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Estratégias de Desenvolvimento e a Escola Novo-Desenvolvimentista Brasileira José Luis Oreiro Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília Pesquisador Nível IB do CNPq Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo

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Estratégias de Desenvolvimento e a Escola Novo-Desenvolvimentista

Brasileira José Luis Oreiro

Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília

Pesquisador Nível IB do CNPq Pesquisador Associado do Centro de

Estudos do Novo-Desenvolvimentismo

Estrutura da Apresentação

• Estratégias de Desenvolvimento Econômico: Mudança estrutural ou desenvolvimento institucional?

• Limites para o desenvolvimento puxado pela mudança estrutural: desindustrialização e as políticas “neo-mercantilistas”.

• Proposições básicas do novo-desenvolvimentismo.

• Poupança doméstica e câmbio real: qual a relação da causalidade?

• Câmbio real e salário real: a desagradável aritmética novo-desenvolvimentista.

Estratégias de Desenvolvimento

• Referencial teórico: Rodrik (2013)

– Modelo Lewis-Fagerberg-Acemoglu.

• Características fundamentais do modelo

– As diferenças estruturais entre as atividades econômicas são a característica fundamental dos países em desenvolvimento.

– A mudança estrutural é a força dinâmica que impulsiona o crescimento e o desenvolvimento

Estrutura do modelo

• Pequena economia aberta com três setores: – Setor tradicional ou de subsistência: não emprega capital, a produtividade do

trabalho nesse setor é nula ou negligenciável. – Setor industrial: a produtividade do trabalho nesse setor é positivamente

afetada pelos de efeitos de transbordamento da fronteira tecnológica, apresentando assim convergência incondicional, ou seja, quanto mais distante as empresas industriais do país estiverem com relação a fronteira tecnológica, maior será a taxa subsequente de crescimento da produtividade do trabalho.

– Setor de serviços: a produtividade “potencial” dos serviços é uma função das capacitações sociais da economia, a qual é uma média geométrica entre variáveis que refletem a acumulação de capital humano e o desenvolvimento institucional da economia.

• O processo de acumulação de capacitações sociais é cumulativo, mas extremamente lento.

– Reformas institucionais numa área da economia geralmente exigem reformas complementares, e por vezes simultâneas, em outras áreas.

– Por exemplo, um marco regulatório efetivo exige não apenas um elevado nível de capital humano, mas também um sistema político “accountable” e uma cultura burocrática com base no mérito.

Seja 𝜃 o nível de “capacitações sociais” da economia, 𝑦∗(𝜃) a produtividade potencial

do trabalho no setor de serviços, a taxa de crescimento da produtividade do trabalho no

setor de serviços é dada por:

𝑦 𝑠 = 𝛾 𝑙𝑛 𝑦∗ 𝜃 − ln 𝑦𝑠

A relação entre capacitação social e a produtividade potencial do trabalho no setor de

serviços é dada pela curva logística:

𝑦∗ 𝜃 =𝑦𝑚𝑎𝑥

1 + exp(−𝑘 𝜃 − 𝜃0 )

Mudanças institucionais são lentas e incrementais

Por que a indústria é especial?

• A indústria difere dos serviços porque ela se beneficia dos transbordamentos tecnológicos do exterior, apresentando assim convergência incondicional ou absoluta (Rodrik, QJE, 2012):

𝑦 𝑀 = 𝛽 ln 𝑦𝑀𝑓

− ln 𝑦𝑀 + 𝛾 𝑙𝑛 𝑦∗ 𝜃 − ln𝑦𝑠

Onde: 𝑦𝑀𝑓

é a produtividade do trabalho na indústria na fronteira tecnológica.

Os motores do crescimento da produtividade

Seja 𝛼𝑀 a participação do emprego industrial no emprego total; 𝛼𝑠 a participação do

emprego no setor de serviços no emprego total, (1-𝛼𝑀-𝛼𝑠) a participação do emprego no

setor de subsistência no emprego total.

A produtividade média do trabalho na economia é dada por:

𝑦 = 𝛼𝑀𝑦𝑚 + 𝛼𝑠𝑦𝑠 + (1 − 𝛼𝑀 − 𝛼𝑠)

Demonstra-se que:

𝑦 = 𝛼𝑀𝜋𝑚 + 𝛼𝑠𝜋𝑠 𝛾 𝑙𝑛 𝑦∗ 𝜃 − ln 𝑦𝑠 + 𝛼𝑀𝜋𝑚 + 𝛽 ln 𝑦𝑀𝑓

− ln 𝑦𝑀

+ 𝜋𝑚 − 𝜋𝑇 𝑑𝛼𝑀 + 𝜋𝑠 − 𝜋𝑇 𝑑𝛼𝑠

Onde: 𝜋𝑚 =𝑦𝑚

𝑦 é a produtividade relativa da indústria 𝜋𝑠 =

𝑦𝑠

𝑦 é a produtividade

relativa dos serviços.

Quatro canais de crescimento

• (A) Processo de convergência que acompanha a acumulação de capacitações como habilidades e governança.

• (B) Efeitos de transbordamento da fronteira tecnológica do setor industrial no exterior para a manufatura doméstica.

• (C) Mudança estrutural a la Lewis: realocação de mão-de-obra do setor tradicional para o setor industrial.

• (D) Mudança estrutural tipo B: realocação da mão-de-obra do setor tradicional para o setor de serviços.

Quatro Canais

Limites para a mudança estrutural

• Problema: existe um limite máximo para a participação do emprego industrial no emprego total. Além disso, a participação do emprego industrial no emprego total tende a iniciar um processo de declínio após a economia atingir um certo nível de renda per-capita (decorrência de lei de Engel: a estrutura de demanda doméstica tende a se direcionar para serviços a partir de um certo patamar de renda per-capita).

• A medida que a participação do emprego industrial no emprego total alcança esse limite, o crescimento se desacelera.

• Se e quando esse ponto for alcançado, a economia tiver acumulado um nível adequado de capacitações sociais; então novas forças de convergência serão ativadas, ou seja, os canais A e D.

• Nesse contexto, a desindustrialização coloca poucas ameaças a economia, pois o trabalho pode ser deslocado da indústria para os serviços altamente qualificados.

– Exemplo de desindustrialização bem sucedida: Hong Kong.

• Desindustrialização precoce: o país começa a se desindustrializar antes de ter acumulado as capacitações sociais necessárias para ativar os canais de convergência A e D.

– É o caso do Brasil.

Limites para a mudança estrutural

Seja 𝜑 a participação da indústria na absorção doméstica; b o superávit comercial dos

manufaturados com relação ao PIB. Suponha também que o numerário da economia é o

deflator do PIB e que 𝑝𝑚 é o preço relativo dos produtos manufaturados.

Podemos demonstrar que:

𝛼𝑀 =1

𝑝𝑚 𝜋𝑚

𝜑 1 − 𝑏 + 𝑏

𝜕𝛼𝑀

𝜕𝑏=

1

𝑝𝑚 𝜋𝑚

1 − 𝜑 > 0

O papel das políticas neo-mercantilistas

• O tamanho do setor manufatureiro pode ser aumentado ou diminuído ao se reduzir o déficit ou aumentar o superávit comercial dos produtos manufaturados.

• A desindustrialização pode ser retardada por intermédio dessas políticas, comprando assim o tempo necessário para que o nível de capacitação social atinja o patamar necessário para ativar os mecanismos A e D. – A manutenção de uma taxa de câmbio permanentemente sub-

valorizada é uma opção atrativa para os países de renda baixa que desejam obter ganhos rápidos de produtividade por intermédio da industrialização.

– Mesmo países de renda alta como a Alemanha vem adotando essas políticas nos últimos anos como forma de manter o dinamismo da produtividade.

• Em 2016 a Alemanha obteve um superávit em conta corrente como proporção do PIB próximo a 8,5%.

O Novo-Desenvolvimentismo e o Regime de Política Econômica

• O Novo-Desenvolvimentismo, também conhecido como “consenso de São Paulo”, pode ser entendido como uma abordagem para os “determinantes profundos” do desenvolvimento econômico na qual a política macroeconômica é vista como a causa causans dos diferenciais de crescimento de longo-prazo entre os países, notadamente os de renda média. – A sobrevalorização da taxa de câmbio é vista como o

obstáculo fundamental aos países de renda média para realizar a estratégia de alcançamento com respeito aos países ricos.

As Proposições Básicas do Novo-Desenvolvimentismo

• 1 – A indústria de transformação é o “motor do crescimento” de longo-prazo das economias capitalistas, notadamente as economias em processo de desenvolvimento.

• 2 – A dinâmica da indústria de transformação depende tanto da sua competitividade preço (largamente influenciada pela taxa real de câmbio) como da sua competitividade extra-preço (sofisticação tecnológica, medida pela distância com relação a fronteira tecnológica).

• 3- A sobrevalorização da taxa de câmbio (resultante da doença holandesa e/ou da entrada de capitais especulativos) gera desindustrialização precoce e substituição da poupança doméstica por poupança externa. Dessa forma, os países afetados por esse problema irão apresentar um crescimento econômico medíocre no médio e longo-prazo, bem como uma “escassez crônica” de poupança doméstica.

• 4- A eliminação da sobrevalorização cambial exige uma redução temporária do salário real. A aceleração do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho resultante da mudança estrutural induzida pela desvalorização do câmbio real permitirá um crescimento mais rápido do salário real no futuro de forma que as perdas salariais serão recuperadas após alguns anos (efeito taxa versus efeito nível)

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Taxa Real Efetiva de Câmbio - Manufaturados - Exportações. Média Móvel dos últimos 5 anos (Jan.1994 - Mar.2015)

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Evolução da Taxa Real Efetiva de Câmbio e da Participação da Indústria de Transformação no PIB da Economia Brasileira (2003-2010)

TRC

% ind

Fonte : IPEADATA, Elaboração própria

O nível de renda per-capita de um país depende da intensidade do capital e, por conseguinte, da taxa de poupança. ◦ Quanto maior a fração do PIB que for poupada maior será a intensidade do

capital e, portanto, o nível de renda per-capita. ◦ MRW (1992): As diferenças internacionais observadas nos níveis de renda

per-capita podem ser tributadas às diferenças observadas entre as taxas de poupança e as taxas de crescimento da população.

◦ A redução do diferencial entre os níveis de renda per-capita exige que sejam reduzidos os diferenciais observados entre as taxas de poupança.

Os países pobres precisam aumentar a sua taxa de poupança.

As restrições a mobilidade internacional de capitais devem ser removidas para que os capitais possam fluir dos países ricos, onde são abundantes, para os países pobres, onde são escassos.

O crescimento dos países pobres requer, portanto, “poupança externa”.

Modelo de Crescimento da “Ortodoxia Convencional”

Enigma Feldstein-Horioka (1980): Com base numa amostra de 16 países da OCDE observa-se uma forte correlação entre a poupança doméstica e a taxa de investimento.

Outros estudos mostraram que essa correlação é estável e pode ser observada também para países em desenvolvimento.

A poupança externa aparentemente não tem influência sobre a taxa de investimento.

Interpretação do enigma: Ele é uma decorrência da existência de uma “restrição orçamentária inter-temporal”. ◦ Um país não pode se endividar indefinidamente: os déficits em conta-

corrente precisam ser seguidos por superávits. ◦ Dessa forma, no longo-prazo o investimento deve ser “financiado” com

“poupança doméstica”, não com “poupança externa”.

Puzzles para a “ortodoxia convencional”

Por que razão a poupança externa parece ter um impacto negativo ou, no melhor dos casos, insignificante sobre o crescimento de longo-prazo?

Uma razão para isso é que a poupança doméstica e a poupança externa são substitutos ao invés de complementares.

Dessa forma, um aumento da poupança externa é, via de regra, usado para financiar um aumento do consumo doméstico, deixando inalterado o investimento.

Substituição de Poupanças

A substituição de poupanças ocorre em função de uma valorização da taxa real de câmbio.

Quando o câmbio real se aprecia ocorre um aumento do salário real e da participação dos salários na renda nacional.

Como a propensão a consumir a partir dos salários é maior do que a propensão a consumir a partir dos lucros ocorre um aumento do consumo doméstico e, dessa forma, uma redução da taxa de poupança.

A apreciação do câmbio real, por outro lado, gera uma redução das exportações e um aumento das importações produzindo assim um aumento do déficit em conta corrente, ou seja, um aumento da poupança externa.

O Mecanismo de Substituição de Poupanças

Taxa de Poupança e Participação dos Lucros na Renda em 31 Países em Desenvolvimento (1988-1992)

Fonte: Ros (2001), Elaboração própria.

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Poupança doméstica como proporção do PIB e Câmbio Real Bilateral (2000-2016)

Câmbio Real Poupança privada

Teste de Causalidade de Granger

• Nota Técnica

– Costa da Silva, G.J; Oreiro, J.L (2017). “Evidências Empíricas Recentes da Relação entre a Taxa de Câmbio Real Efetiva e a Poupança Privada no Brasil (2000-2016)”. Disponível em http://joseluisoreiro.com.br/site/link/ff76f63b013442d0aac4da3684c92c15507e32d7.pdf.

– Período : 2000-2016.

Teste de Causalidade de Granger Pairwise Granger Causality Tests

Date: 06/14/17 Time: 09:36

Sample: 2000Q1 2016Q4

Lags: 2 Null Hypothesis: Obs F-Statistic Prob. DLNSPRIVREAL does not Granger Cause DLNCAMREAL 65 0.65338 0.5239

DLNCAMREAL does not Granger Cause DLNSPRIVREAL 6.37114 0.0031

O resultado “DLNSPRIVREAL does not Granger Cause DLNCAMREAL” está dizendo que você NÃO

consegue rejeitar a hipótese de DLNSPRIVREAL não causa DLNCAMREAL (Prob = 0.5239, que é maior

do que 5%), portanto, isso é verdade.

O resultado “DLNCAMREAL does not Granger Cause DLNSPRIVREAL” está dizendo que você deve

rejeitar a hipótese de DLNCAMREAL não causa DLNSPRIVREAL (Prob = 0.0031, que é menor do que

5%), portanto, DLNCAMREAL causa no sentido de granger DLNSPRIVREAL.

Salário Real e Câmbio Real: a desagradável aritmética novo-desenvolvimentista

Efeito Nível X Efeito Taxa

• A desvalorização do câmbio real gera inevitavelmente uma redução do nível do salário real no momento em que ela ocorre (efeito nível); mas ao induzir um aumento da participação da indústria de transformação no PIB irá permitir um crescimento mais rápido dos salários ao longo do tempo.

• A perda é apenas temporária. – O tamanho da queda inicial do salário real vai depender do peso dos

produtos importados na cesta de consumo dos trabalhadores. • Como a economia brasileira é relativamente fechada a queda inicial não deve

ser muito grande.

– A velocidade de recuperação do salário real vai depender do ritmo de reindustrialização da economia.

• Aqui o tamanho do hiato tecnológico importa: a indústria brasileira está muito defasada da fronteira tecnológica.

• Necessidade de complementar o ajuste da TRC com políticas de ciência, tecnologia e inovação.

Efeito Nível X Efeito Taxa

Ln

Tempo

Obstáculos a Desvalorização Cambial

• Rigidez de salário real: Se o salário real for rígido devido, por exemplo, a indexação; então o único efeito da desvalorização do câmbio nominal será produzir um aumento exatamente proporcional do nível de preços doméstico. – A rigidez de salário real será tão maior quanto menor for o período de

tempo compreendido entre os reajustes salariais. – Em 1982 a maxi-desvalorização de 30% do câmbio nominal feita pelo

Ministro Delfim Netto não produziu desvalorização do câmbio real porque foi seguida por uma redução do intervalo de tempo entre os reajustes salariais de 12 para 6 meses.

– Aceleração da inflação corroeu o efeito sobre o câmbio real de uma desvalorização do câmbio nominal.

• Nessa caso, a desvalorização do câmbio nominal só produzirá uma aceleração da taxa de inflação.

Contato

• E-mail: – [email protected].

• Web-Site – www.joseluisoreiro.com.br.

• Blog: – www.jlcoreiro.wordpress.com.