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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLANDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA GEOGRAFIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: Estratégias e Concepções para Ensinar Alunos Surdos UBERLANDIA - MG Julho 2009

Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

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Educação inclusiva.

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Page 1: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLANDIA

INSTITUTO DE GEOGRAFIA

ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA

GEOGRAFIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:

Estratégias e Concepções para Ensinar Alunos Surdos

UBERLANDIA - MG Julho 2009

 

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLANDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA

ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA

GEOGRAFIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: Estratégias e

Concepções para Ensinar Alunos Surdos

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Geografia, sob a orientação da Profa Dra. Adriany de Ávila Melo Sampaio.

UBERLANDIA – MG

Julho 2009

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ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA

GEOGRAFIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: Estratégias e Concepções para Ensinar Alunos Surdos

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profa. Dra. Adriany de Ávila Melo Sampaio – UFU

Orientadora

_____________________________________________ Profa. Dra. Lazara Cristina da Silva – UFU

Examinadora

_____________________________________________ Profa. Ms. Rosana de A. M. Silveira- Rede Estadual MG

Examinadora

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha esposa Rafaela; ao nosso amado filho Gabriel Artur, aos meus pais e irmãos, que sempre se empenharam para entender meus momentos de ausência; E a todos os pesquisadores surdos Brasileiros que conseguiram legitimar a perspectiva dos próprios surdos, precursores das lutas pelo reconhecimento da sua língua, da sua cultura e do seu povo, e aos demais que acreditam que a ousadia e o erro são caminhos para as grandes realizações.

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AGRADECIMENTOS

A minha competente orientadora Adriany de Ávila Melo Sampaio pela suas orientações; aos professores e alunos que participam e vivenciam o cotidiano do universo surdo, bem como os desafios de acreditar que o amanha será melhor; À Aline Guerra e aos demais que acrescentaram muito em diálogos de modo a fazer um diferencial muito especial na realização e conclusão desta pesquisa.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................7 CAPÍTULO UM BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA NO

BRASIL................................................................................................................9

1.1 ALGUMAS LEIS SOBRE EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL....................15

CAPÍTULO DOIS

DESAFIOS NA FORMAÇÃO DOCENTE ...................................................................17

2.1 O ALUNO SURDO NA ESCOLA REGULAR .......................................................20

2.2 O PAPEL DO INTÉRPRETE NA SALA DE AULA...............................................22

CAPÍTULO TRÊS ESTRATÉGIAS PARA ENSINAR GEOGRAFIA........................................................24

3.1 O TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO DE GEOGRAFIA ..............................25

3.1.1 TRABALHO DE CAMPO NOVA PONTE MG.............................................26

3.1.2 TRABALHO DE CAMPO PEIRÓPOLIS MG E SACRAMENTO MG........30

3.1.3 TRABALHO DE CAMPO RELAÇÃO CAMPO CIDADE............................34

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................38

REFERÊNCIAS.............................................................................................................40

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INTRODUÇÃO

A Geografia em sua essência traz o desafio como ciência de explicar as

transformações ocorridas no espaço geográfico. Isso faz dela uma ciência dinâmica e

complexa, pois mesclam tanto anseios ligados à atuação do bacharel/Geógrafo, como

licenciado/professor. Neste contexto, nunca antes a temática relacionada a metodologias

fora tão discutida e abordada quanto na atualidade. Concomitante a isso, observa-se uma

aceleração nas preocupações e aplicações das práticas pedagógicas, agora com a

inclusão de novos sujeitos, antes excluídos do processo ensino aprendizagem, no âmbito

do ensino regular.

Dentre essas preocupações tomo como objetivo de pesquisa a inclusão. As

preocupações sobre práticas pedagógicas em Geografia ampliam-se demasiadamente

quando esse aluno é surdo. Nessa perspectiva pensar o ensino da Geografia como

ciência potencialmente crítica e dinâmica é de fato um desafio a superação. Inúmeros

questionamentos me fizeram problematizar a abordagem de metodologias pedagógicas

para o desenvolvimento do conteúdo geográfico para os alunos surdos no ensino

regular.

Metodologicamente, para desenvolvimento da Monografia foram realizadas

conversas informais com três alunos surdos, três professores e dois Intérpretes da

Língua de Sinais da Rede Pública Estadual de Uberlândia e dois professores também da

Rede Estadual de Ituiutaba. Como parte da pesquisa minhas vivências enquanto

professor de Geografia de alunos surdos em salas inclusivas também compôs a obra.

No Capítulo 1 desta pesquisa, é apresentado um breve Histórico da Educação

Especial e Inclusiva no Brasil, o qual apresenta em linhas gerais alguns pontos cruciais

da LDB (Brasil, 1996), além de autores como Pellosi (2000), Silva (2003) e Lima

(2005), que são confrontados com o intuito de se estabelecer uma proposta de educação

inclusiva, a fim de começar a entender os caminhos até então trilhados, evoluções e

retrocessos ocorridos ao longo dos anos de discussões sobre Educação de Surdos.

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O Capitulo 2 mostra o desafio de ensinar a Geografia para alunos surdos na

atualidade. Deparamo-nos com dilemas no que tange à formação docente nas

Universidades e Faculdades do Brasil, quanto à discussão da Educação Inclusiva. Esses

são apenas alguns elementos organizadores da problemática posta em questão. Dialogo,

ainda, com ESPIRITO SANTO (2002) e outros autores, acerca de estratégias didáticas

para o ato de educar, bem como o processo ensino-aprendizagem em si. Por último

discute-se o papel do intérprete, elo no processo de comunicação professor e aluno

surdo.

No capítulo 3 apresenta-se o relato de experiência do Trabalho de Campo

desenvolvido durante o período de 2006 a 2008, em Escola Pública da Rede Estadual do

Estado de Minas Gerais, sintetizando-se uma reflexão sobre práticas que possibilitaram

a compreensão de alguns conceitos geográficos fundamentais. A experiência não é

apresentada como modelo inovador em si, mesmo porque, como educador não acredito,

no fim das dificuldades, principalmente em se tratando de metodologias de ensino,

diante do dinamismo implícito e evidenciado pela diversidade e necessidade incutida

em cada educando.

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CAPÍTULO 1

BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

NO BRASIL

A história da educação especial no Brasil vem sendo desenhada desde o século XVI

quando médicos e educadores começaram a acreditar na possibilidade de educar os

indivíduos antes considerados ineducáveis. Entretanto os métodos utilizados

caracterizavam-se, segundo Mendes (2006), como assistencialista e institucionalizado,

por meio de asilos e manicômios. Essa situação persiste até meados do século XIX,

quando o tema começa a tomar novos rumos com desenvolvimento de novas discussões

acerca dos historicamente excluídos.

Nesse contexto, a Educação Inclusiva para Bueno (1993), assim como Mendes

(2001), evidenciam, como marco, a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, na

cidade do Rio de Janeiro, fato ocorrido em 17 de setembro de 1854, com a presença do

Imperador. Em 21 de novembro de 1889, o Decreto n° 09, baixado pelo Governo

Provisório da recém-proclamada República, suprimia do nome do Instituto a palavra

"Imperial". O Decreto n° 193, de 30 de janeiro de 1890, denominava-o Instituto

Nacional dos Cegos. Finalmente, o Art. 2º do Decreto n° 1.320, de 24 de janeiro de

1891, deu-lhe o nome de Instituto Benjamin Constant, em homenagem ao seu primeiro

diretor, nome pelo qual ainda hoje é conhecido. (ARQUIVO NACIONAL, 2009).

Observando registros de pesquisadores como Lodi, Padilha, Turetta entre outros

sobre o tema Educação de Surdos pode-se perceber que no final do século XV não havia

escolas especializadas. Há registros de pessoas ouvintes interessadas em ensinar os

surdos, como por exemplo, Cardano e Leon (QUADROS E PERLIN, p. 119). Apesar

do preconceito generalizado, essas pessoas ouvintes desenvolveram métodos para

ensinar aos surdos a língua oral de seu país, como o italiano Girolamo Cardano, que

utilizava sinais e linguagem escrita, e o espanhol e monge beneditino Pedro Ponce de

Leon, que utilizava, além de sinais, treinamento da voz e leitura de lábios.

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Dentre estas pessoas que começaram a educar os surdos, algumas acreditavam que a

primeira etapa da educação deles deveria ser um ensino da língua falada, adotando uma

metodologia que ficou conhecida como "método oralista puro". Outras utilizaram a

língua de sinais, já conhecida pelos alunos, como meio para o ensino da fala, o chamado

"método combinado".

Entre os adeptos da segunda proposta, estavam os professores Juan Pablo Bonet, da

Espanha; o Abbé Charles Michel de I'Epee, da França; Samuel Heinicke e Moritz Hill,

da Alemanha; Alexandre Graham Bell, nascido na Escócia, mas que morou no Canadá e

nos Estados Unidos; e Ovide Decroly, da Bélgica (INES, 2009).

Destes professores, o mais importante, do ponto de vista do desenvolvimento da

língua de sinais brasileira, foi l'Epee, porque foi de seu Instituto de Jovens Surdos de

Paris, que veio para o Brasil, Huet, um professor surdo, que, a convite de Dom Pedro II,

trouxe este "método combinado", criado por l'Epee, para trabalhar com os surdos

brasileiros iniciando O Imperial Instituto de Surdos Mudos em 1857, hoje o Instituto

Nacional de Educação de Surdos- INES.

Historicamente, as pessoas com surdez eram consideradas incapazes de serem

ensinados e o acesso à escola era algo inexistente. As pessoas surdas, com enfoque as

que não foram oralizadas, tiveram uma vida de exclusão generalizada perante a

sociedade. Eram, por exemplo, proibidas de possuir ou herdar bens e viver como as

demais pessoas. Assim, privadas de seus direitos básicos, ficavam com a própria

sobrevivência comprometida. A criação do Instituto pode significar em um primeiro

instante uma preocupação da elite com a Educação dos seus entes surdos.

No ano de 1880, em Milão na Itália, representantes do congresso Mundial de

Professores de Surdos chegaram após várias discussões à conclusão de que todos os

surdos deveriam ser ensinados pelo método oral puro. Vale lembrar que participaram da

votação somente os professores ouvintes, os professores surdos foram impedidos de se

pronunciar. Assim, durante cem anos o método adotado foi o oral puro, sendo a língua

de sinais proibida.

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Apesar da proibição oficial, a Língua de Sinais continuou sendo usada pelos surdos

em seus espaços de socialização:

[...] Os surdos comunicavam-se em línguas de sinais utilizando espaços como banheiros, corredores ou distante da vigia ouvinte configurando territorialidades de resistência à imposição de uma língua e cultura que não era a sua. Em conseqüência disso, na sua história de preservação da língua, e da construção da identidade, desenvolveram-se também propostas educativas em que os educadores propunham a língua de sinais como principal referência metodológica para a educação de surdos. (SILVA, 2003. p.22)

Em 1975, durante o Congresso Mundial de Surdos em Washington, a constatação

de que os surdos eram subeducados por meio do oralismo puro e diante da realidade que

a comunicação por meio de gestos nunca deixou de existir, fez com que uma nova época

se iniciasse na educação do surdo, dando a educação um enfoque bilíngüe. (SÁ, 1999).

No Século XX, ocorreu o aumento do número de escolas para surdos em todo o

mundo. No Brasil, surgiram o Instituto Santa Terezinha para meninas surdas, na cidade

de São Paulo (SP); a Escola Concórdia em Porto Alegre, – Rio Grande do Sul; a Escola

de Surdos de Vitória, o Centro de Audição e Linguagem “Ludovico Pavoni” CEAL/LP,

em Brasília-DF e várias outras que, assim como o INES e a maioria das escolas de

surdos do mundo, adotavam o Método Oral.

Paralelo a este movimento, ocorreu o aprimoramento das próteses ortofônicas que

propiciou às crianças surdas, de diversos países, serem encaminhadas para as escolas

regulares, no momento em que se priorizava a integração, ainda priorizando o Método

Oral.

O discurso sobre a educação especial e a inclusiva, foi impulsionado na década de

1990, especialmente após o Tratado de Salamanca em 1994, de influência mundial, que

assinalou os princípios para as políticas e práticas educacionais.

No Brasil, a constituição de 1988 esboçou uma política de igualdade de condições

de acesso à educação. Mas, foi a Lei de Diretrizes Básicas (LDB) de 1996, com um

capítulo inteiro dedicado à educação especial, que introduz “o portador de necessidades

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educacionais especiais” na rede regular de ensino e o apoio especializado. A partir da

LDB, tiveram um papel significativo, a Política Nacional de Educação Especial de 1999

e o Parecer nº. 17 de 2001 que consolidou as diretrizes nacionais da educação especial

na educação básica.

Nas discussões a cerca das diretrizes e parâmetros na educação, surge

constantemente o uso do termo inclusão e o de integração.

Uma das definições da palavra integrar trazida por Ferreira (1989) é “tornar-se parte

integrante”, enquanto que, para o termo inclusão tem-se “Fazer tomar parte, inserir,

abranger. etc”. Outros autores abordam de forma diversa essa temática como reportado

por Mendes e Silva (2001):

[...] Do que estamos falando quando nos referimos à integração e à inclusão? Entendemos que a noção é polissêmica (de muitos sentidos), sejam porque múltiplos podem ser sujeitos, ou espaços políticos - sociais onde o processo se desencadeia e se mantém, seja porque são múltiplos os níveis de sucesso seguidos nas interações interpessoais, implícitas em qualquer dos conceitos de integração. Na verdade, a idéia de integração (econômica, política ou social e sob esta função, a educacional), pressupõe a reciprocidade. (p.15)

Aparentemente a integração escolar, que mais interessa aos educadores em geral,

tem sido conceituada como um processo de educar-ensinar juntos, Mendes; Silva (2001)

dessa forma, sujeitos ditos como normais e sujeitos com necessidades especiais, são

colocados no mesmo espaço de convivência durante uma parte, ou na totalidade do

tempo de permanência na escola regular.

A discussão semântica dos termos inclusão e integração são trazidos por Sassaki

(1997) e Mantoan (1997) como uma inovação em relação as práticas anteriores, o inaugurar

de uma nova fase em que exigir-se-á a participação da sociedade. Segundo a autora

“...Processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos”. (SASSAKI. 1997, p. 41)

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Por outro lado, os debates surgem outros debates a respeito dessa temática, para

Amaral (1998) e Carvalho (1997), os termos tratam-se de um único movimento em

momentos diferentes, uma vez que ao se discutir integração e propor formas alternativas de

atendimentos, já se levava em conta a necessidade de participação da sociedade e dos

próprios portadores de deficiência. Para essas autoras integração e inclusão têm o mesmo

arcabouço teórico e ideológico. O que pode ser identificado com Lacerda (2007) quando

este propõe:

“A inclusão Escolar é um processo gradual e dinâmico que pode tomar formas distintas de acordo com as necessidades dos alunos. Acredita-se que essa integração possibilite a construção de processos lingüísticos adequados, de aprendizado dos conteúdos acadêmicos e uso social da leitura e da escrita. Nessa proposta o professor media e incentiva a construção do conhecimento através da interação com ele e com os colegas”. (LACERDA, 2007, p.261)

A constatação da diferença e do caráter dinâmico vivenciado na sala de aula, é sem

dúvida importante no processo de inclusão, visto que auxilia na conduta do professor

influenciando nas relações pedagógicas, e no grau de desenvolvimento conceitual e

social do aluno com necessidades especiais.

Uma importante crítica ao processo de inclusão efetivado/estabelecido nas escolas

regulares é feita por Strobel (2006) na concepção educacional atual, a inclusão dos

sujeitos surdos em escolas de ouvintes é a forma mais rápida e certa de voltar a chamar

o sujeito surdo de ‘deficiente’, porque o que esta sendo feito atualmente é apenas um

jogo político.

Além disso, a própria comunidade escolar “falseia” o significado de incluir. O aluno

com surdez, exemplificado por ser o foco da pesquisa, consegue normalmente uma

tímida integração, geralmente com grupo de alunos também surdos, para o restante da

comunidade, permanece o ícone de “coitadinho”. Atribui-se como uma das fontes dessa

situação, a quase inexistência de propostas e ações de esclarecimento aos alunos,

professores e demais funcionários, pois se observa que muitas vezes os alunos surdos e

ouvintes, convivem na mesma turma, porém, desconhecem as limitações ou

potencialidades do outro.

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A situação da Educação Inclusiva no Brasil pode ser caracterizada por Ercolin

(2003) da seguinte maneira:

[...] escolas e espaços deveriam ser adaptados, professores capacitados e este processo vêm se desenvolvendo lentamente. Dados do Censo 2000 mostram que 24,7% dos alunos portadores de deficiência freqüentam classe comum em escolas regulares e 75,3% em escolas especiais e classes especiais. A lei é importante no sentido de garantir um direito, porém o trabalho com professores no sentido de se informarem, capacitarem-se e acolherem a todos os alunos é fundamental (p. 01).

Os autores Peyer; Zych (2008) acrescentam que a inclusão é uma inovação que

exige da escola, novos posicionamentos, implicando na necessidade de aperfeiçoamento

dos professores para que se atenda aos alunos surdos de maneira que propicie

possibilidades de se conseguir progressos significativos. Ambos ressaltam a importância

da inclusão dos alunos com necessidades especiais na rede regular de ensino, mas

reforçam a importância de ações concretas de adequações estruturais e funcionais na

escola para o efetivo processo de inclusão. Nota-se a complexidade de fatores que

envolvem o processo, aliados as peculiaridades intrínsecas de cada indivíduo de modo a

garantir o sucesso do processo.

Nesse processo, o que se percebe é que a principal mudança nas relações no

ambiente escolar está mais próxima da idéia de integração, entendida como resultado da

inserção do aluno com necessidade especial na rede regular de ensino, do que de uma

inclusão de fato, onde o sujeito com necessidades especiais consegue desenvolver suas

habilidades pedagógicas e sociais de forma plena.

Desse modo, observa-se que as transformações no processo de inclusão precisariam

ser externas ao indivíduo com necessidade especial, ou seja, a escola e a sociedade em

geral deveriam adaptar-se às pessoas com necessidades especiais o contrário. No

entanto, o que se percebe é que a própria sociedade exclui veementemente essas

pessoas, seja negligenciando, seja relativizando suas reais necessidades.

Dessa forma cabe aos agentes do processo educacional não somente incluir ou

integrar, mas apresentar propostas que viabilizem políticas, possibilitando manter esses

alunos freqüentes na escola, capacitando-os, oferecendo meios para o pleno

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desenvolvimento de suas potencialidades, além de construir novos paradigmas que

proporcionem uma transformação social coletiva, digo, novas formas de percepção e

convivência entre ouvintes e surdos.

1.1. Algumas Leis sobre a Educação de Surdos no Brasil

A lei nº 10.436/2002 que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, em

seu artigo 1º diz que: “É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a

Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados”.

Completa afirmando:

[...] “entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil”.

Essa legislação foi uma grande contribuição para a comunidade de surdos, visto que

fortaleceu a identidade daqueles que já se comunicavam utilizando esse meio,

legalizando e dessa forma, reconhecendo oficialmente as peculiaridades anteriormente

negadas e mesmo proibidas.

O artigo 4º da mesma (10.436/02), traz que o sistema educacional federal e os

sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a

inclusão do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, nos cursos de formação de

Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e

superior, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Cabe

estabelecer uma ressalva de que conforme legislação vigente, e em seu parágrafo único

que “A Língua Brasileira de Sinais/Libras não poderá substituir a modalidade escrita da

língua portuguesa”.

No decreto nº. 5.626 de Dezembro de 2005, traz-se, no seu capítulo II Artigo 3º, a

inclusão da LIBRAS como disciplina curricular. Tal decreto enfoca que LIBRAS deve

ser inserida como disciplina obrigatória curricular nos cursos de formação de

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professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, no âmbito dos

governos Federal, Estaduais e Municipais.

Dessa maneira percebe-se alguma evolução, que traz, implicitamente, uma

rediscussão sobre possibilidades e formas de construir efetivamente o processo de

inclusão, por meio da formação técnica de profissionais.

Os decretos/leis ao estipularem metas e parâmetros, de certa maneira, colaboram

para o reconhecimento da importância da LIBRAS, como mecanismo de comunicação

entre surdos e ouvintes, por meio dos intérpretes, reconhecidos agora pelo sistema

oficial de ensino e com presença garantida em espaços formais. Dessa forma, um novo

mecanismo facilitador é integrado ao processo de socialização.

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CAPÍTULO 2

DESAFIOS NA FORMAÇÃO DOCENTE EM GEOGRAFIA

São tamanhos os dilemas/problemas de ordem política, social e pedagógica, postos

nos caminhos da formação docente no Brasil. Ainda é prematuro dizer se a tímida,

porém importante atuação do poder público em medidas relacionadas à formação

docente, como os programas de avaliação, planos e diretrizes para a educação, bem

como, os parâmetros curriculares nacionais e avaliações dos livros didáticos tem

produzido transformações positivas na formação dos professores no Brasil.

Os diferentes programas de formação superior, distribuídos pelo país, acabam que

por sinalizar por um lado respeito à diversidade cultural e socioeconômica do país, mas

por outro, pode significar demasiado descontrole administrativo por parte do governo

Federal em estabelecer um currículo comum para a formação dos seus professores,

desse modo possibilitando assegurar a qualidade mínima às licenciaturas.

Muitos dos discursos sobre a formação e trabalho docente não levam em

consideração seus objetivos contemporâneos, ou seja, a função social do professor no

atual estágio de desenvolvimento tecno-científico. Pouco se discute na formação inicial,

o que se pode aqui chamar de Graduação, sobre, por exemplo, “Educação Inclusiva”. O

currículo inflexível, desse modo não acompanhando o dinamismo da vida em sociedade,

e as transformações de toda ordem que acontecem em meio um mundo globalizado.

Dessa maneira, os desafios na formação de um eficiente professor não se limitam à

formação docente em Geografia, englobando diversas licenciaturas por todo o território

Nacional. As grades curriculares muitas vezes não contemplam uma formação integral

do futuro docente, discussões importantes são postas de lado em favor do currículo

tradicional. Um dos elementos negativos é o contato tardio do graduando com a

realidade das salas de aulas, este só ocorre no término, salvo breves contatos via estágio,

normalmente realizados sob a forma de mera observação.

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Page 18: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Novas propostas de ressignificância do professor no século XXI devem ser

pensadas, articuladas com projetos e aplicadas em prol de uma formação crítica e

reflexiva.

Evitando assim, que a realidade encontrada pelos recém licenciados, fosse tão

caótica e traumática. No momento em que são inseridos no mercado de trabalho, e

depararam-se com turmas normalmente de 40 a 50 alunos, salas de aula mal projetadas

pedagogicamente, com deficiências estruturais como falta de carteiras, iluminação

inadequada, ventilação precária. Além de alunos sem pré-requisitos necessários e da

ampla diversidade de faixa etária, muitas vezes resultado de sucessivas repetências.

O professor muitas vezes tem que lidar com as mais variadas necessidades

especiais, isso quando ele consegue perceber/identificar, pois, a escola na maioria das

vezes não está preparada para identificar eventuais necessidades. Observa-se também

que existem casos de alunos com surdez parcial, onde nem mesmo o aluno ou a família

tem conhecimento sobre a interferência da “deficiência” no processo ensino-

aprendizagem.

Aliado a essa desordenada realidade nota-se, um forte apelo político presente no

ambiente escolar, materializado de diversas formas, como nas constantes pressões por

melhorias dos índices de aprovações anuais e resultados em avaliações aplicadas

periodicamente pelo Estado, vinculadas à cobranças internacionais de melhoria

quantitativa na Educação, pré requisito para obtenção de vantagens econômicas.

Muitas vezes o professor acaba sendo avaliado negativamente por não corresponder

aos anseios dos seus superiores, por outro lado, alguns professores submetem-se,

aprovando alunos, em muitos casos sem mérito, colaborando assim para com a

manutenção da má qualidade do ensino no País.

A aplicação de mecanismos qualitativos de formação e capacitação docente, que

propiciariam gradual desenvolvimento na Educação, é estabelecida oficialmente pelo

Estado como reportado no parágrafo 3º, artigo 6º, onde as diretrizes Curriculares

Nacionais para formação dos professores de Educação Básica, em nível superior, curso

de Licenciatura, de graduação plena, definem que os projetos pedagógicos dos cursos de

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formação docentes precisam possibilitar a aquisição de diferentes competências que

envolvam conhecimentos relacionados a uma cultura geral ampla, cultura profissional,

conhecimento sobre crianças, jovens e adultos, conhecimento sobre a dimensão cultural,

social, política e econômica da educação, domínio das áreas de conteúdo que são objeto

de ensino, conhecimento pedagógico e conhecimento advindo da experiência.

Infelizmente restrita aos aspectos teóricos, mostrando-se inviável no atual processo de

ensino, em parte pelo posicionamento e interesse político.

A formação específica do Licenciado em Geografia, privilegiar-se-ia

demasiadamente dos aspectos teóricos citados anteriormente nas Diretrizes Curriculares

Nacionais; visto que, se sustenta em uma diversidade de campos do conhecimento,

envolvendo/analisando aspectos sociais, econômicos, políticos e naturais. Essa

característica torna ainda mais complexa à formação desse profissional, capacitado em

atender também as necessidades especiais de alunos surdos.

A relevância da ação do docente, na concretização do estudo Geográfico durante

o ensino regular e a contribuição do mesmo, na formação social do indivíduo é

ressaltada quando:

“O estudo de Geografia possibilita aos alunos a compreensão de sua posição no conjunto das relações da sociedade com a natureza; como e por que suas ações, individuais ou coletivas, em relação aos valores humanos ou à natureza, têm conseqüências (tanto para si como para a sociedade). Permite também que adquiram conhecimentos para compreender as atuais redefinições do conceito de nação no mundo em que vivem e perceber a relevância de uma atitude de solidariedade e de comprometimento com o destino das futuras gerações. Além disso, seus objetos de estudo e métodos possibilitam que compreendam os avanços na tecnologia, nas ciências e nas artes como resultantes de trabalho e experiência coletivos da humanidade, de erros e de acertos nos âmbitos da política e da ciência, por vezes permeados de uma visão utilitarista e imediatista do uso da natureza e dos bens econômicos.” BRASIL, 1998, p.29

Neste sentido, é imprescindível o convívio do professor com o aluno em sala de

aula, no momento em que pretender desenvolver algum pensamento crítico da realidade

por meio da Geografia PCN (1998). Desse modo torna-se imprescindível que o docente

em Geografia, desenvolva durante seu processo de formação habilidades para aplicação

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dos conceitos e mecanismos fundamentais para o ensino de Geografia, pensando

alternativas para auxiliar o aluno surdo; tais como estratégias práticas como trabalhos de

campo, leitura de mapas, maquetes, imagens de satélites, fotografias aéreas, dinâmicas

em grupo e teatros.

Está longe de se findar tal discussão, visto tamanha densidade que acompanha a

temática. As dificuldades no processo de formação e de trabalho docente, bem como as

relações entre os sujeitos envolvidos no processo educativo do ambiente escolar.

2.1. O ALUNO SURDO NA ESCOLA REGULAR

No Brasil, mesmo garantida por lei a inclusão de alunos com necessidades especiais

na rede regular ainda está longe de ser acessível a todos. Mendes (2003) constata que na

atualidade, para uma estimativa de seis milhões de crianças e jovens com necessidades

educacionais especiais, não chega a quatrocentos mil o número de matriculados,

considerando o ensino especial e o ensino regular.

Em 1990 a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien

na Tailândia, discutiu entre outros o fracasso escolar dos alunos surdos e as

necessidades de desenvolver políticas educacionais de qualidade com objetivos de

inserir nas escolas um maior número de crianças e a criação de serviços para

atendimento aos mesmos.

Skliar (1998) considera esse processo como inclusão excludente, ou seja, uma

forma a partir da qual parece que grupos de surdos são considerados dentro de um

sistema plural, democrático, porém, dentro da escola é praticada a exclusão.

Dorziat (2004) considera que a inclusão social de pessoas surdas, objetivando sua

participação social efetiva, depende de uma organização das escolas considerando três

critérios: a interação por meio da língua de sinais, a valorização de conteúdos escolares

e a relação conteúdo-cultura surda.

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Page 21: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

A legislação educacional, por meio da Lei nº 10.098 de 2000, prevê que o Poder

Público deve tomar providências no sentido de eliminar as barreiras de comunicação,

para garantir aos surdos o acesso à informação, à educação, incluindo a formação de

intérpretes de língua de sinais.

Como Educador/pesquisador observo que apesar de todo um aparato legal do

Estado criando leis e decretos, ainda há uma maioria de professores e de escolas

despreparados para lidar com os alunos surdos, deixando o processo de inclusão

comprometido. Observa-se ainda que os profissionais que deveriam estar capacitados,

muitas vezes, desconhecem a língua de sinais e as condições bilíngües do surdo,

situação na qual me incluo.

Schneider (2006) entrevistou quatro professoras do ensino regular que tinham

alunos surdos entre cinco e seis anos em sala de aula. Por meio das respostas das

professoras, a autora concluiu que apesar delas terem a pretensão de praticar um ensino

inclusivo, não tinham condições para realizar a prática inclusiva. Além disso, Schneider

afirma que as posturas dos professores diante dos alunos surdos denotavam a

segregação que existe nas escolas, já que em geral os alunos surdos são excluídos dos

trabalhos em grupo e das exposições orais. Falta aos professores base teórica para

realizar um trabalho que assegure ao aluno surdo os meios para sua inserção no ensino

regular.

A escola como palco da prática inclusiva deveria estar adaptada a esse aluno. O que

se percebe é o contrário, pois na escola em que leciono atualmente há alguns alunos

surdos sem a presença do profissional intérprete. Além da falta de formação dos

professores, o aluno surdo tem ainda que enfrentar a falta de infra-estrutura básica para

seu “sucesso” no processo ensino aprendizagem.

Durante a Pesquisa nas entrevistas informais com os próprios alunos surdos, os

mesmos ressaltaram a necessidade do intérprete, porque alguns relacionam o fato aos

estrangeiros quando viajam a outro país com outra língua, ou seja, para eles, estar na

sala de aula que prioriza o ouvinte é como se eles fossem estrangeiros em seu próprio

país.

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Page 22: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

2.2. O PAPEL DO INTÉRPRETE NA SALA DE AULA

O intérprete da LIBRAS é um profissional capacitado e/ou habilitado em processos

de interpretação da língua de sinais. Deve ter titulação, certificação e registro

profissional para atuar em situações formais (escolas, palestras, reuniões técnicas,

igrejas, fóruns judiciais, programas em televisão e/ou em vídeo etc.) e em situações

informais (domicílios, ruas, lazer, turismo etc.). A categoria profissional possui Código

de Ética e respaldo institucional (associações de pessoas surdas, Federação Nacional de

Educação e Integração dos Surdos, Federação Mundial dos Surdos, entre outras).

O intérprete da LIBRAS não pode ser confundido com profissionais, tais como:

professor-intérprete da LIBRAS (professor de alunos surdos em sala de aula e intérprete

junto à comunidade escolar ouvinte), formador de intérpretes da LIBRAS (pessoa

ouvinte ou surda que ministra curso de formação de intérpretes de LIBRAS), instrutor

de LIBRAS (pessoa surda que ministra curso de LIBRAS), agente multiplicador de

LIBRAS (pessoa que recebeu capacitação para ministrar curso de LIBRAS para

ouvintes e/ou curso de capacitação de instrutores de LIBRAS).

A expansão do ensino, aumentando a oferta de educação, principalmente o acesso à

escola de alunos das camadas mais pobres, percebe-se que aumentou muito o universo

de crianças com necessidades especiais, dentre elas alunos surdos incluídas em Escola

Regulares no Brasil. Dados do Ministério da Educação e do Desporto sobre o número

de alunos surdos no Brasil. Constatou-se que há 43.241 (quarenta e três mil e duzentos e

quarenta e um) surdos nas escolas em todos os níveis escolares. (IBGE, 1998).

Conseqüentemente, aumentou a procura por intérpretes educacionais. Todavia, por

não haver número suficiente de profissionais formados, qualquer pessoa que saiba

língua de sinais e se dispuser ao trabalho acaba sendo potencialmente um intérprete

educacional, ou seja, sem exigência nenhuma a formação ou qualificação especifica.

Em relação à recepção e interpretação da mensagem, os alunos surdos relatam não

entenderem boa parte do que o intérprete traduz, mas que preferem a sua presença,

apesar das dificuldades, porque sem ele acompanhar as aulas é ainda pior.

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Page 23: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Nesta pesquisa, quando questionado sobre o que o aluno surdo achava da presença

do intérprete em sala de aula, o mesmo respondeu:

[...] o professor explicava as matérias na escola e o intérprete fazia interpretações do professor e ia explicando aos alunos. Acho que se ele não estivesse não aprenderíamos a matéria, ai faríamos mau prova, trabalho, as atividades praticas... Ele ajuda muito a entender as matérias. (L. aluno 3º Ano Ensino Médio, interpretação do português pelo autor)

Em relação ao papel do intérprete em sala de aula, verificou-se durante a pesquisa

que em sala de aula o intérprete assume uma série de funções como, por exemplo,

ensinar língua de sinais, atender a demandas pessoais do aluno, cuidados com aparelho

auditivo, atuar frente ao comportamento do aluno, estabelecer uma posição adequada

em sala de aula, ser educador frente a dificuldades de aprendizagem do aluno, o que faz

com que ele aproxime-se muito de um professor. Assim, estudiosos, defendem que ele

deva integrar a equipe educacional, todavia isso o distancia de seu papel tradicional de

intérprete gerando polêmicas. Essa situação reafirma a necessidade de mais pesquisas

nesta área, esclarecendo melhor as semelhanças e diferenças entre o intérprete e o

intérprete educacional.

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Page 24: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

CAPÍTULO 3

ESTRATÉGIAS PARA ENSINAR GEOGRAFIA

Foi decisivo para escolha do objeto de estudo o ambiente percebido numa Escola

Estadual em Uberlândia MG, com turmas do Ensino Médio, atualmente local com

número significativo de alunos surdos.

O desafio, sem dúvida, foi me deparar aos alunos surdos e, como professor de

Geografia, criar mecanismos para ensinar sem ficar limitado à aula expositiva e à

atuação do intérprete, mesmo porque este profissional, ainda não estava efetivamente

oferecendo suporte às aulas, por questões burocráticas de contratação pela Secretaria de

Educação.

As aulas começaram em fevereiro de 2006, porém, somente em março a intérprete

pode estar em sala. Diante desta realidade comecei a construir a idéia de trabalhar a

Geografia de maneira que possibilitasse o uso do espaço vivido, dinâmico e próximo

dos alunos.

Desse modo, procurou-se desenvolver estratégias para o ensino da Geografia

com enfoque ao aluno surdo no ensino regular.

“A Geografia trabalha com imagens, recorre a diferentes linguagens na busca de informações e como forma de expressar suas interpretações, hipóteses e conceitos. Pede uma cartografia conceitual, apoiada em fusão de múltiplos tempos e em linguagem específica, que faça da localização e da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos.” (BRASIL, 1998, p.33)

Adotou-se como estratégia pedagógica, diversas atividades de caráter prático,

dentre estas a elaboração de um Laboratório de Geografia, no qual ocorreram várias

atividades com alunos surdos e ouvintes. Neste local, foram desenvolvidos trabalhos

com mapas, imagens, textos, amostras de rochas, minerais, solos, água, maquetes, globo

terrestre, terrrário, projetor de imagem. Executaram-se também atividades de campo.

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Page 25: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

3.1 O TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO DE GEOGRAFIA

O progresso da Geografia como ciência remonta ao progresso do nosso

conhecimento do globo, efetuado, sobretudo em conseqüência de viagens de

descobertas e de colonização do século XVIII; efetuadas, sobretudo por cientistas e por

exploradores animados de curiosidade científica. Segundo Lowenthal (1982), antes

mesmo de serem sistematizados, na Antiguidade e na Idade Média, os conhecimentos

geográficos eram utilizados para traçar roteiros de viagens.

Os trabalhos de campo, neste sentido, surgem com o objetivo de proporcionar ao

pesquisador a análise das relações existentes no espaço geográfico. Além de atuar como

importante ferramenta didática.

A observação de campo fundamenta a pesquisa quando possibilita realizar

observações de aspectos fisiológicos, urbanos, sociais, econômicos e culturais na

paisagem de forma empírica, procurando diminuir as distâncias entre teoria e prática

geográfica. Os trabalhos de campo em foco precisaram seguir alguns princípios,

principalmente como nos reforça (Silva, Alves & Lopes apud Monbeig 1936) afirmando

que “as excursões constituem um valioso auxílio e devem ser aproveitadas e aplicadas

com o objetivo definido, geográfico, afim de que não refundem em simples passeio ou

viagem de turismo”. (p. 13)

Trazendo para a sala de aula atual, o trabalho de campo possibilita ao aluno surdo

uma análise das relações existentes no espaço geográfico, bem como realiza

observações e análise de diversos ambientes e as relações estabelecidas, possibilitando

expressar significados e conclusões diversas.

A preocupação inicial foi levar os alunos surdos a uma maior compreensão da

Geografia, visto que, a primeira série do Ensino Médio, inclui temas como clima,

relevo, vegetação, solos, recursos hídricos, além das ações antrópicas em diferentes

meios.

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Page 26: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Não se deve encarar essa atividade como um fim, mas como um meio que tenha o seu prosseguimento ao retornar à sala de aula. Se o objetivo é a melhoria do ensino em Geografia, só há um caminho a seguir pelo professor: não ficar ancorado apenas na acumulação de um saber geográfico do livro didático, sair dos exaustivos discursos, dos questionários sem fundamento, intensificar a comunicação com os alunos, ter a preocupação em atualizar e aperfeiçoar o conhecimento e ter satisfação em experimentar as novas técnicas. (TOMITA, 1999, p. 15)

As atividades de campo quando ocorridas devem servir como recurso pedagógico,

auxiliando professores e alunos no processo ensino-aprendizagem, porém, não deve

estar desconectada à teoria, a organização do pensamento e das eventuais

interdisciplinaridades existentes. Desse modo caminha a proposta de trabalho de campo

em Geografia, possibilitando aos alunos visualizarem na teoria, a ocorrência prática no

espaço Geográfico.

A seguir serão apresentados três trabalhos de campo, realizados com alunos do

primeiro e segundo anos do Ensino Médio. As turmas tinham aproximadamente 40

alunos cada, sendo que destes, 20 eram surdos: 16 do primeiro ano e 4 do segundo ano.

Dos três trabalhos de campo, realizados apenas em dois deles pode-se contar com a

presença de intérprete, por último utilizou-se os próprios alunos ouvintes e leitura labial

como meio de alcançar os objetivos de proporcionar e estabelecer relações de

interdependência entre os fenômenos físicos e humanos de maneira crítica, dinâmica e

prazerosa.

3.1.1 TRABALHO DE CAMPO: NOVA PONTE MG

O local da primeira atividade de campo foi a Usina de Nova Ponte, no ano de 2006,

e envolveu as disciplinas de Geografia, Biologia e História. Teve como tema a análise

do funcionamento e Impactos da Usina Hidrelétrica de Nova Ponte/MG, Reserva do

Jacob, localizada no município de Nova Ponte/MG. (Imagem 1)

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Page 27: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Imagem 1: Jusante do reservatório da Usina Hidrelétrica de Miranda, Nova Ponte, MG. Fonte: SOUZA, A. R. 2006.

Durante o primeiro momento na apresentação e palestra promovida por funcionários

da CEMIG, abordaram-se aspectos referentes à produção de energia hidroelétrica e os

impactos ambientais gerados.

Em um segundo momento ocorreu atividades práticas, no trajeto pré-estabelecido

em uma das trilhas ecológicas da Reserva local. O grupo percorreu cerca de 2.400 m,

observando, analisando, coletando amostras (Imagem 2) e realizando aferições de solos,

rochas, estrutura de relevo, temperatura e altitude. Desse modo, integramos os

conteúdos de Pedologia, Geologia, Geomorfologia, Climatologia, Recursos Hídricos,

Análise de Flora e Fauna e Impactos Ambientais, que se situam no Conteúdo

Programático de Geografia do Ensino Médio.

Buscando melhorar o aproveitamento da atividade, todos os alunos foram

previamente orientados a fazerem observações e anotações de campo, esses registros na

forma escrita e fotográfica seriam utilizados em um próximo momento. Os alunos

surdos serviam-se também do desenho para tal atividade.

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Page 28: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Imagem 2: Interior da Reserva Ambiental do Jacob – Nova Ponte/MG Fonte: SOUZA, A. R. 2006.

Os objetivos foram tratados de modo que os alunos pudessem relacionar, perguntar

e relatar os aspectos observados. Tiveram ainda a oportunidade de organizar várias

amostras de solo e rochas encontrados ao longo do trajeto, na forma de um Museu de

Minerais e Rochas, exposto na Escola (Imagem 3). A fim de ilustrar e até mesmo

demonstrar a importância dos trabalhos de campo na escola, motivar a difusão do

conhecimento adquirido, além de concretizar a inclusão dos alunos surdos, foi proposta

pelos professores uma visita monitorada dos demais membros da escola a exposição dos

trabalhos.

A atividade de campo, além de possibilitar aos alunos surdos e ouvintes um

momento de socialização, possibilita aos primeiros conhecer na prática elementos os

quais estariam distantes via intérprete. Dessa forma figura-se o trabalho de campo,

como proposta utilizada para promover o processo ensino aprendizagem em Geografia

através do diálogo reflexivo, possibilitando conceituar elementos do cotidiano

geográfico.

O ambiente de Campo possibilita aos alunos, em especial os surdos, o contato

concreto com elementos diversos, traz consigo a vantagem do novo, que é comum à

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Page 29: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

todos os alunos da turma. Desse modo, não se anulam, porém diminuem-se as

diferenças e os possíveis estigmas, infelizmente, comuns ao ambiente da sala de aula.

Tal situação favorece o encorajamento dos alunos surdos em estabelecer novas relações

e conceitos com uma freqüência maior.

Diferentemente do aluno ouvinte, percebeu-se durante as aulas que o aluno surdo

demorava mais para estabelecer as relações conceituais, justamente por causa da

dificuldade do método oral. Em contra partida a representação através de desenhos é

muito rica em detalhes. Desse modo, o trabalho de campo, por ter em um de seus

principais elementos a observação e o registro gráfico ou fotográfico, torna-se uma

importante ferramenta para análise dos ambientes por esses alunos.

Imagem 3: Museu de Minerais e Rochas. Fonte: SOUZA, A. R. 2007.

Durante a realização da atividade anterior e posterior ao Trabalho de Campo,

diferentes professores, mobilizaram-se na utilização de novos meios para o

desenvolvimento e aplicação de conceitos diversos, com o propósito de mudar e superar

o formato de ensino, normalmente aplicado e caracterizado pela fragmentação dos

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Page 30: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

saberes. Todos os esforços confluíram em fim único: a sistematização formal e efetiva

do conhecimento escolar por meio das observações e aprendizados proporcionados pela

prática do trabalho de campo interdisplinar.

Este trabalho contou com o auxilio de uma intérprete de LIBRAS, que acompanhou

os alunos surdos em todas as atividades, propiciando assim a compreensão e

sistematização de conhecimentos também por meio da linguagem, além de outros

aspectos:

[...] os sujeitos, ao interagirem através da linguagem, internalizam ou apropriam de conhecimentos, modos de ação, papéis e funções sociais. É no curso destas ações mediadas pelo outro e pelos signos, nas relações sociais, que vão sendo constituídas as funções psicológicas e a formação da pessoa (VYGOTSKY, 1998).

Conclui-se que a atividade de campo, teve resultados positivos, além dos

previamente programados.

3.1.2 TRABALHO DE CAMPO: PEIRÓPOLIS/SACRAMENTO MG

O local escolhido para o segundo Trabalho de Campo foi o Centro de Pesquisas

Paleontológicas Llewellyn Ivor Price localizado em Peirópolis, município de Uberaba e

a Gruta dos Palhares, localizada no município de Sacramento-MG. Estiveram

envolvidos na atividade, realizada em 2007/2008, as disciplinas Geografia, Química,

Biologia, contou também com a presença do Intérprete de LIBRAS. O foco do Trabalho

fora a evolução e caracterização dos Períodos Geológicos. Além da abordagem

paleoclimática do período, elementos da fauna e flora por meio de exemplares

fossilizados, minerais e rochas, além da formação e modelagem de elementos do relevo

e os Impactos Ambientais de natureza antrópica.

Dentre as estratégias relevantes destacam-se as atividades práticas na forma de

anotações e observações, além da aplicação de conteúdos teóricos referentes ao ensino

médio regular. A caderneta de campo foi uma das ferramentas utilizadas durante as

atividades, como eles não estavam familiarizados, este elemento mostrou-se importante,

ao motivar os registros e a observação mais atenta dos locais pelos alunos.

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Page 31: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Antes da realização do Trabalho de Campo, foi realizada uma explanação na sala de

aula, sobre os objetivos do Trabalho de Campo, as características dos locais a serem

visitados como a diversidade paleontológica regional, reconhecida mundialmente. Isso

permitiu um conhecimento prévio do ambiente.

Durante a atividade de Campo os alunos surdos mostraram-se atentos, fazendo

perguntas, anotando e registrando por meio de fotos, desenhos e escrita. No decorrer da

atividade a presença da interprete de LIBRAS, foi fundamental para obter-se êxito no

objetivo de aproximar os alunos surdos à realidade prática, a partir da teoria em sala.

Interessante perceber que as dúvidas e questionamentos aconteceram tanto pelos alunos

surdos, quanto dos alunos ouvintes, contribuindo assim para o conhecimento efetivo,

além de propiciarem a socialização dos mesmos.

A primeira visita foi ao Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price,

localizado em Peirópolis. Neste local realizamos uma visita monitorada ao museu,

observamos réplicas de dinossauros, a representação das Eras Geológicas e suas

respectivas características climato-botânicas, além de exemplares de fóssil animal e

vegetal encontrados no local e processo de datação através do Carbono 14.

Posteriormente, nos dirigimos à área de escavação, onde o monitor do Centro,

explicou a atuação e técnicas utilizadas pelo paleontólogo na procura e retirada de

fósseis. Ainda no local, desenvolvi uma fala sobre as características pedológicas (coluna

estratigráfica) observadas e previamente estudadas, características dos minerais

encontrados, além da coleta de materiais.

Próximo a este local, visitamos o leito de um rio, onde notamos os graves

problemas ambientais, resultado da ação do garimpo de minerais, durante período

anterior. Por meio da observação e análise da paisagem, discutimos conceitos de mata

ciliar, assoreamento, intemperismo, processos erosivos avançados (presença de

voçorocas), delimitação e importância de áreas de preservação ambiental.

Foi comprovado que a distância entre as disciplinas na teoria não corresponde à

prática. Pois, enquanto na sala de aula as disciplinas e conteúdos são fragmentados, e

chegam a aparentar certa desconexão, tanto nos temas desenvolvidos como na

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Page 32: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

possibilidade de atuação conjunta dos professores; diante da atividade prática as

possibilidades de interdisciplinaridade são bem mais visíveis e elementares.

A segunda visita foi à Gruta dos Palhares, localizada no município de Sacramento-

MG ( Imagem 4), onde fomos acompanhados pelo guia do Parque, que relatou aspectos

históricos referentes à região e a gruta, utilizada anteriormente como refúgio de negros

no período da escravidão no Brasil e que posteriormente tornou-se centro de

peregrinações religiosas por conta de milagres.

Esse momento foi útil também na observação de aspectos naturais, geológicos

geomorfológicos e de intemperismo; abordou-se temas como ação da água na

modelagem do relevo e formação da Gruta, que é um dos pontos de recarga do Aqüífero

Guarani, além da presença de fatores bióticos e abióticos no ambiente. Por fim, discutiu-

se os aspectos sociais e culturais referentes às práticas de conservação e preservação do

local e os indícios de vandalismo no interior da gruta.

Após a visita, ocorreu um momento de socialização dos saberes adquiridos até

então, os alunos surdos, expressaram suas dúvidas e avaliações. Notamos que as

percepções dos alunos surdos são apreendidas de modo pessoal, e transcendem as

informações traduzidas pelo interprete, sendo muitas vezes baseadas em aspectos

visuais e transmitidas por meio de sinais e gestos à todos, inclusive aos ouvintes.

O intérprete de LIBRAS apresenta-se como potencializador/facilitador do processo

ensino-aprendizagem, mas que o aluno demonstra ir além da simples tradução de fatos

ou diálogos, fato representado nos desenhos e relatórios. Em outras palavras, a tradução

auxilia no processo, porém, a interpretação e o andamento da aprendizagem são

referenciados por cada aluno de maneira particular e única, reafirmando as múltiplas

possibilidades de aprendizagem e interpretação de um objeto e ou situação.

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Page 33: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Imagem 4: Gruta dos Palhares, Sacramento, MG. Fonte: SOUZA, A. R. 2007.

A lógica do trabalho de campo enquanto recurso didático pedagógico vai muito

além do esperado, como a argumentação de J. S.merece destaque:

“Além de interferir em hábitat naturais produzindo resíduos e poluentes, a humanidade altera o equilíbrio dos ecossistemas”.(J. S., aluno primeiro ano do Ensino Médio)

A fala se deu após ouvir da professora de Biologia que o homem acaba introduzindo

espécies exóticas e provocando a extinção de outras em ecossistemas naturais. Ou seja,

o aluno criou um conceito a partir da informação em campo.

A fim de ilustrar o estudo realizado, é imprescindível destacar a importância da

obtenção de imagens em trabalhos de campo, visto que as mesmas podem ser úteis em

análises mais aprofundadas, bem como para comparações posteriores. Como propõe

Justiniano (2005):

Em geografia, a imagem ilustra e documenta eventos naturais e sociais que ocorrem num determinado tempo e lugar [...]. O Registro de imagens para ilustração de relatórios deve estar previsto no planejamento dos trabalhos de campo; porém, no trabalho de campo podem surgir eventos importantes não previstos em gabinete. (JUSTINIANO, 2005, p. 187)

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Page 34: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Os resultados dessa atividade foram socializados, com os demais membros da

Comunidade Escolar, através de painéis fotográficos e vídeos, meios estes escolhidos,

por permitir e facilitar e a difusão dos conhecimentos adquiridos, de maneira prática e

motivadora; além, de possibilitar que os alunos surdos fossem integrados à atividade em

grupos com componentes ouvintes.

3.1.3 TRABALHO DE CAMPO: RELAÇÃO CAMPO CIDADE

O terceiro Trabalho de Campo, foi realizado, em 2007, na zona rural, Fazenda

Cascata, Distrito de Cruzeiro dos Peixotos, município de Uberlândia e na zona urbana

de Uberândia/MG, nos bairros Jardim Karaíba e ocupação nas proximidades do bairro

Dom Almir. As disciplinas envolvidas foram: Geografia e História. Os temas

desenvolvidos foram as diferentes concepções de organização e utilização do espaço

geográfico. Os objetivos foram analisar e observar o espaço rural e urbano, bem como a

ocupação e modos de viver no campo. Em Geografia no Bimestre estudava-se espaço

Rural, assim a proposta da atividade foi relacionar a realidade com a teoria em sala de

aula.

Imagem 5: Fazenda Cascata distrito de Cruzeiro dos Peixotos. Fonte: SOUZA, A. R. 2007.

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Page 35: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

O trabalho de campo foi realizado na fazenda Cascata (imagem 5). Além de

possibilitar aos alunos surdos e ouvintes compreenderem grandes contrastes no espaço

geográfico, tornou-se possível fazerem uma leitura crítica da paisagem, visto que

observaram e registraram impressões sobre o espaço rural, os recursos, a forma de viver

no campo, bem como relacionar com a organização do espaço geográfico transformado.

Imagem 6: Bairro Jardim Karaíba - Uberlândia MG. Fonte: SOUZA, A. R. 2007.

A paisagem urbana com sua linguagem própria e dinâmica nos mostra suas

desigualdades exemplificadas nas imagens 6 e 7. Porém, muitas vezes, é necessário

fazer aos alunos algumas indagações críticas para eles possam entender o sentido da

atividade. Perguntas como:

O Porquê de observamos nas cidades bairros ricos e bairros pobres? De que forma a

distribuição da população está relacionada com a renda econômica? Ou ainda; De que

forma ou maneira pode-se observar a segregação dos espaços além das observações de

habitações?

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Page 36: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Importante destacar que os alunos não executaram passivamente as atividades

propostas. Ao contrário, demonstraram ao longo do trajeto serem sujeitos de sua

aprendizagem, pois começaram a selecionar, sistematizar informações e fazer

questionamentos.

Imagem 7: Ocupação nas proximidades do Bairro Dom Almir, Uberlândia, MG. Fonte: SOUZA, A. R. 2007.

Os depoimentos e as inquietações diante de fatos observados e dos textos

produzidos mostraram uma evolução em relação ao envolvimento deles com o estudo

proposto. É importante ressaltar o desenvolvimento de postura crítica aliada à

elaboração de questionamentos e busca de respostas para os diversos problemas

observados.

O estudo demonstrou que trabalhos dessa natureza podem contribuir de modo

frutífero com o processo educacional. Os alunos relataram que as aulas se tornaram

mais interessantes, atendendo às necessidades e às curiosidades dos mesmos. Com isso,

foram constatadas melhorias significativas no desempenho desses em sala de aula,

principalmente na relação professor-aluno, bem como na questão do gostar do ensino de

Geografia.

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Page 37: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Por fim, o que se pode colher da atividade é uma gama de conhecimentos e novas

maneiras de observar uma mesma realidade. Nos diálogos com os alunos, percebeu-se a

satisfação, as relações às vezes carregadas de exageros, mas que, não tiram o brilho dos

mesmos estar aprendendo “coisas” novas.

A fazenda e a cidade trouxeram para alguns, lembranças bem positivas, pois, alguns

ainda têm parentes que trabalham e/ou moram no campo; para outros, as lembranças

não são tão boas. As observações foram várias; desde o modo de se vestir na fazenda, de

falar, os hábitos culturais à realidade da cidade.

Observamos através dos relatórios que os alunos têm mais dificuldade de escrever

corretamente o que eles concluíram. Assim, comecei a observar que as conversas ao

final desses trabalhos de campo, seriam bem mais proveitosas, pois os alunos surdos, os

alunos ouvintes, professores e intérpretes ficavam apesar de cansados, animados. A

discussão ganhou rumos inesperados, com resultados muito interessantes, pois houve

uma variedade de observações e conclusões. Uma das questões interessantes do

Trabalho de Campo foi perceber que os alunos surdos ficaram muito mais empolgados

com esses “debates” do que os ouvintes.

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Page 38: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de sua evolução histórica, a Ciência Geográfica sofreu influências de

vários pensadores que contribuíram para a conceituação da mesma. O amplo leque de

possibilidades se deve as múltiplas áreas de estudo abrangidas pela Geografia. Nessa

direção, ainda é mais complexa o entendimento da evolução e das variáveis presentes

no espaço escolar no tocante ao ensino de alunos com necessidades especiais.

Ao longo do trabalho, percebeu-se que o espaço escolar geralmente não é discutido

em debates, durante o processo de formação profissional e alguns temas importantes

não são tratados da forma como deveriam ser. Um desses temas são as propostas de

inclusão. Dessa maneira como educador e professor de Geografia, minha preocupação

esteve vinculada ao ato ensinar Geografia para alunos surdos em sala de educação

regular, ou seja, ensinar ao aluno que possui um sistema diferente de comunicação do

ouvinte.

A formação docente no tocante à Educação de Surdos acaba sendo uma necessidade

eminente. A mera inserção dos alunos surdos no ambiente da escola regular mostrou-se

insuficiente para efetivar a inclusão dos mesmos, pois observa-se, que ainda são

precárias as condições estruturais e pedagógicas das escolas e que a legislação oficial,

apesar de representar grandes avanços, está distante de ser plenamente aplicada.

Desse modo, a busca por estratégias no ensino de Geografia tornou-se de grande

importância. Nesse contexto a realização de trabalhos de campo na Ciência Geográfica

constituiu-se como um instrumento importante para a prática de uma educação inclusiva

no âmbito das instituições de ensino.

As dificuldades são inerentes ao tema discutido, entretanto, a elaboração de novos

mecanismos é necessária, afim de que se possa de fato contemplar uma educação para

todos, assim, o propósito deste trabalho em apresentar a atividade de campo como

recurso a ser considerado pelo professor de Geografia, a fim de que se possa possibilitar

a prática da teoria adquirida em sala de aula.

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Page 39: Estratégias e Concepções Para Ensinar Alunos Surdos

Sendo assim, a realização de tais atividades práticas, viabilizaram a efetivação de

análises das relações estabelecidas no espaço geográfico, bem como proporcionaram

observações de modo sensível, buscando analisar a inter-relação dos fenômenos. O

trabalho de campo foi uma maneira utilizada para superar as dificuldades encontradas

no ensino para alunos surdos, pois possibilitou a efetiva e intensa participação dos

mesmos, na elaboração e exposição dos conceitos estudados e vivenciados; além é claro

da melhoria na inclusão e socialização com a turma e posteriormente com toda a

comunidade escolar.

Nesta perspectiva, estratégias devem ser criadas, visando ampliar a importância do

tema inclusão nas escolas, assim como na divulgação importância da língua de sinais e

no intérprete em língua de sinais como profissão regulamentada.

Podemos considerar que todo o processo de inclusão tem um vasto caminho a

seguir e o professor acaba sendo um dos protagonistas. Nessa perspectiva, para que haja

inclusão do aluno surdo é necessário que as pessoas envolvidas no processo educacional

façam um esforço, no sentido de se livrarem de modelos pré-determinados.

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