, e em presença dos resultados produzidos, pode-se afirmar sem medo que a diminuição dos crimes e delitos será proporcional à sua divulgação. É o que um futuro próximo encarregar-se-á de demonstrar. Esperamos que a experiência se faça em mais larga escala, ela se faz todos os dias individualmente. Disto a Revista já forneceu numerosos exemplos; limitar-nos-emos a lembrar as cartas de dois prisioneiros, publicadas nos números de novembro de 1863 e fevereiro de 1864.

Deixamos aos leitores o cuidado de apreciar o fato acima, relativo à loucura. Sem a menor dúvida é a mais amarga crítica aos alienistas que só conhecem as duchas e a camisa de força. O Espiritismo vem lançar uma luz completamente nova sobre as doenças mentais, demonstrando a dualidade do ser humano, e a possibilidade de agir isoladamente sobre o ser espiritual e sobre o ser material. O número incessantemente

Page 24: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

24

24

crescente dos médicos que entram nessa nova ordem de ideias necessariamente trará grandes modificações no tratamento dessas espécies de afecções. Abstração feita da ideia espírita propriamente dita, a constatação dos efeitos da música em semelhantes casos é um passo na via espiritualista, da qual os alienistas em geral se afastaram até hoje, com grande prejuízo para os doentes.

O efeito produzido sobre os idiotas e os cretinos é ainda mais característico. Quase sempre os loucos foram homens inteligentes; entretanto, isso não se dá com os idiotas e os cretinos, que parecem votados pela própria natureza a uma nulidade moral absoluta.

O Espiritismo experimental vem também aqui lançar a luz, provando, pelo isolamento do Espírito e do corpo, que se trata geralmente de Espíritos desenvolvidos e não atrasados, como se poderia supor, mas unidos a corpos imperfeitos. Pela igualdade de inteligência, a diferença entre o louco e o cretino é que o primeiro, no nascimento do corpo, é provido de órgãos cerebrais constituídos normalmente, mas que mais tarde se desorganizam, ao passo que o segundo é um Espírito encarnado num corpo cujos órgãos, atrofiados desde o princípio, jamais lhe permitiram manifestar livremente o pensamento. Ele está na situação de um homem forte e vigoroso a quem tivessem tirado a liberdade de movimentos.

Tal constrangimento é para o Espírito um verdadeiro suplício, porque ele não deixa de ter a faculdade de pensar, e sente, como Espírito, a abjeção em que o coloca sua enfermidade. Suponhamos, então, que em dado momento, por um tratamento qualquer, se possam desligar os órgãos: o Espírito recobraria a liberdade e o maior cretino tornar-se-ia um homem inteligente. Seria como um prisioneiro saindo da prisão, ou como um bom músico diante de um instrumento completo, ou, ainda, como um mudo recuperando a palavra.

O que falta ao idiota não são, pois, as faculdades, mas as cordas cerebrais correspondentes a essas faculdades, para a sua manifestação. Na criança normalmente constituída, o exercício das faculdades do Espírito leva ao desenvolvimento dos órgãos correspondentes, que nenhumas resistências oferecem. No idiota, a ação do Espírito é impotente para provocar um desenvolvimento que ficou em estado rudimentar, como um fruto abortado. A cura radical do idiota é, pois, impossível; tudo quanto se pode esperar é uma ligeira melhora. Por isto não se conhece nenhum tratamento aplicável aos órgãos; é ao Espírito que se tem de dirigir. Estudando as faculdades cujo germe se descobre, há que provocar o seu exercício da parte do Espírito, e então, se ele superar a resistência, poder-se-á obter uma manifestação, senão completa, ao menos parcial.

Se há um meio externo de agir sobre os órgãos, é, sem dúvida, a música. Ela consegue abalar essas fibras entorpecidas, como um grande ruído que chega aos ouvidos de um surdo. O Espírito com isto se abala, como numa lembrança, e sua atividade, provocada, redobra os esforços para vencer os obstáculos.

Para aquele que no homem vê apenas uma máquina organizada, sem levar em conta a inteligência que preside a atividade desse organismo, tudo é obscuridade e problema nas funções vitais, tudo é incerteza no tratamento das afecções. Eis por que, o mais das

Page 25: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

25

25

vezes, não se ataca de frente o mal; mais do que isto: tudo são trevas nas evoluções da Humanidade, tudo é tateamento nas instituições sociais, por isso tantas vezes se toma o caminho errado. Admiti, apenas a título de hipótese, a dualidade do homem, a presença de um ser inteligente independente da matéria, preexistente e sobrevivente ao corpo, que para este é apenas envoltório temporário, e tudo se explica. Por experiências positivas, o Espiritismo faz desta hipótese uma realidade, revelando-nos a lei que rege as relações do Espírito e da matéria.

Então ride, ó céticos, da Doutrina dos Espíritos, saída do fenômeno vulgar das mesas girantes, como a telegrafia elétrica saiu das rãs dançarinas de Galvani, mas pensai que negando os Espíritos, vos negais a vós mesmos, e que riram das maiores descobertas.

Revista Espírita 1864 - Setembro

Page 26: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

26

26

EVANGELIZAR: UMA MISSÃO DOS CONTINUADORES DE JESUS.

“Consideremos não apenas o “vinde a mim os aflitos e

desconsolados”. Foquemos também o “ide e evangelizai”.

É preciso ir ao encontro das misérias ocultas e escondidas. Certa feita, um amigo espiritual se aproximou de um médium de nossa reunião

mediúnica e como eu dirigia a citada reunião, me saudou no momento em que se

oportuniza para as manifestações dos dirigentes espirituais e como estava iniciando o

programa de assistência religiosa ao preso (na época assim chamávamos a atividade)

me disse em tom paternal:

“Agora você está chamado a libertar aqueles a quem aprisionou! ”. Sem

compreender o que o espírito falava, associei logo a mensagem à minha

profissão e imaginei que soltaria muita gente, posto que, como policial

“cana-dura” eu prendi muita gente.

Fiquei entusiasmado com a ideia. Empolgado e cheio de mim mesmo prossegui na tarefa

de levar a mensagem de Jesus ao presídio. Tempos depois, o mesmo espírito se

aproximou e através do mesmo médium disse: “Você entendeu de forma equivocada a

nossa conversa anterior”. Como num raio, se avivou em minha memória a conversa

anterior. Continuou ele: “Os que você vai soltar, não são aqueles em cujos braços você

colocou algemas e sim os que você aprisionou o coração. Isto é, os que você

desencaminhou”. Meio que atônito, recolhi minha orgulhosa bandeira de libertador e

comecei a pensar na reparação dos meus erros. Isto é, eu seria o maior beneficiário.

Lembrando-me disto, veio em meu socorro a lúcida mensagem contida na obra Pontos

e Contos de Irmão X, psicografia de Chico Xavier, com o título de O Programa do Senhor,

que aqui cabe comentar.

Narra Irmão X (Espírito Humberto de Campos, que encarnado era poeta e jornalista) que

por ocasião da vinda de Jesus se fazia, como se faz ainda, muita confusão sobre a sua

missão. Esta era uma dúvida entre os místicos e dogmáticos judeus que não o aceitavam,

por suas antigas tradições e costumes, mudanças em suas liturgias, rituais e

interpretações e sobretudo, pela necessidade de mudanças radicais.

Na narrativa citada, possuído pelas mesmas dúvidas que assaltaram Nicodemos,

Malebel, personagem simpático e bem composto fisicamente, atolado em suas

indagações, não se faz de vencido e vai em busca de respostas para suas dúvidas.

Diz Humberto de Campos que Jesus estava ao sopé do monte onde acontecera a célebre

multiplicação dos pães e os seguidores de Jesus ainda se ocupavam de ajuntar e

organizar os restos dos pães, após a saciedade de todos.

Page 27: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

27

27

Ao identificar Jesus, Malebel, certamente causando boa impressão e, possivelmente,

valendo-se da condição de servidor público que para si exigia privilégios, aproxima-se

de Jesus e lança-lhe indagativo olhar, o qual, ao percebê-lo, acolhe-o com olhar solícito,

como a perguntar qual era a sua dúvida. Malebel entendendo o olhar, pergunta de

chofre: És tu, o arauto (anunciador) do novo reino? “Sim”! Respondeu Jesus,

laconicamente.

Humberto de Campos narra que o diálogo iniciado se torna memorável. Malebel tomado

de surpresa pela altivez com que Jesus se declara anunciador do novo reino e bem como

intrigado pela resposta monossilábica, pergunta: “Em que bases se sustentará o projeto

que queres implantar? “Em obrigações de trabalho para todos”! Respondeu Jesus, sem

pestanejar. Malebel, como funcionário da prefeitura, logo insere o seu conhecimento e

possível interesse profissional na pergunta e indaga: “Quem fiscalizará tal empresa, isto,

todos trabalhando”? “A consciência de cada um fiscalizará as atividades no meu Reino”,

responde Jesus. Malebel, sem entender nada, intrigado redargue: “ Então, não haverá

disciplina? ” “ Como não? Nenhuma tarefa prescinde de ordem e disciplina, posto que o

progresso é sustentado por estes dois pilares. ” A resposta de Jesus deixa Malebel

surpreso.

Malebel, intrigado, resolve fazer perguntas mais objetivas e então pergunta a Jesus: -

“Qual a função dos melhores? ” - “Melhorar os piores”! Responde Jesus. E Malebel

prossegue: “E a função dos bons? ” - “Melhorar os maus”. Jesus de novo, tem a resposta

pronta. Malebel, cada vez mais aturdido, continua: “E a função dos sábios? ” “Esclarecer

e iluminar os caminhos dos ignorantes”, esclarece Jesus. Cada vez mais sem entender

do que falava, Malebel faz ainda outras perguntas, dentre as quais, destaco, para

sustentar a ideia aqui alinhada: “E a função dos ricos”, pergunta Malebel. “A eles cabe a

função de gerar oportunidades para os mais pobres através do trabalho, para que

fiquem igualmente ricos com as experiências da conquista do pão de cada dia”. De novo

Jesus responde com lucidez.

O diálogo continua, mas nos basta aqui para alinhar as ideias em construção.

Falamos, então, de um programa e missão de Jesus, que teve seus precursores,

representados pelos filósofos – O Evangelho Segundo o Espiritismo nos fala de Sócrates

e Platão, destaca a figura de Moisés, Elias, outros profetas e João Batista.

Quando entre nós, Jesus escolheu os 12, narrado por Lucas, Marcos e Mateus e depois

mais 72 (Lc.10:1-24) e depois os 500 da Galiléia (Humberto de Campos, Boa Nova, cap.

29) e os enviou dois a dois, na proposta do “ide e evangelizai todos os povos” (Mt.

28,18), não indicou apenas a tarefa de transmitir conhecimentos, mas também como

missão reparadora.

De fato, se analisarmos a ordem universal, veremos que quando Jesus veio, sua chegada

foi preparada pelos precursores. Cada um com sua missão na construção do reino de

Page 28: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

28

28

Deus, começando por sua missão pessoal (autotransformação) e com a missão de

orientar e encaminhar outros, não como conhecimentos apenas, mas com atitudes.

Estudiosos da vida e obra de Francisco de Assis assinalam que o Poverello de Assis dizia:

“Prega o evangelho! Se precisar falar, fala! ”, querendo dizer que a transmissão da

mensagem se faz mais por atitudes que por palavras.

Buscando compreender a missão de Jesus, identificamos que ela não era outra senão a

implantação do Reino de Deus no coração dos homens. Para os que comungam da

doutrina espírita, percebem que a obra de Deus, já gigantesca para o Planeta Terra é

incomensurável, se considerarmos o Universo todo não pode ficar sobre apenas um

ombro ou responsabilidade.

16

Jesus é, para a Humanidade terrena, o Modelo e Guia e o seu Evangelho é roteiro seguro

para o homem que aspira a felicidade, como nos ensina O Livro dos Espíritos na questão

625. Na implantação do Reino de Deus, percebemos que durante a vida física de Jesus,

reencarnaram diversos missionários do amor que colaboraram e colaboram neste

mister.

Antes de Jesus, para ilustrar, temos Sócrates e Platão que cuidaram da filosofia, isto é,

o despertamento do homem para a busca da sabedoria, já ensinando, ambos, a

imortalidade da alma e vida futura. Destaco João, o precursor maior, aquele que

clamava no deserto.

Moisés, outro precursor de Jesus, festejado personagem bíblico, dedica sua vida em

libertar o povo hebreu do cativeiro do Egito, implantando a ideia monoteísta em

oposição ao politeísmo, preparando a sociedade e organizando sistema jurídico e social

para que o terreno onde Jesus lançaria sua mensagem estivesse mais receptivo.

Se Sócrates e Platão desenvolveram a filosofia, podemos dizer que Moisés desenvolveu

os conceitos de justiça como elemento de segurança e paz.

Quando Jesus vem, estrutura sua equipe de trabalho que ratifica e corrige conceitos,

mas, prossegue a saga dos precursores, orientando os seus seguidores (os que ele

indicou – 12; 72 e 500) para prosseguirem na tarefa. Destaco João Evangelista.

E os seguidores vão formando os continuadores – Paulo, Agostinho, Francisco de Assis,

Lutero, alguns papas, Allan Kardec, Fénelon, o Rei São Luís, Franklin, Swendenborg,

Joana de Angelis, Bezerra de Menezes, Chico Xavier, dentre tantos outros.

Insiro nesta lista espíritos cuja biografia conheço superficialmente. Por dever de justiça,

é preciso destacar que entre os precursores, seguidores e continuadores, não se inserem

apenas Espíritos que são reconhecidos na literatura espírita. Estes nós conhecemos e

então citamos, mas não podemos deixar de citar o estoicismo e a coragem de grandes

pregadores e missionários católicos e evangélicos e mesmo de outras crenças, inclusive,

não religiosos, como cientistas, professores, pensadores, escritores, filósofos,

Page 29: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

29

29

pesquisadores, inventores que colaboraram enormemente, doando toda a sua vida em

sacrifício pelo progresso da humanidade.

O gigantismo da missão de Jesus no Planeta Terra não pode e nem poderia ficar nos

ombros de uns poucos. Nossa inteligência ainda é muito limitada para compreender

Jesus e sua missão. E não está centrada apenas no campo da religião – leia-se

espiritualidade. Em todas as ciências, se faz presente a inteligência inspiradoras dos

espíritos orientadores, que muitas religiões chamam de Espírito Santo.

Levar a palavra aos gentios, em verdade, é uma missão reparadora dos continuadores,

posto que, como me foi dito, desencaminhamos muitos por nossas atitudes nefastas,

diretas ou omissivas de nossas responsabilidades, o que nos sugere a oportunidade de

reparar. Cabe-nos, não apenas levar o conhecimento, mas amparar, consolar, esclarecer

e disseminar a paz e o amor entre os filhos de Deus, aqueles mesmos que Jesus convidou

ao seu regaço, no “vinde a mim, vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei”.

(Mt. 11:29)

Aqueles a quem levamos os conhecimentos espíritas, católicos e evangélicos, em

verdade, fazem a caridade de nos ouvir, posto que, muitas vezes, não mostramos

coerência entre o falar e o agir. Contudo, são caridosos e ao mesmo tempo necessitados

e nos ouvem. E com isto vamos inconscientemente, muitas vezes, corrigindo nossas

imperfeições.

Pensando assim, eles são o laboratório de nossas experiências reparadoras na nossa

existência terrena. Aproveitemos para ensinar e conduzir enquanto é tempo e existirem

pessoas que precisam destes ensinamentos. Somos os continuadores da difusão da

mensagem de Jesus.

Page 30: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

30

30

A INFLUÊNCIA MORALIZADORA DO ESPIRITISMO

Carta de um egresso.

“Senhor,

“Tive a felicidade de ler, de estudar algumas de vossas excelentes obras tratando do Espiritismo, e o efeito dessa leitura foi tal sobre o meu ser, que julgo dever com isso tomar-vos a atenção, mas, para que me possais bem compreender, penso que é necessário dar-vos a conhecer as circunstâncias em que me acho colocado.

“Tenho a infelicidade de ter sido condenado a seis anos de reclusão, justa consequência de minha conduta passada, por isso, não tenho direito de me queixar. Assim, é a bem da ordem que faço o relato.

“Há apenas um mês eu me julgava perdido para sempre. Por que hoje penso o contrário e por que a esperança brilha em meu coração? Não será porque o Espiritismo, desvendando-me a sublimidade de suas máximas, fez-me compreender que os bens terrenos nada são; que a felicidade só existe realmente para os que praticam as virtudes ensinadas por Jesus Cristo, virtudes que nos aproximam de Deus, nosso pai comum? Não é também porque, embora caído num estado de abjeção, embora aviltado pela Sociedade, posso esperar renascer de alguma sorte, e assim preparar minha alma para uma vida melhor, pela prática das virtudes e meu amor a Deus e ao próximo?

“Não sei se são bem estas as verdadeiras causas da mudança que em mim se operou. O que sei é que em todo o meu ser se passa algo que não posso definir. Estou com melhores disposições diante dos infelizes que, como eu, estão colocados sob a férula da Sociedade. Tenho certa autoridade sobre uma centena deles, e estou bem decidido a só usá-la para o bem. Minha posição moral parece-me menos penosa. Considero meus sofrimentos como uma justa expiação, e esta ideia me ajuda a suportá-la. Enfim, não é mais com sentimentos de ódio que considero a Sociedade: rendo-lhe a justiça que lhe é devida.

“Eis ─ estou certo disto ─ as causas que reagiram sobre o meu espírito, e que farão de mim, no futuro, ─ tenho uma suave esperança ─ um homem que ama e que serve a Deus e ao próximo, praticando a caridade e seus deveres.

“A quem deverei render graças por esta feliz metamorfose que de um homem mau terá feito um homem amante da virtude? Inicialmente a Deus, a que devemos tudo reportar, e em seguida aos vossos excelentes escritos.

“Assim, senhor, permiti que vo-lo diga, esta carta tem por objetivo vos assinalar toda a minha gratidão.

“Mas por que é preciso que minha educação espírita fique inacabada? Sem dúvida, Deus assim o quer. Que se faça a sua vontade!

Page 31: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

31

31

“Não vos deixarei ignorar, senhor, o nome da excelente pessoa a quem devo o que sei agora: é o Sr. Benoît, que, tendo notado em mim um desejo de refazer o meu passado, quis iniciar-me na Doutrina Espírita. Infelizmente vou perdê-lo, pois sua nova posição não mais permitirá que me venha ver. É uma grande infelicidade para mim, e não vo-la oculto, porque aos conselhos ele junta o exemplo. Ele também deve seu melhoramento à doutrina. Dizia-me ele: ‘Até ser esclarecido pelo espírito espírita, terminada a minha refeição, eu ia para o café, e lá muitas vezes me esquecia, não só dos deveres para com a minha pequena família, mas ainda para com o meu patrão. O tempo que assim passava, hoje emprego na leitura de livros espíritas, leitura que faço em voz alta, para que minha família aproveite. E crede-me, acrescentava o Sr. Benoît, isto vale mais, porque é o começo da verdadeira, da única felicidade’.

“Peço-vos perdoeis a minha temeridade e, sobretudo, a extensão desta carta, e crede-me, etc.

“20 de setembro de 1863.

“D...”

Revista Espírita 1863 » novembro

Page 32: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

32

32

HOSPITALIZAÇÃO CARCERÁRIA

Quando tiveres de anotar o comportamento dos irmãos reeducandos em retiros

carcerários, deixa que a compaixão se te instale no espírito antes que a palavra te

configure as considerações.

Presídios são Escolas-Hospitais, dignas de apreço.

Irmãos internados nesses educandários se erigem à posição de enfermos em tratamento

espiritual.

Magistrados desempenham a função de especialistas, cominando preceitos

penalógicos, à feição de recursos curativos para a supressão de desequilíbrios

determinados. 30

E de nossa parte, devemos ser os irmãos compreensivos de quantos se vejam na

condição de doentes da alma, integrando com eles a grande família humana. Somos

todos espíritos imortais, companheiros da mesma caminhada evolutiva.

De que maneira condenar os semelhantes, se não dispomos de meios para analisar-lhes

o sofrimento, quando o sofrimento lhes extravasa do ser, em forma de ignorância e

doença, obsessão e criminalidade?

Que espécie de dor terá erguido o braço daqueles que promoveram a destruição do

próprio corpo?

Quem terá impulsionado a mão do homicida contra aqueles que lhes experimentaram

os golpes?

Quantos dias de resistência gastaram os corações queridos, mas ainda inseguros, até

que se emaranhassem nas trevas da tentação?

Que forças invisíveis na Terra induziram ao enfraquecimento e ao desânimo almas belas

e cultas quando desertaram dos compromissos que elas próprias criaram na Causa do

Bem?

E qual teria sido o nosso comportamento se houvéssemos faceado as inquietações e os

problemas em que os nossos semelhantes considerados em erro, se matricularam em

rudes provas?

Meditemos nessas indagações já que não nos é dado conhecer os dramas da sombra

desde o princípio, a fim de que não venhamos a intensificar os obstáculos de quantos se

reajustam, muitas vezes, à custa de tribulações e de lágrimas.

Page 33: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

33

33

Entendemos a legitimidade dos tribunais humanos e todos somos chamados a respeitar-

lhes as determinações. Entretanto, nas trilhas do relacionamento mútuo, situemo-nos

todos, todos nós, os espíritos ainda vinculados à evolução terrestre, no esquema das

consciências endividadas, ante os foros da Divina Justiça.

E, longe de agravar as aflições dos nossos irmãos, sob assistência carcerária, auxiliemo-

los na reabilitação das próprias forças, rogando à Misericórdia Divina para que se

compadeça de todos nós.

EMMANUEL

Médium: Francisco Cândido Xavier

(Página recebida na noite de 07/11/1975, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, Minas Gerais. Extraída da Revista Reformador de fevereiro de 1977, da FEB)

Page 34: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

34

34

PRISÃO.

Mentalizemos a criatura recolhida à prisão para relacionar-lhes os aflitivos problemas.

Quase sempre chora sem lágrimas sob o azorrague do remorso a zurzir-lhe o espírito,

arrependendo-se, tardiamente, da culpa que poderia ter evitado a preço de

complacência.

Dia e noite, o relógio assinala-lhe os instantes amargos que se acumulam em

cristalizações de angústia que, frequentemente, raiam no desespero.

Padece doloroso banimento social, em compulsória distância daqueles que mais ama.

Recebe surpresas ingratas na abjeção a que se vê relegada, seja na companhia dos

elementos inferiores que lhe partilham a penitência ou na hostilidade daqueles que se

lhe erigem, por inimigos sorridentes do cárcere.

Além de tudo, porém, é constrangida a perder os patrimônios do tempo, de vez que a

reclusão lhe subtrai preciosas oportunidades de aprimoramento e progresso.

No símbolo, encontramos a posição aviltante que Jesus, por Divino Médico, procurou

conjurar em nosso favor, exortando-nos ao perdão sem limites, porque, em verdade,

malquerença e ressentimento, não são mais que perigosa enxovia mental, impedindo-

nos a livre assimilação dos bens que a vida nos oferece, segregando-nos em algemas

fluídicas que de enfermidade e de treva, entre as quais, muita vez, apressamos o passo

da morte prematura.

Não contes ofensas e chagas, pedradas e cicatrizes.

Recorda que em tudo somos acalentados pelo amor incessante da Providência Divina e

sigamos adiante, lembrando-nos de que, além da noite, o Sol brilha sem sombra, por

mensagem de Deus, bradando a plenos Céus, a vitória da luz.

Se tudo é desespero e conturbação, onde te encontras, compadece-te ainda, ampara e

espera, sem reclamar.

Perversidade e crítica expressam aridez e secura capazes de arruinar-te a esperança.

Do Livro: Alvorada do Reino, psicografia de Chico Xavier, ditado por Emmanuel

Page 35: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

35

35

O HOMEM DE BEM

O homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza.

Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não

transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo bem que podia, se ninguém tem

motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem.

Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem

contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça. 41

É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos os

homens, sem distinção de raças, nem de crenças.

Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como depósito de que

lhe cumpre usar para o bem.

Delas não se envaidece, por saber que Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar.

Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com bondade

e complacência, porque são seus iguais perante Deus.

Usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com o seu

orgulho.

É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da

indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra

aquele que estiver sem pecado.

Não é vingativo.

A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos benefícios, pois não

ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será.

(Extraído de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, comentários à questão 918.)

Eis o grande objetivo:

Procurar o conhecimento. O Conhecimento liberta-nos da ignorância (Jo. 8:32)

Conhecer para autoconhecer-se.

Autoconhecer-se para autodominar-se.

Autodominar-se para libertar-se.

Libertar-se para reinar feliz.

O HOMEM DE BEM NÃO PRECISA DE RELIGIÃO, PORQUE TEM A MELHOR DELAS:

Page 36: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

36

36

42

SEGUNDA PARTE

Page 37: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

37

37

A ASSISTÊNCIA SÓCIO-ESPIRITUAL AO APENADO COMO POLÍTICA

PÚBLICA.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou

por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam

aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a

amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano

do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode

ser oculta, jamais extinta. “

Nelson Mandela

3

A assistência religiosa a que o Estado tem o dever constitucional de garantir à pessoa

humana que se encontra na condição de privação da liberdade é direito que o Poder

Público não pode executar, posto que, sendo laico e não laicista, não pode legislar em

assuntos de religiões, dogmas, rituais, liturgias e celebrações. Incumbe-lhe o papel de

garantir o cumprimento deste direito da pessoa humana, previsto na ordem

constitucional e mesmo em tratados e convenções internacionais.

O cumprimento deste direito que somente a sociedade civil pode realizar ainda não é

bem aceito no sistema prisional. É mal tolerado e não raro sonegado e até mesmo

impedido de ser realizado sob o argumento questionável de medida de segurança.

Não é menor verdade afirmar que muitos cristãos deixam de ir ao presídio ou nem

querem falar deste assunto por preconceito, discriminação ou por indiferença ao

tratamento necessário ao cidadão delinquente. Opta livremente e - é preciso respeitar

o direito das escolhas- , fugir deste dever moral preconizado também no Evangelho de

Mateus, cap.25.

Por falta de compreensão do sistema de justiça, é clássica a expressão que grassa entre

nós que “bandido bom é bandido morto” ou “tem que morrer na cadeia” como conceito

de justiça. Esta expressão fica amarga na boca de quem a profere quando o preso é filho,

parente ou amigo próximo. De outra visão, é preciso considerar que nem toda pessoa

que está presa cometeu crimes e nem toda a pessoa que está em liberdade é justa, reta

e de bem. Jesus já nos chamou a refletir: “quem estiver sem pecado, atire a primeira

pedra”.

As convenções internacionais e os preceitos constitucionais e a legislação, sobretudo, a

Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984) inclui a assistência religiosa

no mesmo capítulo e artigo das outras assistências – material, à saúde, jurídica,

educacional, social e religiosa (art. 11), não destacando e distinguindo-a das outras, o

que nos leva a concluir que o legislador incluiu na letra da lei o espírito e o pensamento

de que ela tem o mesmo grau de importância e relevância na formação do homem.

Quando catalogamos as necessidades humanas, como fez Maslow, na sua célebre

Pirâmide das Necessidades, também chamadas de Hierarquia das Necessidades

Humanas, vê-se que lá estão catalogadas no topo do esquema as necessidades de se

conectar com o transcendente, como divino, com o Ser Espiritual – dê-se o nome que

se queira dar – entre os cristãos – Deus.

Page 38: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

38

38

Neste sentido, o homem assume uma dimensão bio-psico-sócio-espiritual, isto é, os

seus limites não estão circunscritos no universo das percepções dos sentidos físicos,

podendo ser visto e entendido, numa visão mais avançada como um ser espiritual em

experiência terrena, não sendo eterno, porém imortal, posto que a vida continua e isto

é aceito por milhões de adeptos de diversas crenças, não apenas os espíritas e os

cientistas que quiseram negar esta teoria não lograram êxito. Ao contrário, os que

tentaram provar a existência da vida após a morte, trouxeram no mínimo evidências

bem próximas da ciência, se quisermos ser rigorosos.

Desta forma, a assistência religiosa assume um caráter mais amplo e de política pública.

Nenhum administrador sério e humano nega que dentro dos presídios há a natural

carência de recursos básicos necessários à vida e ao próprio processo da corrigenda e

educação do apenado, o que obriga a família socorrer o interno, assim como os grupos

religiosos. Isto existe em praticamente todos os presídios do Brasil. Desta forma, amplia-

se o leque de ações que os grupos religiosos executam que com relativa frequência,

assistem materialmente, os internos.

Por outro lado, a religião tem o papel de tornar o indivíduo crítico e reflexivo de suas

ações e pedagogicamente ensiná-lo a corrigir-se para que viva em paz, sustentando a

paz da sociedade com suas atitudes, papel relevante executados pelos evangelizadores

nas igrejas e nos presídios.

Se de um lado, esta ação só pode ser realizada pelos religiosos em razão do estado laico,

cabe ao Poder Público garantir esta prática, por força de leis, criando espaços adequados

na unidade, que em sua grande maioria foram feitos para enjaular pessoas. Não há outro

caminho seguro para garantir a execução deste direito senão transformá-lo em política

pública.

Entende-se como política pública a soma das atividades dos governos, que agem

diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. De uma

forma ainda mais abrangente, pode-se considerar as Políticas Públicas como "o que o

governo escolhe fazer ou não fazer", com parcerias, para a conquista dos seus objetivos.

Vargas Velasques define o termo como "conjunto de sucessivas iniciativas, decisões e

ações do regime político frente a situações socialmente problemáticas e que buscam a

resolução das mesmas, ou pelo menos trazê-las a níveis manejáveis"

Já para Maria Paula Dallari Bucci, “políticas públicas são programas de ação

governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades

privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente

determinados. Políticas públicas são metas coletivas conscientes e, como tais, um

problema de direito público, em sentido lato. ”

O ser humano que for capaz de observar o sistema prisional como um todo verá as

necessárias centenas de grades por todos os lados. Não se pede aqui a retirada delas.

Mas, presídio deve ter espaço adequados para as assistências coletivas – social, jurídica,

psicológica, orientações à saúde e a assistência religiosa. Embora, haja a preocupação

com a humanização do sistema, no Brasil centenas de unidades prisionais, sequer tem

Page 39: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

39

39

salas de aula e quanto as existem, são pequenas e não atendem todo o universo do

presidio necessitado, até mesmo da alfabetização. Espaços para as assistências

coletivas, como um auditório com estrutura capaz de oferecer um serviço de qualidade

ainda é um sonho.

Nada mais aberrante do que tirar a liberdade de um homem e não obrigá-lo a estudar

ou até mesmo alfabetizar-se. Mas, onde fazer isto e como fazer isto?

A tese de transformar a assistência religiosa em assistência sócio espiritual e política

pública implica ao poder público o compromisso de:

a) No planejamento e construção de novas unidades considerar espaços

paras as assistências coletivas, dentre as quais, a religiosa, que precisa de

silêncio, concentração e espaços de leituras e exibição de vídeos, slides e

som;

b) Biblioteca e videoteca abastecida com os materiais utilizados pelos diversos

grupos religiosos habilitados; R4

c) Recursos para a aquisição de equipamentos utilizados na atividade ou dotação

dos espaços com todo o material de mídia necessário à uma aula ou pregação,

de acordo com a metodologia adotada;

d) Recursos à execução da tarefa, já que o Poder Público precisa garantir a

atividade, o que implica em deslocamentos, compras de livros, impressões e

outras despesas;

e) Investimento no treinamento dos voluntários, já que, estamos tratando de

pessoas aprisionadas que tem direito a este serviço, que não pode estar sujeita

à baixa qualidade da sua prestação, como se vê em alguns grupos.

Se o Estado reconhece a efetiva ação dos grupos religiosos como parceiros da

reintegração do apenado à sociedade e este indivíduo está sob custódia do Poder

Público, cabe-lhe, por todos os meios, suprir os parceiros de recursos para que a

atividade se realize. Embora, não haja dentre os grupos religiosos o hábito de exigir

recursos para trabalhar voluntariamente e nem o ressarcimento das despesas, a lei

do voluntariado já o garante. Ademais é preciso considerar que muitas ações

poderiam ser desenvolvidas e não o são por falta de recursos. Se o Estado focasse

sua ação nesta direção, certamente, muitas outras boas iniciativas seriam

realizadas.

Os grupos voluntários que fossem cuidadosos para planejar suas atividades sob o

ponto de vista do custeio, ficariam surpresos diante dos números que a

contabilidade lhes apresentaria, pois, os custos são altos como em qualquer das

outras assistências e tratariam de se organizar para que o Estado lhes suprisse as

necessidades e custeio, no exercício desta atividade, como diz a Lei do

Voluntariado – Lei n° 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, conforme o seu “ Art. 3º -

O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que

comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.”

Page 40: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

40

40

Os administradores públicos, escudados no modo de viver e de funcionar das

instituições religiosas fazem vista grossa quanto à necessidade de garantir a

assistência, pelo menos aos grupos religiosos que por carência de recursos próprios

ou se acordo com suas práticas não tem recursos para executar estas atividades, tão

necessárias.

Page 41: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

41

41

O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E INTERNOS DE OUTRAS CRENÇAS.

Um dos mais destacados resultados (e vasto campo a ser explorado) do modelo de

assistência sócios spiritual à pessoa humana em condição de privação de liberdade que

adotamos não foi planejado: o diálogo religioso sistemático. Este resultado, desejado há

muito por inúmeras autoridades eclesiásticas que são destaques no mundo, mas,

infelizmente, é pouco valorizado ainda.

No sistema de justiça capixaba revelou-se necessário, quando começamos a perceber a

profusão de igrejas que nascem e se desagregam e os seres humanos trocam seus

endereços religiosos. Profícuo, produtivo e alentador na busca o diálogo, não apenas do

alinhamento religioso à moral cristã, mas também, na busca conjunta de soluções para

os grandes problemas da Humanidade.

Se o Cristo disse que “haverá um só rebanho e um só pastor” fico a me perguntar como

isto se dará se os cristãos mais se amassam do que se amam. Li sobre guerras religiosas,

li sobre lutas fratricidas, vi casamentos ruírem por discussões por questões dogmáticas

e vi muitos se recusarem a se reunir com outros para uma oração. Curioso é constatar

que pela própria etimologia da palavra religião, se pretende uma religação com Deus. Vi

perseguições religiosas e grupos se matando por causa do seu “deus”.

No sistema prisional capixaba, antes de 2006 haviam dentro dos presídios celas que

serviam a grupos religiosos e os “xerifes” impediam que os de outros grupos de crença

divergente frequentassem aqueles espaços. Criação de grupos com dízimos, pagos aos

líderes externos e internos era prática bem conhecida. Grupos religiosos se hostilizam,

tanto interna quanto externamente. Outros agrediam os funcionários do sistema.

Pensando na busca de soluções, foram estimuladas reuniões entre os líderes com

melhor capacidade de diálogo e logo se formou um grupo – três pastores, um padre, um

espírita e dois técnicos da secretaria de justiça – que voluntariamente se dispuseram a

conversar sobre o objetivo do serviço – assistência sócio espiritual à pessoa humana na

condição de privação da liberdade.

Logo se detectou que o objetivo era o mesmo, mas mesmo assim, os embates teológicos

tomavam conta das reuniões e não poucas vezes o ambiente acalorava-se. Contudo, os

líderes reunidos, imbuídos da alta significação daqueles enclaves semanais,

conseguiram depois de mais de dois anos de conversas, construir um diálogo produtivo

em torno da liberdade e o respeito a todas as crenças e assim, os problemas da gestão

da assistência religiosa começaram a serem revolvidos.

A questão era grave. Religiosos agrediam funcionários porque queriam adentrar no

sistema para a prática religiosa. O grupo criado – GRUPO INTERCONFESSIONAL –

GINTER) foi formalizado através de uma portaria que lhe definiu claramente suas

responsabilidades e limites, os quais foram sendo ajustados de acordo com as

experiências adquiridas e assim se tornaram assessores voluntários do Secretário de

Justiça na questão.

Page 42: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

42

42

Melhoradas as relações entre os líderes que formaram o GINTER, através de

planejamentos sistemáticos de visitas às unidades e reuniões com diretores, serviço de

psicologia, social e jurídico, as questões foram sendo resolvidas, caso a caso.

Passo seguinte foi dinamizar o cadastro dos voluntários religiosos, os quais passaram a

serem capacitados pelos membros do Grupo Interconfessional (GINTER) – todas os

religiosos juntos. Todos os voluntários passaram a receber treinamento e este é feito

em espaços diversos, podendo ser na igreja católica, evangélica ou centro espírita. Os

facilitadores – pastores, padre e líder espírita – em igualdade de tempo e livres para

exporem suas ideias. Nenhuma resistência! O que se percebe que a falta de diálogo

religioso está muito mais na orientação das igrejas do que na base leiga.

Dentro das unidades é muito comum os internos frequentarem mais de um grupo

religioso, embora, se reconheça que isto seja um artifício para arejar a mente e muitas

vezes, o sistema por questões de segurança, só permite que frequente um grupo uma

por semana, mas é comum pessoas de outras crenças visitarem e participarem de mais

de um grupo.

O instrutor espiritual Emmanuel em página sobre a assistência social, através da

psicografia abençoada de Francisco Cândido Xavier nos ensina: “as religiões se

encontrarão no exercício da caridade” para explicar que as dores e as injustiças não

escolhem religiões. E é neste ministério do amor que os verdadeiros cristãos cumprem,

como seguidores de Jesus, o ensinamento maior do “ amai-vos como eu vos tenho

amado”.

Na contramão de direção deste avanço, vemos determinado segmento religioso,

poderoso economicamente, construindo, com sob os olhos omissos das autoridades,

templos em terrenos públicos, para suas práticas religiosas. Isto se dá por influência

política das bancadas religiosas nas câmaras legislativas (esfera estadual e federal). Isto

é ilegal e os tribunais já se manifestaram de forma expressa quanto à ilegalidade. Há,

nesse caso, claro privilégio a este determinado grupo e, por conclusão, exclusão de

outros menos poderosos. Já se detectou a influência de grupos de criminosos que lavam

dinheiro infiltrados em diversas áreas do estado e não será surpresa se as investigações

concluírem por investimentos criminosos em tais espaços.

O Grupo Interconfessional que assessora o Secretário de Justiça do Estado do Espírito

Santo desaconselhou a autorização para que fosse construído tempos específicos deste

grupo religioso nos espaços públicos de presídios, o que foi aceito e entendido pelas

autoridades, neste momento, não se sabendo, no entanto, qual a intensidade da

pressão política que existe nesta questão e por quanto tempo isto durará, já que as

autoridades são passageiras. Isto deverá fazer parte da política pública, tratada no texto

anterior. O Estado é laico e não pode privilegiar qualquer grupo.

Page 43: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

43

43

O CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA E A JUSTIÇA RESTAURATIVA.

“Não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, mas

sim que fazer algo melhor do que o Direito Penal. ”

(Gustav Radbruch)

A reparação do dando é um dos fundamentos da reencarnação, um dos pilares do

Espiritismo. Refutando a teoria das penas castigos para transformá-las em penas

pedagógicas, Allan Kardec edita o Livro “ O Céu e o Inferno” onde no capitulo VII, trata

do Código Penal da Vida Futura, onde os Espíritos Superiores esclarecem sobre

discorrem sobre as penas, eliminando o conceito temporal da eternidade das penas,

mostrando o caminho da reparação do erro causado e da educação do espirito.

Admitida a imortalidade da alma e o corpo como uma ferramenta de evolução do

espírito, há que se pensar se o pensamento, a inteligência, a vontade e o livre arbítrio

estão no corpo ou são atributos do espírito ou alma, posto que, mesmo com

divergências teológicas, admite-se que a alma vai a juízo final, o que, por conclusão, nos

faz conceber que ela carrega as lembranças do que realizou em vida física.

O universo dos pensadores, juristas, filósofos, teólogos e cientistas que admitem a

existência da alma é gigantesco. O cirurgião materialista decepcionou-se quando ao

dissecar um corpo não encontrou nele a alma. O investigador da matéria quis colocar “a

alma na balança e pesá-la” e ao usar a fita métrica para medi-la não encontrando

resultados animadores, resolveu negá-la.

Outro universo a ser considerado é o das religiões que admitem a continuidade da vida.

E dentre estas, está o Espiritismo, que embora, não sendo religião no sentido vulgar da

palavra, sustentado pela ciência, filosofia e daí tem consequências religiosas.

Diz Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita: “A causa principal da dúvida sobre

a existência dos espíritos é a ignorância de sua verdadeira natureza”. Mas, seja qual for

a ideia que se faz dos Espíritos, a crença na sua existência decorre do fato de haver um

princípio inteligente no Universo, além da matéria.

Na verdade, os Espíritos nada mais são do que as almas humanas despojadas de seu

invólucro corpóreo e não seres a parte da criação. O Criador, admitido um Único, não

criou privilégios em sua magnífica obra. Não se pode, pois, negar a existência dos

Espíritos sem negar a existência das almas. Para melhor compreensão entenda-se que

usamos a expressão alma quando esta tem um corpo físico e espírito quando está fora

do corpo, isto é, desencarnado.

Admitamos a existência da alma e sua individualidade após a morte, e veremos que ela

possui consciência própria, pois do contrário ela seria um ser inerte e de nada valeria

sua existência.

Para os inimigos ou críticos desta opinião invocamos mesmo dispositivo de que se

valem, isto é, o disposto na carta aos Hebreus, capítulo 9, versículo 27 que nos ensina

Page 44: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

44

44

que depois da morte vem o juízo. Ora, se há um juízo, e sabe-se que o corpo morto volta

ao pó - O corpo sem o espírito está morto" (Tiago 2:26) somos forçados a admitir que o

cérebro que faz parte do corpo também está morto. O texto contido em I Cor. 15:43 e

44 sepulta com pá de cal a controvérsia: “sepulta-se corpo animal, ressurge corpo

espiritual; se há corpo animal, há corpo espiritual”.

Desta forma será impossível levar ao juízo alguém que nada responde, que nada sabe.

Forçoso é admitir que é o espirito que vai a juízo, onde, após recobrar a sua consciência

examinará todas as suas faltas. A morte de que fala o texto bíblico é a do corpo que

realmente morre única vez. Mas o universo a ser explorado aqui é outro!

A tese espírita é que o espírito é o ser pensante. O cérebro recebe os impulsos elétricos

do espírito ou alma e os decodifica, emitindo a ordem de execução ou não (pensamento,

vontade e livre arbítrio) para a rede de neurônios e nervos que chegam aos músculos

que executam a ação. O cadáver, cessada sua vida física, não consegue, mesmo tendo o

cérebro em perfeita ordem e ainda quente imediatamente após a morte encefálica,

nada realiza.

Admitindo que é o espírito ou alma quem vai a juízo, é necessário admitir sua

inteligência, sua capacidade de entender o caráter ilícito do fato (o que já se faz nos

incidentes de sanidade mental)

Dentro desta ótica há que se falar nas consequências dos nossos atos que transcendem

o universo físico e jurídico do mundo material. Se há um juízo final é certo que a

imortalidade existe e a consciência individual é elemento a ser considerado. Para

aqueles que admitem as penas eternas, não há muito o que se falar em juízo final, posto

que morto o indivíduo a sua sorte está selada. O inferno dos tormentos ou o céu de

delicias está selado.

A tese espírita é mais elaborada e mais instigante. Focando no espírito imortal ( alma) a

capacidade de pensar e agir de acordo com sua vontade e livre arbítrio, Allan Kardec ao

tratar da justiça divina segundo o espiritismo deu à luz o livro O Céu e o Inferno, que faz

exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual,

sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas,

etc., seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois

da morte, mostrando por provas consistentes que a vida continua.

No capítulo VII vê-se o Código Penal da Vida Futura. Ao materialista, esta abordagem

pode parecer patética, assim como o foi a tese do geocentrismo ou do evolucionismo

ao tempo de sua sustentação por Galileu e Darwin, respectivamente. A obra citada é de

1865. A evolução do ser humano e o pensamento filosófico a cada dia aponta mais, em

todas as áreas, especialmente nesta, no sentido de considerar que o homem é um ser

em evolução e cada um tem uma capacidade de compreender o fato de acordo com a

cultura e experiências que o espírito humano construiu. Portanto, tem maior capacidade

de entender um delito aquele mais intelectualizado e, portanto, deveria responder com

Page 45: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

45

45

peso maior na pena, embora esta deva sempre ter por escopo a educação do criminoso,

como a própria lei penal o exige, além da proteção da sociedade.

Os estudiosos a cada dia se debruçam em novas alternativas penais, seja considerando

melhor as circunstancias agravantes e atenuantes, o bom comportamento anterior do

criminoso, a conduta carcerária, a aplicação ao estudo e ao trabalho como recursos de

remição da pena porque ao fugir da vingança como motor do elemento punitivo, o

legislador, acompanhando o tempo, impõe e acompanha o tempo propondo uma

diretriz pedagógica na aplicação da pena, já que o criminoso terá que viver, de novo,

em sociedade de onde foi retirado.

Neste sentido, a tese espírita, sempre pedagógica – foca as imperfeições do ser humano

no espírito imortal que ele é, onde, pela série divinamente fatal das reencarnações

sucessivas, vai haurindo experiências e construindo-se a cada dia, até alcançar a

felicidade. Nesta visão, a infelicidade resulta da ignorância do bem, isto é, por ainda não

ter assimilado as augustas e sábias leis humanas, o home incide no erro.

No universo dos racionais equilibrados, não há um só ser que queira “se dar mal”; ou

seja, nunca encontrei um ladrão ou um traficante que de manhã dissesse assim para os

seus filhos: “hoje quero me dar mal”. Vou assaltar um banco e ao sair quero ser preso,

espancado e levado para a prisão para passar lá 10 anos de cadeia dura”. Sempre diz:

“vou me dar bem”, “vai dar certo e vamos ficar bem”. Este desejo de se dar bem é

natural do ser que busca a felicidade pelo caminho do prazer. Não desenvolveu ainda

este ser a capacidade de pensar ou considerar que o seu “prazer” é a “ desgraça” do

outro. Que não existe felicidade enquanto ele não deixar de pensar só em si e nos seus.

Quando o ser humano alcança a capacidade de pensar coletivamente e em favor de

todos, todos os seus atos conspirarão em favor desta coletividade e todas as vezes que

ele quebrar este código íntimo surgirá o remorso, o arrependimento e a culpa. Isto

acontece com todos nós.

Somente após tomar consciência do erro é que vem o remorso, a culpa, o

arrependimento. Segundo o Código Penal da Vida Futura (O Céu e o Inferno, de Allan

Kardec) somente a reparação apaga os traços da falta cometida. O arrependimento é o

primeiro passo, mas não basta.

A justiça restaurativa surge como contraposição à concepção tradicional da justiça

criminal, a justiça punitiva-retributiva. Essa nova visão de justiça propõe um novo

paradigma na definição de crime e dos objetivos da justiça. Nessa perspectiva, concebe-

se o crime como violação à pessoa e às relações interpessoais, e o papel da justiça deve

ser o de restauração dessas violações, ou seja, a reparação dos danos causados não

somente à vítima, mas também à sociedade, ao ofensor e às relações interpessoais.

Enquanto, em sentido contrário, a justiça punitiva-retributiva coloca o crime como um

ato meramente violador da norma estatal, cabendo, como reação a essa conduta, a

imposição de uma pena. Na justiça punitiva-retributiva, há a centralidade das figuras do

Page 46: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

46

46

Estado, da pena e da atribuição da culpa como forma de compensar as consequências

do delito.

Essa "troca de lentes", a respeito do ato delitivo e de suas consequências, aponta um

procedimento de aproximação, uma relação dialógica (direta ou indireta), consensual e

voluntária entre vítima, ofensor e comunidade. Proporciona-se, dessa forma, a

identificação das necessidades de cada uma dessas partes, e, posteriormente, objetiva-

se atender a essas necessidades.

O modelo brasileiro possui uma estrutura menos flexível à aplicação dos fundamentos

justiça restaurativa, pois, conta com princípios jurídicos resistentes à restauração, como

a indisponibilidade da ação penal, dificultando a possibilidade de conciliação, mediação

e reuniões coletivas na esfera penal, embora iniciativas promissoras já se apresentam

por influência de pensadores e juristas humanistas. Por meio dessa proposta alternativa

de justiça criminal, justifica-se uma busca pela ressocialização do ofensor: o agente deve

reconhecer o seu erro e assumir a responsabilidade pelas consequências de seu ato. A

justiça restaurativa visa a "curar" as consequências do delito.

Utilizando a expressão trocar de lentes é preciso convir que o modelo de paz social que

se quer não tem produzidos resultados satisfatórios enquanto não se pacificar a vítima

e conter a fúria do acusado e eliminar o temor e preconceito da sociedade. Um e outro,

seres de uma mesma sociedade, não raro vizinhos de porta, precisam se conciliar para

que o ciclo da violência se interrompa e se estabeleça uma cultura de paz. Se o forte

pudesse compreender que a melhor forma de colaborar é auxiliar o fraco e não subjugá-

lo, grande passo se daria na construção de uma sociedade mais justa, solidária e

fraterna.

Somar a um mal outro mal não o transformará em bem. É preciso que o processo penal

- da prisão à liberdade - seja mais que prender e soltar. Se a proposta da pena não for

amplamente educativa e capaz de aproximar do apenado, a família, a sociedade e os

atores sociais envolvidos no processo, a prisão perde a finalidade para ser e continuar a

ser uma vingança sem qualquer sentido. Soltar é mais que abrir a porta da grade. Soltar

é desalgemar o indivíduo da ignorância, do erro, do crime, do egoísmo.

Quantas pessoas algemamos ao crime, por desencaminhá-las ou sonegar a elas, nesta

ou noutras encarnações. Direitos negados ou omissões ao dever certamente geraram

naquelas que ficaram carentes destas ações buscas e, muitas vezes, estas se tornaram

criminosas. Não cabe aí pensar que somos também responsáveis e precisamos pensar

no nosso papel e nossa oportunidade de reparar, educando?

Page 47: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

47

47

A ANDRAGOGIA DA PENA E A HUMANIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS.

“A sociedade humana não encontrou ainda outro meio de frear

o crime e garantir a paz social sem prender o autor do delito, mas

confinar uma pessoa atrás das grades e como dizem alguns (até

apodrecer) é comportamento tão agressivo quanto o próprio

delito. ”

“Andragogia é a arte ou ciência de orientar adultos a aprender, segundo a definição

creditada a Malcolm Knowles, na década de 1970. O termo remete a um conceito de

educação voltada para o adulto, em contraposição à pedagogia, que se refere à

educação de crianças (do grego paidós, criança).

Para educadores como Pierre Furter (1973), a andragogia é um conceito amplo de

educação do ser humano, em qualquer idade. A UNESCO, por sua vez, já utilizou o termo

para referir-se à educação continuada.

"Andragogia é a arte de causar o entendimento." - Franklin Wave

É a ciência que estuda as melhores práticas para orientar adultos a aprender. É preciso

considerar que a experiência é a fonte mais rica para a aprendizagem de adultos. Estes

são motivados a aprender conforme vivenciam necessidades e interesses que a

aprendizagem satisfará em sua vida. “O modelo andragógico baseia-se nos seguintes

princípios.

1. Necessidade de saber: adultos precisam saber por que precisam aprender algo

e qual o ganho que terão no processo.

2. Autoconceito do aprendiz: adultos são responsáveis por suas decisões e por sua

vida, portanto querem ser vistos e tratados pelos outros como capazes de se autodirigir.

3. Papel das experiências: para o adulto suas experiências são a base de seu

aprendizado. As técnicas que aproveitam essa amplitude de diferenças individuais serão

mais eficazes.

4. Prontidão para aprender: o adulto fica disposto a aprender quando a ocasião

exige algum tipo de aprendizagem relacionado a situações reais de seu dia-a-dia.

5. Orientação para aprendizagem: o adulto aprende melhor quando os conceitos

apresentados estão contextualizados para alguma aplicação e utilidade.

6. Motivação: adultos são mais motivados a aprender por valores intrínsecos:

autoestima, qualidade de vida, desenvolvimento. ”

( https://pt.wikipedia.org/wiki/Andragogia)

Em direito penal, entende-se pena “(do grego coiné, pelo latim poena) é o modo de

repressão, pelo poder público, à violação da ordem social. Consiste numa punição

imposta pelo Estado ao delinquente ou contraventor, em processo judicial de instrução

contraditória, por causa de crime ou contravenção que tenham cometido, com o fim de

Page 48: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

48

48

exemplificá-los e evitar a prática de novas infrações. É uma sanção de caráter civil, fiscal

ou administrativo, pecuniária ou não, proveniente de infrações previstas nas respectivas

leis, e, quanto às civis, também nos contratos.

Sintetizando as três principais teorias da pena, isto é:

a) - absoluta (retribuição ao criminoso pelo mal praticado);

b) - relativa (intimidação aos que estão em riscos, para que não cometam delitos e

deixem a sociedade em paz e a ressocialização do criminoso) e

c) - conciliatória (paz social e educação do autor do delito).

Os debates e polemicas se acirram entre os diversos juristas e estudiosos sobre a forma

de buscar a paz, seja pela prevenção ou1 pela repressão. Esta discussão é tão longa e

polêmica quanto complexa é a orientação e condução de pessoas na busca da paz social.

Assim, a pena tem caráter intimidatório, reafirmando a existência e eficiência do direito

na aplicação da justiça para a garantia da paz social, assim como tem efeito intimidativo

ao autor da infração penal para que não volte a delinquir, sendo recolhido ao cárcere,

mas buscando a sua reintegração social para que possa viver em paz na sociedade que

o gerou.

Há dentre estes valores conceitos superados, incluso neles, o da severização da pena

como elemento freador da violência e criminalidade. Nem mesmo a segurança das

prisões estará garantida com a severização da pena. Nem mesmo a pena de morte

conseguiu frear a violência nos países onde foi implantada. Claro que estamos nos

referindo aos países democráticos onde há o devido processo legal e a valorização da

vida é elemento de valor central. Nos países totalitários, de orientações

antidemocráticas, não se pode mensurar estes dados porque, além de não estarem

disponíveis, não são referendados por órgãos especializados confiáveis.

A sociedade humana que luta há séculos, depois que a aplicação da pena deixou de ser

vingança pessoal ou social contra o infrator, na busca da paz social, ainda não encontrou

outra forma senão em segregá-lo afastando-o do ambiente social. Nem mesmo a pena

de morte gerou este resultado.

As variáveis da aplicação da pena, obedecendo a cultura de cada povo, somam-se às

centenas sendo inoportuno dentro da pretensão deste trabalho. Da mesma forma que

foram adotadas, foram abolidas porque restaram inócuas e mesmo ofensivas à

sociedade que as adotava.

Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, descreve a trajetória das penas, à época em que a privação da liberdade, como punição, vem atrelada de uma dose de suplício que acompanha a humanidade desde sua organização básica em grupo, quando a punição por um mal a determinada pessoa e até mesmo sua família, era feita de maneira desproporcional, feroz, selvagem e, sobretudo, desumana.

Page 49: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

49

49

O suplício, como bem nos explica Foucault: “É uma pena corporal, marcado por esquartejamento, amputação de membros, marcas simbólicas no rosto e uma exposição do condenado vivo ou morto a um dado espetáculo em praça”. Era definida como fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”. (FOUCAULT, Michel- Vigiar e Punir, Editora Vozes, 25a. edição, 2002, página 12).

No decorrer do século XVIII houve o afrouxamento da penalidade, surgindo a ideia de se punir ao invés de se vingar. Vê-se formar uma nova estratégia para o exercício do poder de castigar, ao fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, coextensiva à sociedade, não punir menos, mas punir melhor. A proporção entre a pena e a qualidade do delito é determinada pela influência que o pacto violado tem sobre a ordem social. Porém, somente no início do século XIX começa a desaparecer a ideologia do corpo como alvo principal da repressão penal, agora o corpo não é mais supliciado, a alma. Invertendo no último instante os papéis, passando os juízes a parecer assassinos e o supliciado um objeto de piedade e de admiração. É o momento em que a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício; o fato dela matar ou ferir já não é mais a glorificação de sua força.

A vingança pública (lei do talião – olho por olho); vingança divina (aplicada pelos sacerdotes que segundo criam, tinham delegação divina), aplicava severíssimas penas, cruéis e desumanas. É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. Um dos principais códigos é o da Índia, de Manu (Manava, Dharma, Sastra). Tinha por escopo da purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse alcançar a bem-aventuranças. Leiamos sobre a inquisição e veremos quão aterrorizadora era a pena “divina”.

Vem em sequência, a vingança pública, com penas severas e cruéis, aplicada sob as ordens do príncipe e do soberano, visando sua garantia e a do seu reino, não apenas corrigir, mas intimidar.

Mas, com a intelectualização do homem uma nova moral vai surgindo devagar, embora, não na mesma velocidade. O homem conquistou o cosmos, mas, ainda não aprendeu a conhecer-se para conhecer o outro. Faz descobertas maravilhosas nos campos macro e micro, mas é ainda é cego para devassar o outro homem. Mergulhou nas células, nas conexões nervosas, mas não devassou o pensamento do seu igual. Mas ainda assim, houve avanços no campo dos sentimentos e na educação do espírito imortal que somos.

Em 1955 foi realizado em Genebra o Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, cujas resoluções foram aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, que culminaram, após exaustivas discussões na aprovação, anos depois, em 1984 os treze procedimentos para aplicação efetiva das REGRAS MÍNIMAS PARA TRATAMENTO DE PRISIONEIROS. (RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)*

Page 50: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

50

50

O estabelecimento de regras mínimas de tratamento de prisioneiros, adotadas pelo 1º

Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de

Delinqüentes, realizado em Genebra, em 1955 é um passo importante na execução do

tratamento penal. As pessoas humanas submetidas à condição de privação da liberdade

enfrentam um verdadeiro inferno no que diz respeito às condições em que cumprem a

pena.

É relevante destacar a questão do remorso, da culpa e mesmo das perdas sofridas

decorrentes da prisão com enorme peso psíquico e emocional no apenado e em sua

família.

Superpopulação carcerária é um problema de todo o sistema penal brasileiro. Presídios

adaptados, projetos mal concebidos, celas não ventiladas, espaços não adequados, má

conservação das redes elétricas, hidráulica, baratas, ratos, iluminação inadequada são

os principais problemas relatados e comprovados por simples visitas. 21

É lamentável, mas ainda existem torturas expressas no uso excessivo ou desnecessário

do gás de pimenta e uso de recursos de contenção inadequados manejados por mãos

inábeis. Transportes para a audiência, individuo algemado cofre da viatura e o motorista

dispara fazendo “ziguezagues” ou em estradas esburacadas. Muitas vezes, o interno se

machuca por causa desta conduta. Negação à visita médica, visita psicológica, ao

advogado ou mesmo à assistência religiosa se reveste de coação moral, é pena

“acessória” costumeira aplicada por quem não tem o direito de aplicá-la, que pode ser

enquadrada no crime de tortura e conexos, gera revolta ao apenado, que sabe que o

torturador ficará impune.

A sociedade humana não encontrou ainda outro meio de frear o crime e garantir a paz

social sem prender o autor do delito, mas confinar uma pessoa atrás das grades e como

dizem e fazem alguns (até apodrecer) é comportamento tão agressivo quanto o próprio

delito.

Outros afirmam que “bandido bom e bandido morto”. Afirmam isto quando se referem

ao filho dos outros. Já tive experiências pessoais, em minha lida profissional e de

voluntário, de pais e cidadãos que mudaram radicalmente de posição quando o

“bandido” se tratava de seu filho ou familiar próximo. O senso de justiça ainda é muito

primitivo, prenhe de interesses, desfocado de princípios e eivados de indiferença.

No Brasil, não há pena de morte, o que revela, maturidade espiritual do povo brasileiro

e nem prisão perpétua, o que significa que o criminoso vai sair da cadeia um dia e poderá

morar na casa ao lado da sua ou minha. O que fazer? Hostilizá-lo ou educá-lo? Ou fazer

justiça com as próprias mãos?

Discute-se diversas alternativas penais e a humanização dos presídios. São alternativas

tímidas como por exemplo a audiência de custódia onde o detido é apresentado ao juiz

em 24 horas, que o liberta para responder solto ou o confina segundo a gravidade do

ato e sua periculosidade.

Page 51: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

51

51

Importante ao estudioso da questão pesquisar sobre Justiça Terapêutica e os conceitos

de tratamento penal, filão muito rico de propostas e ideias, algumas já em prática em

diversos estados da federação como alternativa à prisão como a prisão domiciliar, a

tornozeleira, a pena pecuniária pesada e outras diversas.

Outro modelo de gestão penitenciária é a APAC – Associação de Proteção e Amparo ao

Condenado, criada na década de 1940 por um advogado paulista Mario Ottoboni, cujo

modelo foi adotado e está sendo implantado no Estado de Minas Gerais, com sucesso,

mas precisa vencer o preconceito social de que bandido tem que mofar na cadeia. O

modelo APAC, defendido por juízes e juristas humanistas apresenta animador índice de

ressocialização colocando o modelo estatal em cheque. Se no modelo estatal temos

como índice de retorno ao delito cerca de 70 a 80% dos egressos, no sistema APAC estes

índices chegam ao máximo 15%, garantem os seus defensores. É tese séria, consistente

e temos experiências deste modelo sendo experimentado nos Estados Unidos, em

diversos países da América Central, na Europa e África, como experiências exitosas.

São destaques da proposta e filosofia da APAC os livros “Vamos Matar o Criminoso?” E

“Ninguém é Irrecuperável”

As experiências na aplicação prática das diversas teorias da pena levaram-nos a admitir

que o melhor caminho é o caminho da educação integral, do ser bio-psico-

sócioespiritual, isto é, a educação do espírito, posto quem “quem é fraco é o espírito”,

isto é, ignorante e ainda impulsionado pelo instinto que precisa ser corrompido para

fazer nascer os sentimentos.

A este respeito, Allan Kardec comenta em O Livro dos Espíritos, questão 685a “[...]. Há

um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência não

passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a

educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim a que

consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é

o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos

os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a

seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí

decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá

no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus,

de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos

penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas

que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento

real do bem-estar, o penhor da segurança de todos”.

A falência do modelo educacional se lê dentro dos presídios e bem como nas estatísticas

criminais. Os homens e mulheres que estão dentro dos presídios são sim, em sua maioria

criminosos, mas todos, sem exceção, são vítimas do sistema, seja educacional, sócio

familiar ou da falta de espiritualidade na família.

Page 52: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

52

52

O CONSELHO DA COMUNIDADE E A SOCIEDADE

Os Conselhos da Comunidade são órgãos do Poder Judiciário criados para efetivarem a participação da sociedade, por meio de representantes de diversos segmentos, na execução das penas criminais, principalmente as penas privativas de liberdade (detenção) e no retorno ao convívio familiar e social do egresso (ex-presidiário), diminuindo a distância entre o cidadão que cumpre pena e a sociedade de onde este se originou e para onde vai retornar.

Considerando que “nenhum programa destinado a enfrentar os problemas referentes ao delito, ao delinquente e à pena se completaria sem o indispensável e contínuo apoio comunitário” (exposição de motivos da LEP, item 24), o legislador estabeleceu no art. 4º da Lei de Execuções Penais:

“Art. 4º. O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. ”

Fica claro que a participação da sociedade é de fundamental importância quanto à harmônica inclusão social do condenado, ela deve ser a maior interessada em preparar e providenciar espaço e reinserção do apenado ou egresso em seu meio, pois com certeza, será também a maior beneficiada, pois além de se constituir em exercício de cidadania, ela muito perderá com a reincidência do egresso em novos delitos. Infelizmente, quando do retorno ao convívio social, o indivíduo continua sofrendo os estigmas da prisão, pois falta-lhe qualificação profissional para ingressar no mercado de trabalho, como também, será estigmatizado como ex-presidiário.

A pena que lhe foi imposta legalmente o apenado consegue pagar, mas aquela que a sociedade lhe impõe, dificilmente chegará ao seu final. Ela continuará ao transpor os portões da prisão ao “ganhar” a liberdade.

Segundo Rosânea Elizabeth Ferreira, "o que o egresso encontra pela frente é outro portão fechado, muito maior do que aquele que deixou para trás, que é a estigmatização da sociedade". Assim, sua punição é dupla e sua pena interminável, pois seus efeitos mais drásticos e nefastos, não estão restritos apenas aos apenados e egressos, pois, “a apenação maior recai sobre a sociedade ordeira que financia, com o pagamento de impostos, taxas etc., a estruturação de um sistema que idealiza, busca e não atinge, mercê do descaso daqueles que foram eleitos e são pagos com o fruto do trabalho e do esforço dos que a integram. A parcela ordeira da população é, no mínimo, triplamente vítima. Vítima do medo; do crime, e, também da inércia/ineficiência de seus representantes junto a Poderes Instituídos, há muito fracassados ante a incontida ascensão do império em que reina absoluta a ilicitude penal.

Para esta sociedade contemporânea, os condenados por crimes devem ser privados de sua liberdade e recolhidos a estabelecimentos penais, transformando-os em seres estigmatizados, feridos em sua autoestima de todas as formas imagináveis, pelo simples fato de serem submetidos a um processo e acusados da prática de um delito. A partir daí, inicia um processo de segregação, de prisionalização, que muitas vezes os levam a

Page 53: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

53

53

perda de sua própria identidade, quando não à reincidência, à dificuldade de inserção social e à desagregação familiar.

Segundo Zaffaroni: A pessoa presa é levada a condições de vida que nada tem a ver com as de um adulto: é privada de tudo que o adulto faz ou deve fazer usualmente e com limitações que o adulto não conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais, cuidar dos filhos, dos negócios, etc.…). É também ferido em sua autoestima de todas as formas imagináveis, pela perda da privacidade, de seu próprio espaço e submissões a revistas muitas vezes degradantes. A isso, junta-se as condições deficientes de quase todas as prisões: superlotação, alimentação inadequada, falta de higiene e assistência sanitária, entre outras. Acrescente-se a isto, mais grave ainda: sua família que não cometeu crime é castigada de múltiplas formas!

Portanto, imprescindível se faz criar uma consciência social de que a dignidade da pessoa humana (do preso e de sua família) e sua reinserção na sociedade são do interesse de todos, pois, pragmaticamente, se assim não acontecer, esta sociedade estará trabalhando contra si mesma ao jogá-lo na prisão, abandonando-o à própria sorte. Mais dias, e ele retornará a esta mesma sociedade, não mais o mesmo homem colocado atrás das grades, mas um novo e perigoso ser, pois, destituído que foi de sua humanidade.

Sem a ativa participação da sociedade organizada não há de se alcançar a paz, não há como resolver o grave aumento da violência.

Segundo a Ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional, através dos Conselhos da Comunidade a sociedade civil pode efetivamente atuar nas questões do cárcere, quer para humanizá-lo, quer para que as pessoas que lá estão possam retornar ao convívio social a partir de uma perspectiva mais reintegradora.

Cabe à sociedade encontrar outras formas de lidar com a criminalidade, onde estejam presentes a noção de responsabilidade e de liberdade dos sujeitos e a construção de relações mais solidárias de sobrevivência, de forma a viabilizar a inserção social daqueles que estão encarcerados, reduzindo a vulnerabilidade desses à realidade da prisão. A atuação dos Conselhos da Comunidade na prisão e fora dela precisa ser fortalecida, para que não fique a serviço da função assistencialista tão somente, mas sim a serviço da aprendizagem para a cidadania.

Portanto, não adianta nos fazermos de desinteressados pela situação dos apenados de nosso país, pois, se um dia cairmos nas malhas da justiça, aí sim, não aceitaremos a forma desumana e indigna que, com certeza, sentiremos na pele. E, assim como eles (apenados ou egressos e sua família) hoje, nossos gritos serão ecos a uma sociedade que continuará a sofrer de mórbida surdez cidadã.

Assim como qualquer cidadão tem o direito de cobrar do Estado proteção e segurança, na mesma proporção de cobrança, tem também o dever, como pessoa capaz e apta de fazer exigências e escolhas derivadas de sua cidadania, de ser corresponsável pelo

Page 54: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

54

54

desenvolvimento da vida comunitária em um ambiente de harmonia, compreensão, tolerância, segurança e paz.

Portanto, sendo o Conselho da Comunidade, composto por voluntários na prevenção social à criminalidade traz, a cada um de seus membros, o desafio de consolidar um novo paradigma que rompa com os moldes tradicionais buscando a participação da sociedade e os direitos fundamentais como condição primária à segurança pública, a afim de que a pena cumpra o seu papel e não apenas isole o indivíduo da sociedade.

O papel dos Conselho da Comunidade está bem delineado na Lei de Execução Penal – Lei 7210, de 11 de julho de 1984, arts. 80 e 81, podendo, em cada comarca, haver instruções normativas do juizado quanto à sua funcionalidade.

É possuidor de vício grave que precisa ser sanado, posto que, se é formado e constituído pelo juiz para fiscalizar as condições de execução da pena e muita das vezes, é o próprio juiz quem posterga por incúria o andamento do processo ou não visita as unidades prisionais, cabendo perguntar sobre a eficácia do conselho, se a fiscalização recair sobre atos do juiz, como no caso, dos excessos de prazos e as condições das prisões

Entendemos, que mesmo enfrentando a resistência do poder judiciário que não quer ser fiscalizado pela sociedade civil, o conselho da comunidade deve funcionar nos mesmos moldes dos outros conselhos de políticas públicas, ou seja, eleito e paritariamente na sua composição e deliberativo e não apenas de assessoramento ao juiz.

Por atuar como instrumento que visa à desconstrução de contextos de conflitos, violências e criminalidades, seu funcionamento demanda, além de rigor metodológico, sensibilidade humana. Esta sensibilidade para atuar em locais marcados historicamente por processo de exclusão traz a seus membros a necessidade de formação contínua, através de capacitações, estudos, troca de experiências e, principalmente, interação e construção metodológica com a própria comunidade.

Excerto da matéria contida em https://jus.com.br/artigos/31891/o-conselho-da-comunidade-e-suas-interfaces

Page 55: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

55

55

O MENOR INFRATOR E A ESPIRITUALIDADE.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da

proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por

lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim

de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual

e social, em condições de liberdade e de dignidade. (Lei 8.069 de

13 de julho de 1990)

Um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente! Nada mais! O que tem nele? Por

favor, leia de novo e pare na expressão “facultar o desenvolvimento físico, mental,

moral, espiritual e social”. Isto. Foque um pouco mais e pince do texto a palavra “

espiritual”. Isto! Destaquei-a: ESPIRITUAL.

Vamos ao dicionário: Espiritual - adjetivo de dois gêneros. 1. Da natureza do espírito. 2. do espírito ou relativo a ele. 3. Próprio da religião ou da igreja.

No mesmo dicionário vemos o significado de espírito: a parte imaterial do ser humano; alma. Mas, o texto da lei fala em assegurar o desenvolvimento (...) espiritual. Mas, o que é isto?

Alguns nem admitem a existência do espírito ou alma. Outros a admitem e a colocam no

universo dos seres sobrenaturais, enquanto, que linguagem do dicionário pesquisado e

o espírito da lei se ajustam com o conceito espírita, que admitindo que alma e espírito

são a mesma coisa e o alvo fundamental da educação intelectual e espiritual, posto que,

cabe ao Estado assegurar por lei ou por outros meios todas as oportunidades e

facilidades para que tal aconteça.

Para polemizar a questão ainda mais, aparecem alguns a afirmar e defender a pena de

morte e a redução da menoridade penal, ignorando que o crime é um estado de

ignorância espiritual do ser em seu peculiar e particular estágio de desenvolvimento,

desconhecendo a imortalidade, restando inócua a ação, posto que, todo o conhecimento

os estados de ignorância não estão no corpo que querem matar e sim na alma/espírito

que é imortal.

A infância é o período que vai desde o nascimento até aproximadamente o décimo

segundo ano de vida de uma pessoa. É um período de grande desenvolvimento físico,

marcado pelo gradual crescimento da altura e do peso da criança - especialmente nos

primeiros três anos de vida e durante a puberdade. Mais do que isto, é um período onde

o ser humano desenvolve-se psicologicamente, envolvendo graduais mudanças no

comportamento da pessoa e na aquisição das bases de sua personalidade.

Adolescência é a fase que marca a transição entre a infância e a idade adulta. Com isso

essa fase caracteriza-se por alterações em diversos níveis - físico, mental e social - e

representa para o indivíduo um processo de distanciamento de formas de

Page 56: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

56

56

comportamento e privilégios típicos da infância e de aquisição de características e

competências que o capacitem a assumir os deveres e papéis sociais do adulto.

Embora a lei defina, para fins de determinação de responsabilidade, como criança aquela

pessoa humana que tem menos de 12 anos e como adolescente, aquela pessoa que

tenha não completado 18 anos, estes limites são controversos e polemizados no campo

da psicologia, da psiquiatria e da pedagogia, da biologia e da medicina. Não há estudos

científicos que comprove que toda pessoa aos 18 anos tenha ou não tenha capacidade

de entender o caráter delitivo do fato. Inclusive, há variáveis de indivíduo a indivíduo

posto que cada um é um, único. Alguns conseguem muito antes e outros muito depois.

Ao tosco exame físico, vemos meninos com 18 anos que entraram na adolescência mais

tarde, portanto, imaturos biologicamente, tanto quando psíquica e intelectualmente,

como também vemos adolescentes aos 16 anos sendo pais responsáveis ou cuidando da

família, na ausência ou impedimento dos pais, mantenedores naturais do lar.

Sob a luz da doutrina espírita os horizontes se alargam, porque entendemos que “somos

espíritos em experiências físicas temporárias e que temos corpos”, portanto, é o espírito

o ser pensante e não o cérebro e, por consequência, será preciso considerar que o ser

inteligente, em desenvolvimento, não é produzido em série e não há uma só pessoa que

seja igual à outra, mesmo os gêmeos univitelinos. Qualquer pai, mesmo que seja

medíocre observador, verificará que os filhos não são iguais. Para o espiritismo, o

homem é um ser espiritual em estágio temporário na terra, onde precisa de um corpo

para suas interações e experiências. Cada estagia o planeta de acordo com suas

experiências adquiridas nas diversas reencarnações.

Neste sentido, faz-se importante analisar o grau evolutivo, ou de desenvolvimento do

espírito, já que não sendo iguais e nem nascendo iguais, com os mesmos potenciais, é

preciso admitir que uns nascem mais evoluídos que outros e, admitida esta hipótese,

não há como negar a reencarnação.

Os negadores da reencarnação não conseguem explicar convincentemente como dois

gêmeos sejam tão diferentes. Apresentam condutas, aptidões, tendências, valores e

equilíbrios diferentes, inclusive, pendores artísticos ou habilidades, embora tendo

vivenciado as mesmas experiências físicas e emocionais no ventre e mesmo depois de

nascer, quase todas, sobretudo, na fase da primeira infância.

Se há inumeráveis evidências científicas que a estudam e a admitem publicamente, não

sendo mais sequer assunto religioso e sim, da alçada da ciência, sendo para o Espiritismo,

questão de princípio fundamental.

No trato desta questão é fundamental no processo educativo destas pessoas não

confundir religião com espiritualidade (derivada de espírito ou espiritual). O estado laico,

no resguardo da diversidade religiosa, confunde o desenvolvimento espiritual com

atividade religiosa e não se aplica à formação moral do indivíduo, qual seja a

fraternidade, a solidariedade, o perdão das ofensas, o respeito e a dignidade, eis que,

colocam estes valores no universo das religiões, isto é, dos valores fundamentais da vida.

Page 57: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

57

57

É verdadeiro afirmar que algumas religiões carregam no bojo dos seus princípios

doutrinários valores elevados de espiritualidade. Não se pode dizer o mesmo de todas,

posto que, algumas discriminam, excluem, impõe conhecimento sem respeitar as

conquistas de cada ser em peculiar estado de desenvolvimento.

Na educação moral aos menores infratores, cabe ao Estado através da sociedade civil

organizada, assegurar através dos grupos religiosos esta assistência. Enfatizo aqui a

responsabilidade dos pais na educação moral dos filhos. À escola cabe a instrução e à

família a educação moral. Contudo, se esta falta na família, a sociedade tem o dever

legal e moral de suprir esta carência.

Allan Kardec inseriu em O Livro dos Espíritos uma observação (já citada no capítulo

anterior, mas que vale a pena repeti-la por ser cada dia mais atual). Diz ele:

“Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o

qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a

educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos

referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na

arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação

é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de

indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem

princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de

espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? Quando essa

arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo

hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os

seus de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão

atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a

imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida

pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o

penhor da segurança de todos”.

(Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, questão 685a)

Vemos que Kardec fala das consequências de um programa educativo que não

contempla a educação moral, os princípios e valores, assim como os freios aos instintos.

Aprofunda e fere com gravidade o modelo educativo em curso em nossa sociedade,

quando fala da ausência de hábitos de ordem e previdência para consigo mesmo e o

respeito para com tudo que seja respeitável. Diz-nos mais: “a desordem e a

imprevidência só serão curadas com uma educação bem entendida”, isto é, a educação

do espírito.

Das causas da criminalidade, os cientistas que navegam fora do universo espírita não

consideram o estágio evolutivo de cada ser humano, que, pela via das reencarnações

sucessivas, vai alcançar o estágio de perfeição de acordo com as experiências humanas

que realizar, uns numa velocidade e outros noutras próprias, considerando, não apenas

Page 58: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

58

58

os anos de uma existência física, mas a vida milenar e única do espírito, não importando

quantas existências corpóreas tiver.

Acrescente-se a questão das influências espirituais com causa de criminalidade, que

deveriam ser consideradas, ao lado das causas sociais, psicológicas e intelectuais como

elemento de peso na formação da culpa e na responsabilização do ser. Alguns ramos da

ciência já consideram a obsessão (influência espiritual perniciosa) como causa de crime

e já se sinaliza com a necessidade de estudar a questão profundamente.

O Estatuto da Criança e Adolescente isenta a criança (menos de 12 anos) da

responsabilização criminal por entender que ela ainda não tem condições de entender

o caráter delituoso do fato (pela ótica do espiritismo, sim, embora o corpo ainda não

apresente condições de enfrentar penas mais pesadas). No entanto, cabe ao

adolescente, (acima de 12 anos) medidas protetivas e medidas restritivas de direito.

Nos estabelecimentos onde estão internados menores infratores grupos religiosos

visitam menores infratores, assegurando-lhes o cumprimento da lei e o dever

evangélico de visitar o encarcerado.

Os estabelecimentos destinados à internação de menores infratores são instáveis no

quesito segurança, posto que, o adolescente que obriga ao juiz a confiná-lo é,

invariavelmente, um ser humano que quebrou todas as regras possíveis, cheio dos

arroubos e impulsos característicos da juventude, onde uma das metas é afirmar-se

diante do seu grupo social. Não resta ao juiz, na busca de pacificar a sociedade e corrigir

o infrator senão a confiná-lo temporariamente, como dolorosa medida extrema. Nasce

aí a necessidade do trabalho de visita sócio espiritual.

É uma atividade que precisa ser feita e aqui no Espirito Santo é executada por outro

grupo, que não está sob nossa coordenação, mas que faz belo trabalho de assistência e

amparo ao adolescente infrator.

2

Nas atividades de visita aos presídios constatamos que lá dentro há um enorme

contingente de pessoas que querem sair e se verem livres e aqui fora milhares de jovens

que quebram todas as regras e fazem tudo o que lhes for possível para irem para a

cadeia. Fogem de todos endereços – da escola, da igreja, dos bons grupos sociais, dos

grupos de jovens para acabarem atrás das grades. Questiona-se aqui o modelo de

educação e mesmo o empenho dos cristãos para evangelizá-los, embora, não se possa

obriga-los a tal.

É muito doloroso escutar suas histórias de arrependimento, saudade e perdas!

Page 59: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

59

59

PLANEJAMENTO DE ATIVIDADES E RESPONSABILIDADES

“A Doutrina Espírita transforma completamente a

perspectiva do futuro. A vida futura deixa de ser uma

hipótese para ser realidade”. (O Céu e o Inferno - 1ª parte,

Cap. 2º - item 10.)

A obra do bem em que te encontras empenhado não pode prescindir de planejamento.

Nem o estudo demorado, no qual aplicas o tempo, fugindo à ação, nem a precipitação

geradora de muitos insucessos. Para agires no bem, muitas vezes, qualquer recurso

positivo constitui-se material excelente de rápida aplicação. Todavia, o delineamento

nos serviços que devem avançar pelo tempo tem regime prioritário.

A terra devoluta para ser utilizada, inicialmente recebe a visita do agrimensor que lhe

mede a extensão, estuda-lhe as curvas de níveis, abrindo campo propício a agricultores,

construtores, urbanistas que lhe modificarão a fisionomia.

O edifício suntuoso foi minuciosamente estudado e estruturado em maquetes

facilmente modificáveis.

Até mesmo a alimentação mais humilde não dispensa a higiene e quase sempre o

cozimento, a fim de atender devidamente ao organismo humano.

A improvisação é responsável por muitos danos. Improvisar é recurso de emergência.

Programar para agir é condição de equilíbrio.

Nas atividades cristãs que a Doutrina Espírita desdobra o servidor é sempre convidado

a um trabalho eficiente, pois que a realização não deve ser temporária nem precipitada,

mas de molde a atender com segurança.

A caridade, desse modo, não se descobre na doação pura e simples, adquirindo o matiz

diretivo e salvador.

Não somente hoje, não apenas agora. O hoje é circunstância de tempo na direção do

tempo sem fim.

O agora é trânsito para amanhã. Planejar agindo é servir construindo. Por esse motivo,

ajudar é ajudar-se, esclarecer significa esclarecer-se e socorrer expressa socorrer-se

também.

Planifica tudo o que possa fazer e que esteja ao teu alcance. Estuda e examina, observa

e experimenta, e, resoluto, no trabalho libertador avança, agindo com acerto para

encontrares mais tarde, na realização superior, a felicidade que buscas.

Para que o Mestre pudesse avançar no rumo da semeação da Vida Eterna, enquanto

entre nós, na Terra, meditou dias e noites, retemperando as próprias forças, sentindo o

drama e a aflição dos espíritos, a fim de que, em começando a trajetória de amor, nas

verdes paisagens da Galileia e nas frescas margens do Tiberíades, não recuasse ante a

agressão e a impiedade que investiram contra o Seu Apostolado, planejando e agindo,

amoroso, até a morte.

Page 60: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

60

60

E mesmo depois, em buscando os páramos da Luz Inextinguível, volveu para os que

ficaram na retaguarda o coração generoso, acenando-lhes com a plenitude da paz

depois da vitória sobre eles mesmos.

Do livro “Espírito e Vida”, ditado pelo espírito Joanna de Angelis e psicografado por

Divaldo Pereira Franco – Ed. Sabedoria, Rio de Janeiro, 1967

44

Page 61: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

61

61

VOLUNTARIADO ESPÍRITA

Vera Maria Bestene

Cada vez mais estamos conscientes de que estudar é preciso, trabalhar é necessário e

amar ao próximo o menor caminho para chegar à Deus.

O trabalho, a consciência do trabalho, da atividade constante em prol de nós mesmo e

de outrem, é necessidade evolutiva e oferecida a todos em igualdade de condições,

depende de nós, diante das responsabilidades assumidas, colocarmos a prova as nossas

atitudes.

Na conceituação genérica trabalho é a “ocupação em alguma obra ou ministério;

exercício material ou intelectual para fazer ou conseguir alguma coisa”. Nos mundos

mais evoluídos e nos inferiores, a natureza do trabalho não é a mesma, pois que ela está

diretamente ligada às necessidades de cada um, sendo a inatividade, a ociosidade, um

verdadeiro suplício.

Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” Allan Kardec nos norteia o princípio da Lei do

Trabalho através das máximas “ajuda-te que o céu te ajudará e, análoga a esta, “buscai

e achareis”, pois, que aí encontramos a verdadeira noção que instiga, incita o homem a

trabalhar, fazer a sua parte, para que possa assim ser ajudado por Deus. Diz o Cap. XXV,

item 3:

”Se Deus houvesse isentado o homem do trabalho do corpo, seus

membros estariam atrofiados; se o houvesse isentado do trabalho da

inteligência, seu espírito teria permanecido na infância, no estado de

instinto animal; por isso, lhe fez do trabalho uma necessidade e lhe disse:

Procura e acharás, trabalha e produzirás; dessa maneira, serás o filho das

tuas obras, delas terás o mérito e serás recompensado segundo o que

tiveres feito. ”

Na realidade não importa o esforço físico que cada qual tenha que desprender para

atender as faixas menos favorecidas da cultura e do destaque social, pois que o trabalho

dignifica quem o executa e é-lhe garantia de crescimento. Não se há de fazer

comparações ou medições de quanto trabalho se tem de executar, o que importa é ir à

luta, semear para poder frutificar.

Sendo a Lei do Trabalho uma lei natural, motivo porque é uma necessidade, engloba os

trabalhos materiais, assim como toda ocupação útil. (O Livro dos Espíritos p. 675).

O trabalho está alicerçado em princípios morais, principalmente no amor, e, por isto

mesmo, ao lado da oração, é um dos maiores antídotos contra o mal, pois que corrige

imperfeições e disciplina à vontade. “A ociosidade é a casa do demônio” é a máxima

popular que bem explica que quando nada se faz se faz muito mal, pois que aí estão o

egoísmo, o pensamento deprimente, a negatividade e as tentações.

O trabalho, entretanto, longe de ser apenas aquele de ordem material, física, é também

aquele que se desenvolve através de ações inteligentes, intelectuais, objetivando a

cultura, a arte, o conhecimento, o desenvolvimento e a ciência.

Page 62: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

62

62

O trabalho do homem objetiva a transformação para melhor. Isto na generalidade.

Desdobra-se o arquiteto para produzir imóveis cada vez mais modernos e adequados à

realidade de um local e época; o economista busca ajustar as riquezas sociais a fim de

que haja sempre progresso financeiro. O carpinteiro trabalha em móveis de estrutura

rígida que se lhe justifiquem a tarefa e estejam íntegros para o ambiente a que se

propõem. O médico trabalha com afinco para salvar vidas e fazer a prevenção. O

cientista submete-se a buscas longas, aparentemente intermináveis, com o fim de

ampliar e melhorar as condições de vida do planeta e seus habitantes. Todos motivam-

se por atividades instintivas de conservação da vida e de conhecimento social.

Esta é a ação natural e primeira do homem: obter produtos básicos para suprir suas

necessidades imediatas.

Buscando um pouco na história, vemos o homem se utilizando das reservas animais e

vegetais. Com o decorrer dos tempos as reservas foram se rareando e as fontes naturais

se exaurindo. No período da pedra lascada já se aventurou a buscar mais recursos,

ampliando assim seu trabalho já com a ajuda de instrumentos rudes. Mais tarde lançou-

se à agricultura e, da terra, passou a extrair os bens necessários à sua subsistência e

também ao seu crescimento financeiro. Depois, domesticou animais e os rebanhos

renderam-lhes atividades mais estáveis. Com o aparecimento de instrumentos mais

aprimorados, do comércio crescente, do aparecimento e evolução da indústria, foram

fomentados recursos novos e, paulatinamente, as dificuldades iniciais serviram de base

ao equilíbrio social e, posteriormente, o trabalho remunerado, a divisão de classes

decorrente do próprio trabalho.

Podemos ver que a própria evolução material do homem está ligada diretamente ao

trabalho. Com os tempos e as reencarnações, as evoluções oriundas do trabalho

intelectual, produzindo melhoramento da forma de produzir, pois que ao homem cabe

a missão de trabalhar pela melhoria do planeta. Assim, podemos dizer que o trabalho

remunerado é a forma que o homem tem de modificar o meio que vive e produzir a

melhoria do Planeta.

Há, entretanto, uma outra forma de trabalho, este que não rende moeda, nem produz

conforto maior, tampouco crescimento permanente da conjuntura econômica. Este é o

trabalho-abnegação, do qual não produz troca ou remuneração, mas que redunda em

crescimento de si mesmo no sentido moral e espiritual e lucro social. Modernamente a

este trabalho dá-se o nome de TRABALHO VOLUNTÁRIO. Em Espiritismo, diríamos,

ocupação útil, isto é, de sentido altruístico, solidário, fraterno que visa o interesse

coletivo, com sacrifício do interesse pessoal.

O primeiro caso, o trabalho gerando crescimento material e progresso social, se

desenvolve uma melhora exterior da criatura, enquanto o segundo, o trabalho

voluntariado, ascende no sentido vertical da vida e modifica, transforma o homem de

dentro para fora, superando a si mesmo como instrumento da misericórdia divina.

Jesus é exemplo destes dois tipos de trabalho. Enquanto carpinteiro, dedicado, com José

laborava. Ele, ativamente, mostrando a importância do trabalho, ensinando que o

trabalho em atividade honrada é o dever primeiro para a manutenção do corpo e da

vida terrena. Seguidamente a isto teve Jesus um ministério de amor, um verdadeiro

trabalho de autodoação até o sacrifício da própria vida.

Page 63: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

63

63

Seu exemplo infunde coragem estimula o trabalho-serviço, o trabalho-redenção,

fraternal, procurando manter a sociedade unida, acalentando os menos favorecidos,

dando conforto aos necessitados de toda ordem.

Podemos perceber, portanto, que o trabalho voluntariado é muito antigo, pois que foi

inventado por Jesus Cristo, quando às margens da Galileia chamou os pescadores Simão

Pedro Barjonas e seu irmão André, João e seu irmão Tiago, os dois filhos de Zebedeu,

para uma jornada que jamais terminaria. Trabalho voluntário e mais trabalho os

esperava ao longo do tempo, das horas, dos dias, dos anos, dos séculos e milênios.

Aceitaram trabalhar de graça, e como lucraram!

Na Segunda Carta de Timóteo (2:6) Paulo adverte que o lavrador que trabalha deve ser

o primeiro a gozar os frutos. Hão de se perguntar: “Como gozar os frutos se não

recebemos dinheiro pelo que produzimos? ” (Tm. 2:6)

Emmanuel, no livro Perante Jesus nos fala do trabalho voluntariado explicando-nos

como nos chega a remuneração mais do que compensadora por trabalharmos pelo

simples prazer de servir, desinteressadamente.

Quando o trabalho se transforma em prazer de servir surge o ponto mais importante da

remuneração espiritual: Toda vez que a justiça divina nos procura no endereço exato

para a execução da sentença que determinamos a nós próprios, segundo a lei de causa

e efeito, se nos encontra a serviço do próximo, manda a justiça divina que seja suspensa

a execução, por tempo indeterminado. Assim, podemos entender que todo mal que

cometemos estamos nos sentenciando de forma a constituir dívida correspondente a

que estamos obrigados a pagar pela lei de causa e efeito. É dando que se recebe, nos

ensinou Jesus. O que fazemos ao próximo volta com a mesma intensidade.

Sócrates já considerava que o bem e o mal nada mais eram que a sabedoria e a

ignorância, pois que o ignorante concretiza o mal porque não sabe que mais tarde será

obrigado a quita-lo, a ajustar contas. Mas, como dissemos, quando se nos encontramos

a serviço do próximo, a Justiça Divina manda que o pagamento seja suspenso. Pedro, na

sua Carta Universal (4.8) já profetizava:

“Tende caridade para com os outros, porque a caridade cobrirá a

multidão de pecados”.

A caridade e todo o bem que conseguirmos amealhar na vida presente, será descontado

na dívida que contraímos no passado, seja nesta ou em existência anterior. No acerto

de conta, quando forem colocar nossa conta na balança, certamente haverá a

compensação de nossas ações caridosas e nossas dívidas diminuirão ou até

desaparecerão, dependendo do crédito de amor que acumularmos.

O trabalho é alimento da alma e cumpre-nos observar que o trabalho desinteressado

não é objeto de troca ou remuneração, de quaisquer espécies. Precisamos compreender

que doar trabalho é doar amor, boa vontade, sem escolher a quem e muito menos

julgando o merecimento deste ou daquele para quem está rendendo o trabalho.

As pessoas nem imaginam o bem que estão fazendo a si próprias quando se dedicam a

realizar algum trabalho sem a respectiva recompensa financeira. O Voluntariado é hoje

uma verdadeira explosão, uma vez que está transformando hábitos, sobretudo quando

realizado por jovens. É uma característica comum aos jovens a vontade de ajudar, de ser

Page 64: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

64

64

útil, de diminuir a dor alheia, praticando assim a solidariedade. O incentivo cabe a nós,

mais velhos, exerce-lo.

Querem eles oferecer um pouco do seu tempo, uma parcela apenas do fruto de sua

profissão, um pedacinho de seu coração a instituições voltadas para causas nobres ou

que cuidem de seres humanos com provas dolorosas. O voluntariado espírita é

essencialmente um doador de seu próprio trabalho e a princípio poucos são os que

percebem, mas são felizes porque têm algo para oferecer; sobra-lhes boa vontade e

disposição.

As maravilhosas obras beneméritas e de caridade erguem-se no planeta, materializando

pensamentos de bondade. Todos somos chamados a produzir obras de trabalho

desinteressado, aquele que é abnegado e exige a doação plena.

Ao trabalho voluntariado todos fomos chamados, basta parar para pensar que esta é a

mais pura verdade. Entretanto, aos que deixaram passar a oportunidade, conclamamos

agora: Venha compor esta fileira. Deixe as desculpas do “não tenho tempo”, “meus

filhos são pequenos”, “meu marido é sistemático”, “quando aposentar vou ajudar

vocês”, “minha família necessita de mim”. Estas são apenas umas das muitas desculpas

usuais e corriqueiras daqueles que fogem, adiam a tarefa do auxílio. É necessário se

conscientizar da responsabilidade que temos em relação ao próximo. A firmeza de

propósitos, os espíritos de altruísmo precisam ser ativados. O maior beneficiado é

sempre quem auxilia.

Emmanuel, no Livro Pronto Socorro recomenda: “Não te esqueças do tempo e auxilia

agora”.

É tempo de agir, de aprender que o doar-se de forma absolutamente desinteressada, é

semeadura de amor e libertação, pois que a justiça divina dá a cada um segundo o seu

merecimento e o seguimento da máxima de Cristo “Ama o próximo como a ti mesmo”

extirpando o egoísmo e a arbitrariedade que devem ser banidos o quanto antes de nosso

comportamento.

O trabalho é e será o único meio de evolução do ser encarnado ou desencarnado e, sem

trabalho, não há progresso, sem trabalho voluntariado não há evolução espiritual e não

há luz. A forma que cada um pode ser mais útil para o maior número de pessoas, é

análise pessoal, mas nos cabe alertar a importância do auxílio, da cooperação de acordo

com a capacidade e possibilidade de cada um, mas sempre há e haverá um trabalho,

uma tarefa que diante da boa vontade e do amor, será sempre, simples, prazerosa e

fácil.

Realiza o teu compromisso, por menos significante que te pareça, pois que esta será a

base para grandes realizações futuras.

Hoje, tantos anos já passados, o trabalho tem leis que o regem para que a sociedade

possa ser mais justa, devido a imperfeição natural dos homens que neste Planeta

habitam. Cumpre às Casas Espíritas o cuidado de fazer o registro de seu corpo de

voluntariado, cumprindo assim as necessidades das leis humanas.

Os valores de fé, de amor e de persistência, nos levam à reflexão de que a caridade deve

substituir a filantropia, sendo trabalho útil, ativo, passando a existir nos moldes dos

mundos superiores, onde o trabalho em lugar de ser impositivo, é conquista do homem

Page 65: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

65

65

livre que serve sempre, sem cessar, buscando sempre assistir mas promover o ser

humano, buscando ensinar a pescar, não apenas dando o peixe, como nos ensinou.

“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu,

como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (Pedro 1:

4.10.)

49

http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/assistencia/voluntariado-espirita.html

Page 66: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

66

66

SENSIBILIZAÇÃO DO TRABALHADOR ESPÍRITA E DO FREQUENTADOR DO

CENTRO ESPÍRITA.

“Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se

preparará para a batalha? Assim também vós, se com a

língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como

se entenderá o que se diz? Porque estareis como que

falando ao ar”. (1 Coríntios 14:8,9).

5

Todo centro espírita que se preza como tal e que cujos diretores não pretendam ser

melhores que Kardec, ao construir e aprovar o seu estatuto ou reformulá-lo

consideram que há três colunas que sustentam o centro espírita: o estudo, a divulgação

da doutrina espírita e a prática espírita.

Ciência respondendo às indagações da filosofia e gerando um código de moral Universal,

fica claro que o conhecimento é a palavra de ordem nas atividades a serem realizadas

no centro espírita ou fora dele, em nome da doutrina, mas sobretudo, para que o

indivíduo se conheça.

Ninguém aprende ciência lendo revistas, jornais ou vendo novelas. Allan Kardec, no

projeto 1868, em Obras Póstumas, propõe o estudo regular do espiritismo para fazer

médiuns confiáveis e trabalhadores sérios. Como ciência, adverte e aconselha ao mesmo

tempo que o estudo sério se caracteriza pela seriedade que se lhe dá. Neste sentido,

tanto o dirigente do centro espírita como o seu frequentador devem primar pela

seriedade dos estudos a fim de formar bons trabalhadores e adeptos confiáveis,

seguros, capazes de esclarecer e consolar os aflitos que chegam e se recuperam e depois

se interessam por trabalhar na causa espírita.

Não são muitas as portas de acesso ao centro espírita. Invariavelmente, a porta mais

usada é a porta da dor ou da dificuldade. Dificilmente os que entram por esta porta

ficam e se tornam espíritas. É a razão e a lógica espírita que atrai. Se não se arrazoam a

dor com a necessidade de melhoria, vão embora e só voltam na outra dor. Outros vem

para a casa espírita por mudança de endereço ou porque querem outras experiências.

Outros, já chegam prontos para o trabalho. Importante, não importa quem seja, tomar

cuidados e obter informações que em chega. Não se trata de processo investigatório,

mas um processo de segurança necessário a atualíssimo. No sistema prisional temos

tentativas de infiltração de criminosos nos grupos de assistência religiosa, através das

diversas facções.

Em qualquer situação que se chegue a uma casa espírita, mesmo que esta tenha o

padrão e modelo da casa antiga frequentada, ela tem suas peculiaridades e atividades e

bem como metodologias diferenciadas, ao gosto da liberdade que a doutrina espírita

nos dá no como fazer. Não discutimos aqui o que fazer. Sabemos que a base é o estudo,

a divulgação e a prática da doutrina espírita, pela via da caridade que consola, esclarece

e promove. Discute-se o como fazer, onde fazer e quando fazer e as razões pelas quais

se vai fazer o que se planeja. Mas, a primeira e fundamental ação é o acolhimento.

Page 67: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

67

67

Receber bem, dar atenção, envolver afetivamente nos primeiros momentos é

fundamental e faz toda a diferença.

O trabalhador que chega ou o neófito que se incorpora ao voluntariado da instituição

precisa conhecer as atividades que são executadas, bem como os dias e horários e além

disto, a dinâmica do serviço a ser realizado.

Uma casa espírita bem orientada pauta suas diretrizes na busca da promoção das

pessoas que ali vão buscar consolo e esclarecimento, depois de indicar grupos de

estudos ao interessado, oferece-lhe um cardápio de oportunidades de serviços no bem.

Diz-nos Divaldo Pereira Franco que o centro espírita “terá tantos trabalhadores quantos

conseguir formar”. Se as pessoas estão indo às casas espíritas é por que querem se

melhorar, seja física, psíquica, intelectual ou espiritualmente. Portanto, são potenciais

trabalhadores, depois de encontrarem o equilíbrio.

É importante existir numa casa espírita um constante oferecimento de oportunidades.

Os frequentadores devem estar cientes de todas as atividades que são executadas na

instituição e quem são os responsáveis por elas. Palestras devem ser realizadas, sob a

responsabilidade dos departamentos existentes para mostrar o trabalho, os resultados,

a importância de sua realização e bem como a metodologia e datas de sua realização.

Os frequentadores se tornarão trabalhadores quando são diretamente esclarecidos

sobre as tarefas que se realizam na instituição, a conexão entre o trabalho voluntário e

a sua melhoria espiritual e o papel do homem inteligente no sentido de facilitar a sua

mudança com consequente mudança dos que com ele se relacionam.

Os monitores de grupos de estudos sob a coordenação do departamento de estudos

deverão estimular estágios nos diversos departamentos da instituição a fim de que o

estudante da doutrina espírita desenvolva o gosto pela realização do bem próprio e do

bem geral.

De outra parte os coordenadores de atividade deverão permanentemente publicar

cartazes de convocação às tarefas, palestras especificas sobre a atividade e realizarem

constantes convites na realização da dinâmica espírita de servir.

Para a tarefa de visita ao encarcerado, atendendo a exortação do Evangelho de Mateus,

capítulo 25, é importante e oportuno estar atento para o preconceito e a discriminação

que existe entre os espíritas a algumas pessoas. Em primeiro lugar, ninguém é melhor

que o outro porque é espírita. Percebemos que o desinteresse e a falta de trabalhadores

para determinadas tarefas está relacionada com o preconceito e a discriminação.

O dirigente de uma atividade espírita precisa ficar atento a estes desafios. O trabalho

com dependentes químicos, idosos, moradores de rua, presidiários, hospitais de

doenças infecciosas não atrai muitas pessoas e, dentre as causas detectadas, estão o

preconceito e a discriminação.

É surpreendente constatar que no quadro de escalas de palestras públicas raramente

aparece o tema “Caridade para com os Criminosos” ou tema correspondente.

Indagados, foram expressivas as manifestações de frequentadores de casas espíritas,

Page 68: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

68

68

que disseram que há anos frequentam a casa espírita e nunca ouviram falar de tal tema

em palestra, embora registrado em o Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XI, item 14.

O dirigente espírita, seja o presidente da instituição ou o diretor de atividade deverá

tocar a trombeta do chamado. É preciso deixar muito claro ao frequentador que há

vagas de trabalho e que basta que ele acione a sua vontade e se qualifique para tal

mister. Não há falta de atividade e sim de trabalhadores.

Cabe aos dirigentes, através de técnicas e dinâmicas apropriadas, convites, conversas,

entrevistas e orientações sensibilizar o trabalhador para o trabalho.

“[...] palavras perdidas, eu o sei; mas que importa! É preciso roçar,

com vossos suores, o terreno em que deveis semear, porque ele

não frutificará e não produzirá senão sobre o esforço reiterado da

enxada e charrua evangélicas. Ide e pregai” (ESE. Cap. XX, item 4)

Para sensibilizar o trabalhador para a grave questão da segurança pública, da vítima, do

indivíduo que está preso, das condições da prisão, da ressocialização, enfim, da caridade

para com os mais fracos, ignorantes, dentro da proposta espírita e do ide e evangelizai,

adotei maciça campanha de palestras públicas, oferecendo-as aos centros espíritas toda

vez que recebia convites. Outras vezes, quando a intuição aparecia, cheguei a solicitar

espaços para divulgar o trabalho. O resultado apareceu. Os voluntários começaram a

aparecer, à medida em que a semente começava a nascer.

52

Page 69: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

69

69

RECRUTAMENTO, CADASTRAMENTO E CAPACITAÇÃO DO VOLUNTÁRIO.

“A formação espírita é imprescindível para que o Centro

Espírita, como entidade representativa da Doutrina, possa,

através de seus trabalhadores, cumprir com sua missão

com eficácia”. (Marcus de Mário)

Um bom plano de captação de voluntários obedece a fases bem distintas. A primeira

fase podemos dizer que é a sensibilização, da qual tratamos no capítulo anterior.

O emprego de técnicas de despertamento é bastante eficaz quando o captador de

voluntários é capaz de se comunicar com o frequentador. Um bom comunicador que

use técnicas eficazes é fundamental no processo da busca do voluntário. No caso de

tarefas difíceis e complexas como a da assistência sócio espiritual ao apenado, ao

dependente químico, ao adolescente infrator, é conveniente ser feita pela pessoa que

realiza este trabalho. Há muito mais energia nas palavras de quem faz o que solicita que

os outros também façam. Se as palavras convencem, os exemplos arrastam, diz a

sabedoria popular.

Superada esta fase de sensibilização, é fundamental registrar em cadastro os dados

pessoais de contato da pessoa interessada e bem como suas competências,

disponibilidades e interesses. Nesta fase há um natural filtro e seleção do voluntário.

Uma entrevista diz muitas coisas, se feita com técnicas e boa percepção. Nem todo

aquele que se apresenta ao trabalho poderá visitar uma unidade e outros terão

impedimentos legais.

Num programa de captação de voluntários ser capaz de avaliar as experiências dos

frequentadores além de suas disponibilidades e possibilidades de comprometimento é

fator de sucesso no programa de treinamento e continuidade do trabalho. Conquanto

se tolere e seja indicado o respeito às opções das pessoas de se afastarem do trabalho

quando desejarem, é importante ser capaz de perceber, ao analisar o perfil do

candidato, o grau de importância e comprometimento que ele dará à tarefa para a qual

se candidata.

Para o trabalho com apenados não há a ilusão de multidão de voluntários. Se conseguir

sensibilizar cinco ou seis voluntários, prepare-os para o trabalho

Atingido um número mínimo necessário para iniciar a atividade sem comprometimento

da sua continuidade, cumpre treinar os voluntários para que conheçam os fundamentos

básicos da atividade, seja fundamentos da questão penitenciária, da execução penal ou

a orientação doutrinária, a conexão com outros departamentos da casa espírita, os

desdobramentos da atividade posto que, invariavelmente, aparecem dificuldades que

exigem soluções multisetoriais e até mesmo, auxilio dos recursos existentes nas

instituições religiosas ou não; públicas ou não existentes no entorno.

Page 70: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

70

70

O trabalho espírita não pode estar em mãos temerárias e vacilantes. É mais seguro

esperar as condições propícias para começar o trabalho em bases sólidas a iniciá-lo em

bases frágeis e duvidosas, por impulso. Surgindo esta situação, é mais seguro ampliar o

programa de sensibilização para captar outros voluntários, sem desconsiderar os que

agora colocamos em espera, sugerindo ou encaminhando-os, para que se fortaleçam

em outras atividades menos complexas ou que exijam menos. Tenho até hoje

dificuldades para manter grupos que foram iniciados na base do impulso.

A mensagem espírita é capaz de balsamizar a dor e de embriagar o doente. Há tanta

esperança nela e tanto resultado que mesmo os corações mais endurecidos

testemunharam a nós visitadores de presídio que no dia da atividade já acordam com a

expectativa de nossa chegada. Relatam que quando se aproxima da hora da atividade,

ficam nas grades esperando abrir. Imagine, caro voluntário, se você falta neste dia!

No trabalho com apenados, ou seja, com irmãos que se encontram em situação de

privação da liberdade, é recomendável cuidados e até certo rigor na captação do

voluntário e bem como na sua inclusão ao trabalho. Atender requisitos fundamentais

para a tarefa é absolutamente necessário, posto que ela se realiza em ambiente bem

hostil, o que exige discernimento do trabalhador do presídio precisa ser amplo. Exceto

a segura proteção espiritual, não temos outros companheiros encarnados para auxiliá-

lo em caso de dificuldades, o que exige firmeza da fé para confiar nos amigos espirituais.

É indispensável uma entrevista com o candidato a visitar as unidades prisionais para

levar a mensagem espírita. Na identificação dos potenciais do trabalhador tenho

contraindicado trabalhadores para a tarefa de visita, indicando-os, contudo, a outras

tarefas inerentes à atividade em que não implique na visita ao presídio. Um trabalhador

que não pode visitar o presídio, por exemplo, por causa de mediunidade em

desequilíbrio, pode participar, por exemplo, dos grupos de preces e irradiação para o

trabalho. Aplica-se a mesma questão aos frequentadores que ainda somatizam

vibrações negativas. Se isto acontecer, vai adoecer-se e vai adoecer o grupo. Questão

de segurança mediúnica precisa ser considerada sempre. Este voluntário interessado

poderá visitar as famílias e outro pode atender o egresso na casa espírita, isto é, fora do

presídio.

Nos centros espíritas é recomendável ao trabalhador assinar o contrato de adesão ao

voluntariado como estabelece a lei do voluntariado. Para o trabalho em unidades

prisionais, é obrigatório que este documento esteja assinado. Se não assinar o termo

respectivo, não iniciará a tarefa. Esta exigência está estatuída na LEI DO VOLUNTARIADO

(Lei 9608/98):

“Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não

remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer

natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha

Page 71: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

71

71

objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de

assistência social, inclusive mutualidade.

Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem

obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de

adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço

voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu

exercício. ”

Na questão doutrinária é fundamental que o trabalhador da causa dos apenados seja

um estudioso da doutrina espírita. Por falar em estudos sérios é relevante lembrar o que

Kardec chama de estudos sérios, quando na Introdução de O Livro dos Espíritos, escreve:

• O que caracteriza um estudo sério é a continuidade.

• Quem quer adquirir uma ciência deve estudá-la de

maneira metódica, começando pelo começo e seguindo o

seu encadeamento de ideias. 55

• Eis porque dizemos que estes estudos requerem atenção

contínua, observação profunda e, sobretudo, como aliás

todas as ciências humanas, a continuidade e a

perseverança.

• Que ninguém, portanto, se iluda: o estudo do Espiritismo

é imenso; liga-se a todas as questões metafísicas e de

ordem social; é todo um mundo que se abre diante de nós.

Será de se espantar que exija tempo, e muito tempo, para

a sua realização?

• A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento dado

pelos Espíritos, e os conhecimentos que esse ensino

encerra são muito sérios para serem adquiridos por outro

modo que não por um estudo profundo e continuado (...)

Um trabalhador sério e comprometido com a causa dos apenados, recomenda-se a

participação em eventos científicos relativos à área, dada a complexidade da matéria e

estudar sempre, preparando-se sempre e jamais descuidando-se de atualizar-se nos

conhecimentos de sua santa tarefa.

Page 72: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

72

72

A ENTREVISTA DO VOLUNTÁRIO.

Alguns seareiros desavisados da seara espírita podem entender que é exagero

entrevistar um trabalhador espírita para a atividade de visita à pessoa humana na

condição de privação da liberdade. Respeito todas as opiniões divergentes, mas insiro

aqui as minhas observações frutos de anos de labor nesta seara.

Penso que para toda atividade de trabalho, seja onde for que ela se realize e seja qual

seja a qualidade do trabalhador, cumpre estar capaz de realizá-lo.

5

A mera leitura de um curriculum não reflete o comportamento do candidato. Por não

haver exigência do curriculum vitae, o que seria absurda, faz-se necessária a entrevista.

Lembremos de que o visitador do presídio atuará em área de segurança rígida,

caracterizando como atividade realizada fora do centro espírita, em condições

peculiaríssimas, com práticas que o cidadão comum não está habituado.

O entrevistador precisa ter bom conhecimento doutrinário e da dinâmica de um

presídio, além de conhecimento básico da execução penal, pelo menos. Lembremos que

o voluntário que será admitido atuará em espaço sob a administração pública e em

condições bem adversas, estando ele, em tese, sob vigilância. Nossa experiência diz que

que o rigor no processo de admissão do voluntário, embora exclua alguns candidatos,

salvaguarda a todos e o próprio trabalho.

Nosso cuidado na entrevista e no exame do perfil do candidato deu-nos a alegria de

comemorar 13 anos de atividade, com 13 grupos atuando dentro do sistema e não haver

qualquer contratempo significativo ou problemas envolvendo voluntário, em oposição

a outros grupos religiosos, cujos voluntários sempre apresentam desvios de conduta ou

desentendimentos com funcionários do sistema. Tivemos afastamentos sim, mas não

por problemas que comprometeram o trabalho, a instituição a que pertencemos, a

doutrina que abraçamos ou mesmo o colocaram em risco.

Rigor aqui não é preciosismo: é proteção do voluntário e do grupo e boa representação

da instituição a que pertencemos. Um desvio poderá custar ao voluntário a prisão! E

colocar a instituição a que representa em situação descrédito. É preciso preservar o

patrimônio valioso que representa o servidor do Cristo, que poderá servir em outro

lugar. Acompanhamos rumoroso caso de voluntário de outra crença que se envolveu

com questões que, no entendimento das autoridades, eram criminosas. Pelo sim, pelo

não, a voluntária foi afastada e teve que se esfolar para defender-se das acusações que

lhe foram imputadas.

A entrevista será não só para esclarecer o detalhamento do trabalho que o curso não

oferece, como serve e isto é relevante, para que se tenha um perfil do visitador.

Algumas condições precisam ser cumpridas e são variáveis de Estado a Estado, de

presídio a presídio e então, cabe o mecanismo da negociação e esclarecimento. Quem

vai a uma instituição deve conhecer o seu objetivo e as normas internas que o regem,

que devem ser claras e bem entendidas.

Page 73: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

73

73

A entrevista visa aferir, também, o grau de comprometimento e responsabilidade do

candidato. Não se trata de exigir perfeição do homem de boa vontade, mas é preciso

lembrar em primeiro lugar que o candidato representará a doutrina espírita num

universo de pessoas onde todos os olhos focam em sua direção. Espírita deve ser o seu

nome.

O entrevistador deverá ser capaz de perceber no voluntário, sobretudo, no líder do

grupo se este é capaz de superar de imediato, frustações, constrangimentos e

ansiedade. Ficar longos minutos numa sala de espera, ou receber respostas desprovidas

de civilidade ou mesmo deslocar-se de longa distância e não entrar na unidade prisional

para fazer o seu trabalho é desafio comum. Ser capaz de manter-se paciente e sereno

diante destes desafios é prova de maturidade espiritual.

Há indicadores que contraindicam a presença de um voluntário da assistência religiosa

no presídio.

- Se o candidato responde a processo criminal, seja em que fase for, não será

admitido como voluntário da assistência sócios spiritual. Exigência natural do

sistema penitenciário.

- Se o candidato tem parentesco próximo a um dos detentos da unidade a ser

visitada, o próprio sistema contraindica. Se quer visitar ou ser o seu familiar, o

acesso se dará por outra porta. No caso, a visita como familiar, regulada por

outras regras. O grau de parentesco pode ser variável de Estado para Estado.

- Se o candidato tem vícios e tem dificuldades de controlá-los, convém esperar o

momento certo. 57

- Se o candidato foi vítima de alguma ação violenta, será preciso identificar as

cicatrizes, comprovando que as feridas foram cicatrizadas, sobretudo, se o autor

está aprisionado na unidade que pretende visitar;

- Se o candidato revelar preconceitos e discriminações de qualquer ordem é

conveniente não admiti-lo no quadro de visitadores de unidades prisionais.

- Se o candidato é médium (ou profeta em outras religiões) cujas faculdades não

controla ainda, mesmo estudando a doutrina espírita, a literatura de sua crença,

é conveniente não lhe permitir o acesso à unidade prisional. Um médium sem

controle de suas faculdades pode entrar em transe inconscientemente,

causando dispensável transtorno ao trabalho.

Outro elemento importante é o conhecimento dos antecedentes do candidato. Alguns

Estados da federação poderão pedir antecedentes criminais do candidato e será muito

constrangedor ao candidato ser recusado por isto, sendo de conhecimento público esta

sua questão particular.

E por fim, o conhecimento doutrinário da pessoa. Não se busca o doutorado espírita,

mas, é importante que o candidato seja amante do estudo e se enquadre num grupo

específico.

Page 74: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

74

74

HABILITAÇÃO E INSERÇÃO DO VOLUNTÁRIO NA ATIVIDADE

O acesso a uma unidade prisional não se faz sem critérios muitas vezes extremamente

rígidos, sempre regulados por leis ou portarias de governo. Embora seja uma repartição

pública onde, sendo pública, todos tem acesso, mas este se reveste de características

próprias, em razão, por óbvio, da finalidade a que se presta. Presídio não é lugar de

passeio e visita ao preso não é ato de lazer.

Esclarecido o voluntário sobre as condições de acesso, este, se desejar, submete-se ao

rigor dos procedimentos de entrada. Podem ser vexatórios, embora, o legislador sempre

buscou dar ao espírito da lei, a visão humanista, mas é preciso entender que quem vai

permitir o acesso ao presídio é outro ser humano. Bem treinado, bem preparado, mas

pode não estar num dos seus melhores dias. Natural a sua instabilidade emocional

durante o processo de facilitação do acesso à unidade.

Feito o cadastro no órgão indicado pela secretaria de estado correspondente, onde a

identidade e cadastro de pessoas físicas e comprovante de endereço são os dados

básicos, o candidato pode ter seu acesso aprovado a determinada unidade prisional.

No Estado do Espirito Santo não se exige (já exigiu) o atestado de antecedentes

criminais. Mas isto não quer dizer que o cidadão voluntário não esteja sujeito a esta

exigência. Os sistemas prisionais têm seus procedimentos de segurança que lhes faculta

pesquisar a conduta de uma pessoa. O candidato pode, então, ser surpreendido com

uma negativa de entrada. Cada estado tem seus procedimentos próprios e os rigores

variam dentro de um mesmo estado da federação, segundo o nível de segurança da

unidade prisional e o modelo de administração (presídio administrado pelo estado ou

terceirizado)

O primeiro filtro é a entrevista. Se o voluntário revela estar respondendo a um processo

ou tem pendências com a justiça criminal, isto não o inabilita para uma tarefa na casa

espirita, mas pode inabilitá-lo, até que se extinga o processo, ao acesso num presídio.

Assim, é melhor vedar na entrevista do que expor-se a constrangimentos.

A inserção do trabalhador na atividade demora certo tempo. Oportuno registrar que um

curso preparatório de quatro horas não dá condições do voluntário exercer a atividade.

O curso dá condições, junto com outras, de acessar a unidade junto com um grupo, mas

para que possa realizar a tarefa, demanda tempo.

Na identificação dos potenciais do trabalhador tenho contraindicado alguns

trabalhadores para a tarefa de visita, indicando-os, contudo, a outras tarefas inerentes

à atividade em que não implique na visita ao presídio. Um trabalhador que não pode

visitar o presídio, por exemplo, por causa de mediunidade em desequilíbrio, pode

participar, por exemplo, dos grupos de preces e irradiação para o trabalho. Outro pode

visitar as famílias e outro pode atender o egresso na casa espírita.

O entrevistador deverá cuidar de perceber, direta ou indiretamente, se o candidato tem

mediunidade aflorada, sem controle. A experiência tem mostrado não ser conveniente

ter no grupo de visitas uma pessoa que não controle os seus talentos mediúnicos. Pode

e deve ser empregado pela equipe, até que controle os seus dons, numa atividade fora

Page 75: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

75

75

da unidade prisional. Sendo muito pesada a psicosfera do ambiente prisional, se o

médium não tiver autocontrole, vai seguramente ser um caso a mais para ser atendido,

porque é grande a chance de mediunizar-se.

Recomendo nas primeiras visitas que o voluntário iniciante fique na condição de

observador. Apenas observe. Senta e observa. A partir das suas percepções e da

percepção do grupo com relação aos fatos que vão acontecendo, cuja dinâmica é

imprevisível, através das reuniões e avaliações ao final de cada jornada, o voluntário vai

ganhando confiança e construindo o seu saber.

A pessoa humana submetida à condição de privação da liberdade é carente ao extremo.

Não raro, o voluntário, nas primeiras vezes, sai da unidade prisional com vontade de

chorar, porque só lá dentro é que percebe quanta dor lá se experimenta. Por isto, o

preso pede tudo e pede tudo a todos, muitas vezes.

Page 76: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

76

76

REQUISITOS E CONDUTA DO VOLUNTÁRIO.

“Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e

de repente você estará fazendo o impossível. ” (Francisco de Assis,

o Poverello de Assis)

O trabalho na assistência sócio espiritual à pessoa humana em condição de privação

da liberdade, como qualquer outro, tem suas nuances. Não imaginemos que o simples

desejo de visitar uma unidade prisional ou como dizem alguns terem recebido um

chamado para pregar a palavra aos cativos, dá, por si só, a condição de realizar o

trabalho.

Manifesto o desejo de atuar no atendimento à pessoa humana que se colocou à margem

da lei e por isto tem problemas com a justiça, faz-se necessário passar por uma

entrevista com o coordenador da atividade, sempre uma pessoa experiente na lida com

esta questão a fim de mensurar a real capacidade do agente interessado.

Importante não ter qualquer preconceito, seja contra pessoas que delinquiram ou de

gênero ou racial.

Fundamental que o voluntário ame estudar e o faça com regularidade. Não se aprende

espiritismo lendo revistas ou vendo filmes espíritas ou assistindo palestras uma vez por

semana. Embora aqui não estejamos questionando a validade destes importantes

recursos e instrumentos de divulgação e conhecimento, a formação do trabalhador

espírita, por ser ciência e filosofia com consequências religiosas, se faz através de

estudos sérios. Penso que este é o primeiro e fundamental requisito.

Recomenda-se o exercício do culto do evangelho no lar, como preconizam as

orientações espíritas. É poderoso recurso de autoproteção. Aliás todo espírita que

aceitou a orientação de Kardec deveria fazer o culto do evangelho no lar com a disciplina

orientada.

O trabalhador precisa ter disponibilidade de tempo. Quando iniciamos nossa atividade

em 2005, tendo apenas um grupo que atuava nas sextas-feiras de tarde, não havia opção

da escolha de horário. Hoje temos grupos atuando à noite, à tarde e em finais de

semana. Aumentaram as possibilidades de escolha e isto pode facilitar a contratação de

novos trabalhadores.

É preciso ser hábil na construção da agenda de visita de tal modo que facilite os horários

do trabalho. Um bom relacionamento com o diretor da unidade prisional poderá criar

condições para que ele ajuste os horários da unidade a fim de facilitar o voluntário que

trabalha. Não é fácil lidar com funcionários burocratas que não estão sensibilizados com

o trabalho voluntários, sobretudo, atividades religiosas em que o 6funcionário, não raro,

carrega o seu verniz religioso. O trabalhador espírita, como representante da doutrina,

precisa ter algo mais para poder conquistar a oportunidade.

É requisito necessário acreditar na recuperação do homem. Nossa proposta é matar o

pecado e não o pecador. Se fosse matar o homem, seria mais fácil!

Page 77: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

77

77

Perseverança, esperança e fé, associados com grande capacidade amar são ingredientes

que fazem do trabalhador espirita da visita aos cárceres um mártir do trabalho. É preciso

ser capaz de nunca se esmorecer. Permite-se a queda, ficar caído, não! Descreditar,

jamais! Buscar sempre porque a semente é de qualidade. Vai nascer, não no seu tempo!

No tempo dele!

Não se requer santidade, mas será importante não ter vício algum. Claro que os temos,

mas então, que os tenhamos sob controle!

São pilares de sustentação do voluntário na ação espírita:

1 – Desvelado amor ao próximo na condição em que ele se

encontre, sem imposições ou exigências.

2 – Fidelidade aos princípios espíritas. O trabalhador sério não

adapta a doutrina aos seus interesses e nem de interesses de

terceiro. Fidelidade à casa espírita é o seu norte. Fidelidade ao

compromisso reencarnatório é sua meta. Fidelidade a aqueles

com os quais se comprometeu acolher, assistir, evangelizar,

promover e encaminhar, caminhando junto, tornando-se

companheiro da grande viagem é seu objetivo.

3 – Convivência fraterna e companheirismo. Se há diferenças no

pensar, no sentir ou no agir, é preciso compreender que a

diversidade é elemento de crescimento e de ricas experiências.

Perde muito quem se irrita. Perde tudo quem abandona.

4 – Amor ao trabalho. O trabalho constante nos dá força

permanente, enriquecendo e aprimorando o conhecimento.

5 – Presença, assiduidade E pontualidade são ferramentas tão

ricas quanto o exemplo. O trabalhador assíduo e pontual mostra

o quanto ama o trabalho, sua equipe e as pessoas que atende.

6 – Capacidade de trabalhar em equipe.

O voluntário é o candidato que foi aprovado no concurso para ascender ao honorável

título de “Homem de Bem”.

63

Page 78: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

78

78

O PROJETO DE ASSISTÊNCIA SÓCIO-ESPIRITUAL NOS PRESÍDIOS.

“Tudo aquilo que podemos nomear, como sendo a grandeza da

civilização, é conjunto de planos experimentados”. (Emmanuel)

A lei de execução penal prevê, com fulcro nos direitos e garantias individuais, que o

Estado deve assegurar a assistência religiosa à pessoa humana em condições de

privação de liberdade. Este assunto está tratado na Constituição Federal que obedece a

uma série de Tratados Internacionais sobre a questão e bem com a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, que também orienta aos Estados Membros das Nações Unidas

estas ações.

Sobre a importância do projeto, recomendo a leitura do texto - Planejamento de

Atividades e Responsabilidades – que está na página 43 destas anotações. Não

teceremos outros comentários aqui, por entendermos que para este propósito, o texto

apontado atende à necessidade. De outro lado, sobre o planejamento de atividades, o

leitor encontrará nas livrarias e na internet milhares de textos de boas e recomendadas

fontes.

Nosso propósito aqui é, simplificando as coisas, apresentar uma proposta que poderá

instrumentalizar o líder ou religioso interessado na ação cristã no presídio, sobre como

fazer. Para cada atividade é importante planejar. Planejar a sensibilização, a formação

do voluntário e mesmo uma biblioteca no presídio exige, mesmo que seja informal, um

planejamento.

Pensar, é, em síntese, um planejamento. Aqui colocamos no papel a ideia para que todos

os parceiros saibam qual a missão, quem vai fazer, como vai ser feito, porque vai ser

feito, onde e quando vai ser feito o que sonhamos realizar.

Em singelas palavras todo projeto deve ter:

a) Identificação. (O que vai fazer?)

b) Justificativa. (Por que vai fazer?)

c) Objetivos Gerais e objetivos específicos.

d) Metas. (Definir o alcance)

e) Metodologia. (Como vai fazer)

f) Recursos materiais necessários à execução. (O que vai precisar e quanto vai

custar?

g) Temporalidade. Prazos, dias, horas em que a atividade vai ser executada)

h) Pessoas comprometidas com o projeto. (Quem vai fazer o que se quer fazer?)

i) Avaliação.

A ciência da administração traz inumeráveis formas de transformar uma ideia num

projeto bem-sucedido. Não se faz necessário elencar mais de uma forma. Gosto dos

quatro verbos da administração: PENSAR, FAZER, CONTROLAR E CORRIGIR,

prosseguindo dentro dos prazos e com os recursos necessário para obter a melhor

qualidade possível.

Page 79: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

79

79

No anexo, temos um modelo sugestivo, fruto de nossa imaginação, embora aceito nos

onze grupos que coordenamos. Poderá ser útil, de acordo com a proposta do manual.

“Quem de vós, com efeito, querendo construir uma torre, primeiro não

se senta para calcular as despesas e ponderar se tem com que terminar.

” (Lucas 14:28)

65

Page 80: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

80

80

METODOLOGIA DA ASSISTÊNCIA SÓCIO-ESPIRITUAL À PESSOA HUMANA

PRIVADA DA LIBERDADE.

A proposta de Assistência sócio espiritual à pessoa humana privada da liberdade nos

moldes que propomos reformula diversos conceitos.

Em primeiro lugar, embora ela vise atender à pessoa privada da liberdade, considera

que todos nós, espíritos imperfeitos, somos criminosos, jurídica ou moralmente falando.

Na linguagem dos cristãos, somos pecadores, portanto, questão de semântica apenas.

Sendo espíritos em evolução ainda transitando nos degraus inferiores da escala, longe

estamos de sermos qualificados de bons espíritos ou nos situarmos em níveis mais

elevados como nos propõe O Livro dos Espíritos.

Em segundo lugar, alargamos o entendimento de assistência religiosa prevista na Lei de

Execução Penal para considerá-la assistência sócios spiritual. Vou alinhar três razões

para tal entendimento:

a) Fuga da ideia de proselitismo religioso que alguns segmentos mais dogmatizados

propõem. Entendemos que dogmatizar alguém estando aprisionado é tirar uma

algema e colocar outra. É gerador de fanatismo. Os exemplos existem às

centenas, embora, alguns segmentos mais radicais não percebam assim.

b) A exortação contida no Evangelho de Mateus, cap. 25 – “estive preso e me

visitaste” não pode ficar adstrita e limitada a uma ação de “pregação” do

preceito evangélico, se a pessoa visitada apresentar alguma ou muitas

necessidades. Não raro, a pessoa que precisa do pão moral, precisa também do

pão material. Nos presídios e nas cadeias públicas, além de projetos visando a

ressocialização, falta o básico, como o papel higiênico, o absorvente, a escova de

dente, o barbeador ou o sabonete, entre outras coisas.

c) Todas as religiões têm seus princípios, dogmas e visões diferentes. Algumas se

sustentam na ciência e da filosofia gerando consequências ético-morais, sendo,

portanto, por si só, de abrangência muito mais ampla do que uma “pregação da

palavra”.

d) O respeito à diversidade religiosa consagrada como princípio fundamental da

convivência humana, está consagrado em convenções internacionais e

fundamentadas nas bases teológicas das grandes religiões e algumas religiões,

como o Espiritismo, adotam práticas sociais em concomitância com a ação

evangelizadora. Esta conduta vai ganhando força junto a outros segmentos

religiosos mais proselitistas.

A forma de transmissão da mensagem educadora proposta pela doutrina espírita dentro

de uma unidade prisional, assim como na casa espírita, não está engessada a um modelo

litúrgico ou ritualístico. Assim como Jesus que usava de muitos métodos para transmitir

a palavra consoladora, esclarecedora e libertadora de consciências, a doutrina espírita

segue-lhe os passos, de tal forma que, obedecendo aos princípios doutrinários, gerando

possibilidades amplas de crescimento espiritual.

Page 81: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

81

81

A atuação do evangelizador espirita dentro da unidade prisional está condicionada a

diversos fatores, mas o que mais influi é a inexistência, inadequação ou desinteresse do

servidor em disponibilizar um espaço adequado para a atividade.

Os presídios, considerando a doutrina da pena ainda vigente como castigo, são

construídos de modo a punir retirando direitos da pessoa humana. É lamentável que os

administradores ao contratarem a construção de um presídio não tenham em conta as

exigências da lei penal no tocante à ressocialização do interno. Raros são os presídios

que tem um lugar específico, tipo auditório, fechado, em boas condições, que permita

o atendimento social, psicológico, preventivo da saúde e jurídico coletivamente, em

sessões de esclarecimento coletivos. Tais espaços poderiam ser aproveitados para a

assistência sócios spiritual. E mesmo quando existentes, não são aproveitados, sob a

argumentação de que há risco para a segurança. É um jogo de empurra. A secretaria diz

que a unidade tem os funcionários de que precisa e o diretor diz que faltam agentes.

Quem perde com isto? O Estado (leia-se população) posto que, não havendo

ressocialização adequada, o interno reincidirá, num terminável ciclo vicioso.

As atividades de assistência sócio espiritual são feitas em salas de aulas, auditórios (rara

unidade tem) corredores, pátios de sol (e de chuva também). Muitas vezes o educador

cristão é compelido a orientar a pessoa presa através do buraco da grade por onde se

faz o único contato, inclusive, sem contato com o interno.

Diante deste quadro, o educador cristão precisa ser criativo para não tornar inócua a

visita. Em algumas unidades é possível usar a caixa de som, microfone e mídia para

apresentações e bem como vídeos ou filmes. Noutras, nem mesmo a caneta pode entrar

e o interno não tem acesso ao livro religioso de sua crença, o que é garantido pela lei de

execução penal.

Nos presídios onde o acesso ao livro religioso se torna difícil, uma eficiente ação é

imprimir o texto de estudo de modo que o interno possa acompanhar a lição. Onde o

livro religioso fica de posse do interno, é possível melhorar a qualidade do estudo, com

leitura silenciosa, leitura dinâmica e comentários em lições sequenciadas. Embora,

garantida por força de lei a posse do livro religioso pelo interno, ainda é uma falácia.

Dependendo das condições – iluminação, pontos de luz, cadeiras para assento e telas

de projeção, a apresentação de mídia facilita muito, podendo ser exibidos filmes, vídeos,

palestras-vídeos e projeção de slides diversos com música, cuja letra pode ser exibida,

facilitando a apreensão da letra ou do texto e depois a dinâmica da atividade. Em outros

lugares, cabe apenas uma caixa de som e microfone, sem visualizar a pessoa para quem

se fala, o que empobrece a qualidade da explicação.

Há que se considerar que nenhuma metodologia supera o exercício da justiça e do amor

no seu sentido pleno e a humanização no tratamento penal. O grande desafio a

enfrentar a sociedade é eliminar o preconceito e discriminação para com a pessoa

humana privada da liberdade.

A sociedade humana precisa ampliar o conceito de criminoso e ampliar o entendimento

do papel do presídio, da pena e da justiça penal. Criminoso pode ser a pessoa humana

Page 82: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

82

82

que está presa, mas há criminosos soltos assim como inocentes presos. Criminoso é

aquele que cometeu crime, podendo estar ou não preso. Há um grande equívoco nisto.

Dentro dos presídios há muita gente inocente e pessoas que já não deveriam estar

presas, seja pelo desrespeito aos prazos previstos em lei para o andamento do processo,

seja porque a sua progressão para regime mais brando no processo de sua reintegração

à sociedade.

Nenhuma metodologia supera o amor que devemos devotar às criaturas, sobretudo as

mais limitadas, ignorantes, incultas e doentes morais em sua grande maioria. O amor

incondicional a que Jesus nos exorta não é ser injusto com a sociedade, criando um clima

de intranquilidade, soltando aquele que deve estar preso ou defendendo a impunidade.

O papel da prisão é garantir a paz social, intimidar o criminoso em potencial e reintegrar

o cidadão que se resvalou pelo despenhadeiro do crime à sociedade, onde volte a viver

de acordo com os padrões de convivência daquele grupo social, mas é injusto sonegar

o que o ser humano tem direito.

Outra questão extremamente polêmica é dar liderança a pessoas ainda em processo

educativo. É como promover o aluno a professor, antes dele se formar. A experiência

tem mostrado que pessoas ainda em formação, ainda em processo de renovação,

quando recebem incumbência de dirigir grupos, pregar evangelho assumindo condição

de líderes, muitas vezes alçados a esta condição, podem se transformar agentes do

crime, como acontece já em outro estado. Entendemos que o interno cumprindo pena

não tem condições de ser líder religioso, mesmo que assim se revele. A prudência manda

esperar que ele saia da prisão, liberte-se do seu processo e então cumpra este honroso

e importante papel.

Se a metodologia da ação evangelizadora não focar o processo educativo, pacificador e

não visar a mudança do homem criminoso, estando solto ou preso, para o homem de

bem, conduzirá fatalmente ao grave equívoco do fanatismo religioso, tão pernicioso

quanto o próprio crime. O fanatismo religioso já provocou muitas guerras, mortes e os

acontecimentos dos últimos dias na França (massacre do fundamentalismo muçulmano

no ano de 2015, com 132 mortos) e nos Estados Unidos (Torres Gêmeas, ano de 2001

com quase 3.000 mortos), bem como a guerra entre católicos e protestantes na Irlanda

no último quartel do século passado bastam para justificar esta afirmativa, para citar

alguns casos.

Evangelizar é ato de amor que visa transformar o homem agressivo, corrupto, violento,

egoísta, orgulhoso, vicioso no homem de bem e, portanto, a metodologia deverá

sempre criar alternativas de reflexão para que o homem analise seu papel e conduta na

sociedade, na família, na escola, no trabalho e no lazer e além disto, sua relação com a

imortalidade, posto que, o ser espiritual não se extingue com a morte do corpo.

Page 83: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

83

83

A ESCOLHA DO COORDENADOR E DO LÍDER DE GRUPO.

Sobre a questão da coordenação da atividade e do líder de cada grupo, achei mais

oportuno do que inventar a roda, usar a roda existente, visto que, ela atende de plano

e plenamente a proposta do manual.

Antes de abordar o tema liderança espírita, necessário se faz desenvolver, mesmo que

sucintamente, os temas Espiritismo, espírita e centro espírita, fundamentais ao trabalho

do líder espírita.

Espiritismo: “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da

destinação dos espíritos, e das suas relações com o mundo corporal. ”) “O Espiritismo

é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência

prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os espíritos; como

filosofia, ele compreende todas as consequências morais que decorrem dessas

relações. ” “O Espiritismo é uma doutrina filosófica que tem consequências religiosas,

como toda doutrina espiritualista. ”

“A Doutrina Espírita é, assim, o mais poderoso elemento de moralização, por se dirigir

simultaneamente ao coração, à inteligência e ao interesse pessoal bem compreendido.

Espírita: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos

esforços que emprega para domar suas inclinações más. ” “O verdadeiro espírita

jamais deixará de fazer o bem. Lenir corações aflitos, consolar, acalmar desesperos,

operar reformas morais, essa a sua missão. ”

Movimento espírita: “Movimento espírita é o conjunto das atividades que têm por

objetivo estudar, divulgar e praticar a Doutrina Espírita, contida nas obras básicas de

Allan Kardec, colocando-a ao alcance e a serviço de toda a humanidade. ” No O Livro

dos Espíritos encontramos a informação de que a Doutrina Espírita tem por missão

“instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da

humanidade”. Os espíritos superiores nos advertem que uma doutrina verdadeira “será

aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fizer, isto é, pela prática da lei de

amor na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Esse o sinal por que

reconhecereis que uma doutrina é boa. ”

Conclui-se, portanto que o objetivo principal da Doutrina Espírita é incentivar o homem

a edificar o bem em sua intimidade, e o trabalho do líder espírita deverá ser voltado

para esse objetivo, começando por si próprio, desenvolvendo as características do

homem de bem (Vide O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. 17, Item 3) em si mesmo.

LIDERANÇA: Segundo o dicionário Houaiss, líder é o “indivíduo que tem autoridade para

comandar ou coordenar outros, pessoa cujas ações e palavras exercem influência sobre

o pensamento e comportamento de outras".

No O Evangelho Segundo o Espiritismo (Capítulo 10, Item 13) Kardec nos ensina que

“Aos olhos de Deus, uma única autoridade legítima existe: a que se apoia no exemplo

que dá do bem". No O Livro dos Espíritos (Questão 274), os espíritos superiores no

Page 84: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

84

84

ensinam que “Os espíritos têm uns sobre os outros a autoridade correspondente ao

grau de superioridade que hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um

ascendente moral irresistível”.

Jesus, em seus ensinamentos, advertiu sobre a necessidade de os discípulos serem

exemplos, se tornarem líderes no sentido de inspirarem os homens a vivenciarem a sua

doutrina. Essa advertência serve para todos os cristãos, especialmente para 70 aqueles

que se encontram encarregados de tarefas de direção nas instituições cristãs, se

tornando exemplos para os demais.

As palavras e as atitudes do líder devem servir de inspiração aos demais: “Não saia da

vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação,

conforme a necessidade, e, assim, transmita glória aos outros”. – (Ef. 4:29) “Se alguém

fala, fale de acordo com os oráculos de Deus. ” – (1 Pe. 4:11) “Torna-te, pessoalmente,

padrão de boas obras”. – (Tito 2:7) “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu

fiz, façais vós também”. – (Jesus – Jo. 13:15)

O líder deve trabalhar sua iluminação interior, desenvolvendo a reforma íntima com

base nos ensinos de Jesus, e refletir sua luz interior, através de suas ações e palavras.

Jesus disse: “Vós sois a luz do mundo”. – (Mt 5:14)

O instrutor Emmanuel ensina-nos que “Se muito podes realizar, a benefício do próximo,

por aquilo que sabes, somente conseguirás renovar os semelhantes por aquilo que és.

” O verdadeiro líder é aquele que por suas atitudes e seu modo de ser inspira os outros

a se modificarem, a desenvolverem a vontade de adquirir as mesmas qualidades que

ele possui.

O exemplo contagia, estimula as pessoas a agirem da mesma forma. João Evangelista

ensina a importância do exemplo: “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida

por nós; e devemos dar a nossa vida pelos irmãos”. (1 Jo. 3:16)

Jesus advertiu os escribas e fariseus pela sua conduta em desacordo com a crença que

professavam, demonstrando a necessidade de as palavras serem acompanhadas dos

exemplos que a testifiquem. Aqueles que estão à frente do movimento espírita, nos

diversos âmbitos, devem ser os primeiros a trabalharem pela renovação íntima, se

tornando exemplos de esforço constante na edificação de um novo eu, com base nos

ensinos do Mestre Jesus: “Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os

fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas

suas obras; porque dizem e não fazem. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque

sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas

interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia! Assim também vós

exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia

e de iniquidade”. (Mt. 23: 1, 2, 27 e 28).

O apóstolo Paulo, ciente de sua responsabilidade enquanto líder, de seu dever em ser

exemplo no trabalho do Cristo, deixa este belíssimo ensinamento em sua segunda carta

aos Coríntios: “Pelo contrário, em tudo recomendamo-nos a nós mesmos como

Page 85: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

85

85

ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos

açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no

saber, na longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na

palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer1

defensivas; por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama, como enganadores e

sendo verdadeiros; como desconhecidos e, entretanto, bem conhecidos; como se

estivéssemos morrendo e, contudo, eis que vivemos; como castigados, porém não

mortos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada

tendo, mas possuindo tudo.” (2 Cor. 6: 4 ao 10)

O modelo de liderança proposto por Jesus possui vários pontos que o caracterizam,

dentre os quais se destacam:

1) Ter um objetivo moral elevado diante da vida, um plano de trabalho a ser

desenvolvido: Jesus possuía uma proposta de trabalho que ele próprio veio

desenvolver, juntamente dos discípulos: “Daí por diante, passou Jesus a pregar e a

dizer: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. ” – Mateus 4: 17 e 23.

É necessário elaborar um projeto de ação, com a forma de desenvolvimento e as metas

a serem atingidas. O objetivo maior do líder espírita deve ser trabalhar pela edificação

de um mundo melhor, incentivando as pessoas a se tornarem melhores.

2) Combater em si mesmo a vaidade - Jesus disse: “Eu não aceito glória que vem

dos homens” – João 5: 41. Com essa afirmação, Jesus mostra a necessidade de o líder

não se deixar levar pela vaidade por ocupar cargos ou funções dentro do movimento

espírita. O líder deve desenvolver suas tarefas objetivando o bem do próximo e não

agir por vaidade, buscando prestígio social, reconhecimento das pessoas, entre outros

benefícios diante da sociedade.

3) Trabalhar para obra divina e não para si próprio - Jesus ensina que devemos agir

diante do mundo levando em conta a vontade de Deus, realizando a sua obra,

consoante os ensinos morais ensinados por Moisés, por Jesus e pela Doutrina Espírita.

O líder deve buscar compreender qual a vontade de Deus, buscando a melhor decisão

para cada questão que surgir, não se deixando levar pelo personalismo, impondo suas

vontades e convicções íntimas, conforme Jesus nos ensinou: “Não procuro a minha

própria vontade, e sim a daquele que me enviou. ” (Jo. 5: 30)

4) Fidelidade - O líder deve ter firme decisão pelo ideal cristão e firmeza de

propósitos, sendo fiel aos ensinos da Doutrina Espírita e do Evangelho de Jesus Cristo:

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar o

outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. ” (Mt 6:24)

5) Perseverança - Jesus adverte sobre as dificuldades a serem enfrentadas pelos

discípulos e solicita a perseverança ante os desafios: “Sereis odiados de todos por causa

do meu nome; aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo. ” (Mt 10: 22)

Page 86: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

86

86

6) Esforço contínuo - O líder deve trabalhar decididamente e continuadamente

pela luz. Seu esforço deve ser constante, vencendo as barreiras do comodismo,

esforçando-se diariamente na execução de seus objetivos existenciais, conforme nos

ensina Jesus: 72 “E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia essas coisas no sábado.

Mas ele lhes disse: meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também. ” (Jo. 5: 16 e 17)

7) Alegria íntima - O líder deve desenvolver a alegria íntima de viver e auxiliar seus

irmãos a desenvolver essa alegria interior. Viver com alegria, conforme nos ensina

Jesus: “Tenho vos dito essas coisas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo

seja completo. ” (Jo. 15: 11)

8) Entusiasmo - O líder deve entusiasmar-se pela causa e demonstrar a grandeza

dos ideais espíritas-cristãos aos seus irmãos. Jesus conscientizou os discípulos da

grandeza das revelações que eles estavam recebendo: “E, voltando-se para os seus

discípulos, disse-lhes particularmente: Bem-aventurados os olhos que veem as coisas

que vós vedes. Pois eu vos afirmo que muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes

e não viram; e ouvir o que ouvis e não ouviram. ” (Lc. 10: 23 e 24)

9) Motivação - Jesus ensina que o melhor método de motivação é o amor: “Pois o

amor de Cristo nos constrange. Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam

mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu. ” (2 Cor. 5: 14 e 15)

10) Saber o momento de elogiar e advertir - O líder deve ter o bom senso para a

prática do elogio, incentivando o trabalho e as conquistas de seus irmãos e também

para advertir quanto aos equívocos, quando necessário, conforme nos ensina Jesus:

“Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e

sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. (Mt 16:17) “Mas Jesus,

voltando-se, disse a Pedro: ‘Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque

não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”. (Mt. 16: 23)

11) Saber ouvir - O líder deve ouvir seus irmãos, saber suas necessidades,

dificuldades, conhecimentos, conquistas, anseios íntimos. Somente é capaz de instruir

aquele que primeiramente souber ouvir. O saber ouvir gera afinidade, confiança,

sentimento de consideração por parte de quem se expressa. Jesus ouvia os discípulos:

“Indo Jesus para os lados de Cesaréia de Filipe, perguntou a seus discípulos: ‘Quem diz

o povo ser o Filho do Homem? ” (Mt 16:13)

12) Sinceridade, ser verdadeiro - O líder deve se expressar de forma honesta e

sincera, porém, de forma amorosa e tendo em vista o bem do outro. Ser fiel às suas

convicções a cada atitude, ser verdadeiro com todos, conforme nos ensina Jesus:

“Declarou-lhe Jesus: eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente

tanto nas sinagogas quanto no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse

em oculto. ” (Jo. 18: 20)

13) Coragem - O líder deve ter a coragem de viver suas crenças e ideais em todos os

instantes de sua vida, enfrentando com destemor todas as consequências advindas de

sua coragem. Jesus demonstrou coragem ante os desafios: “Desde esse tempo,

Page 87: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

87

87

começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para

Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas,

morto e ressuscitado no terceiro dia.” (Mt. 16:21). Em outra passagem, Jesus encoraja

Paulo aos desafios da vida: “Na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse:

‘Coragem! Pois do modo por que deste testemunho a meu respeito em Jerusalém,

assim importa que também o faças em Roma. ” – Atos: 23: 11

14) Iniciativa - O líder deve ter atitude diante da vida e não apenas reagir aos

acontecimentos. Jesus teve a iniciativa de vir até nós, ensinando-nos que devemos ir

até o nosso irmão, ter a iniciativa de nos aproximarmos uns dos outros, criando vínculos

afetivos, e auxiliando a todos, tendo a consciência de que nem todos compreenderão

nosso ideal de vida, aos quais devemos respeitar o livre-arbítrio: “Veio para o que era

seu, e os seus não o receberam. Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de

serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome. ” Jo. 1: 11 e 12

15) Capacidade de perdoar, compreender - O líder deve ter a consciência de que

cada um está em um determinado estágio evolutivo, e deve compreender e perdoar as

atitudes equivocadas de seus irmãos, trabalhando sem exigências pelo melhoramento

moral de todos. Jesus trabalhou e trabalha incansavelmente pelo melhoramento moral

de todos nós, e no momento em que sofreu as agressões humanas, no dia do calvário,

assim reagiu: “Contudo, Jesus dizia: ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.

(Lc, 23: 34)

16) Auto encontro - O líder deve trabalhar pelo seu auto encontro com a essência

divina que nele habita. Desenvolver a unidade de pensamento e sentimento com a

energia cósmica universal e incentivar seus irmãos em humanidade a desenvolverem

esse encontro consigo mesmos e com a divindade, conforme nos ensina Jesus: “Eu lhes

tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos;

eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade”. (Jo. 17: 22 e 23)

17) Necessidades reais - O líder deve se conscientizar de suas reais necessidades

diante da vida e inspirar os seus irmãos a buscarem essas necessidades, conforme nos

ensina Jesus: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a

vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará. ” (João, 6: 27) “Não só de pão viverá o

homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. (Mt, 4: 4)

18) Agir por amor, pelo amor e para o amor - Jesus ensina que o líder deve tratar

todos da mesma forma que gostaria de ser tratado, sem distinção: “Tudo quanto, pois,

quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós a eles. ” (Mt, 7: 12). O amor deve

ser o sentimento que deve nortear todos os relacionamentos entre os cristãos, e o líder

deve trabalhar por amor aos semelhantes, pelo amor, trabalhando pela união fraternal

de todos, e para o amor, como sentimento por excelência, que tornará todos os

homens irmãos em Cristo Jesus: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos

outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto

Page 88: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

88

88

conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros. ” (Jo. 13:

34 e 35)

19) Cuidado aos liderados - O líder deve cuidar de todos, auxiliando em suas

dificuldades e em suas dores, conforme Jesus exemplificou: “Vinde a mim todos que

estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. ” (Mt 11: 28); e em outra

passagem Jesus nos ensina: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas

ovelhas”. (Jo. 10: 10 e 11).

20) Líder servidor - O líder não deve buscar ser servido, mas ser o servidor de todos:

“Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem

autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, que quiser tornar-se

grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será

vosso servo; tal qual o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir

e dar sua vida em resgate por muitos. ” (Mt. 20: 25 ao 28).

O apóstolo Pedro também traz importante contribuição para o tema, quando instrui os

presbíteros acerca do desenvolvimento de suas tarefas na igreja cristã primitiva:

“Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas

espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade;

nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do

rebanho”. (1 Pe. 5: 2 e 3)

21) Formação e desenvolvimento de equipe: Jesus ensinou a necessidade de

trabalhar em equipe. Iniciou com doze discípulos, depois esse número passou para

setenta e hoje são milhares pelo mundo. Dentre as diretrizes que utilizou ante a equipe,

citaremos:

a) Jesus nos ensina que o líder deve descobrir e aproveitar as potencialidades

individuais de cada trabalhador da equipe: “Caminhando junto ao mar da Galileia, viu

dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam as redes ao mar, porque

eram pescadores. E disse-lhes: ‘Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens”.

(Mt. 4: 18 e 19)

b) Jesus nos ensina que o líder deve incentivar os irmãos a desenvolverem suas

potencialidades, outorgando responsabilidades, tarefas, evitando, assim, que eles

fiquem dependentes o tempo todo do próprio líder. A principal função do líder com

relação aos companheiros de jornada deve ser a de estimulá-los a desenvolverem os

potenciais espirituais que trazem dentro de si, levando-os a se tornarem líderes,

exemplos para outras pessoas. Jesus era luz: “Eu sou a luz do mundo” (Jo. 8: 12) e

incentivou os discípulos a desenvolverem sua própria luz interior: “Assim brilhe a vossa

luz diante dos homens” (Mt 5: 16).

c) Jesus incentivou os discípulos a agirem com independência, enviando-os para os

de divulgação do Evangelho sem a sua presença. Cabe ao líder delegar tarefas aos

companheiros de ideal: “Depois disso, o Senhor designou outros setenta; e os envio de

dois em dois, para que o precedessem em cada cidade e lugar aonde ele estava para ir.

Page 89: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

89

89

Então, regressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: ‘Senhor, os próprios

demônios se nos submetem pelo teu nome! ’ (Lc 10: 1 e 17).

______________________________________________________________________

O escritor espírita Alário de Cerqueira Filho, ao abordar o tema lideranças, nos traz as

características de três tipos de líderes. Vejamos:

Liderança autocrática - O líder impõe a sua vontade aos liderados, estabelecendo, de

uma forma unilateral, com autoritarismo, as diretrizes de trabalho.

Comunicação reativa - O comunicador reativo, individualista, tem a intenção de

convencer os demais que a sua forma de entender a questão é correta, ou a melhor.

Tende a querer convencer, levando o outro a desistir, num movimento de prepotência.

O outro é tratado como um adversário a ser vencido. Não abre espaço mental para ouvir

a opinião dos outros e fica, o tempo todo, na autodefesa. Quando alguém ousa contestar

o seu ponto de vista, reage, ficando irritado, colérico, produzindo desavenças na relação

com os outros.

Liderança permissiva - O líder age com uma pseudobondade, permitindo que cada um

aja conforme deseja, com medo de exercer a autoridade e gerar descontentamento.

Comunicação passiva - Caracterizada por sentimento de insegurança e impotência. O

foco principal é fugir à divergência de opiniões. Um movimento de auto anulação, no

qual tentam evitar o conflito se calando e oferecendo todo o espaço para o outro se

manifestar. A pessoa se cala por fora, mas na intimidade fica ruminando o conflito. Gera

um processo de comunicação inautêntico, no qual se evita assuntos que causam

controvérsia, para não dar margem à crítica por parte do outro.

Liderança proativa - Na prática da liderança proativa é fundamental o exercício da

autoridade, que se fundamenta, especialmente, no exemplo de boa conduta exercida

com amor. O líder proativo deverá ser o primeiro a se dedicar ao trabalho do bem. Não

é pessoa perfeita, mas a que busca aperfeiçoar a cada instante e isso lhe gera autoridade

moral sobre o grupo. Não se coloca como dono da verdade – como o líder autocrático

–, tampouco deixa de assumir – como o líder permissivo – uma postura firme e decisiva,

centrada nos seus exemplos de dedicação ao bem. Sempre que possível busca o

consenso nas tomadas de decisão, por ser esse o melhor caminho, pois gera

comprometimento de todos com os resultados a serem alcançados. Quando isso se

torna impossível, busca, da forma mais democrática, respeitar a decisão da maioria,

conduzindo a minoria divergente, com muito respeito à sua opinião, a se comprometer

com o resultado coletivo, evitando-se boicote da atividade por terem uma posição

diferente dos demais. O líder é um elemento estimulador dos sentimentos de respeito

e valorização da diversidade da equipe em prol da unidade de propósitos. O papel do

líder é semear as sementes do amor, estimulando o potencial de cada pessoa de sua

equipe a produzir de acordo com as suas potencialidades. Por isso não cabe ao líder,

Page 90: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

90

90

como semeador, exigir a germinação e frutificação da semente. A germinação vai

depender do terreno onde cair, isto é, do potencial do liderado.

Comunicação proativa - Tipo de comunicação essencial, cujo objetivo é a busca do

consenso, compartilhar opiniões diferentes, compreendendo cada um as razões do

outro, para se chegar a uma meta única. O foco principal é a convergência de opiniões

diferentes, para se chegar a um resultado único.

Para finalizar o presente artigo, iremos fazer breves apontamentos sobre o “Projeto

Espiritizar”. “O Projeto Espiritizar objetiva servir de instrumento ao movimento espírita

para que a Doutrina Espírita seja promovida. O Projeto Espiritizar desenvolve em suas

ações a tríade Qualificar, Humanizar e Espiritizar, proposta pela mentora Joana de

Ângelis ao movimento espírita, pela mediunidade de Divaldo Franco. Para que esse

objetivo seja alcançado, o Projeto Espiritizar trabalha em três focos principais:

“QUALIFICAR - O processo de qualificar está no nível da dimensão do saber. O primeiro

passo para realizar qualquer ação é conhecer aquilo que estaremos sendo chamados a

lidar. Através dele os dirigentes e trabalhadores espíritas aprendem o que e como fazer

as tarefas que estarão realizando na casa espírita. Realizar ações operacionais, nos

campos administrativo e doutrinário, buscando a eficiência e a eficácia, de modo a se

conseguir o objetivo principal da Doutrina Espírita”.

“HUMANIZAR - Tem a ver com a dimensão do sentir, pois não basta conhecer a Doutrina

Espírita; é necessário senti-la em nossos corações. Fundamental, portanto, desenvolver

amor pela Doutrina e por aquilo que realizamos no movimento espírita. (13) Realizar

ações para conhecer, refletir, sentir e vivenciar o Evangelho de Jesus, redivivo pela

Doutrina Espírita em nossas vidas”.

“ESPIRITIZAR - É o resultado da união entre o qualificar e o humanizar. Significa tornar-

se verdadeiramente espírita, vivenciando em si mesmo o que realiza no movimento

espírita. Realizar ações para se aprofundar na base kardequiana da Doutrina Espírita,

aproximando cada vez mais movimento e Doutrina, de modo a criar uma consciência

espírita para que a finalidade maior do Espiritismo seja cumprida, restaurando o

Cristianismo primitivo para vivenciarmos plenamente o sentido do Espiritismo em

nossas vidas, tendo Jesus como modelo e guia, e Kardec como norteador para nos

direcionar até o Cristo”.

http://www.vinhadeluz.com.br/site/noticia.php?id=1906

Page 91: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

91

91

ATIVIDADES ECUMÊNICAS – COMEMORAÇÕES EM DATAS ESPECIAIS.

“... as doutrinas nos separam; o amor ao próximo e ao trabalho

nos unem”. As religiões se encontrarão na assistência aos mais

fracos, onde o amor não diferencia ninguém”.

Um dos desafios mais pesados a enfrentar nas atividades espíritas fora do centro

espírita é o relacionamento com outros grupos religiosos. Estes desafios acontecem

nos hospitais, nos asilos, nas comunidades terapêuticas, nos orfanatos, nos quartéis.

Isto é compreensível! Se dentro de casa, pessoas de religiões diferentes tem

dificuldades de se tolerar, imaginemos agora, fora do ambiente do lar, onde cada grupo

quer disputar hegemonia e no dizer de alguns querem “ganhar almas para Jesus”!

Não é preciso abrir discussão sobre o papel do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas

Cristãs) que decide quem é cristão ou não para ingressar no seleto grupo, baseado em

não sei o que. Na mesma forma o próprio debate do ensino religioso nas escolas,

debatido no fórum do CONERES (Conselho Nacional do Ensino Religioso nas Escolas)

que por questões dogmáticas posterga o ensino e a inserção dos valores da

espiritualidade nas escolas. No sistema prisional, o problema encontrado é o mesmo.

Há muita religião e pouca espiritualidade. Aliás, pouca religião também, posto que, não

creio que determinado grupo que discrimine outros consiga se conectar

verdadeiramente com Deus.

O recrudescimento destas disputas tem gerado problemas sérios e não raro, casos de

polícia ou ações judiciais como vemos registrado com regularidade. A questão do

símbolo religioso nas instituições públicas gerando debate hostil entre grupos, a

destruição de símbolos religiosos e até mesmo a perturbação de cultos religiosos são

registrados.

Nos presídios não é diferente! Diretores e funcionários tem religiões diversas; internos

tem religiões de matriz diferente; visitadores tem entendimentos diversificados e isto

gera um ambiente propício ao desentendimento.

Como solucionar?

Debatida, a alternativa capelania (expressão usada na assistência religiosa aos militares

aquartelados e aos doentes em hospitais) não foi bem aceita por três razões

fundamentais:

a) A capelania, no modelo existente, tem função remunerada. Há diversos

projetos de lei no Congresso tentam garantir empregabilidade pública ao capelão

religioso, o que no modelo espírita, não é recomendável. O exercício de prática religiosa

paga é algo não bem assimilado em determinados meios religiosos.

b) O modelo de funcionamento da capelania não tem caráter universalista

e sim específico de cada grupo religioso e a formação teológica nem sempre se sustenta

em escolas confiáveis e reconhecidas por todos, o que, gera conflitos.

Page 92: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

92

92

c) Seria extremamente difícil encontrar um líder religioso que fosse

imparcial e respeitasse com justiça e reconhecimento a diversidade religiosa e, além

disto, conciliar critérios seletivos para escolher o religioso com este perfil. Imaginemos

no universo das diversas religiões de diversas tendências nomear capelães pagos ou

voluntários, sem o diálogo necessário que deve permear as relações que entre os

buscam a fraternidade, o amor, a tolerância e o respeito à diversidade religiosa!

No Estado do Espírito Santo esta questão está sendo solucionada com a instalação de

um grupo gestor da política de assistência sócios spiritual (Grupo Interconfessional –

GINTER) nas unidades prisionais, que é responsável junto ao sistema prisional para

articular, coordenar, fiscalizar e acompanhar a atividade, inclusive, aprovando os

projetos de assistência sócio espiritual e treinamento dos voluntários.

O grupo é atualmente composto por um padre católico romano, representando a

Pastoral Carcerária, dois pastores – um batista e outro assembleiano -, uma missionária

da Igreja Presbiteriana do Brasil e um líder espírita, da Federação Espírita do Estado do

Espírito Santo e dois técnicos da Secretaria de Estado da Justiça. A ação do grupo gestor

é regulada desde 2007 por uma portaria do Secretário de Justiça do Estado que outorgou

a estes líderes capazes de diálogo, a responsabilidade de gerir a questão da assistência

religiosa ao apenado diante da laicidade do estado. O grupo se reúne quinzenalmente

para discutir e propor soluções nas questões demandadas e relativas à administração

da atividade.

Na ação direta com os voluntários, diante da diversidade religiosa, o grupo gestor

(GINTER – Grupo Interconfessional) sugeriu reuniões periódicas com os administradores

das unidades prisionais com os líderes religiosos que atuam naquele estabelecimento,

onde as questões passaram a ser tratadas com diálogos constantes e facilitados pela

direção a unidade.

Nas primeiras reuniões, algumas vezes, o diálogo era por vezes, conflituoso, mas com o

passar do tempo laços de amizades foram se estreitando e as relações entre os grupos

melhoraram, acabando por trazer paz interna aos presídios.

Nestas reuniões os líderes e diretores da unidade estabelecem a programação regular,

semanal e as extraordinárias (dia internacional da mulher, dia das mães, dos pais, das

crianças, e natal) e os grupos discutem as ações, se em conjunto ou em separado, de

modo que haja o respeito ao espaço e práticas de cada grupo. Em muitos casos os grupos

conseguem fazer as atividades em conjunto, sorteando um preletor, discutindo o tema,

as músicas, as apresentações e os comes-e-bebes.

Todas as festas são programadas nestas reuniões e em quase todas elas há momentos

em que as atividades são realizadas coletivamente, com a participação dos diversos

grupos, não somente no custeio como nas atividades fins, doutrinárias.

O diálogo tem sido muito produtivo, criando amizades, gerando perguntas, eliminando

preconceitos e abrindo novos horizontes. Tal comportamento se reflete no

relacionamento dos detentos que também carregam suas convicções diversificadas.

Page 93: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

93

93

“Mediante o diálogo, os cristãos e membros de outros credos são

convidados a aprofundar o seu empenho religioso e a responder, com

crescente sinceridade, ao apelo pessoal de Deus e ao dom gratuito que

ele faz de si mesmo, dom que sempre passa através da mediação de Jesus

Cristo e da obra do seu Espírito, conforme proclama a fé cristã. ”

(http://casadareconciliacao.com.br/dialogo-inter-religioso/)

Page 94: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

94

94

A RELAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO DA UNIDADE PRISIONAL E O PODER

PÚBLICO

A partir do momento em que o Estado passou a tratar com seriedade a questão da

assistência sócios spiritual e o Grupo Interconfessional (GINTER) passou a atuar com

legitimidade para agir, com base na portaria que o criou, houve necessidade de refletir

sobre as relações entre a sociedade civil que se habilita ao serviço de assistência sócio

espiritual e o gestor público para fazer cumprir a Lei de Execução Penal no que concerne

aos direitos e garantias constitucionais do interno do sistema prisional. 80

Há muito o que fazer ainda e somente a partir do momento em que o administrador

estadual das prisões começou a perceber os resultados alcançados pela assistência

sócios spiritual no sentido de acalmar o ambiente e tornar o interno mais reflexivo – este

é um dos objetivos relevantes do serviço - é que foi possível medir o nível de interesse

e a qualidade dos diretores na questão da assistência religiosa garantida por lei.

É quase unanimidade, maioria absoluta, a afirmativa dos inspetores penitenciários:

“depois da atividade da assistência sócio espiritual, o presídio se acalma”. Se quisermos

olhar apenas pelo lado menor da questão, podemos dizer que a assistência reduz o

tempo de prisão e evita depredações e rebeliões no sistema. Isto é fato!

Lançado o debate sobre os altos índices de reincidência criminal, sempre medidos por

estatísticas pouco confiáveis e o próprio grito da sociedade e da polícia que registra altos

índices de insegurança, o sistema prisional passou a valorizar todas as previsões legais

da ressocialização e dentre elas, a assistência sócio espiritual, antes, a assistência

religiosa.

Investimentos na estrutura física da unidade, mudanças na funcionalidade, treinamento

de funcionários, construção de novas unidades foram ações estruturais que

possibilitaram a mostrar aos operadores do sistema a importância da espiritualidade na

ressocialização do detento e sua inclusão social, onde os grupos religiosos são ímpares

nestes atendimentos.

O Ginter (Grupo Interconfessional) conquistou espaço na escola de formação e

aperfeiçoamento dos inspetores penitenciários (EPEN) onde passou a dar aulas sobre

espiritualidade e nas reuniões de diretores onde passou a discutir com eles o papel das

religiões no processo de construção do ser humano.

Não se pode esquecer que resistências houveram e até mesmo a necessidade de fazer

ajustes no setor pessoal da secretaria de justiça, afastando servidores que agiam em

dissonância com a proposta de humanizar as prisões, onde a espiritualidade era e é um

elemento importante.

Não há outro caminho senão o do diálogo construtivo. Estas novas relações serviram

para mostrar ao diretor e funcionários do sistema que mesmo dentro de sua casa ele

precisa de novos valores, especialmente, se trabalham com o objetivo de estimular,

propor e fazer mudanças nas pessoas. E isto não se faz por decreto e sim por atitudes.

Page 95: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

95

95

Trocas de e-mails, trocas de telefones, visitas, aproximações, gestos de cortesia são

atitudes e ações que facilitam qualquer processo. Este é um bom caminho.

Não pode ficar distante, como ação prática efetiva de cidadania, a questão da

participação nos conselhos de políticas públicas tornados possíveis a partir da

Constituição Cidadã de 1988.

A Constituição Federal, ao assegurar dentre os seus princípios e diretrizes a participação

da população por meio de organizações representativas na formulação das políticas e

controle das ações em todos os níveis, conforme preconiza o art. 204, institui, no âmbito

das políticas públicas, a participação social como eixo fundamental na gestão e no

controle das ações do governo. Após a sua promulgação o grande desafio passou a ser a

regulamentação dos preceitos constitucionais a fim de se efetivar a tão sonhada

participação popular. Iniciou-se, desde então, uma intensa mobilização e articulação dos

diversos segmentos sociais organizados, no sentido de se estabelecerem os mecanismos

jurídicos legais necessários à gestão descentralizada das políticas públicas.

Nesse novo formato, surgem os Conselhos Gestores como um novo padrão de interação

entre o governo e a sociedade, exigindo-se dos cidadãos uma atuação efetiva, por meio

de processos interativos, no âmbito da gestão pública. Este método de gestão absorve

em sua estrutura vários segmentos da sociedade e passa a se constituir o novo espaço

de articulação política na defesa pela democratização das políticas públicas, através dos

quais sujeitos diversos interagem no processo de deliberação, gestão e controle social

das políticas públicas, nas diversas áreas da administração pública, seja na saúde, na

educação, na segurança pública, no meio ambiente.

No universo da espiritualidade, como livre opção do homem, não cabem decretos. É

certo que o sistema poderá e deverá adotar medidas para garantir a aplicação da política

pública, mas o caminho seguro e reto é o do diálogo construtivo, sem imposições, sem

quedas de braços, como devem agir os parceiros comprometidos com o resultado, que

neste caso, é evitar o sofrimento de todos, curando alguns, protegendo outros, mas

sobretudo, cuidando da paz social.

A União, o Estado e o Munícipio poderão criar tantos conselhos de políticas públicas

quando a demanda o exigir. Os homens que agora já adquiriram inteligência para

assegurar o seu papel decisivo no progresso da humanidade, perceberam que unidos

serão mais fortes na busca do ideal da melhoria constante, cuja meta é o

aperfeiçoamento moral da humanidade.

Neste sentido, nos ensina o Livro dos Espíritos: “Questão 783. Segue sempre marcha

progressiva e lenta o aperfeiçoamento da Humanidade?

“Há o progresso regular e lento, que resulta da força das coisas.

Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto devera,

Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o

transforma”.

O homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir

a finalidade que a Providência lhe assinou. Ele se instrui pela força das coisas. As

Page 96: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

96

96

revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas ideias pouco a pouco;

germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o

desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia

com as necessidades novas e com as novas aspirações. Nessas comoções, o homem

quase nunca percebe senão a desordem e a confusão momentâneas que o ferem nos

seus interesses materiais. Aquele, porém, que eleva o pensamento acima da sua própria

personalidade, admira os desígnios da Providência, que do mal faz sair o bem. São a

procela, a tempestade que saneiam a atmosfera, depois de a terem agitado

violentamente.

“796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais

não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas.

Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do

que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que,

então, não precisarão mais de leis tão rigorosas. ” (O Livro dos Espíritos)

Por outro lado, vejamos o que nos ensina o preclaro Deolindo Amorim:

“A questão social deixará de ser o pesadelo da civilização quando cessar

a exploração do homem pelo homem com a socialização do capitalismo.

O Estado é entidade abstrata. Logo, não é o Estado que traz a felicidade

geral. O Estado é bom quando os homens são bons. O maior problema,

portanto, é melhorar os homens. Creio, nesse caso, que a Democracia

Cristã, sem o predomínio de uma classe ou de outra, mas pela união de

todas as classes, realizará a maior missão social da História, resolvendo o

conflito entre o capital e o trabalho, para o bem-estar geral. ” (Deolindo

Amorim. O Espiritismo e as questões sociais)

Page 97: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

97

97

O AMBIENTE PRISIONAL E AS ESTRUTURAS ARQUITETÔNICAS DOS

PRESÍDIOS.

O ambiente prisional, por suas características, reveste-se de especiais medidas de

segurança. Quem se habilite à tarefa de visitar uma unidade prisional não pode

esquecer-se jamais disto. Regras, atitudes de prevenção, disciplina no vestir, no falar, no

deslocar-se são comportamentos indispensáveis. Cada presídio tem suas regras escritas

e o voluntário precisa conhecê-las detalhadamente.

8

Outra questão é o ambiente psíquico. Sabemos que o ambiente psíquico, que como

espíritas chamamos de psicosfera, é determinado pelo conjunto de pensamentos,

desejos, ambições, expectativas e conversas que produzimos num determinado

ambiente. Para melhor entendimento, o ambiente psíquico de uma residência será de

acordo com o modo de vida das pessoas. Certamente, você que nos lê, já entrou num

ambiente e disse, retirando-se: “o ambiente aqui está pesado” ou sentiu-se com alguma

indisposição ao permanecer neste ambiente. Isto é clássico!

Os funcionários do sistema prisional ou aquelas pessoas que trabalham em ambientes

densos psiquicamente acumulam energias negativas que lhes provocam danos bem

maiores do que supõe ou considera determinados segmentos da medicina. Outros

segmentos já o consideram. É comum, muito comum, o inspetor perceber dores no

corpo, cefaleia, indisposição, ter o sono perturbado, peso nos ombros, cansaço sem

justificativas depois de noite bem dormida, sono incontrolável ou até mesmo crise ou

vontade de chorar, entre outros sintomas. Chamamos a isto de influenciações

espirituais.

Importante, antes de tudo, consultar um médico para excluir a possibilidade de outros

quadros. Espiritismo, Medicina e qualquer outra ciência se combinam muito bem.

Espiritismo não combina com ignorância ou preconceito.

O ambiente prisional é alimentado por aquilo que se pensa, se fala e pelo modo de agir

dos que lá habitam. Não precisamos dizer mais. Por isto, usar as orientações evangélicas

“Olhai, vigiai e orai; porque não sabeis quando chegará o

tempo. (Mc 13:33). Ou “Eis que vos envio como ovelhas ao

meio de lobos; portanto, sede prudentes como as

serpentes e inofensivos como as pombas. (Mt. 10:16)

É importante que o funcionário do sistema encontre na sua crença uma forma de se

defender destas influências, aceitas por todas as religiões cristãs. Cada uma ensina o seu

modo de defesa e proteção. O Espiritismo ensina as técnicas da oração, da vigilância nos

pensamentos, o recurso da leitura diária do evangelho, o Culto do Evangelho no Lar e o

passe magnético na casa espírita como recursos terapêuticos.

Outra questão diz respeito à segurança física do voluntario visitante. Perguntam-me

sobre os riscos da segurança física do voluntário na visita ao presídio. Respondo que

riscos os há em qualquer lugar da terra e o presídio não é o mais inseguro. Há lugares

Page 98: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

98

98

muito mais inseguros. Os índices de ocorrência envolvendo voluntários são ínfimos, se

considerarmos a insegurança reinante em determinadas cidades.

Esta abordagem se presta a refletir não só sobre a segurança pessoal, posto que, as

regras das unidades são bem claras. Referimo-nos a atitudes e condutas aparentemente

inocentes que tem significados. Um recado para um familiar pode implicar em

mensagem com outro conteúdo. Um número de telefone desavisadamente passado

pode representar um código. Lembre-se: o interno tem tempo, muito tempo para

pensar e construir alternativas para driblar a segurança. 84

Há mais de dois mil anos o homem trocou a vingança pela prisão. Há séculos o homem

vem tentando encontrar um modelo de presídio que atenda às necessidades de

segurança e ressocialização. Ora se adota um modelo, ora outro. A história do

penitenciarismo mundial mostra diversos modelos de presídios. Celas isoladas, ora

coletivas, subterrâneas ou elevadas em andares são modelos que se associam a

centenas de ideias e práticas.

No Brasil há diversos modelos arquitetônicos. Estes modelos não contemplam a prática

da assistência sócio espiritual. Raros são os presídios em que o desenho arquitetônico

tenha previsto espaços para assistência social de grupo, medicina preventiva ou

orientação jurídica. Tais espaços, “multiusos”, poderiam facilitar a atividade de

assistência sócio espiritual. O Conselho Nacional de Justiça sugere modelo, mas as

unidades mais antigas, quase sempre adaptadas não obedecem a estes modelos.

É desejável que a assistência religiosa, atividade que inclui o hábito de cantar, orar,

refletir e meditar, seja pelas leituras ou pregações exija ambiente silencioso.

Sendo o estado laico, não há ainda a preocupação de garantir e assegurar a assistência

sócio espiritual à pessoa humana que está internada em hospital, nos quartéis ou nos

presídios. Tal preocupação deveria vir expressa desde o planejamento da construção da

unidade prisional, dotando-a de espaço multiuso, para fins da assistência social, médica,

jurídica, educacional, religiosa coletiva e de trabalho coletivo. Estes espaços

representariam um largo passo no processo de educação da pessoa humana internada

na prisão e na humanização das prisões.

Algumas raras unidades já são dotadas destes espaços, mas a grande maioria das

unidades ainda não dispõem deles.

Diante deste quadro, no Estado do Espírito Santo, a portaria que regula a assistência

sócios spiritual determina que o diretor da unidade deve, na falta de espaço específico,

adequar local onde se possa exercitar este sagrado direito do interno do sistema. Assim,

são usados os seguintes espaços:

• Auditórios;

• Sala de aula;

• Pátio de sol;

• Corredores;

Page 99: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

99

99

• Atendimento nas galerias.

• Ou pelas viseiras das grades.

Alguns grupos, considerando o interesse de fazer a “palavra” chegar a muitos, optam

por fazer a assistência na galeria. Este é o caso de alguns segmentos mais proselitistas

que buscam atingir mais pessoas. De acordo com o interesse do grupo e com a direção

A unidade prisional poderá haver escolha de outro local. Noutros locais, a direção e

determina o local. Cada diretor de unidade tem autonomia para decidir onde assegurará

a realização do trabalho.

Na ação espírita, considerando ser o espiritismo uma filosofia que indaga e uma ciência

que responde, que sugere reflexões, as quais estimulam mudanças, sugerimos sempre

o grupo que realiza a tarefa de visita religiosa ao ser humano preso, que lute por um

espaço físico onde haja o maior silêncio possível, com possiblidade de usar mídia de som

e imagem, além de ser possível o uso da música de harmonização como recurso da

metodologia.

Nem sempre é possível isto, mas o grupo deverá lutar e reivindicar sempre um espaço

próprio. A partir do momento em que a assistência sócios spiritual se torne uma política

pública os Conselhos de Comunidade (art. 80 da Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal)

e os gestores do sistema prisional cuidarão de dotar as unidades em construção destes

espaços. Por isto, é preciso fiscalizar as unidades em construção e acompanhar a

elaboração dos projetos.

Há uma resistência enorme dos operadores do sistema prisional quanto à atividade de

assistência religiosa noturna. Há, contudo, uma lógica irretocável: se durante o dia o

interno trabalha e estuda, difícil, senão impossível, garantir o direito à assistência

religiosa, a não ser quando ela se torne possível à noite. Contudo, este debate com os

operadores/diretores é preciso ser alimentado e considerar que tal prática é cabível,

neste momento de avaliação em unidades de menores riscos, especialmente, nas

unidades onde o interno trabalha durante o dia e recolhe-se à noite (unidades de

regime-semiaberto).

Com este argumento, implantamos, por sensibilização dos diretores e chefes de

segurança e acabamos por provar ser o melhor horário. Nesta hora já não há mais saídas

de internos; não há chegada; o expediente de serviço social, jurídico, psicológico já

cessou; oficiais de justiça não vão aos presídios à noite para intimação. Em verdade, a

resistência se dá por causa do trabalho que dá na retirada dos internos de suas celas.

Mas o resultado é muito promissor e a qualidade do trabalho é muito superior ao que é

realizado no burburinho da atividade diurna.

Nos finais de semana, há a coincidência com maior volume de visitas familiares e visitas

íntimas, ocasião que a experiência demonstra não ser oportuno a prática do serviço. A

visita familiar é sagrada para o interno do sistema prisional.

Relevante destacar que nas unidades de presos provisórios (ainda tramitando o

processo) o ambiente prisional é sempre mais estressante, posto que o interno ainda

Page 100: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

100

100

não sabe qual o seu destino, quando acontecem as suas audiências ou o andamento do

processo.

Atuar nestes espaços de presos provisórios sempre requer maiores cuidados, até

porque, em muitos casos, os internos ainda não estão acostumados com o regime

imposto.

Sob o argumento de riscos de segurança, é comum os diretores das unidades fixarem o

número máximo de internos que buscam um grupo religioso para se esclarecerem e se

consolarem. Argumentam que por medida de segurança, não podem movimentar

grandes grupos. Neste caso, tenta-se negociar quantidade de atendidos e idealizá-los

para as reuniões seguintes. Para isto é importante uma lista de para acompanhar a

presença, ficando a lista com a equipe de serviço e cópia com o líder da equipe de visita.

Page 101: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

101

101

O ACOLHIMENTO DO EGRESSO E ASSISTÊNCIA À FAMÍLIA E A REDE DE ATENÇÃO.

Não havendo pena de morte e nem penas perpetuais de privação de liberdade em nosso

País, é forçoso constatar uma realidade: a pessoa que delinquiu voltará a viver em

liberdade! E vai morar em algum lugar, que pode ser ao lado de sua casa, se já não mora.

Como esta pessoa já cumpriu sua pena, goza de direitos relativos de acordo com a sua

situação jurídica. Por mais questionável que seja o tempo de prisão e o resultado da

prisionalização, a liberdade desta pessoa precisa ser assegurada, embora, se saiba que

o estigma da pena permanece. É preciso pensar a liberdade do cidadão que sai da

cadeia. É dever do Estado, da sociedade e da família.

A privação da liberdade em decorrência da condenação pela prática de atos criminosos

é uma penalidade temporária e transitória que, a partir de uma série de princípios e

garantias legais, deveria assegurar a possibilidade de reparação do dano cometido, sem

prejuízo à integridade física, mental e social do condenado. Cabe ao Estado propiciar

sua reinserção social, possibilitando ao indivíduo o retorno à vida em sociedade, em

condições mais favoráveis quando comparadas àquelas anteriores ao seu

aprisionamento.

No Brasil temos perto de 680.000 pessoas presas. No Espírito Santo, final de 2017, temos

população carcerária em torno de 22.000 pessoas. E estas pessoas vão sair do sistema

prisional. E como disse... vai morar no seu bairro ... e ao lado de sua casa!

Há um elemento significativo na análise das causas da criminalidade que é a

reincidência. Estudos indicam que a reincidência gira em torno de 70 a 80%, isto é, de

cada 100 pessoas que saem do sistema prisional, entre 70 a 80 voltam a delinquir e

retornam ao sistema. Nesta estatística pouco confiável, há elementos a considerar como

relevantes na quantificação, posto que são contabilizados os que são novamente presos,

mas, não sendo contabilizados os que fugiram, os crimes de autoria desconhecida e os

que foram mortos. Conta-se apenas os que retornam ao presídio.

Nesta questão, há um grande debate a ser feito no que toca ao papel da prisão. A lei de

execução estabelece que a função da prisão é gerar a paz social à sociedade, segregando

o criminoso e ao mesmo tempo educá-lo para que se reintegre à sociedade, já que não

temos pena de morte ou prisão perpétua, como preconiza o Código de Processo Penal.

Questiona-se a proposta da pena, o tratamento penal e a metodologia de execução da

pena, posto que, se o indivíduo não se educa, será difícil recebê-lo ao meio social com

o mesmo comportamento anterior. No entanto, ao sair, com alvará, precisa recomeçar

sua vida. Cumpriu a pena, mas não se educou. Cumpriu-se apenas a metade do objetivo

da prisão.

A condição de egresso do sistema prisional configura-se praticamente como uma

subcategoria de cidadania, estigmatizado e preconceituado, dificultando ou até mesmo

inviabilizando o processo de inclusão social e retorno equilibrado ao convívio em

sociedade, em razão do desequilíbrio social que há entre o cidadão comum e o egresso.

Page 102: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

102

102

O estigma da prisão já começa nos olhares dirigidos a estes cidadãos quando a viatura

policial os aborda e os coloca dentro do compartimento destinado ao detido, algemado,

sem acusação formal, mas carregado em condições piores que os animais. Averiguação

ou investigação não é condenação. Até porque muitos são presos e inocentados. A pena

pode acabar, extinguindo-se, mas o estigma fica e constitue-se em pena mais grave e

longa.

A Lei de Execução Penal garante uma série de direitos ao egresso do sistema prisional,

contudo, as políticas para concretizá-los ainda são muito incipientes e em algumas

unidades prisionais inexistentes. Regra geral em muitos países e Estados, o esforço de

retomar a vida em sociedade tem sido solitário e fruto de um investimento pessoal de

cada egresso e egressa que resistem e superam as inúmeras barreiras do preconceito e

da exclusão social. Porém, a ausência e/ou fragilidade das políticas públicas para

atender as especificidades desse público e a escassez na geração de novas

oportunidades, aliada à falta de confiança e ao preconceito social, são barreiras muitas

vezes intransponíveis, razão pela qual as estatísticas presumidas de reentrada prisional

e reprodução do ciclo criminal são sempre alarmantes.

Fica evidente que não é possível executar uma política sistêmica e eficiente de

segurança pública sem empreender esforços e recursos na inclusão social de egressos e

egressas do sistema prisional. Negar a esse público as condições concretas para o

exercício da cidadania, somado à perpetuação dos rótulos de bandidos e criminosos,

mesmo após o cumprimento de suas sentenças penais, é contribuir para a reprodução

de ciclos de violência, de processos de criminalização e vitimização, bem como para a

expansão ilimitada de novas prisões, uma vez que a porta de entrada está aberta,

porém, a porta de saída é um labirinto!

O art. 25 da Lei de Execução Penal prevê que se dê assistência ao egresso e declara quais os meios a serem utilizados nesse processo. O primeiro deles é a orientação e apoio para reintegrar o egresso à vida em liberdade. A assistência deve abranger aspectos de auxílio moral, jurídico e material, bem como a prevenção contra a reincidência, sem que se envolva o egresso com o estigma de ex-sentenciado.

O processo de reintegração social deve buscar ao máximo minorar os problemas de desorientação e desamparo gerados pela crise que provoca a libertação. É importante nessa fase o reatamento e fortalecimento dos laços de família e o grupo social a que pertence o condenado. Na grande maioria dos casos, a família precisa de acompanhamento para que o ambiente existente não atrapalhe a reintegração do egresso. Importante assistir a família, embora, se reconheça, não se pode fazer tudo. Mas, então, façamos o melhor que podemos, chamando à ação outros atores sociais.

Dispõe a LEP também que a assistência ao egresso consista na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses. Esse tipo de assistência só é admissível em caráter emergencial, portanto, pelo prazo de dois meses quando comprovado, por declaração do assistente social o empenho do egresso na obtenção de emprego. Decorrido esse prazo, se ainda necessitar de auxílio

Page 103: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

103

103

deverá ser encaminhado ao Serviço Social comum, sem, contudo, que se deixe de prover-lhe a devida orientação e apoio previstos na lei de execução penal.

É sabido que ao deixar o cárcere, uma das maiores dificuldades vivenciadas pelo egresso é justamente a de encontrar emprego, tendo em vista o fato de que há conceito social uma certa discriminação contra o egresso.

Há no sistema prisional, cumprindo penas, um grande número de bons profissionais que, ocasionalmente, cometeram crimes. Lombroso os chama de criminosos ocasionais, cujo perfil difere muito dos criminosos habituais. Os chamados criminosos ocasionais que ficam alguns anos dentro do sistema prisional, ao sair, precisam de requalificação profissional, posto que, preso não consegue atualizar seus conhecimentos. Se motorista, a carteira vence. Se do mercado de tecnologias, elas mudam a cada hora e as técnicas e modus operandi, invariavelmente mudam, o que tornam o profissional desatualizado.

Nesse sentido, torna-se fundamental a atuação de um serviço de assistência social eficaz para que ao deixar o cárcere possa o egresso enfrentar as ofertas fáceis e tentadoras que irá encontrar do lado de fora. É importante também que essa assistência comece ainda durante o cumprimento da pena e após seja complementada no sentido de que efetivamente alcance o seu fim que é plena reinserção social.

A Lei de Execução Penal prevê os órgãos como colaboradores na proteção e garantia de direitos do apenado e egresso o Conselho Penitenciário, o Patronato e o Conselho da Comunidade. No entanto, raros estados da federação têm patronatos e no Estado do Espírito Santo raros os conselhos de comunidades que são organizados e atuantes. Infelizmente, o Ministério Público não exerce uma fiscalização que garanta a existência e funcionamento de tais conselhos e não exige do juiz da execução penal a criação destes órgãos e comunidade desinformada não sabe de sua necessidade e responsabilidade nesta questão.

O acolhimento do egresso é função do Estado. A sociedade civil organizada, entre elas o centro espírita e as igrejas, têm o dever civil e cristão de acionar e se tornar parceira dos órgãos públicos – no caso, o Poder Judiciário, em havendo na cidade presídios, o Patronato e o Conselho da Comunidade, pois são órgãos com função específica de cuidar destas questões.

É importante destacar que, em razão das seguidas agressões que sofre a pessoa condenada, uma relação de confiança é sempre difícil de ser estabelecida. A visita religiosa, semanal, assídua e respeitosa é elemento que forma o primeiro contato humanizado sem perguntar ao sentenciado o que ele fez, mas sim, o que ele quer fazer doravante. É a partir daí que se pode construir com ele um novo plano de vida. É com base nesta confiança que se estabelece na visita e com os familiares que muitos egressos se sentem motivados a buscar ajuda nas instituições religiosas que os atenderam.

A necessidade destes equipamentos sociais se mostra no dia a dia e a ausência deles cria constrangimentos severos no atendimento à população egressa. Vou exemplificar:

Page 104: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

104

104

na ação cristã de socorrer a pessoa humana na sua dimensão material, bate à porta do centro espírita um egresso ao qual falamos do amor, da caridade, do amparo que o cristão deve dar ao seu irmão.

Como sabemos em dezenas de casos, os laços de família se rompem e o egresso muitas vezes não tem onde sequer dormir na primeira noite no pós-prisão. A cidade não tem retaguarda para receber estas pessoas, embora a lei estabeleça que o Estado tem a obrigação social de receber estas pessoas até que se resolva questões básicas como alimentação regular, hospedagem, recursos para movimentar-se, roupa e outras necessidades. O que fará o cidadão-cristão diante deste caso?

Vem as perguntas: onde há abrigo? Tem patronato? Há albergue? O albergue para morador de rua é adequado? Paga-se uma pensão para alojar este egresso? Deixa-o dormir na rua? E a alimentação E o banho? E o risco da nova prisão por estar na rua com alvará no bolso? E o encaminhamento para o emprego? E os documentos, os quais, muitas vezes, inumeráveis vezes, é apreendido na operação policial e não mais os encontra? E a CNH vencida, quando esta é ferramenta de trabalho, posto que precisa dirigir para ganhar o pão?

O cristão verdadeiro ficará em situação difícil diante do fato: Não lhe caberá dizer: Não posso fazer mais nada. Pode até fazê-lo, mas vem a pergunta: Se eu estivesse no lugar dele, que gostaria que acontecesse?

O Grupo Espírita de Apoio aos Apenados Idalinda de Aguiar tem conseguido com dificuldades extremas socorrer as demandas que surgem, seja valendo-se de vagas em albergues públicos, pagando pensão para as primeiras horas, auxílio a documentação, alimentação e passagem quando o interno precisa deslocar-se para outra cidade. A Secretaria de Justiça oferece algumas alternativas de socorro, mas se for em final de semana ou à noite ou em feriados prolongados, não há como ser amparado pelo poder público, ficando o encargo por conta dos religiosos que o atenderam na prisão. Não são poucos os casos!

É de se lamentar que os integrantes do sistema prisional criem dificuldades para o estabelecimento de contato com a família da pessoa confinada à prisão. No caso de infratores, quando o processo corre em segredo de justiça e então, se torna praticamente impossível o atendimento à família através de parceria com o serviço social da unidade de internação. Somente por acaso se consegue o contato com a família quando esta procura as instituições, orientadas pelo serviço de assistência religiosa, muitas vezes, rechaçado e olhado com desprezo pelos integrantes do sistema.

No caso dos apenados adultos, embora as assistentes sociais, em sua maioria, neguem-se a passar informações sobre a família da pessoa humana em condições de privação de liberdade, já se consegue obter alguns dados, especialmente quando aquele serviço não consegue contatos ou a família se recusa a atender ao chamado do presídio porque a prisão pode ter sido um alívio para a família. Esta quebra de paradigma do serviço social está se dando porque a assistência sócios spiritual vai ganhando contornos de política pública.

Page 105: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

105

105

Em centenas de casos, o egresso é dependente químico. Iniciar o tratamento, seja pela psicoterapia dos grupos de autoajuda como AA (Alcoólicos Anônimos), NA (Narcóticos Anônimos), ou Amor Exigente ou ainda a Pastoral da Sobriedade, da Igreja Católica e conhecer a rede de atenção psicossocial para dependentes químicos é suporte importante para atender o egresso. Nesta semana, ao visitar uma comunidade terapêutica encontrei três egressas em tratamento da dependência química. Registro como fundamental a integração dos grupos religiosos que visitam presídios a estes serviços.

É preciso ir ao encontro da dor e atender a família. Nenhum atendimento desta ordem surtirá efeito se o problema humano da prisão não for considerado dentro do contexto da família e do grupo social para onde retornará o egresso. Se não há mudanças na família, na base onde o egresso voltará a viver, a reincidência é certa. E a família, muitas vezes, é cumplice e dependente do egresso para viver. De onde virá o sustento?

Desta forma, para solucionar esta demanda, que exige tanto esforços como recursos, estes existentes, e por isto, é importante que os cristãos se mobilizem para que o estado ou município se estruturem para atender estas demandas básicas, seja para o egresso ou migrante ou mesmo pessoas que se perdem ou se desgarrem da família. Não há estatística específica, mas, é altíssimo o percentual de internos do sistema prisional com problemas de desagregação da família de base ou a família que ele formou após a idade adulta. Destaca-se que cerca de 80% da população carcerária é constituída de pessoas com idade entre 18 e 32 de idade.

Oferecer um suporte nas primeiras horas no pós-prisão é fundamental para criar a certeza de que não será mais necessário delinquir para sobreviver. Nos dias seguintes sua vida vai se organizando e se ajustando. Digo sempre: fome dá de quatro em quatro horas e ao final do dia precisamos de um banho e cama para dormir. Se esta possibilidade não aparece nas primeiras horas, se não existe, a defesa da sobrevivência não vai respeitar os códigos já rotos da vida que aprendeu no cárcere ou que já levou da rua. É uma prisão por questão social?

Insere-se aqui o papel do centro espírita que deveria funcionar como a Casa do Caminho, que simbolicamente, está na trajetória do ser humano em aflições e veio porque ouviu o chamado dentro da prisão quando participava das reuniões espíritas. Primeiro curioso ou desafiando os ensinos, depois ganhando confiança e sentindo-se melhor, vai percebendo as mudanças e ao sair, procura o centro espírita.

Como receber este aflito? Este caído da estrada de Jericó? Este passageiro da esperança? Como deve ser a casa espírita que está no caminho dos desvalidos?

Criminoso é aquele que cometeu crime. Egresso do sistema prisional é o indivíduo que encarou meus males e sua sentença e está livre. Quando se fala da preocupação com a segurança das pessoas no centro espírita por causa da presença dos egressos que nos procuram argumento que o apenado a gente sabe quem é e o criminoso, nem sempre, posto que se ele ainda não submeteu à lei, pode ser desconhecido ou até mesmo desconhecidas suas ações.

Page 106: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

106

106

Ao chegar ao centro espírita normalmente trazem alvará que o identifica – tragicamente identificado por um alvará – e, portanto, já fica conhecida sua identidade, o que cessa por completo o risco, posto que está identificado. Vem em busca de socorro de suas aflições e de um recomeço e deve ser atendido como outra pessoa qualquer e sempre que possível, contatado o líder ou voluntário que o atendia na unidade prisional para acolhimento, recepção e estabelecimento de um programa mínimo de ações para recomeçar. Muitas vezes precisa de tudo: tirar documentos, cesta básica, roupa e ajuda financeira inicial e naturalmente, trabalho.

O preconceito no mercado de trabalho contra a pessoa egressa é gigantesco. Por isto, é importante que os dirigentes espíritas se integrem ao trabalho para que, através de sua rede de amigos possa encaminhar a pessoa ao trabalho ou a requalificação profissional, posto que, afastado por longo tempo do trabalho, precisa se atualizar.

A área de assistência e promoção social da casa espirita precisa estar atenta a estas pessoas e capacitada a atendê-las. Organizar palestras e seminários para atender este público específico é boa prática e, naturalmente, estar integrado com a rede social e conhecer os recursos disponíveis, as estrebarias da parábola do samaritano, para melhor atender estas pessoas.

Sendo casa espírita bem orientada, certamente o acolhimento fará estabelecer a confiança no retorno onde lhe será oferecida a evangelização nas palestras públicas, a evangelização para seus filhos, os grupos de estudos e se necessário, a assistência espiritual e desobsessão nos casos em que o atendimento fraterno sugira. Dificilmente se encontra um egresso que passou longo tempo na prisão que não necessite de um apoio mais consistente doutrinária e fraternalmente e bem como o suporte à sua família.

A secretarias de estado da justiça ou suas correlatas, na maioria dos estados, dispõem de um posto de assistência ao egresso, cujo endereço e funcionamento, horário e contatos devam estar sempre à mão do atendente fraterno para servir e servir bem na hora em que a demanda surja.

Se o egresso não tiver ajuda dificilmente consegue superar as ofertas do mundo do crime que quer contratar alguém experiente e em situação difícil, o qual continuará a fazer vítimas, acabando por voltar à prisão como reincidente! É preciso romper este círculo vicioso do prende e solta que desmoraliza a polícia, vitimiza ainda mais a vítima, corrompe ainda mais o criminoso e solapa a credibilidade da família e da escola e do sistema de justiça.

91

Page 107: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

107

107

O PROJETO PASSO A PASSO:

Os tópicos abaixo estão mais ampliados no corpo deste trabalho. Aqui, faremos uma

síntese bem resumida de cada um dos momentos da construção do projeto.

- Sensibilização do trabalhador e frequentador do centro espirita

Há muito preconceito e desinformação sobre a questão da criminalidade, segurança

pública e a atenção ao preso. Há medo em visitar e atender a pessoa que cometeu

delito. Fruto da insegurança e da instabilidade social. Palestras públicas com o tema

ajudam a esclarecer, orientar e despertar nos trabalhadores espíritas o interesse pelo

tema.

92

- Recrutamento

Manifestado o interesse do ouvinte, seja pelo processo de comunicação estabelecido

pela rede convencional ou contato pessoal, é importante anotar os dados de tal maneira

que se possa, após a manifestação de outros, organizar lista e meios de contatos mais

intensos de tal maneira a manter o desejo vivo e possibilitar a entrevista.

- Entrevista do voluntário

Deve ser feita com todos os trabalhadores. Há pessoas que não podem entrar no

presídio. Há vedação legal, tais como parentes de primeiro e segundo grau (entram

como visitas), pessoas respondendo a processos, em qualquer fase que se encontre. A

outras pessoas deve-se vedar a entrada por prudência, tais como pessoas com

problemas de mediunidade aflorada, ou portadores de doenças diversas ou que tomam

remédios controlados. Podemos orientá-las a buscar outra atividade dentro do próprio

grupo, mas recomendamos não permitir a entrada destas pessoas.

- A elaboração do projeto.

Recomendam os estudiosos da administração que um bom projeto começa quando

todos têm interesse de realizá-lo. Superar as arestas iniciais quanto aos resultados e a

metodologia, métodos de aferição e entender a capacidade de que cada um tem de se

comprometer e realizar o que se propõe é fundamental. Por isto, é muito importante

que o projeto de trabalho seja construído pelas mesmas mãos que vão executá-lo. Isto

gera comprometimento e responsabilidade. Afinal, estará realizando o que ajudou a

pensar. Pensar, fazer, controlar e corrigir os erros são fases de um projeto que pode

torná-lo sucesso. E tornar as pessoas orgulhosas do que foram capazes de realizar.

- Treinamento dos voluntários.

A Secretaria de Estado da Justiça propõe a que todos voluntários sejam submetidos a

treinamento de quatro horas, cujos instrutores são os membros do Grupo

Interconfessional. Na programação anual aparece o calendário, normalmente, dois por

ano. A partir de 2016, os grupos religiosos poderão fazer os seus treinamentos em

pequenos grupos, convidando para isto dois membros do Grupo Interconfessional que

assessora a Secretaria de Justiça nas questões de assistência sócio espiritual. Os grupos

Page 108: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

108

108

religiosos poderão se juntar a voluntários novos de outros grupos para realizar o

treinamento.

É importante conhecer minimamente a atividade e o quadro que encontraremos,

embora, todo dia se aprenda algo de novo e se enfrenta situação nova.

- Habilitação para acesso.

O acesso à unidade prisional deverá ser habilitado através de documentos pessoais. O

líder do grupo habilitará os que fizerem o treinamento e a entrevista na seção específica

da Secretaria de Estado da Justiça. Em alguns Estados da Federação, na própria unidade

prisional. 93

Algumas secretarias poderão exigir atestado de antecedentes criminais, o que já

aconteceu aqui no Estado do Espírito Santo. Porém, a Secretaria ao dar à instituição a

responsabilidade de indicar o seu voluntário e zelar pelo compromisso dele para com a

tarefa e a instituição a que representa, deixou de exigir o atestado de antecedentes

criminais, reservando-se o direito de investigar o candidato, se assim entender. O

voluntário ao habilitar-se à esta tarefa, naturalmente, se coloca disponível para os

levantamentos que o Poder Público necessite fazer.

- A Escolha do líder do grupo.

A escolha de um líder para o grupo não é tão fácil. Como visto no texto em que distendo

a matéria, é necessário ter um perfil talhado para dirigir processos de gestão do grupo.

Será o líder aquele que fará a interlocução com as autoridades no momento da ação,

onde o presidente da casa ou o coordenador de departamento ou da atividade geral

não pode estar. Precisa ter autonomia para decidir pelo grupo e participar de decisões

onde outros grupos estarão e precisa ter apoio de que o indicou. Deve ser entusiasmado

pela tarefa e ter acendrada abnegação em favor do próximo.

-Inserção na atividade.

A primeira visita é sempre novidade e não raro o voluntário fica tenso e ansioso. Na

primeira visita sempre oriento o voluntário a observar. Observar tudo o que pode para

perguntar depois, posto que, como em tudo, o curso pouco informa dos detalhes da

atividade. Com o tempo o voluntário vai se adaptando. Nenhum deles, ao cabo de 10

anos de atividade em presídio disse: não volto mais! Ao contrário, o entusiasmo toma

conta!

- Acompanhamento do voluntário e reuniões periódicas do grupo

É importante que o líder do grupo acompanhe o voluntário. Reuniões de

confraternização, reuniões de estudos e trocas constantes de informações são

importantes. Faltas reiteradas ao trabalho, sem avisos ou sem justificativas devem ser

examinadas com cuidados.

Uma proposta de trabalho no bem, que se revista de um bom planejamento e execução

é tendente a crescer, como aconteceu aqui. Considerando que muitas em cidades

maiores e capitais há diversos, muitos centros espíritas e presídios, bom será que o

Page 109: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

109

109

trabalho ganhe amparo e sustento do movimento federativo ou outra forma que se

organizem os centros espíritas ou igrejas, posto que há questões complexas que

precisam ser resolvidas, além do envolvimento de trabalhadores de outras instituições

religiosas ou espíritas.

Neste caso, recomenda-se que a federativa ou órgão coordenador superior indique um

voluntário com experiência para fazer a interlocução com o sistema, posto a

complexidade da atividade. Este voluntário, subordinado a uma área do centro espírita,

terá a função de coordenar toda atividade e no modelo proposto, acompanha toda a

atividade e se reúne com líderes regularmente, em agenda anual planejada, sugerindo-

se trimestralmente, para ajustes.

Cada líder deverá reunir os voluntários do seu grupo de visita para ajustes também

trimestralmente, sempre uma semana antes da reunião geral com os lideres a fim de

que o fluxo de demandas e expectativas possa fluir naturalmente. Das reuniões, lavram-

se atas ou relatórios.

- Reuniões nas unidades prisionais com dirigentes e outros grupos religiosos.

É importante que o líder, em acordo com a direção da unidade e outros grupos realizem

reuniões periódicas de ajustes. Estas reuniões resolvem detalhes da atividade, acertam

calendários, avaliam condutas, trocam impressões entre os grupos e servem para

estreitar laços, apagando preconceitos e discriminações, além de organizar a atividade,

dando-a um padrão de seriedade e respeito aos de credos diferentes.

- Relacionamento com outras religiões e internos de outras crenças.

O relacionamento com irmãos de outras crenças é algo aparentemente impossível. No

entanto, imaginava eu que eles eram preconceituosos. Descobri que dentre os espíritas

eles existem. Então, é preciso quebrar as barreiras e se aproximar. Cumprimento,

iniciativa de diálogo, reuniões com os grupos, festas na unidade com os grupos juntos

gera uma energia de grande significado e daí a pouco a fraternidade toma lugar do

dogma. No contato com os internos do sistema é muito comum as perguntas feitas por

alguns autodidatas da Bíblia. Importante responder, se souber. Não sabendo, anota e

promete investigar e trazer a resposta. Isto é comum....

- A biblioteca espírita na unidade prisional.

Em todas as unidades onde atuamos o nosso projeto contempla a instalação de uma

pequena biblioteca com literatura espiritas unidades prisionais. Embora o cidadão

brasileiro não seja muito afeito à leitura e nem mesmo os espíritas de cultura mediana

para baixo, no sistema prisional, dada a quase absoluta ociosidade da pessoa nestas

condições, o livro espírita tem larga aceitação e nos presídios femininos os romances

espiritas são disputados em filas de leitura.

A lei garante ao egresso a posse do livro de sua confissão religiosa em sua cela. O

costume tem sido a garantia da bíblia, dada a presença maior de evangélicos e católicos.

Cabe, assim ao grupo espírita reivindicar, em favor da divulgação da doutrina do livro

espírita e do respeito à liberdade de crença que deve ser garantido pelo Estado,

Page 110: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

110

110

assegurar a presença do livro espírita – sugerimos o Evangelho Segundo o Espiritismo e

O Livro dos Espíritos na cela da pessoa que aderiu ao espiritismo, que pode fazer o

estudo em grupo na cela e mesmo fazer leitura e o culto do evangelho na cela.

Pontos fundamentais pelos quais o grupo deve lutar:

a) - fazer a atividade religiosa em espaços improvisados ou não onde se possa ter

contato visual e físico, com possibilidade de usar mídia como recursos didáticos;

b) - semanalidade – o grupo deve, com base nos costumes sociais em nosso país e

as orientações religiosas, lutar para que a assistência de cada grupo seja

semanal.

c) - a posse do livro religioso é direito garantido por lei. Precisa ser cumprida.

d) - o tempo de duração da atividade recomendável é de 90 minutos líquidos,

contados a partir do momento em que o interno fica à disposição do grupo.

e) – lutar para que atividades religiosas possam ser também noturnas, quando o

voluntariado qualitativo tem mais disponibilidade, posto que, os que tem maior

capacidade trabalham durante o dia.

Page 111: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

111

111

PARTE III

ANEXOS

Page 112: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

112

112

ANEXO 1

SUGESTÕES E RECOMENDAÇÕES AOS VOLUNTÁRIOS DA ASSISTÊNCIA

SÓCIOESPIRITUAL EM PRESÍDIOS.

As recomendações a seguir não têm a rigidez da ordem. São recomendações originárias

da experiência de outros voluntários. A razão sugere estudá-las e adaptá-las de acordo

com a situação local. O não cumprimento delas ensejará possibilidade de o sistema

intervir no trabalho e, inclusive, impedir a entrada do voluntário ou suspender o

serviço.

01 – A assistência sócio espiritual é direito inalienável do apenado previsto em lei e

é dever do cristão assisti-lo e bem como trabalhar pela garantida deste direito e bem

como de todos os outros. O interessado, contudo, deverá estar subordinado a uma

instituição religiosa que tenha estatuto registrado, devendo, a direção da instituição

apresentar formalmente o voluntário à Secretaria de Justiça.

02 – dá conta da tua administração. Quem não tem plano de trabalho não tem

como avaliar as ações e nem pode prestar contas do que planejou. A instituição

apresentará um plano de trabalho que terá executores e um coordenador geral.

03 – compete ao dirigente do grupo espírita sensibilizar, convidar, recrutar, treinar

e selecionar e encaminhar os voluntários que se candidatarem ao serviço, assumindo

com sinceridade e compromisso de trabalho em dias e horários pré-fixados. Esta

atividade é permanente, posto que, voluntários desistem, desencarnam e é preciso

abrir novas frentes.

04 – São necessárias reuniões periódicas com os trabalhadores voluntários, para

que estes venham se conhecer e se capacitarem para as atividades e atualização de

sobre normas e procedimentos nas visitas nas instituições onde atuarem.

05 – O coordenador para o trabalho em geral dialogará com a direção do sistema

prisional e um coordenador de equipe que dialogará com o diretor do presídio onde

prestar o serviço.

06 – O coordenador geral da atividade será o responsável por levar ao

conhecimento do órgão competente o desejo de realizar um trabalho ou abrir nova

frente de assistência religiosa em presídios. O órgão informará onde há necessidade e

vagas para o trabalho e se aceita a indicação, o interessado apresentará plano de

trabalho e indicará a equipe e o coordenador de equipe da assistência religiosa. (Em

cada Estado há regulamentação própria da atividade, portanto, é importante e

necessário informar-se)

07 – O coordenador de equipe é responsável pela conduta dos seus liderados, dos

quais será fundamental o espírito de equipe e disciplina. O número de voluntários para

cada equipe poderá variar de acordo com as exigências do presídio, mas em hipótese

alguma, o voluntário atuará sozinho, sendo recomendável o mínimo de três voluntários

Page 113: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

113

113

para cada ação a ser desenvolvida dentro do presídio. É razoável ter uma equipe de pelo

menos seis voluntários para cada unidade prisional. “Não esquecer que é preferível

fazer pouco, mas de boa qualidade, a se abalançar a maiores realizações dentro da

improvisação e da imprevidência”.

08 – Definido o trabalho, elaborar exposição de curta duração a um pequeno

número de reeducando, inicialmente. Com o tempo, outros interessados comparecerão

para ouvir as mensagens doutrinária, esclarecedoras e consoladoras. Conversar,

educando e consolando, sempre tem mais efeito do que pregações distanciadas do

afeto e da atenção.

09 – Respeitar as crenças diversas que cada um possa abraçar, apoiando-o e

incentivando quanto ao comportamento religioso. O esclarecimento de que Deus, Jesus

e o Evangelho constituem a base de qualquer religião cristã fará com que cada um

perceba que, mais que uma religião, importa a paz, a fraternidade, o amor ao próximo.

Uma relação de confiança construída na afeição e na fraternidade será grande atrativo

para a aproximação segura a uma filosofia de vida. O cristão deve atrair, convencer mais

pelos exemplos do que pelas palavras.

10 – Observar o tema do estudo previsto antecipadamente para a explicação do

tema sugerido no programa, fundamentando-o no Evangelho de Jesus. Adequar a

linguagem ao nível da intelectualidade de quem ouve. A moderação do tom da fala

(Deus não é surdo) favorece a segurança. Não se esqueça de que alaridos, sons muito

altos, vozerios e gritos no presídio podem favorecer a condutas que facilitem a fuga.

11 – Evitar uso das palavras “ladrão, traficante, assassino, marginal, meliante,

roubo, preso etc.” ou jargões tais como “cascuda, malote, bonde e ou apelidos”. A

palavra deve ser exclusivamente usada para orientar, confortar, consolar e esclarecer.

Evitar nas palestras, tanto quanto possível, assuntos que ocasionem constrangimentos

aos reeducandos. Use sempre a palavra pessoa, ser humano, irmão.

12 – O trabalhador voluntário deverá sempre estar estudando a doutrina,

frequentar as reuniões do grupo, fazer o culto no lar e estar sempre muito vigilante,

além de fortalecer-se na oração e reforçar-se na moral cristã. Manter elevado padrão

de disciplina. Pontualidade e assiduidade nos trabalhos revela respeito a quem espera

uma palavra de conforto ou um momento de aliviar-se de suas culpas e remorsos,

através do esclarecimento evangélico.

13 – Manter um grupo de voluntários que possam substituir em impedimentos,

férias, doenças ou mesmo quando desertarem das tarefas. Fazer todo esforço para não

suspender a atividade nas férias ou feriados longos. O Mal não tira férias e espera o bem

cochilar para atuar.

14 – Sempre que possível, dotar a biblioteca existente com obras de elevados

ensinamentos cristãos para alimentar e esclarecer o cristão.

15 – Quando houver doações de medicamentos, materiais de higiene, ou outros

quaisquer, entregá-los ao setor de segurança, assistência social ou outro setor da

Page 114: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

114

114

instituição, que os faça chegar às mãos dos reeducando. Não vincular a presença da

assistência religiosa na instituição com o assistencialismo (doar coisas). A caridade como

atividade de dar esmolas ou coisas materiais é apenas beneficência, não é caridade.

Nunca perder de vista que o objetivo principal do trabalho espírita às unidades penais

deve ser voltado para o enaltecimento dos valores morais cristãos aos reeducando.

Emergências reclamadas devem ser confirmadas com o serviço social. Assistência social,

sim. Assistencialismo, não.

16 – A fraternidade junto aos reeducando nas instituições não dispensa cautela e

prudência. Afagos e toques devem se restringir ao aperto de mão no primeiro

momento. O exagero provoca prejuízos. Ser imparcial ante as desavenças naturais que

possam surgir entre os reeducando, agentes penitenciários, policiais e outros, ou até

mesmo autoridades, não se deixando envolver nem mesmo quando convidado.

17 – Levar ao conhecimento do coordenador toda e qualquer observação que não

esteja condizente com a atividade.

18 – Nada prometer, não se fazer de intermediário de coisa alguma, encomendas,

recados de reeducando para dentro ou fora da instituição, a quem quer que seja.

19 – Não aceitar quaisquer objetos, presentes e outros de qualquer reeducando ou

de seus familiares, como retribuição.

20 – Não se demorar no local além do permitido. Não se retirar sem antes

apresentar-se ao Setor de Segurança da instituição. Bom sempre pedir o registro da

hora de entrada e saída.

21 – Estar sempre em contato com os responsáveis pelos setores de segurança e de

assistência social para os entendimentos que se fizerem necessários.

22 – Evitar todo e qualquer confronto/conflito com outros trabalhadores de outras

religiões que estejam realizando visitas ou mesmo a tarefa de evangelizar no mesmo

local. Não interferir de forma alguma. Conversar com o responsável pela instituição para

definir outro dia ou outro local ou outro horário para a atividade do Grupo Espírita.

23– Cuidados com familiares de reeducando:

a) Não manter qualquer ligação que possa ter interpretação dúbia.

Conversar sempre em duplas, no atendimento particular.

b) O voluntário visitador ao presídio, a não ser na excepcionalidade, não

deve visitar a família do egresso, devendo delegar esta tarefa ao

voluntário do grupo que não visita. Somos sempre motivados a falar mais

do que deve. O visitador da família deverá indicar o endereço do centro

espírita para os demais atendimentos. Não compareceu…ao

convite...convém aguardar e incluir dados da família nos grupos de

preces.

Page 115: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

115

115

c) A visita aos familiares de reeducando deverá ter em vista compreender

o ambiente social e psíquico onde viveu o apenado e onde viverá no seu

retorno. Os outros contatos deverão ser feitos na instituição que se

dispõe a atender o egresso e sua família. É preciso deixar claro à família

e ao egresso que depende deles a continuidade da atenção. Se na visita

for constatado a presença de pessoas doentes ou incapazes, a visita

deverá ser contínua em como em qualquer outro caso.

d) Parentes ou familiares de reeducando serão atendidos nas

instituições. A segunda visita só se justificará se o familiar ou parente

estiver doente ou se constatado o interesse da família na amizade em

formação ou na proposta oferecida.

e) Se houver qualquer possibilidade de algum tipo de apoio material

a ser prestado a algum reeducando participante do grupo, enviar a

doação ao Serviço de Assistência Social da Unidade, que atenderá aos

educandos da melhor forma possível, pois, sua função é justamente com

vistas à reintegração social do reeducando.

24 – Evitar atendimento a reeducando em caráter privado sem autorização e

sozinho. Evitar dar conselhos a reeducando individualmente. Se for necessário, fazê-lo

procurar estar acompanhado com um companheiro de trabalho. O atendimento

fraterno poderá surgir no curso da atividade, planejadamente.

25 – O reeducando é, ante de tudo, um ser humano com potencial negativo e/ou

positivo que o próprio tempo e a vontade de se melhorar o ajudarão o reformar-se.

26 – A prudência recomenda evitar grupos unicamente feminino visitando alas

masculinas e vice-versa. Mesclar voluntários masculinos e femininos é importante.

27 – Conhecer o regimento interno do presídio fundamental e bem como as normas

ou ordens, que variam de acordo com as necessidades e estilos de administração. Acatar

rigorosamente cada regra, mesmo que não concorde com elas.

28 – Os voluntários, não deverão, sob qualquer pretexto, entender-se com a

Direção da instituição. Tal incumbência cabe ao coordenador de equipe. Se convocados

levar sempre o coordenador do grupo. Registrar os fatos é sempre importante. Estamos

nos relacionando com o Poder Público, portanto, a formalidade é necessária.

29 – Qualquer assunto veiculado extra-tarefa deverá ser levado imediatamente ao

conhecimento da coordenação geral.

30 – Relatar em livro ou formulários os dados referentes à atividade. Uma cópia

deverá ser entregue ao serviço social ao término da jornada diária, constando nome dos

voluntários que participaram, reclamações julgadas pertinentes, pedidos e bem como

síntese do assunto estudado ou da mensagem explicada.

Page 116: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

116

116

31 - procurar enriquecer a biblioteca das instituições penais com obras doutrinárias

básicas e obras subsidiárias. Romances de fácil entendimento e de bom conteúdo

doutrinário são sempre atrativos.

32 - os trabalhadores deverão estar sempre habilitados com documentos para

adentrar na instituição e bem como usar trajes que facilitem a revista policial e que não

despertem a atenção dos reeducando como decotes, bermudas curtas e transparentes

ou colantes ou outros adereços que chamem a atenção. Cada unidade prisional tem sua

orientação própria sobre estas questões.

33 – O grupo deverá elaborar a programação temática semestral ou anual com a

designação de trabalhadores com as datas das reuniões de modo a facilitar o preparo

prévio dos estudos e ajustar as leituras com os temas.

34 – Reuniões periódicas de avaliação e correção de rumos e ajustes de conduta são

sempre de grande proveito, recomendando a trimestralidade nas reuniões do

coordenador com a direção da unidade e outros grupos e bem como a trimestralidade

do coordenador com seu grupo.

36 – Os relatórios de atividades ou partes dele poderão ser encaminhados ao Diretor da

instituição quando o assunto tiver necessidade de sua ação, intervenção ou

conhecimento.

37 – Embora por lei o interno tenha direito à correspondência, é sempre seguro e

relevante dar conhecimento do serviço social qualquer informação que saia da

unidade.

38 – Em razão do volume de trabalho resultante da atividade, não é recomendável que

o voluntário acesse a mais de duas unidades semanalmente. Se existente um

coordenador geral da atividade terá acesso a todos os presídios onde sua instituição

atuar nos mesmos horários destinados à atividade de sua associação religiosa.

39 – Os voluntários poderão ser submetidos à pesquisa de antecedentes criminais.

40 – Não serão admitidos entre voluntários familiares de apenados até em segundo grau

para o estabelecimento onde esteja recolhido. Isto é variável a cada estado.

41 – Os voluntários são egressos só terão acesso à unidade prisional como visitador

religioso depois de extinta a punibilidade.

42 – Em caso de envolvimento emocional ou afetivo do voluntário com interno deverá

se afastar da visita da unidade onde se encontra internado a pessoa como a qual se

envolve e indicada a visitar outra unidade. O relacionamento que surge passará a ser

favorecido pela visita regular da unidade, fora do dia da atividade religiosa e sem

vínculo com ela.

43 – O funcionário do sistema, se desejar realizar atividade de assistência sócio

espiritual numa unidade prisional, deverá fazê-la em unidade diversa da que

trabalha.

Page 117: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

117

117

43 – Em alguns Estados da Federação a exigência é ser maior de 21 anos de idade.

É inconstitucional. Maiores de 18 anos, no gozo de sua cidadania podem entrar.

44 – O coordenador da equipe poderá providenciar junto à direção da unidade uma

lista dos internos que se associaram à ideia da evangelização espirita, facilitando o

controle, visto que, nem sempre os inspetores penitenciários (carcereiros antigos) se

mostram interessados na movimentação do interno.

Page 118: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

118

118

ANEXO II

MODELO DE PROJETO DE ATENDIMENTO SÓCIO-ESPIRITUAL AOS APENADOS.

IDENTIFICAÇÃO

Estado da Federação:

Unidade Prisional: 101

INSTITUIÇÃO RELIGIOSA PELO PROGRAMA

Responsável:

Identificação do COORDENADOR GERAL:

Voluntário religioso líder do projeto:

VOLUNTÁRIOS: Lista Anexa

PERÍODICIDADE – Tempo de duração.

APRESENTAÇÃO

O presente projeto visa o atendimento sócio espiritual de parte da população carcerária

na unidade prisional (colocar o nome da unidade) através da assistência religiosa

espírita, modelado nos moldes da codificação kardequiana que foca o ser biopsico-

sócio-espiritual, isto é, focando a atenção nas potencialidades do cada ser, analisando

as suas dificuldades nos campos material, sócio afetivo, moral, intelectual e espiritual.

JUSTIFICATIVA

Com base no Evangelho de Mateus que nos orienta a visitar o preso ( estive preso e me

visitastes) e no exercício da caridade cristã, preconizada Jesus e ensinada pela doutrina

espírita, que nos exorta a benevolência para todos, a indulgência para com as

imperfeições alheias e o perdão das ofensas, verdadeira justiça amor e caridade, os

voluntários da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo se oferecem à assistência

sócio espiritual aos apenados conforme estatuem os Tratados Internacionais que

regulam a espécie, a Constituição Federal, a Lei de Execuções Penais e a legislação

complementar e subsidiária.

A Doutrina Espírita ensina que o progresso real que aspira o ser inteligente, encarnado

e desencarnado, passa pela educação moral, não dos livros, mas a que forma novos

hábitos saudáveis, fazendo com que o ser se torne autocrítico, responsável e consciente

de suas ações e por isto, mudando pouco a pouco, deixe os vícios físicos e morais e se

torne homem de bem.

Por homem de bem entendemos aquele ser que pauta os seus atos de acordo com a lei

humana e a lei de Deus e tem a consciência cósmica, sabendo de sua

Page 119: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

119

119

transcendentalidade e imortalidade, e por isto, individuo potencialmente capaz de

progredir rumo à felicidade.

OBJETIVOS:

1. Evangelizar a pessoa humana na condição de privado da liberdade.

2. Despertar naqueles que se dispuserem a ouvir as mensagens espíritas

consciência de quem são, de onde vieram, para onde vão e como alcançarão a

felicidade que está destinada a todos.

3. Promover o indivíduo à condição de homem de bem livre. 102

4. Assistir a família do preso, quando solicitado.

5. Acolher o egresso.

METAS

1. Visitas semanais conforme portaria SEJUS que regula a atividade de assistência

sócio espiritual;

2. Suprimento de livros para doação personalizada e manutenção de biblioteca

básica;

3. Auxiliar, se possível e necessário no auxilio material ao encarcerado pobre,

quando o Estado não puder ou tiver dificuldade de fazê-lo.

4. Acolher e encaminhar o egresso ao trabalho, se expresso por sua vontade.

5. Capacitação dos voluntários.

6. Cooperar com outros grupos religiosos na realização de atividades planejadas

coletivas no interesse da proposta.

7. Cooperar com a direção do presídio no sentido de humanizar as condições de

trabalho dos agentes, assistindo-os espiritualmente, a fim de aliviar as suas

tensões com consequente melhorias no resultado do tratamento ao preso.

METODOLOGIA

A metodologia da assistência sócio espiritual ao preso está condicionada ao local onde

se dará a atividade, posto que não havendo um espaço específico para a assistência

religiosa, o voluntário deverá adaptar-se às condições existentes.

Será sempre possível a exposição dialogada para pequenos grupos, ou grupos de

reflexão ou estudos, oportunizando-lhes a experiência de relataram suas dores, culpas,

remorsos e expectativas.

Os textos doutrinários poderão impressos e distribuídos para que acompanhem a lição

do dia, sempre planejada, e depois levarem para suas celas onde poderão revisar os

conceitos, tomando por base a literatura que será disponibilizada individualmente ou

através do suprimento da biblioteca.

Revistas e jornais espíritas serão Sempre distribuídos.

O foco da ação espírita terá sempre o eixo da ressocialização, oferecendo como suporte

para a libertação psíquica e espiritual o resgate dos valores da família, da escola, do

trabalho e da espiritualização do ser.

Page 120: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

120

120

Em espaços adequados, poderão ser exibidos vídeos ou utilizados aparelhos sonoros

para motivação da atividade, melhorando a apreensão dos conceitos.

RECURSOS MATERIAIS:

Será desejável que o presídio tenha um notebook, um projetor de multimídia, uma tela

para projeção, um microfone sem fio, um amplificador, uma caixa de som, um quadro

de giz ou pincel, uma mesa simples, pincéis, papel, canetas e uma pequena biblioteca.

Em consonância com a Lei de Execução Penal será importante que o interno 103 tenha

em seu poder O Livro dos Espíritos e o Evangelho Segundo o Espiritismo. Acrescentamos

a importância da leitura da Bíblia, comum das outras religiões, também, cristãs.

No entanto, o grupo tem condições de suprir-se de recursos até que a administração do

presídio possa adquiri-los e adaptar-se de acordo com as possibilidades do local,

aplicando os meios à metodologia possível.

PESSOAS ENVOLVIDAS:

1. Um coordenador de equipe que se reportará ao coordenador geral designado

pela instituição.

2. De dois a 10 voluntários, por visita, segundo a necessidade e a atividade.

Havendo necessidade de entrar mais voluntários para a atividade em ocasiões

especiais, o grupo solicitará autorização especial para tal, credenciando os

voluntários de acordo com as exigências legais.

3. Um agente de presídio que possa retirar das celas os interessados na assistência

religiosa e acompanhar a atividade.

4. O diretor adjunto ou pessoa designada pela direção do presídio para coordenar,

por parte do Estado, a atividade.

AVALIAÇÃO:

De acordo com a Portaria Nº. 879–R serão apresentadas aos diretores da Unidade

Prisional e ao Grupo de Trabalho Interconfessional, uma avaliação semestral dos

trabalhos desenvolvidos de acordo com o planejamento das atividades.

Local e Data ___________________

________________________________________________

ASSINATURA DO RESPONSÁVEL

Page 121: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

121

121

ANEXO III

CADASTRO DO VOLUNTÁRIO RELIGIOSO

Local _____/_____/_____

____________________________________________________

ASSINATURA DO RESPONSÁVEL PELO PREENCHIMENTO

NOME DO VOLUNTÁRIO:

FILIAÇÃO PAI:

MÃE:

ENDEREÇO

RUA: BAIRRO:

CIDADE: CEP:

TELEFONE FAX: EMAIL:

RG:

DATA DE NASCIMENTO:

INSTITUIÇÃO: RESPONSÁVEL:

TELEFONE/FAX DA INSTITUIÇÃO:

Emails.

Page 122: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

122

122

ANEXO IV

LISTA DOS VOLUNTÁRIOS HABILITADOS

NOME DA INSTITUIÇÃO:

CNPJ:

Área de atividade: (de acordo com o estatuto) 105

Endereço:

CEP - Telefone: Celular:

Email:

Site:

Nome do Voluntário RG

Eu, ________________________________________, como responsável da Instituição

religiosa, assumo a veracidade das informações fornecidas.

Local_____________________________, _______ de _________________de 20______.

_______________________________________________________________________

Assinatura do Responsável / RG

Page 123: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

123

123

ANEXO V

TERMO DE ADESÃO DO VOLUNTÁRIO

Lei do Voluntariado, nº 9.608, de 18/02/98

Nome da instituição: _______________________________________________________

Área de atividade: __________________________________________________________

Endereço: _________________________________________________________________

Telefone: _______________________________ Celular: ___________________________

Email: ____________________________________________________________________

O trabalho voluntário a ser desempenhado junto a esta instituição,

de acordo com a Lei nº 9608 de 18/02/98, é atividade não

remunerada com finalidades (assistência, educacionais,

científicas, cívicas, culturais, recreativas, tecnológicas, outros), e

não gera vínculo empregatício nem funcional, ou quaisquer

obrigações trabalhistas, previdenciárias e afins.

Trabalho voluntário na área de: _______________________________________________

Tarefa específica: __________________________________________________________

Duração: de _________________ até ________________ Horas: ____________________

Resultados esperados: ______________________________________________________

Declaro estar ciente da legislação específica sobre serviço voluntário e que aceito

atuar como voluntário nos termos do presente Termo de Adesão.

Local_______________________________ de __________________de 20______.

______________________________________________________________________

Assinatura do Responsável/RG/CPF

Primeira testemunha: Segunda Testemunha

Nome: Nome

RG RG

assinatura Assinatura

Page 124: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

124

124

CONCLUSÃO

A condição de espírito imperfeito que não veio à Terra com passaporte e sim com

carteira de trabalho não é lá muito confortável. Seja em expiação ou reparação, a vida

no Planeta não lá um jardim de rosas. Jesus mesmo afiançou esclarecendo-nos que

viveríamos aflições e que a felicidade não é deste mundo.

Não bastassem a sobrecarga de trabalho que surge no nosso caminho, inclusive,

obrigando-me a adiar este trabalho e por outras vezes procrastiná-lo por opções

infelizes, restou-me a mais cruel dúvida: a de colocá-lo a conhecimento dos meus 107

críticos.

Produzir um trabalho com verniz espírita e colocá-lo na gaveta é uma coisa. Produzir um

trabalho e colocá-lo a conhecimento público, diante de tantas pessoas que são capazes

de produzir obras monumentais é mais que um desafio. É ousadia!

Coloco-a público na esperança de que surja alguém capaz de produzir o manual que que

queria produzir, mas não consegui. A tentativa de dividir o trabalho em três partes é a

realização mais próxima do que pensei. Fi-lo, como já dito, porque não encontrei, na

execução da proposta assistência sócios spiritual à pessoa humana em condições de

privação da liberdade, um trabalho orientador desta atividade. Pesquisei muito, mas

não achei algo que se assemelhasse ao que eu pretendia fazer. E não consegui.

Não carrego frustações por não ter conseguido. Ao contrário, me sinto vitorioso. Nestes

anos de atividade de assistência sócios spiritual espírita aos apenados, embora as

cicatrizes, creio ter valido a pena lutar. Aprendi muito e por isto, reconheço que se nada

sabia, agora vejo que sei ainda muito pouco.

De policial truculento que já vestiu o pijama pela aposentadoria, defensor da pena de

morte e da prisão que enlouquece, a doutrina espírita foi luz na razão por ter-me

clareado com as bênçãos do evangelho novos caminhos. Hoje há ainda muita coisa a

mudar. Mas o processo é lento e me encontro engajado nele. Aprendi a defender a vida,

o bem, a paz!

Adentrar uma unidade prisional para evangelizar uma pessoa aprisionada foi a tarefa

mais fácil já realizada no meio espírita. Os problemas maiores foram criados por aqueles

que estão aqui de fora. Mas eles serão vencidos pelos trabalhadores do Grupo Espírita

de Apoio aos Apenados Idalinda de Aguiar me auxiliaram a chegar até aqui, com a ajuda

do Alto.

Os relatos desta obra e as experiências aqui registradas são, exceto as coladas, são

meus. No entanto, foi a coragem, o destemor, o comprometimento e bem como a

disciplina do Grupo Espírita de Apoio aos Apenados, companheiros abnegados, que me

empurraram até aqui. Vejo companheiros brigando pelo trabalho como se tivesse

defendo o sustento para os seus filhos. Acho que isto é amor!

Se você conseguiu ler o trabalho, envie-nos sua crítica. Se você só leu esta última página,

saiba que muitos nem mesmo o abrirão porque o tema não lhes interessa. É assim

Page 125: ESTIVE PRESO E ME VISITASTES - NEIM...humano encontra dentro das prisões tocaram-me minha alma endurecida de policial austero, duro, inflexível e violento, tornando-a mais flexível

125

125

mesmo! Cada um no seu tempo, na sua hora, na sua disponibilidade. E foi assim que

chegamos até aqui.

Passo a passo, dia a dia, todo dia! Vez por outra optamos por comer o sapo para não

comer a lagoa inteira, realizando o que precisa ser realizado e não apenas aquilo que é

bom de fazer. Mas quem faz por amor, acha bom sempre. Este é o segredo que

descobrimos.

Os mansos e pacíficos herdarão a Terra. Amansei-me para que pudesse ser capaz de falar

aos aflitos. Foi necessário abaixar minha crista para que pudesse chegar perto dos

aflitos. Não há outro meio de resgatar o homem senão pela educação dos sentimentos

próprios e foi o que tentei demonstrar, assumindo a condição de espírito imperfeito

desde a primeira página. A natureza do trabalho mostra a qualidade do trabalhador.

Se o amor cobre uma multidão de pecados e é capaz também de transformar vidas,

sinto-me no esmeril do trabalho com o buril do Criador a me esculpir com as

experiências, em muitas das quais tropecei.

Não há outro lugar onde a onde a dor seja maior do que a dos presidiários. Praticamente

abandonados pela sociedade, pela família, depositados, muitas vezes em

estabelecimentos prisionais sem as mínimas condições, esquecidos pela lei, anulados

pelos ouvidos surdos e os olhos cegos da justiça dos imperfeitos, o presídio é um

purgatório que se assemelha ao inferno de Dante. Lá está aquilo que a sociedade chama

de escória humana. A escória apanhada, posto que, aqui fora, estão os criminosos não

apanhados.

Obrigado por ler esta última frase! E se leu tudo, que bom que consegui. Foi o melhor

que pude fazer! Espero que a leitura possa te trazer alguma boa informação ou reflexão

e tenha servido para alimentar o exercício da caridade, benevolência e do perdão das

ofensas.

O Autor e organizador