1
MINISTÉRIO DO TURISMO, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, POR MEIO DA SECRETARIA DE CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA, E FUNDAÇÃO OSESP APRESENTAM FUNDAÇÃO OSESP PRESIDENTE DE HONRA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO PRESIDENTE PEDRO PULLEN PARENTE VICE-PRESIDENTE STEFANO BRIDELLI CONSELHEIROS ANA CARLA ABRÃO CÉLIA PARNES ENEIDA MONACO HELIO MATTAR JAYME GARFINKEL LUIZ LARA MARCELO KAYATH MARIO ENGLER MÔNICA WALDVOGEL PAULO CEZAR ARAGÃO PÉRSIO ARIDA SERGIO SUCHODOLSKI TATYANA VASCONCELOS ARAUJO DE FREITAS DIRETOR EXECUTIVO MARCELO LOPES DIRETOR ARTÍSTICO ARTHUR NESTROVSKI SUPERINTENDENTE FAUSTO A. MARCUCCI ARRUDA BEETHOVEN 25O FEV 4 e 5 TEMPORADA OSESP 2020 CONCERTOS SINFÔNICOS osesp.art.br salasaopaulo.art.br fundacao-osesp.art.br /osesp /osesp /osesp_ Secretaria de Cultura e Economia Criativa REALIZAÇÃO 4.2 quinta 19H PAU-BRASIL 5.2 sexta 19H SAPUCAIA 5.2 sexta 20H30 TRANSMISSÃO DIGITAL ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - OSESP NEIL THOMSON regente RICHARD STRAUSS [1864-1949] Metamorfoses [1945] 26 MIN JOHANNES BRAHMS [1833-1897] Serenata nº 2 em Lá Maior, Op. 16 [1858-59] 1. ALLEGRO MODERATO 2. SCHERZO: VIVACE 3. ADAGIO NON TROPPO 4. QUASI MENUETTO 5. RONDO: ALLEGRO 29 MIN STRAUSS Metamorfoses Muitos musicólogos não conseguiram ainda perdoar a postura neutra de Richard Strauss em relação ao nazismo. Alguns sustentam que ele era favorável ao regime, no qual ocupou cargos de destaque, enquanto outros defendem que sua aparente simpatia pelo Reich era uma estratégia para salvar a vida da nora e dos netos judeus e apoiar colegas músicos perseguidos. Ele mesmo pouco se manifestou a respeito desse tema controverso, deixando que várias camadas de sentido obliterassem suas intenções, tanto políticas quanto musicais. Além da óbvia alusão a Ovídio [poeta romano do século i], não sabemos exatamente a quais metamorfoses Strauss se referia quando nomeou a peça, escrita nos estertores da ii Guerra Mundial por encomenda de Paul Sacher, diretor do Collegium Musicum de Zurique. A data no manuscrito é o dia seguinte à destruição da Ópera de Viena, um marco de desespero na vida do compositor. A obra é um lamento fúnebre, mas não sabemos se chora pelas vítimas dos nazistas ou se pela queda do regime. É possível cogitar também que o pranto fosse pelo ocaso do próprio romantismo alemão, do qual Strauss fora o último expoente. Metamorfoses tem três seções contínuas, sendo a primeira lenta e solene, a segunda ligeiramente esperançosa e animada, e a terceira desalentadora como a primeira. Um de seus temas recorrentes é retirado da marcha fúnebre da Sinfonia Eroica de Beethoven, o que lhe acrescenta mais uma pincelada sombria (na última aparição desse tema, Strauss anota embaixo: “in memoriam”). No decorrer da peça, nos assombram várias lembranças de Beethoven e de outros grandes compositores alemães (entre os quais Mozart e Bach), como se viessem lastimar o fim de uma era de civilização e a volta da barbárie. Esse adágio tem um sabor particularmente angustiante, desenrolando-se em movimento constante, sem alívio, pausas, ou paz. Não temos praticamente nenhuma migalha de esperança, e cada ideia que vem à tona acrescenta mais consternação e tristeza. A textura é densa, polifônica e cromática. A omissão deliberada dos instrumentos de madeira e metal — que dependem fisicamente do ar respirado e, portanto, carregam a simbologia do sopro de vida — é uma opção natural dentro desse quadro aflitivo. O sofisticadíssimo uso de contraponto remete ao passado, mas as dissonâncias e cromatismos falam de um futuro cada vez menos consonante e tranquilo. A junção dessas duas ideias cria uma imersão em ambiente opaco, atemporal e esmagador. Essa impressão é reforçada pela instabilidade tonal. Apesar de usar os modos maior e menor de maneira tradicional (ou seja, maior para a esperança tênue, menor para a tristeza opressiva), essa obra ombreia com o atonalismo e suas modulações incessantes são emblemáticas: não conseguimos nunca saber onde estamos, em que chão pisamos, qual será o próximo desvio... Há uma lógica interna também no desenho dos motivos. Primeiro, o movimento ascendente se dá em colcheias e a recuperação descendente, em laboriosas semínimas, numa espécie de ciclo compulsivo que lembra Sísifo carregando a pedra. Depois, as frases se entrelaçam constantemente e, assim, nunca há um término em bloco: antes mesmo que uma frase termine, outra já recomeça e estabelece uma sensação perturbadora de incompletude e inutilidade ao mesmo tempo que a música avança inexoravelmente para o seu destino. BRAHMS Serenata nº 2 em Lá Maior, Op. 16 Para a maior parte dos ouvintes de hoje, a figura de Brahms que vem à mente é a da fotografia de um homem austero, de barba longa e aparência em tudo convencional e respeitável. Sua conhecida timidez e temperamento melancólico, a famosa paixão não realizada, a severidade com que julgava o próprio mérito, a solidão, e principalmente o fato de que por muitos anos foi considerado pelos musicólogos um compositor conservador e anacrônico, reforça esta imagem de velhinho sisudo. O que a Serenata n o 2 nos mostra, porém, é um Brahms jovem, bem humorado, cheio de energia e joie de vivre, esbanjando facilidade na escrita e prazer em dominar sua arte. Estava num bom momento de vida, bem empregado na corte do Príncipe Leopoldo em Detmold, cidade progressista que tinha uma cena cultural estimulante, e o recebeu de braços abertos. Alguns anos antes, quando surgira no cenário musical, Brahms fora louvado por Schumann, então respeitadíssimo crítico musical, como o sucessor de Beethoven. Schumann afirmou que “era inevitável que surgisse um músico chamado a dar expressão a seu tempo de forma ideal; que revelasse sua maestria não em uma evolução gradual, mas que, como Atenas, saltasse completamente armado da cabeça de Zeus. Tal pessoa surgiu, um jovem sobre cujo berço as Graças e os Heróis montaram guarda.” A avaliação, se era poderoso estímulo à carreira do rapaz de 20 anos, que ainda não havia escrito nenhuma obra sinfônica, não podia deixar de representar um peso, uma pressão enorme. Não foi à toa que Brahms avançou com muita cautela, reescrevendo e corrigindo suas obras, e não é de se admirar que tenha acabado por se prejudicar com a autocrítica excessiva. Escrever uma sinfonia depois de Beethoven era tarefa hercúlea, a expectativa era esmagadora demais. Brahms levaria anos até ter coragem de tentar a mão em música orquestral, e mesmo assim começou com obras em que fez questão de evitar a comparação com os antecessores ilustres. Não eram sinfonias, mas sim serenatas! Para que ninguém imaginasse o contrário, escreveu 5 movimentos, fugindo dos quatro habituais para as sinfonias. Essas serenatas, principalmente a segunda, marcam a entrada do jovem Brahms em seu período de maturidade. Formalmente muito bem estruturadas, clássicas em sonoridade e espírito, se tornaram imensamente populares. Infelizmente, quando as Serenatas estrearam, Schumann não mais estava vivo para constatar o acerto de suas predições. Antes da estreia, sob sua própria regência, Brahms enviou o manuscrito para Clara Schumann, que aprovou o resultado, se afeiçoando especialmente ao Adagio, tão equilibrado e lírico. Clara tinha razão em se entusiasmar. Apesar de parecer despretensiosa e singela, nascida apenas de uma inspiração momentânea, a peça é cheia de achados melódicos, modulações sutis e encadeamentos harmônicos tão bem arquitetados que parecem inevitáveis. Além da escrita sofisticada em sua aparente simplicidade, que presta homenagem ao passado, mas não abre mão de uma voz própria e instantaneamente reconhecível, ainda apresenta uma formação peculiar, mas muito bem-sucedida: não tem violinos, a voz mais aguda entre as cordas sendo assumida pela viola. Isso lhe confere uma sonoridade especial, particularmente aveludada e cálida, e faz com que seja atribuído um destaque maior aos sopros e trompas, aproximando a obra dos divertimentos mozartianos para sopros, das peças camerísticas com madeiras e metais de Schubert, Hummel, Spohr e do próprio Beethoven, que Brahms tanto admirava. O fato de que o compositor viria a fazer desta obra um arranjo para piano quatro mãos, denota o quanto ele mesmo estava satisfeito com a composição, que foi de fato recebida com agrado geral. O Allegro moderato haydniano é gracioso, relaxado, com um apelo pastoril. Sua primeira frase, enunciada por clarinetes e fagotes, respondidos pelos outros sopros, é um prodígio daquela enganadora simplicidade mencionada anteriormente: sobe constantemente, em terças, sem esforço, sem drama, e é perfeitamente compensada numa descida sinuosa e elegante. As terças lembram um exercício, aqueles pliés na barra que preparam o corpo do bailarino para os movimentos mais complexos. O segundo tema também começa com clarinetes, e é desenvolvido com muita graça sobre cordas em pizzicato; aparece às vezes em primeiro plano, as vezes no fundo, e é usado inteiro, em fragmentos, ornamentado, até ser apropriado pelos baixos. Tudo é tão orgânico e ameno que os toques de audácia passam despercebidos, como as modulações que chegam até a distante tonalidade de Ré bemol Maior, ou a insistência numa nota, que chega a durar surpreendentes 27 compassos! O Scherzo é igualmente tecido com extrema habilidade, um tema se imbricando ao outro, e evoca a música folclórica da Hungria e da Tchecoslováquia que ele havia ouvido na juventude, e que lhe causara forte impressão. Alegre e dançante, mas com algo de malicioso e ameaçador apenas sugerido (não é difícil imaginar uma quermesse de vilarejo na qual, em meio à inocente algazarra festiva, algum plano suspeito está tomando corpo), é a introdução perfeita para o movimento que tanto agradara a Clara Schumann, o Adagio central. Este mantém no baixo um certo clima de apreensão, mas é íntimo, poético e envolvente. Brahms faz, de um tema retirado do primeiro movimento, o baixo repetido nas cordas sobre o qual se desenrolam variações líricas, em evoluções das madeiras. Este recurso antecipa a vasta passacaglia da Quarta Sinfonia. Os comentários entrecortados dos sopros, que começam no oboé, e praticamente retiram os sopros da massa sonora, atribuindo-lhes um olhar de observador externo é uma ideia surpreendente e muito delicada. O final suspensivo pode ser ouvido como uma discreta homenagem a Bach. O Quasi menuetto é uma dança sem pressa e deslizante, com um trio um tanto apreensivo e questionador, que se torna cada vez mais inquietante até retornar à calma inicial. É uma espécie de micro espelho invertido da Serenata, em que são os movimentos mais agitados que ladeiam o movimento tranquilo. Ele desemboca num allegro animado, uma marcha empolgante e divertida com um piccolo adicionado para ainda maior excitação. O estribilho é vigoroso e cheio de verve, e os couplets são extremamente variados em cor sonora e caráter. É música de caça, de galope, de grande vitalidade rítmica e efeitos brilhantes. As sinfonias eclipsaram as serenatas, que foram enfiadas no nicho das peças inconsequentes de juventude. Nada mais injusto. É exatamente este espírito mais leve, mais exuberante e descompromissado que faz o fascínio da obra. É o tipo da peça em que os músicos se divertem, com solos idiomáticos para todos; e que as plateias apreciam, não só pelas dezenas de melodias encantadoras, pelo desenvolvimento harmônico impecável e pela incrível variedade rítmica, mas principalmente porque, devido ao senso infalível do efeito que causa, jamais explora uma ideia até que ela perca o seu frescor. Laura Rónai É doutora em Música, responsável pela cadeira de Flauta Transversal na UniRio e professora no programa de pós-graduação em Música. É também diretora da Orquestra Barroca da UniRio ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO Fundada em 1954, desde 2005 é administrada pela Fundação Osesp. Thierry Fischer tornou-se Diretor Musical e Regente Titular em 2020, tendo sido precedido por Marin Alsop, que agora é Regente de Honra, de 2012 a 2019. Em 2016, a Orquestra esteve nos principais festivais da Europa e, em 2019, realizou turnê pela China e Hong Kong. No mesmo ano, estreou projeto em parceria com o Carnegie Hall, com a Nona Sinfonia de Beethoven cantada ineditamente em português. Em 2018, a gravação das Sinfonias de Villa-Lobos, regidas por Isaac Karabtchevsky, recebeu o Grande Prêmio da Revista Concerto e o Prêmio da Música Brasileira. NEIL THOMSON regente Diretor Artístico e Regente Titular da Orquestra Filarmônica de Goiás desde 2014, o maestro inglês foi Regente Titular do Royal College of Music de 1992 a 2006, do qual é membro honorário. Já gravou com a Orquestra Sinfônica de Londres e regeu concertos com as Filarmônicas de Londres, de Tóquio, Nacional Russa, Sinfônicas da BBC e Yomiuri Nippon, além da Osesp. Lecionou no Mozarteum em Salzburgo, na Academia de Música de Cracóvia e em diversos festivais, incluindo o Festival de Inverno de Campos do Jordão. ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO DIRETOR MUSICAL E REGENTE TITULAR THIERRY FISCHER VIOLINOS EMMANUELE BALDINI SPALLA MATTHEW THORPE ALEXEY CHASHNIKOV ANDERSON FARINELLI CAROLINA KLIEMANN CÉSAR A. MIRANDA DÉBORAH WANDERLEY DOS SANTOS FLORIAN CRISTEA MARCIO AUGUSTO KIM RODOLFO LOTA VIOLAS MARIA ANGÉLICA CAMERON PETER PAS DAVID MARQUES SILVA ÉDERSON FERNANDES OLGA VASSILEVICH SARAH PIRES SIMEON GRINBERG VLADIMIR KLEMENTIEV VIOLONCELOS HELOISA MEIRELLES ADRIANA HOLTZ BRÁULIO MARQUES LIMA DOUGLAS KIER JIN JOO DOH MARIA LUÍSA CAMERON CONTRABAIXOS ANA VALÉRIA POLES MARCO DELESTRE ALEXANDRE ROSA ALMIR AMARANTE FLAUTAS CLAUDIA NASCIMENTO SÁVIO ARAÚJO LINCOLN SENA PICCOLO** OBOÉS ARCÁDIO MINCZUK JOEL GISIGER CLARINETES SÉRGIO BURGANI GIULIANO ROSAS FAGOTES ALEXANDRE SILVÉRIO VIVIAN MEIRA** TROMPAS ANDRÉ GONÇALVES JOSÉ COSTA FILHO (*) CARGO INTERINO (**) ACADEMISTA DA OSESP OS NOMES ESTÃO RELACIONADOS EM ORDEM ALFABÉTICA, POR CATEGORIA. INFORMAÇÕES SUJEITAS A ALTERAÇÕES.

FEV 4 e 5...Serenata nº 2 em Lá Maior, Op. 16 Para a maior parte dos ouvintes de hoje, a figura de Brahms que vem à mente é a da fotografia de um homem austero, de barba longa

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • MINISTÉRIO DO TURISMO, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO,POR MEIO DA SECRETARIA DE CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA,E FUNDAÇÃO OSESP APRESENTAM

    FUNDAÇÃO OSESP

    PRESIDENTE DE HONRAFERNANDO HENRIQUE

    CARDOSO

    CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

    PRESIDENTEPEDRO PULLEN PARENTE

    VICE-PRESIDENTESTEFANO BRIDELLI

    CONSELHEIROSANA CARLA ABRÃOCÉLIA PARNESENEIDA MONACOHELIO MATTARJAYME GARFINKELLUIZ LARA MARCELO KAYATHMARIO ENGLERMÔNICA WALDVOGELPAULO CEZAR ARAGÃOPÉRSIO ARIDASERGIO SUCHODOLSKITATYANA VASCONCELOS

    ARAUJO DE FREITAS

    DIRETOR EXECUTIVOMARCELO LOPES

    DIRETOR ARTÍSTICOARTHUR NESTROVSKI

    SUPERINTENDENTEFAUSTO A. MARCUCCI ARRUDA

    BE

    ET

    HO

    VE

    N 2

    5O

    FEV 4 e 5

    TEMPORADA OSESP 2020CONCERTOS SINFÔNICOS

    osesp.art.brsalasaopaulo.art.brfundacao-osesp.art.br

    /osesp/osesp/osesp_

    Secretaria deCultura e Economia Criativa

    REALIZAÇÃO

    4.2 quinta 19H PAU-BRASIL5.2 sexta 19H SAPUCAIA5.2 sexta 20H30 TRANSMISSÃO DIGITAL

    ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - OSESPNEIL THOMSON regente

    RICHARD STRAUSS [1864-1949]Metamorfoses [1945]26 MIN

    JOHANNES BRAHMS [1833-1897]Serenata nº 2 em Lá Maior, Op. 16 [1858-59] 1. ALLEGRO MODERATO 2. SCHERZO: VIVACE 3. ADAGIO NON TROPPO 4. QUASI MENUETTO 5. RONDO: ALLEGRO29 MIN

    STRAUSSMetamorfoses

    Muitos musicólogos não conseguiram ainda perdoar a postura neutra de Richard Strauss em relação ao nazismo. Alguns sustentam que ele era favorável ao regime, no qual ocupou cargos de destaque, enquanto outros defendem que sua aparente simpatia pelo Reich era uma estratégia para salvar a vida da nora e dos netos judeus e apoiar colegas músicos perseguidos. Ele mesmo pouco se manifestou a respeito desse tema controverso, deixando que várias camadas de sentido obliterassem suas intenções, tanto políticas quanto musicais.

    Além da óbvia alusão a Ovídio [poeta romano do século i],não sabemos exatamente a quais metamorfoses Straussse referia quando nomeou a peça, escrita nos estertores da ii Guerra Mundial por encomenda de Paul Sacher, diretor do Collegium Musicum de Zurique. A data no manuscrito é o dia seguinte à destruição da Ópera de Viena, um marco de desespero na vida do compositor. A obra é um lamento fúnebre, mas não sabemos se chora pelas vítimas dos nazistas ou se pela queda do regime. É possível cogitar também que o pranto fosse pelo ocaso do próprio romantismo alemão, do qual Strauss fora o último expoente.

    Metamorfoses tem três seções contínuas, sendo a primeira lenta e solene, a segunda ligeiramente esperançosa e animada, e a terceira desalentadora como a primeira. Um de seus temas recorrentes é retirado da marcha fúnebre da Sinfonia Eroica de Beethoven, o que lhe acrescenta mais uma pincelada sombria (na última aparição desse tema, Strauss anota embaixo: “in memoriam”). No decorrer da peça, nos assombram várias lembranças de Beethoven e de outros grandes compositores alemães (entre os quais Mozart e Bach), como se viessem lastimar o fim de uma era de civilização e a volta da barbárie.

    Esse adágio tem um sabor particularmente angustiante, desenrolando-se em movimento constante, sem alívio, pausas, ou paz. Não temos praticamente nenhuma migalha de esperança, e cada ideia que vem à tona acrescenta mais consternação e tristeza. A textura é densa, polifônica e cromática. A omissão deliberada dos instrumentos de madeira e metal — que dependem fisicamente do ar respirado e, portanto, carregam a simbologia do sopro de vida — é uma opção natural dentro desse quadro aflitivo.

    O sofisticadíssimo uso de contraponto remete ao passado, mas as dissonâncias e cromatismos falam de um futuro cada vez menos consonante e tranquilo. A junção dessas duas ideias cria uma imersão em ambiente opaco, atemporal e esmagador. Essa impressão é reforçada pela instabilidade tonal. Apesar de usar os modos maior e menor de maneira tradicional (ou seja, maior para a esperança tênue, menor para a tristeza opressiva), essa obra ombreia com o atonalismo e suas modulações incessantes são emblemáticas: não conseguimos nunca saber onde estamos, em que chão pisamos, qual será o próximo desvio... Há uma lógica interna também no desenho dos motivos. Primeiro, o movimento ascendente se dá em colcheias e a recuperação descendente, em laboriosas semínimas, numa espécie de ciclo compulsivo que lembra Sísifo carregando a pedra. Depois, as frases se entrelaçam constantemente e, assim, nunca há um término em bloco: antes mesmo que uma frase termine, outra já recomeça e estabelece uma sensação perturbadora de incompletude e inutilidade ao mesmo tempo que a música avança inexoravelmente para o seu destino.

    BRAHMS Serenata nº 2 em Lá Maior, Op. 16

    Para a maior parte dos ouvintes de hoje, a figura de Brahms que vem à mente é a da fotografia de um homem austero, de barba longa e aparência em tudo convencional e respeitável. Sua conhecida timidez e temperamento melancólico, a famosa paixão não realizada, a severidade com que julgava o próprio mérito, a solidão, e principalmente o fato de que por muitos anos foi considerado pelos musicólogos um compositor conservador e anacrônico, reforça esta imagem de velhinho sisudo. O que a Serenata no 2 nos mostra, porém, é um Brahms jovem, bem humorado, cheio de energia e joie de vivre, esbanjando facilidade na escrita e prazer em dominar sua arte. Estava num bom momento de vida, bem empregado na corte do Príncipe Leopoldo em Detmold, cidade progressista que tinha uma cena cultural estimulante, e o recebeu de braços abertos.

    Alguns anos antes, quando surgira no cenário musical, Brahms fora louvado por Schumann, então respeitadíssimo crítico musical, como o sucessor de Beethoven. Schumann afirmou que “era inevitável que surgisse um músico chamado a dar expressão a seu tempo de forma ideal; que revelasse sua maestria não em uma evolução gradual, mas que, como Atenas, saltasse completamente armado da cabeça de Zeus. Tal pessoa surgiu, um jovem sobre cujo berço as Graças e os Heróis montaram guarda.” A avaliação, se era poderoso estímulo à carreira do rapaz de 20 anos, que ainda não havia escrito nenhuma obra sinfônica, não podia deixar de representar um peso, uma pressão enorme. Não foi à toa que Brahms avançou com muita cautela, reescrevendo e corrigindo suas obras, e não é de se admirar que tenha acabado por se prejudicar com a autocrítica excessiva. Escrever uma sinfonia depois de Beethoven era tarefa hercúlea, a expectativa era esmagadora demais.

    Brahms levaria anos até ter coragem de tentar a mão em música orquestral, e mesmo assim começou com obras em que fez questão de evitar a comparação com os antecessores ilustres. Não eram sinfonias, mas sim serenatas! Para que ninguém imaginasse o contrário, escreveu 5 movimentos, fugindo dos quatro habituais para as sinfonias. Essas serenatas, principalmente a segunda, marcam a entrada do jovem Brahms em seu período de maturidade. Formalmente muito bem estruturadas, clássicas em sonoridade e espírito, se tornaram imensamente populares. Infelizmente, quando as Serenatas estrearam, Schumann não mais estava vivo para constatar o acerto de suas predições. Antes da estreia, sob sua própria regência, Brahms enviou o manuscrito para Clara Schumann, que aprovou o resultado, se afeiçoando especialmente ao Adagio, tão equilibrado e lírico.

    Clara tinha razão em se entusiasmar. Apesar de parecer despretensiosa e singela, nascida apenas de uma inspiração momentânea, a peça é cheia de achados melódicos, modulações sutis e encadeamentos harmônicos tão bem arquitetados que parecem inevitáveis. Além da escrita sofisticada em sua aparente simplicidade, que presta homenagem ao passado, mas não abre mão de uma voz própria e instantaneamente reconhecível, ainda apresenta uma formação peculiar, mas muito bem-sucedida: não tem violinos, a voz mais aguda entre as cordas sendo assumida pela viola. Isso lhe confere uma sonoridade especial, particularmente aveludada e cálida, e faz com que seja atribuído um destaque maior aos sopros e trompas, aproximando a obra dos divertimentos mozartianos para sopros, das peças camerísticas com madeiras e metais de Schubert, Hummel, Spohr e do próprio Beethoven, que Brahms tanto admirava. O fato de que o compositor viria a fazer desta obra um arranjo para piano quatro mãos, denota o quanto ele mesmo estava satisfeito com a composição, que foi de fato recebida com agrado geral.

    O Allegro moderato haydniano é gracioso, relaxado, com um apelo pastoril. Sua primeira frase, enunciada por clarinetes e fagotes, respondidos pelos outros sopros, é um prodígio daquela enganadora simplicidade mencionada anteriormente: sobe constantemente, em terças, sem esforço, sem drama, e é perfeitamente compensada numa descida sinuosa e elegante. As terças lembram um exercício, aqueles pliés na barra que preparam o corpo do bailarino para os movimentos mais complexos. O segundo tema também começa com clarinetes, e é desenvolvido com muita graça sobre cordas em pizzicato; aparece às vezes em primeiro plano, as vezes no fundo, e é usado inteiro, em fragmentos, ornamentado, até ser apropriado pelos baixos. Tudo é tão orgânico e ameno que os toques de audácia passam despercebidos, como as modulações que chegam até a distante tonalidade de Ré bemol Maior, ou a insistência numa nota, que chega a durar surpreendentes 27 compassos!

    O Scherzo é igualmente tecido com extrema habilidade, um tema se imbricando ao outro, e evoca a música folclórica da Hungria e da Tchecoslováquia que ele havia ouvido na juventude, e que lhe causara forte impressão. Alegre e dançante, mas com algo de malicioso e ameaçador apenas sugerido (não é difícil imaginar uma quermesse de vilarejo na qual, em meio à inocente algazarra festiva, algum plano suspeito está tomando corpo), é a introdução perfeita para o movimento que tanto agradara a Clara Schumann, o Adagio central. Este mantém no baixo um certo clima de apreensão, mas é íntimo, poético e envolvente. Brahms faz, de um tema retirado do primeiro movimento, o baixo repetido nas cordas sobre o qual se desenrolam variações líricas, em evoluções das madeiras. Este recurso antecipa a vasta passacaglia da Quarta Sinfonia. Os comentários entrecortados dos sopros, que começam no oboé, e praticamente retiram os sopros da massa sonora, atribuindo-lhes um olhar de observador externo é uma ideia surpreendente e muito delicada. O final suspensivo pode ser ouvido como uma discreta homenagem a Bach.

    O Quasi menuetto é uma dança sem pressa e deslizante, com um trio um tanto apreensivo e questionador, que se torna cada vez mais inquietante até retornar à calma inicial. É uma espécie de micro espelho invertido da Serenata, em que são os movimentos mais agitados que ladeiam o movimento tranquilo. Ele desemboca num allegro animado, uma marcha empolgante e divertida com um piccolo adicionado para ainda maior excitação. O estribilho é vigoroso e cheio de verve, e os couplets são extremamente variados em cor sonora e caráter. É música de caça, de galope, de grande vitalidade rítmica e efeitos brilhantes.

    As sinfonias eclipsaram as serenatas, que foram enfiadas no nicho das peças inconsequentes de juventude. Nada mais injusto. É exatamente este espírito mais leve, mais exuberante e descompromissado que faz o fascínio da obra. É o tipo da peça em que os músicos se divertem, com solos idiomáticos para todos; e que as plateias apreciam, não só pelas dezenas de melodias encantadoras, pelo desenvolvimento harmônico impecável e pela incrível variedade rítmica, mas principalmente porque, devido ao senso infalível do efeito que causa, jamais explora uma ideia até que ela perca o seu frescor.

    Laura RónaiÉ doutora em Música, responsável pela cadeira de Flauta Transversal na UniRio e professora no programa de pós-graduação em Música. É também diretora da Orquestra Barroca da UniRio

    ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

    Fundada em 1954, desde 2005 é administrada pela Fundação Osesp. Thierry Fischer

    tornou-se Diretor Musical e Regente Titular em 2020, tendo sido precedido por

    Marin Alsop, que agora é Regente de Honra, de 2012 a 2019. Em 2016, a Orquestra

    esteve nos principais festivais da Europa e, em 2019, realizou turnê pela China e

    Hong Kong. No mesmo ano, estreou projeto em parceria com o Carnegie Hall, com

    a Nona Sinfonia de Beethoven cantada ineditamente em português. Em 2018, a

    gravação das Sinfonias de Villa-Lobos, regidas por Isaac Karabtchevsky, recebeu o

    Grande Prêmio da Revista Concerto e o Prêmio da Música Brasileira.

    NEIL THOMSON regente

    Diretor Artístico e Regente Titular da Orquestra Filarmônica de Goiás desde 2014,

    o maestro inglês foi Regente Titular do Royal College of Music de 1992 a 2006, do

    qual é membro honorário. Já gravou com a Orquestra Sinfônica de Londres e regeu

    concertos com as Filarmônicas de Londres, de Tóquio, Nacional Russa, Sinfônicas

    da BBC e Yomiuri Nippon, além da Osesp. Lecionou no Mozarteum em Salzburgo,

    na Academia de Música de Cracóvia e em diversos festivais, incluindo o Festival de

    Inverno de Campos do Jordão.

    ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

    DIRETOR MUSICAL E REGENTE TITULARTHIERRY FISCHER

    VIOLINOSEMMANUELE BALDINI SPALLAMATTHEW THORPEALEXEY CHASHNIKOVANDERSON FARINELLI CAROLINA KLIEMANNCÉSAR A. MIRANDADÉBORAH WANDERLEY DOS SANTOSFLORIAN CRISTEAMARCIO AUGUSTO KIMRODOLFO LOTA

    VIOLASMARIA ANGÉLICA CAMERONPETER PAS DAVID MARQUES SILVAÉDERSON FERNANDESOLGA VASSILEVICHSARAH PIRESSIMEON GRINBERGVLADIMIR KLEMENTIEV

    VIOLONCELOSHELOISA MEIRELLESADRIANA HOLTZBRÁULIO MARQUES LIMADOUGLAS KIERJIN JOO DOHMARIA LUÍSA CAMERON

    CONTRABAIXOSANA VALÉRIA POLESMARCO DELESTRE ALEXANDRE ROSAALMIR AMARANTE

    FLAUTASCLAUDIA NASCIMENTOSÁVIO ARAÚJOLINCOLN SENA PICCOLO**

    OBOÉSARCÁDIO MINCZUKJOEL GISIGER

    CLARINETESSÉRGIO BURGANI GIULIANO ROSAS

    FAGOTESALEXANDRE SILVÉRIO VIVIAN MEIRA**

    TROMPASANDRÉ GONÇALVESJOSÉ COSTA FILHO

    (*) CARGO INTERINO(**) ACADEMISTA DA OSESP

    OS NOMES ESTÃO RELACIONADOS EM ORDEM ALFABÉTICA, POR CATEGORIA. INFORMAÇÕES SUJEITAS A ALTERAÇÕES.