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Introdução O processo brasileiro de expansão ur- bana apoiou-se em uma sociedade com distribuição de renda bastante desigual, tendo como resultado a concentração de renda e população nas grandes cidades, surgindo uma estrutura urbana fragmenta- da social e espacialmente, com generaliza- ção das periferias urbanas, principalmente – mas não apenas – nos grandes centros urbanos. A década de 80 foi marcada pela perda do dinamismo econômico, acompanhado Estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e entorno: a mobilidade e a segregação socioespacial da população da precarização das relações de trabalho e desassalariamento da força de trabalho, ampliando o setor informal e gerando a informalização nas empresas capitalistas (Baltar et al., 1996). A pobreza urbana surge como fenôme- no generalizado, resultante de processo de urbanização brasileiro, principalmente nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, ainda que resguardadas as diferenças regionais entre o Nordeste e o Sul do país, revelando de maneira indis- cutível as desigualdades sociais (Rocha, 1994). Maria Célia Silva Caiado * O objetivo do artigo é avaliar as alterações na distribuição e mobilidade espacial da população, que podem ser associadas ao processo de urbanização e estruturação intra-urbana na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride, envolvendo, além do Distrito Federal, municípios pertencentes aos Estados de Goiás e Minas Gerais. A Ride apresenta especificidades relacionadas ao processo de desenvolvimento econômico, à ocupação territorial e à gestão urbana, que a diferenciam das demais aglomerações urbanas e regiões metropolitanas nacionais, principalmente no que se refere às possibilidades de atuação estatal na gestão urbana, pelas peculiaridades do processo de ocupação territorial do Distrito Federal – cidade planejada para ser pólo de desenvolvimento e sede administrativa nacional. Essas especificidades, no entanto, não foram capazes de promover a apropriação igualitária das vantagens locacionais do espaço urbano, fazendo com que a configuração socioespacial da região se assemelhasse às encontradas nas demais aglomerações urbanas e metrópoles nacionais, principalmente no que diz respeito às desigualdades no processo de distribuição socioespacial da população. Palavras-chave: Mobilidade intra-urbana. Distribuição espacial da população. Estruturação urbana. * Arquiteta, Doutora em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, pesquisadora colaboradora no Núcleo de Estudos Populacionais – Nepo, da Unicamp, e do Núcleo de Economia Social Urbana e Regional do instituto de Economia da Unicamp. R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 1, p. 55-88, jan./jun. 2005

Estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e ... · diferenças regionais entre o Nordeste e o Sul do país, revelando de maneira indis-cutível as desigualdades sociais

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Introdução

O processo brasileiro de expansão ur-bana apoiou-se em uma sociedade comdistribuição de renda bastante desigual,tendo como resultado a concentração derenda e população nas grandes cidades,surgindo uma estrutura urbana fragmenta-da social e espacialmente, com generaliza-ção das periferias urbanas, principalmente– mas não apenas – nos grandes centrosurbanos.

A década de 80 foi marcada pela perdado dinamismo econômico, acompanhado

Estruturação intra-urbana na região do DistritoFederal e entorno: a mobilidade e a segregação

socioespacial da população

da precarização das relações de trabalho edesassalariamento da força de trabalho,ampliando o setor informal e gerando ainformalização nas empresas capitalistas(Baltar et al., 1996).

A pobreza urbana surge como fenôme-no generalizado, resultante de processo deurbanização brasileiro, principalmente nasregiões metropolitanas e aglomeraçõesurbanas, ainda que resguardadas asdiferenças regionais entre o Nordeste e oSul do país, revelando de maneira indis-cutível as desigualdades sociais (Rocha,1994).

Maria Célia Silva Caiado*

O objetivo do artigo é avaliar as alterações na distribuição e mobilidadeespacial da população, que podem ser associadas ao processo de urbanizaçãoe estruturação intra-urbana na Região Integrada de Desenvolvimento do DistritoFederal e Entorno – Ride, envolvendo, além do Distrito Federal, municípiospertencentes aos Estados de Goiás e Minas Gerais. A Ride apresentaespecificidades relacionadas ao processo de desenvolvimento econômico, àocupação territorial e à gestão urbana, que a diferenciam das demaisaglomerações urbanas e regiões metropolitanas nacionais, principalmente noque se refere às possibilidades de atuação estatal na gestão urbana, pelaspeculiaridades do processo de ocupação territorial do Distrito Federal – cidadeplanejada para ser pólo de desenvolvimento e sede administrativa nacional.Essas especificidades, no entanto, não foram capazes de promover a apropriaçãoigualitária das vantagens locacionais do espaço urbano, fazendo com que aconfiguração socioespacial da região se assemelhasse às encontradas nasdemais aglomerações urbanas e metrópoles nacionais, principalmente no quediz respeito às desigualdades no processo de distribuição socioespacial dapopulação.

Palavras-chave: Mobilidade intra-urbana. Distribuição espacial da população.Estruturação urbana.

* Arquiteta, Doutora em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, pesquisadora colaboradora noNúcleo de Estudos Populacionais – Nepo, da Unicamp, e do Núcleo de Economia Social Urbana e Regional do instituto deEconomia da Unicamp.

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As pesquisas mais recentes sobreestruturação do espaço urbano, no cenáriointernacional e também no Brasil, têm sedesenvolvido principalmente a partir daanálise das transformações na estruturaprodutiva, relacionadas a uma nova etapada acumulação capitalista e seus efeitos naconfiguração socioespacial das cidades. Oparadigma das cidades globais tem sido abase para a análise das transformaçõesrecentes na estrutura social e espacial dascidades (Sassen, 1991; Marcuse, 1987; VanKempen e Marcuse, 1997; Borja e Castells,1997).

A partir dessa formulação teórica,surgem conceitos e expressões como: cida-de dual, metrópoles fragmentadas, cidadepartida, cidade de duas velocidades, entreoutros. A segregação socioespacial dossegmentos populacionais de menor poderpolítico e econômico, em áreas específicasdo território intrametropolitano – onde oacesso à moradia, à infra-estrutura urbanae aos serviços básicos é restrito, muitasvezes implicando grandes deslocamentosdiários para o atendimento das demandaspor trabalho, educação, saúde, etc. –, cons-titui a principal faceta espacial da exclusãosocial a que estão submetidos essessegmentos populacionais.

Entre as grandes cidades e metrópolesnacionais, Brasília destaca-se não tantopelas especificidades relacionadas ao seuprocesso de criação e construção, mas prin-cipalmente pelas possibilidades de gestãourbana geradas pela quase inexistência deantecedentes relacionados à ocupaçãoterritorial urbana e pela propriedade públicade grande parte da terra destinada à novacapital.

No entanto, no decorrer do seu proces-so de construção e consolidação comosede de metrópole, tornam-se visíveis ascontradições inerentes à organização social

brasileira, passando de cidade quepretendia ser socializante na distribuiçãode pessoas e atividades a uma estruturaintra-urbana fortemente marcada pelo pro-cesso de segregação socioespacial dapopulação. A propriedade pública da terraurbana, em vez de se constituir em instru-mento distributivo, passa a funcionar comoferramenta de ocupação seletiva, instituindoa segregação planejada e transformandoBrasília na capital do controle e da se-gregação social.1

Evidentemente, apesar das especifici-dades, o processo de estruturação urbana edistribuição populacional do Distrito Federale Entorno não pode ser dissociado daquelesde urbanização e desenvolvimento nacional.A configuração socioespacial resultante doprocesso de urbanização não poderia sermuito diferente das encontradas nas demaismetrópoles nacionais, uma vez que estásubmetida ao mesmo processo econômico(regime de acumulação) e à mesma forma-ção social.

Processo de ocupação e estruturaçãointra-urbana na Ride

A constituição da Região Integrada deDesenvolvimento do Distrito Federal eEntorno – Ride

A Ride2 é composta pelo DF, pelosmunicípios goianos de Abadiânia, Água Friade Goiás, Águas Lindas de Goiás, Alexânia,Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinhode Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia,Mimoso de Goiás, Novo Gama, PadreBernardo, Pirenópolis, Planaltina de Goiás,Santo Antônio do Descoberto, Valparaísode Goiás e Vila Boa e pelos municípiosmineiros de Unaí e Buritis.3

O desenvolvimento e a configuraçãoespacial da região foram fortemente

1 Termos utilizados como títulos de textos escritos por Campos, N. e Gouvêa, L.A. (Paviani , 1991).2 A Constituição Federal, ao atribuir aos Estados a institucionalização de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas emicrorregiões, não previu a possibilidade de o fenômeno metropolitano envolver mais de uma UF. Por esse motivo, o CongressoNacional, em 1998, instituiu nova figura jurídica – a Região Integrada de Desenvolvimento (Ride), para possibilitar a articulação deações envolvendo a gestão de território em áreas que incluem mais de uma UF. Além da Ride-DF, criada em 1998, atualmenteexistem a Ride Terezina-Timon (PI e MA) e a Ride Petrolina-Juazeiro (PE e BA).3 Além destes, deverá ser incluído, na área da região institucionalizada, o município mineiro de Cabeceira Grande, desmembradode Unaí em 1997 e que é limítrofe ao Distrito Federal, provavelmente excluído por engano.

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influenciados pela baixa inserção na econo-mia nacional e pelo fraco dinamismo eco-nômico existente antes da construção deBrasília. Assim, a cidade planejada inseriu-se numa região cujos municípios tinhameconomia baseada em atividades minera-doras e na pecuária e apresentavam confi-guração espacial bastante dispersa.

A fragilidade econômica de Brasília,com uma precária base primária e secun-dária, faz com que a capital não exerça fortefunção econômica polarizadora e deintegração regional. Entretanto, a infra-estrutura de transportes, energia e comuni-cações desempenhou papel fundamentalno desenvolvimento regional, incentivandoa implantação de atividades econômicasem áreas além da região de influência diretada capital. Antigos pólos regionais, comoAnápolis e Goiânia, tiveram seu desenvolvi-mento alavancado pela criação de Brasília.4

Assim, a concentração de funçõesadministrativas em Brasília e a grande trans-ferência de recursos fiscais por ela recebidafazem com que a capital exerça uma funçãoterciária extremada, transformando-a numgrande mercado, inclusive para os prin-cipais pólos nacionais, e atraindo popu-lação em busca de emprego e serviços. Aomesmo tempo, os núcleos preexistenteslocalizados no entorno tiveram suas antigasfunções enfraquecidas e passaram aexercer importante papel na absorçãodessa população atraída para a capital.

Com o intuito de expressar a divisãofuncional estabelecida no processo deestruturação interna da região, serão utili-zados, neste artigo, três diferentes recortesespaciais, abrangendo os municípios quecompõem a Ride. Será denominado Entor-no Imediato o conjunto de municípiosgoianos vizinhos ao DF e que tiveram seusprocessos de ocupação e crescimentodemográfico diretamente relacionados àexpansão urbana do DF: Luziânia e seusdesmembramentos – Cidade Ocidental,Novo Gama, Valparaíso de Goiás, SantoAntônio do Descoberto e Águas Lindas deGoiás (desmembrado de Santo Antônio do

Descoberto em 1997) –, todos localizadosa sudoeste do DF, e o município de Planaltinade Goiás, situado na direção nordeste.Esses municípios, além do DF, apresentamas maiores participações no total da popu-lação regional e também as mais elevadasdensidades demográficas, sendo o maisdenso deles Valparaíso de Goiás, com1.555,63 habitantes por km2.

Os demais municípios que compõem aRide, e que não sofreram impacto direto doprocesso de expansão urbana periférica doDF, serão denominados Entorno Distante.

Os municípios pertencentes à Rideapresentam perfis bastante diferenciados noque se refere a centralidade, capacidade deatração, retenção de população e, conse-qüentemente, taxas de crescimento popula-cional. Os que se localizam no EntornoImediato, principalmente no limite sul doquadrilátero do DF, têm maiores taxas decrescimento populacional, mais altos níveisde centralidade, maiores volumes demigração e as mais elevadas densidadeshabitacionais.

Os demais municípios não influencia-dos diretamente por esse processo, e quepossuem como base econômica o setoragropecuário, tiveram taxas de crescimentoe densidades demográficas menores.Alguns, como Pirenópolis e Mimoso deGoiás, registraram taxas de crescimentonegativas, no período mais recente. Chamaatenção o município Mimoso de Goiás,emancipado em 1989, que, a partir de 1991,apresentou taxas negativas de crescimento.

Entre 1970 e 2000, todo o entorno au-mentou sua participação no total da região,sendo o Entorno Imediato o principal respon-sável. O entorno, na média, além de aumen-tar sua participação no total da populaçãoda Ride, apresentou expansão da taxa decrescimento médio anual, que se elevou, noúltimo período, para 5,5%. Apesar daredução no ritmo de crescimento do EntornoImediato para 8,3%, entre 1991 e 2000 (9,2%no período 1980-1991 e 10,1% de 1970 a1980), essa taxa é significativamente alta,quando comparada à média regional.

4 Para maiores detalhes, ver Guimarães e Leme (2002).

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O DF apresentou forte arrefecimento noritmo do crescimento, principalmente emrelação ao período 1970-1980, quando osfluxos migratórios dirigidos às grandescidades se intensificaram e o processo deurbanização nacional foi mais acelerado(Tabela 1).

O incremento populacional da região,de 1970 a 2000, foi de 2.193.235 habitantes,1.513.654 localizados no DF e 682.581 noentorno, sendo que, desses últimos, 79,2%no Entorno Imediato. O crescimento regionalmais recente reforçou a formação periférica,tanto no interior do DF como nos demaismunicípios que integram a Ride, e a distri-buição espacial da população tem concen-trado habitantes na direção sudoeste,definida como de crescimento periférico.

A configuração econômica atual da Ridereflete, em parte, a trajetória econômica doCentro-Oeste, baseada na mineração e,após, na pecuária. A agropecuária foi aatividade predominante para o conjunto de

municípios que integram a região, em doisperíodos distintos de inserção regional naeconomia nacional. Em alguns predominaa agricultura de subsistência, com mão-de-obra familiar, enquanto em outros se obser-va a ocorrência de agropecuária comercial,com maiores índices de produtividade evalores de produção mais significativos.

Estruturação funcional na Ride5

A estruturação intra-urbana na região,no âmbito da divisão espacial (e social) dotrabalho no interior da metrópole, apresentaespecificidades expressas em espaciali-dades da atividade econômica, que nãopermitem compará-la a nenhuma outra me-trópole nacional, em relação não só ao seuprocesso inicial de ocupação, a partir daconstrução de Brasília, mas, principalmente,à sua estruturação interna. Inicialmente épreciso lembrar que o Distrito Federal é umaUnidade da Federação, integrada por 24

5 Neste artigo será considerado intra-urbano o espaço interior à Ride, formado pelo DF e municípios diretamente envolvidos noprocesso de expansão urbana. Esta conceituação baseia-se na formulação de Villaça (2001), sendo uma expressão criada paradiferenciar os enfoques específicos do processo de estruturação interna das cidades e metrópoles, diferenciando-o assim daexpressão espaço urbano utilizada pelas teorias e estudos sobre estruturação espacial regional.

TABELA 1População e taxas de crescimento

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000.Nota: (1) O Entorno Imediato é formado pelos municípios de Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Luziânia, Novo Gama,Planaltina de Goiás, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de Goiás e o Entono Distante pelos demais municípios que compõema Ride.

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Regiões Administrativas (RAs),6 que abri-gam funções e contingentes populacionaisque permitem classificá-las como cidades.Além do DF, integram a região municípiosde dois outros Estados (GO e MG), o quefaz com que a articulação entre poderes queexercem a gestão urbana na região envol-va três diferentes Unidades da Federação.

Os elementos espaciais da estruturaintra-urbana assumem características espe-cíficas na região, formada pela Região Admi-nistrativa de Brasília – onde se localiza ocentro principal (RA I – Brasília), residem6% da população regional e onde está oPlano Piloto – e por uma extensa periferia,constituída pelas demais RAs, que concen-tram a maioria da população do DF (62,7%)e alguns municípios goianos limítrofes, loca-lizados principalmente no quadrante sudo-este, assumindo a função de absorvedoresde população que trabalha no centro do DFe não consegue inserção no mercadohabitacional desta região central, que juntosconcentram 84,1% da população regional.

É importante esclarecer que, aqui, faz-se clara a distinção entre região e metrópo-le.7 Considera-se região o conjunto formadopor todos os municípios integrantes daRide, o que equivaleria a uma região metro-politana. Entretanto, vários municípiospertencentes à Ride não participam dosprocessos socioeconômicos e socioespa-ciais originados no DF.

A RA de Brasília, notadamente o PlanoPiloto, é o centro funcional principal (nú-cleo), concentrador de atividades geradorasde empregos8 e estruturado a partir de se-tores que concentram diferentes usos, taiscomo residenciais (Super Quadras Norte eSul), atividades de prestação de serviçosde lazer e hospedagem (Setor de DiversõesSul e Setor Hoteleiro Sul) e comerciais(Setor Comercial Sul).

As demais RAs e os municípios goianosde Águas Lindas de Goiás, Santo Antôniodo Descoberto (limítrofes à divisa oeste doDF), Planaltina de Goiás (limítrofe à divisanordeste), Novo Gama, Valparaíso de Goiás,Cidade Ocidental (limítrofes à divisa sudo-este) e Luziânia assumem, principalmente,função similares às de cidade-dormitório,com baixo dinamismo econômico marcadopela pouca diversidade das atividades decomércio e serviços, sendo predominante ouso residencial. Essas localidades apresen-taram, na última década, as maiores taxasde crescimento populacional da região,indicando que o processo de periferizaçãoda população continua intenso.

A RA II – Taguatinga e a RA X – Guarápodem ser consideradas potenciais sub-centros regionais, concentrando os maioresnúmeros de emprego depois do PlanoPiloto, embora as participações sejam pe-quenas.9 Taguatinga, devido à maiordiversidade de atividades econômicas e à

6 Até 2003 eram 19 RAs (RA I Brasília, RA II Gama, RA III Taguatinga, RA IV Brazlândia, RA V Sobradinho, RA VI Planaltina, RA VIIParanoá, RA VIII Núcleo Bandeirante, RA IX Ceilândia, RA X Guará, RA XI Cruzeiro, RA XII Samambaia, RA XIII Santa Maria, RA XIVSão Sebastião, RA XV Recanto das Emas, RA XVI Lago Sul, RA XVII Rancho Fundo, RA XVIII Lago Norte e RA XIX Candangolândia).Naquele ano, foram criadas quatro novas – Águas Claras (até então fazia parte da RA de Taguatinga), Varjão (fazia parte do LagoNorte), Sudoeste (fazia parte da RA do Cruzeiro) e Riacho Fundo II –, perfazendo um total de 23. Em 2004, foi criada a RA do ParkWay (24ª), desmembrada do Núcleo Bandeirante.7 Não se pode confundir metrópole com região metropolitana. Metrópole é um conjunto de municípios que apresentam intensaintegração de funções urbanas (trabalho, habitação, lazer, educação, etc.) e integração da malha urbana, enquanto regiãometropolitana é a denominação constitucional de uma das formas de organização territorial dos Estados. É importante esclarecerque a Constituição Federal previu, no parágrafo 3º do artigo 25, que “os estados poderão, mediante lei complementar, instituirregiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituída de agrupamentos de municípios limítrofes, para integrara organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.” (BRASIL, 1988). Em outras palavras, aConstituição Federal não previu a possibilidade de organização territorial envolvendo mais de um Estado. Por esse motivo, foicriada nova figura jurídica denominada Região Integrada de Desenvolvimento.8 Segundo os dados da Rais/MT, em 2000, 94,22% das pessoas empregadas pelo mercado formal da região tinham como local deemprego o DF e, no interior do DF, a RA de Brasília concentrava 76,92% dos empregos do DF. As RAs mais periféricas, de ocupaçãorecente e que apresentaram maiores taxas de crescimento, detinham, em 1991, pouco mais de 0,51% dos empregos: Recantoda Emas (0,23%); Riacho Fundo (0,06%); Santa Maria (0,24%); e São Sebastião (0,08%).9 Em 1999, segundo os dados da Rais/MT, trabalhados por Holanda et al. (2000), o Plano Piloto concentrava 76,9% dos empregos,enquanto Taguatinga abrigava 10% e Guará 4,4% do total.

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concentração populacional, tem sidoregularmente qualificada como potencialsubcentro regional.10

Processo de ocupação, migração esegregação socioespacial na região

No período de construção e implanta-ção, como também no de consolidaçãourbana da nova capital, o Estado foi o gran-de promotor da ocupação do solo, atuandocomo planejador, construtor e financiadorda ocupação, sendo ainda grande proprie-tário de terras. Tornou-se, assim, o principalagente do processo de urbanização daregião, o que diferencia a ocupação emrelação às demais cidades brasileiras emalguns aspectos da gestão do solo urbano.11

A especificidade da atuação estatal noprocesso de ocupação territorial do DFdeve-se mais às condições excepcionaisde posse pública da terra e às possibilida-des de controle sobre o uso e ocupação dosolo, do que à sua atuação efetiva na media-ção ou atenuação dos conflitos gerados nasdisputas pelo acesso à terra urbana dosdiferentes segmentos populacionais.

É importante lembrar que os princípiosestabelecidos no projeto de criação da novacapital – inseridos no contexto político eideológico de superação do atraso econô-mico nacional, pela modernidade, e cujamaior expressão era o projeto urbanísticoextremamente setorizado –, associados àposse estatal da terra urbana e rural do DF,geraram uma expectativa de gestão urbanabaseada no planejamento e com atuaçãoestatal capaz de determinar o ritmo, a dire-ção e a qualidade do crescimento urbano.

A questão da posse do Estado, semdúvida, foi um instrumento decisivo da atua-

ção estatal no processo de ocupaçãourbana do DF, o que certamente não impe-diu as desigualdades no acesso às localiza-ções urbanas. A questão relativa à multiplici-dade de regimes de propriedade das terras12

constituiu-se em prerrogativa para a ile-galidade no aceso à terra urbana, sendoutilizada como instrumento pelo mercadoimobiliário, em resposta às tentativas decontrole da ocupação por parte do Estado.Destarte, no período de construção eimplantação do DF, o Estado manteve omonopólio sobre a terra, cabendo-lhe adecisão sobre a oferta e o parcelamento deáreas disponíveis para a ocupação.

A ocupação inicial efetivou-se a partirda premissa básica que determinaria aatuação estatal no processo de ocupaçãoterritorial: a preservação do núcleo central,formado pelo Plano Piloto. No entanto, co-mo resposta às tentativas de controle doEstado, ao mesmo tempo em que seimplantava o Plano Piloto, a pressãopopulacional exercida principalmente pelosoperários que construíam a nova capitalobrigava o Estado a reconhecer a força dosmovimentos sociais, e como resposta forma-va-se a periferia, constituída pelas cidades-satélites, implantadas a partir da oferta delotes pela Novacap (Companhia Urbaniza-dora da Nova Capital), com o objetivo deabrigar não só o contingente de populaçãooperária migrante, mas também parte dosfuncionários públicos com posições maisbaixas na hierarquia funcional, sem acessoàs terras localizadas no Plano Piloto.

No processo de ocupação periférica,surgiram inicialmente as Regiões Adminis-trativas de Taguatinga (1958), Sobradinho(1960), Gama (1960), Guará (1966) eCeilândia (1970), inaugurando assim o

10 Taguatinga e Ceilândia, cidades-satélites vizinhas e conurbadas, concentravam, em 2000, 518 mil habitantes, 28,7% da populaçãodo DF.11 A análise do processo de ocupação do DF e entorno teve por base as conclusões da pesquisa Gestão do Uso do Solo e Disfunçõesdo Crescimento Urbano, realizada em 1997 (Ipea, USP, UnB, UFRJ 2001).12 A Constituição de 1891 estabeleceu que as terras devolutas da União passariam a pertencer aos Estados, exceto as áreasincluídas no perímetro de 14.400km2 destinado à implantação da capital no Planalto Central, a serem demarcadas futuramente.Um Decreto-Lei promulgado em 1967 determinou que fossem respeitados os direitos dos proprietários particulares, cujas possesconstassem nos registros paroquiais, ou fossem baseadas em ações de usucapião até 01/01/1917, ou em documento de vendaou doação feita pela União após a Constituição de 1891. Assim, a implantação do DF não extinguiu a propriedade privada da terra,resultando na existência de diferentes naturezas de propriedade, com terras públicas, via desapropriação; terras particulares; eterras públicas e particulares em comum.

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polinucleamento característico da estru-turação urbana inicial da região. Essesnúcleos, denominados cidades-satélites,foram previstos no projeto urbanístico paraserem implementados a partir da saturaçãodo limite populacional estabelecido para oPlano Piloto, sendo que a antecipação dasua implantação em áreas distantes donúcleo principal gerou grandes vazios urba-nos e deu início ao processo de ocupaçãogerenciado pela atuação estatal, com claradivisão social do espaço urbano, que per-meou o processo de estruturação urbanano DF e entorno.

Entre 1960 e 1970, a população do DFmais do que triplicou, passando de 140,1mil para 537,5 mil habitantes. A taxa médiaanual de crescimento (14,9%) estava forte-mente influenciada por intenso processomigratório, representando 83% do incre-mento populacional, formado em grandeparte pelo contingente de funcionáriosfederais transferidos da antiga capital ede trabalhadores da construção civil(Tabela 2).

Durante a década de 70, ocorreram aconsolidação de Brasília como centrourbano e o início da fixação de parte docontingente migratório nos municípioslimítrofes ao DF. Iniciou-se, assim, aconstituição de uma aglomeração urbana,com a conurbação entre alguns municípiose algumas cidades-satélites. Concomi-tantemente à ocupação de municípioslimítrofes, começou o processo de am-pliação da área de influência de Brasília,marcado pela expansão dos setorescomercial e de prestação de serviços. A

capital nacional, como pólo regional, passoua oferecer mais infra-estrutura social, commelhores serviços nas áreas de educação,saúde, etc., ampliando, assim, a atração demais população.

Durante aquele período, a ocupação dosolo urbano no Distrito Federal foi con-dicionada pela preocupação com apreservação de recursos hídricos, uma vezque o DF localiza-se estrategicamente emárea de nascentes, tributárias deimportantes bacias hidrográficas dos riosParaná, Tocantins e São Francisco. A ocu-pação, submetida inicialmente ao Planidro(Plano Diretor de Água, Esgoto e Controleda Poluição do DF), criado em 1970,consolidou-se através da atuação do poderpúblico, localizando as cidades-satélites, namedida do possível, fora da Bacia doParanoá, com vistas à preservação do meioambiente, ao mesmo tempo em que erareforçado o modelo de ocupação territorialseletivo, com uma clara divisão social doespaço.

O Planidro recomendou a não ocupa-ção dos espaços livres na Bacia do Para-noá, estabeleceu um limite populacionalpara aquela área e definiu o ZoneamentoSanitário para o DF. Formou-se, assim, oAnel Sanitário de Brasília, delimitado pelaEstrada Parque do Contorno, contornandoa Bacia do Paranoá, o que afastou as pres-sões dos operários e dos agentesimobiliários por ocupação urbana.

A definição do plano e a implementaçãodo anel sanitário estabeleceram a direçãoda atuação estatal na estruturação urbana,acentuando a seletividade espacial através

TABELA 2Componentes do crescimento demográfico

Distrito Federal – 1960-2000

Fonte: Nogalles (2004). Estimativa baseada nas taxas de natalidade e mortalidade da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

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da valorização do Plano Piloto como sedecom melhores condições de habitação,infra-estrutura e concentração de atividadesgeradoras de empregos, em detrimento dosdemais núcleos urbanos, onde a qualidadede vida era inferior e a ocupação precária.Os núcleos urbanos preexistentes à defini-ção do quadrilátero do DF (Planaltina eBrazlândia) foram desconsiderados noplano e mantidos no isolamento.

A premissa da preservação do meioambiente tornou-se básica para a gestãodo uso e ocupação do solo no DF. A partirde então, vários planos foram elaboradoscom o objetivo de preservar a Bacia doParanoá e dar continuidade ao processode espraiamento da ocupação, por meio dacriação de novas cidades-satélites, afas-tando as pressões por ocupação.

O cenário político nacional vivia sob aideologia estabelecida nas diretrizes de-finidas pelo segundo Plano Nacional deDesenvolvimento (II PND), que vigeu entre1975 e 1979 e previa a articulação de pro-gramas regionais (Pergerb e Polocentro)13

para o desenvolvimento da RegiãoGeoeconômica de Brasília. O planejamentoera a resposta para as demandas epressões populares e os planos constituíamo instrumento da ação estatal. Nessecontexto, o Plano Estrutural de OrganizaçãoTerritorial – Peot, elaborado em 1977,estabeleceu rígidas limitações à aberturade novos espaços urbanos, através dapreservação principalmente dos manan-ciais do Descoberto e de São Bartolomeu eda continuidade da preservação da Baciado Paranoá. Essas restrições à ocupaçãoacabaram por definir o vetor de expansãoem direção à região sudoeste do quadri-látero, priorizando a ocupação entre osnúcleos do Gama e Taguatinga – única faixade terra não protegida pelos instrumentosde controle definidos pela política de uso eocupação do solo urbano.

No período de 1970 a 1980, a popu-lação do DF passou de 537,5 mil para1.176,9 mil habitantes, crescendo a umataxa média anual de 8,15%. A migração tevegrande influência nas taxas de crescimento,responsável por 64,3% do incremento popu-lacional no período (Tabela 2).

Na mesma década, a população dosmunicípios limítrofes passou de 50,2 milpara 120,8 mil habitantes, com taxa médiade crescimento anual de 9,19%. A ocupaçãourbana ocorreu de forma dispersa emnúcleos distantes do centro principal, comgrandes vazios entre eles. A RA de Tagua-tinga já concentrava população, juntamentecom a RA de Brasília, que abrigava o PlanoPiloto e adjacências.14

Como já foi apresentado, as cidades-satélites surgiram na década de 60, depoisde acelerado processo de crescimento doDistrito Federal, chegando ao início dosanos 80 com a ocupação próxima ao limite.A pressão populacional pela ocupação deáreas com infra-estrutura gerou a subdi-visão de lotes – resultando na constituiçãode locações de fundo de quintal nas cida-des-satélites ocupadas – e a proliferação defavelas no centro e no entorno da aglomeração.

Em resposta ao explosivo crescimentodas favelas e ocupações ilegais, o governodo DF criou, em 1982, o Grupo Executivopara Assentamento de Favelas e Ocupações(Gepafi), visando a urbanização dessasáreas, onde fosse possível, a transferênciada população invasora para áreas próxi-mas, quando a ocupação no próprio localda invasão não fosse possível, ou a transfe-rência para áreas previstas no Peot.

Até 1986, a atuação do Gepafi re-presentou alteração em relação à posturada ação estatal, com urbanização dealgumas favelas. Assim, ocupações comoVila Metropolitana, Candangolândia, VilaPlanalto, entre outras, foram urbanizadase a população fixada no local. Com a

13 Pergerb – Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília, criado através da Emenda Ministerial– E.M. 04/1975, ePolocentro – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (1975) – programa de ação regional do II PND, que teve como principaismedidas a concessão de crédito subsidiado e a construção de infra-estrutura básica, como estradas e eletrificação rural. Hogan(2002).14 O Guará e o Núcleo Bandeirantes até então integravam a RA de Brasília.

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mudança de governo, voltou a política deerradicação de favelas, com transferênciade população para áreas periféricas.

A Constituição de 1988 possibilitou adefinição de novas normas relativas à polí-tica urbana, estabelecendo novos instru-mento de gestão urbanística. No DF, alémda elaboração da Lei Orgânica e do PlanoDiretor, as relações de poder foram alte-radas em função da instalação do PoderLegislativo local que, a partir de 1990, pas-sou a legislar concorrentemente com oPoder Executivo, sobre gestão territorial.

A partir da nova correlação de forças, enuma tentativa de resolver ou atenuar asocupações e as sublocações, o governo doDF passou a atuar por meio da criação edistribuição de lotes semi-urbanizados paraa população de baixa renda, formandonovas cidades-satélites (Samambaia, Para-noá e Santa Maria), expandindo a maioriadas já existentes e fixando algumas ocupa-ções. Essa atuação resultou na incorpora-ção de novos espaços ao DF: no períodode 1977 a 1991, o espaço urbano sofreuacréscimo de 16.888ha, representando73% de aumento.15

Durante a década de 80, em todo paísocorreu o fenômeno de desconcentraçãode população e de atividades econômicasnas regiões metropolitanas e aglomeraçõesurbanas, com diminuição da atratividade edos fluxos migratórios em direção às sedesregionais (Pacheco e Patarra, 2000). Brasí-lia, como sede regional, enfrentou aindauma situação de redução da oferta deempregos públicos, devido à conclusão doprocesso de transferência dos órgãos esta-tais para a nova capital.

Naquele período, a taxa média anualde crescimento populacional do DF caiupara 2,84%, enquanto a dos municípioslimítrofes foi de 8,96% (Tabela 2).

A expansão da ocupação nos muni-cípios limítrofes ao DF intensificou-se nadécada de 90, instaurando o processo deconstituição e expansão do entornoregional do DF. Sua formação é diferenciada

das demais periferias metropolitanas, umavez que teve função eminentemente resi-dencial, com fortes características de muni-cípios-dormitório.

Entre as RAs do DF, segundo dados docenso 2000, as que apresentaram maiorestaxas de crescimento populacional, de 1991a 2000, foram as mais periféricas (Recantodas Emas, Santa Maria, Riacho Fundo eSão Sebastião), localizadas na porção su-doeste do quadrilátero, em consonânciacom a expansão da mancha urbana, que,neste período, ocorreu com maior inten-sidade na direção dos municípios deLuziânia, Santo Antônio do Descoberto ePlanaltina de Goiás.

No entorno regional, houve continuida-de no processo de expansão e consolida-ção, principalmente no limite sul, nos novosmunicípios de Novo Gama, Valparaíso deGoiás e Cidade Ocidental, todos desmem-brados de Luziânia.

A atuação estatal do governo do DistritoFederal na restrição à ocupação em regiõescentrais (por meio de controle das áreas deposse pública que seriam disponibilizadaspara esta finalidade e de legislações deproteção ambiental) e na repressão à ocu-pação ilegal, com a remoção de populaçãofavelada, sem dúvida foi o principal condi-cionante da ocupação no entorno do DF.

O poder público municipal nos municí-pios goianos viu, na ocupação urbana deseus territórios, uma possibilidade de gerarreceitas e dinamizar as economias locais,permitindo assim a livre atuação dos empre-endedores imobiliários, que passaramatuar na demanda reprimida pela políticade ocupação do DF, abrindo e vendendoloteamentos populares, com preços maisbaixos e melhores condições de paga-mento.16 Além disso, o governo federal,através do BNH e de outros agentes finan-ceiros da habitação, contribuiu para esteprocesso, com a criação, na década de 80,de três grandes conjuntos habitacionaislocalizados no município goiano de Luziânia,num total de 4.500 unidades destinadas à

15 Sobre a expansão urbana no DF, ver Anjos (1991).16 Ver Paviani (1987).

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população de renda média, com prestaçõesvariando de 1 a 2 salários mínimos.17 Estestrês conjuntos deram origem a desmembra-mentos, na década de 90, constituindo-seem três municípios de mesmo nome: CidadeOcidental, Valparaíso de Goiás e Novo Gama.

Além da formação de cidades-satélitespara assentamento de população removidade áreas de invasão, no início da ocupaçãode Brasília, em período mais recente, atra-vés da criação do Programa Habitacionalde Assentamentos de Baixa Renda, em oitoanos (1987-1995) foram distribuídos109.128 lotes residenciais, atendendo cercade 607.616 habitantes,18 através da incor-poração de novas áreas a alguns núcleosjá existentes e da criação de novos núcleosperiféricos, que deram origem às RAs deSamambaia, Riacho Fundo, Santa Maria eRecanto das Emas, que apresentaram asmaiores taxas de crescimento demográficodo DF, no período de 1996 a 2000. EstasRAs localizam-se próximas à divisa com osmunicípios goianos, que constituem oentorno regional, reforçando assim o eixode expansão periférica.

Por estes motivos, a busca por moradiaspode ser apontada como o principal elementocondicionante do processo de periferizaçãona região e como principal elemento ma-croestrutural condicionante da migraçãointrametropolitana em direção ao entorno.Além disso, a periferização na região foiimpactada pela busca por melhores possi-bilidades de auferir renda, ainda que nãoseja através de empregos19 formais (uma vez

que o número de postos de trabalho é bas-tante reduzido).

A dinâmica migratória na Região Integradade Desenvolvimento do Distrito Federal eentorno20

Como já mencionado anteriormente, aocupação do Distrito Federal e entorno foifortemente condicionada pela afluência degrandes fluxos migratórios atraídos, noinício do processo, pelas oportunidades deemprego geradas pela construção da ca-pital federal. A falta de opção de acessoaos empregos e à renda em suas áreas deorigem e as fortes expectativas de novasoportunidades em função da magnitude doprojeto nacional de desenvolvimento,representada pela construção de umacidade a partir de um território desocupado,foram responsáveis pela constante che-gada de pessoas à região, movimento quese mantém até os dias atuais.

Apesar de ser um fenômeno caracterís-tico do processo de urbanização brasileiro,no caso do DF diferencia-se pela magnitudee por sua manutenção, apesar do arrefeci-mento na década de 80 e da estabilizaçãono período mais recente (anos 90). A ofertade terra urbana para moradia, representadapela ausência de ocupação anterior, deveter contribuído para a expectativa de melho-ria na qualidade de vida da populaçãomigrante.

Desde o início do processo de imigra-ção para Brasília, os fluxos de nordestinos,

17 Idem.18 Os números fazem parte de um estudo realizado pelo Ipea, com base nos dados do IPDF /GDF (Ipea, 2000).19 A análise dos dados indica que o DF concentrava, em 1999, cerca de 95% dos empregos formais da região, sendo que, desses,76,4% estavam localizados na RA de Brasília, que abriga o centro principal (Dados Rais/MT).20 Na análise sobre a migração, foi necessária uma opção metodológica diferenciada para os dados dos Censos DemográficosIBGE 1980 e 1991 e os do Censo 2000. Nos casos em que não for possível identificar a residência anterior (origem por municípios),será adotada a informação referente à data fixa. Para efeito de comparabilidade, nesses casos, será utilizada, para os censos 80e 91, a informação referente à residência anterior, para os migrantes com menos de cinco anos de residência, e, para o censo 2000,a informação referente ao município de residência em 31/07/1995. Apesar de reconhecer que as informações não são comparáveisem termos de volumes, principalmente nos casos de múltiplos movimentos no período intercensitário, a opção foi feita por ser aúnica possibilidade de identificar o município de origem dos fluxos migratórios para o censo 2000. A informação referente à datafixa tem como vantagem formal, nos dados demográficos, a determinação clara do período referente à migração. No entanto, nocaso da migração intrametropolitana, movimento em que são mais freqüentes as reimigrações de curto prazo, a informação dedata fixa tem como desvantagem a perda dos movimentos ocorridos no primeiro qüinqüênio, além do fato de essa informaçãoconsiderar apenas as pessoas maiores de cinco anos, o que gerou a necessidade de excluir aquelas com idade inferior a essa faixaetária, nos dados referentes aos censos de 1980 e 1991. Para mais detalhes sobre as diferenças entre esses dois tipos de informação,ver Carvalho (1998).

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goianos e mineiros foram predominantes.21

Além da atratividade exercida pela existênciade grande número de empregos durante aconstrução da capital, a condição de vidanaqueles Estados também contribuiu para aconsolidação dos fluxos. Holston (1993),baseado em informações do Censo De-mográfico de 1960, aponta que 96% dosmigrantes que chegavam em Brasília vinhamdaquelas regiões (de Estados do Nordeste,do Sudeste, principalmente Minas Gerais, edo Centro-Oeste, especialmente Goiás).22

Segundo o autor, a migração, já naqueleperíodo, era predominantemente urbana,sendo que quatro em cada cinco migrantesresidiam anteriormente em área urbana.

Entre 1970 e 1980, período de maiordinamismo do processo de urbanização daregião, os principais fluxos da migração in-terestadual continuaram sendo aquelesoriginados em Estados nordestinos (212mil), em Goiás (167 mil) e em Minas Gerais(90 mil). No Nordeste, destacam-se osfluxos migratórios do Maranhão, Piauí,Ceará e Bahia, que apresentaram, em

conjunto, o maior volume de migrantes, 155mil (Tabela 3).

No período de 1981 a 1991, o volumede migrantes arrefeceu-se (484 mil), mas ataxa anual de migração23 permaneceu ex-pressiva (3,04%). O fluxo de nordestinoscontinuou elevado (207,7 mil) e os Estadosque mais contribuíram para esse movimen-to (MA, PI, CE e BA) enviaram, em conjunto,157,8 mil migrantes – contingente superiorao do período anterior. Maior também foi ocontingente vindo das Regiões Norte e Sul,demonstrando ampliação da atratividadeexercida pela capital federal. A situação semanteve entre 1991 e 2000, ampliando-seainda mais os fluxos originados nos quatroEstados nordestinos (MA,PI, CE e BA) e naRegião Norte.

O fluxo de migrantes com residênciaanterior no DF cresceu significativamente,no período 1970-2000, passando de 49 mil,entre 1970 e 1980, para 121,6 mil, de 1981a 1991, e para 136,7 mil, entre 1990 e 2000,denotando ampliação do fluxo migratóriointrametropolitano.

21 Antes mesmo da inauguração da capital, durante o processo de sua construção, o recrutamento de trabalhadores que tornariamrealidade o projeto do governo federal deu origem a um intenso fluxo migratório, baseado em expectativas supervalorizadas deempregos e melhores condições de vida. As condições especiais do mercado de trabalho e os salários eram o principal atrativopara a população que não encontrava condições satisfatórias de vida em seus Estados de origem. Essas expectativasfundamentavam-se na grande oferta de empregos, em salários mais elevados do que nos locais de origem, na não limitação detrabalho em horas extras e no fato de o treinamento ser realizado no próprio local de trabalho, o que dispensava experiênciaanterior e possibilitava rápida ascensão profissional, em função das habilidades recém-adquiridas (Holston, 1993).22 Goiás havia recebido grande fluxo de migrantes na década anterior, pela expansão da fronteira agrícola, o que certamentefavoreceu nova etapa migratória em direção à Brasília.23 A taxa de migração estabelece uma relação entre o volume do fluxo migratório e a população média da região.

TABELA 3Volume e taxa média anual de migração, segundo local da residência anterior

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais).

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GRÁFICO 1Participação da migração interestadual

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

Entre 1970 e 1980, quando o processode crescimento periférico ainda era inci-piente, a participação dos fluxos vindos doDF correspondia a 7,7% do total, enquantoo fluxo de nordestinos para a região re-presentava 35,5%. No período 1981-1991,quando a expansão dos municípiosgoianos se intensificou e o entorno regionalse consolidou, a participação dos fluxosoriginários do DF passou para 20,3%

do total e a de nordestinos se manteve(35,7%). Entre 1990 e 2000, essas duasmigrações aumentaram suas participa-ções para 41,6% e 22,0%, respectivamente(Gráfico 1).

Quando analisado todo o período(1970-2000), observa-se que os fluxos mi-gratórios originários nos demais estadosdiminuíram e aqueles provenientes deMinas Gerais, Goiás e demais Estados do

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MAPA 1Principais fluxos de migração em direção à Ride

1990-2000

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

Sudeste, que foram bastante significativosno período inicial, perderam intensidade.

Destaca-se que o fluxo originário do Riode Janeiro, que teve peso significativo noinício da implantação do DF pela trans-ferência de funcionários públicos, perdeuimportância relativa, posteriormente. Assim,os fluxos vindos dos Estados nordestinosdo Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia e os doDF consolidaram-se como principaiscontingentes de migração para o total daRide (Mapa 1).

A migração de nordestinos, principal-mente do MA, PI, CE e BA, certamente tevecondicionantes relacionados às dificulda-des nos locais de origem. No entanto, algunsprogramas definidos no âmbito da políticade desenvolvimento regional podem tercontribuído para a intensificação desses flu-xos, como é ocaso do Programa Especialda Região Geoeconômica de Brasília –Pergerb.24

É possível observar duas tendênciasem relação ao fluxo de migrantes

24 O programa tinha como objetivo o desenvolvimento regional abrangendo toda a área de influência de Brasília, numa tentativade reter a população potencialmente migrante, em seu lugar de origem. O objetivo mais específico era dinamizar as regiõespotencialmente exportadoras de população para o DF, como o oeste da Bahia e de Minas Gerais e o sul do Maranhão e Piauí. Noentanto, em função da morosidade na implantação das medidas que deveriam dinamizar a economia daquelas regiões, osinvestimentos em infra-estrutura viária realizados com esse objetivo acabaram por facilitar o acesso dos migrantes ao DF. Ao quetudo indica, as expectativas de melhoria de vida da população potencialmente migrante nos locais de origem deu lugar à frustraçãogerada pela incapacidade de produzir resultados visíveis no curto prazo, resultando assim em efeito inverso.

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provenientes do Nordeste para a região. Aolongo do período 1970-2000, o peso damigração de nordestinos para o DF diminuide 95,1%, entre 1970 e 1980, para 41,5%,de 1990 a 2000, aumentando a participaçãodeste fluxo na migração interestadual parao total da região.

Outra tendência observada nesse fluxoé a elevação da participação de MA, PI, CEe BA no total da migração de nordestinos,tanto para o DF quanto para o total da região.

No período mais recente (1991-2000),o volume de migrantes nordestinos apre-sentou elevação, com a entrada de 258.234pessoas, 40% do total. O Entorno Imediatopassou a ser o destino de um contingentecrescente de nordestinos, ainda que a parti-cipação dos que chegam no DF continueelevada, representando 53,6% dos migran-tes. Na verdade, essa elevação revela umanova tendência sobre a migração de longadistância, representada pela intensificaçãodos volumes de nordestinos que chegamdiretamente para os municípios do entornoregional (Tabela 4).

Esse fato certamente está associado àformação de redes sociais de migração,sendo predominantes, entre os fluxos nes-sa direção, os originados nos Estados queaparecem como os principais fornecedoresde migrantes para o DF, desde o início da

ocupação na região. No período 1991-2000,o volume dos fluxos em direção ao DF semanteve praticamente com a mesma inten-sidade, enquanto aqueles em direção aosmunicípios goianos periféricos se elevaramde 6.540 pessoas, entre 1970 e 1980, para66.366, de 1991 a 2000.

Migração intrametropolitana25

A migração interestadual foi estudadaem função do seu impacto no incrementopopulacional da região e do seu papel en-quanto movimento alimentador do processoredistributivo da população no espaço intra-urbano, representado pela emigração depopulação do DF em direção aos municípiosperiféricos.

A não absorção de grande parte docontingente migratório com destino ao DFfez com que a migração intrametropolitanaganhasse importância relativa no total dosmigrantes que chegam à região, impactan-do a expansão do entorno regional. Aparticipação dos migrantes internos à regiãoampliou-se de 15,7% para 28,0% do total,ao longo do período 1975-2000.

Essa elevação se deu não só peloaumento de volume de migrantes intrame-tropolitanos – que passaram de 66.584 para119.769, no período 1975-2000 –, mas

25 Nesse item foram considerados migrantes intrametropolitanos as pessoas maiores de cinco anos e que declararam moradia emmunicípios diferentes dos de residência à época da coleta, nas datas fixas investigadas nos censos de 1980, 1991 e 2000, e quevieram de outros municípios da Ride. Diante da ausência de informações sobre o município de residência anterior, no censo 2000,optou-se por utilizar, na análise sobre a migração intrametropolitana, a informação referente à data fixa, o que delimita os dadosa períodos de cinco anos (1975-1980, 1988-1991 e 1995-2000).

TABELA 4Migração de nordestinos, segundo local de residência atual

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

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também pela redução da chegada de mi-grantes vindos dos demais municípios deGoiás e Minas Gerais. O crescimento daparticipação da emigração do DF emdireção aos municípios da região, inclusiveos que não integram o Entorno Imediato,reduziu as participações das migraçõesentre municípios vizinhos que até entãopredominava naqueles não diretamenteenvolvidos no processo de expansãourbana, indicando a intensificação dasrelações entre o DF e o Entorno Distante.

As participações das migrações segun-do o local de origem e de destino alteraram-se ao longo do período 1975-2000. Os dados

desagregados para os três recortes espaciaisdemonstram que o aumento da participaçãoda migração intrametropolitana pode seratribuído à sua intensificação para os muni-cípios do entorno que não integram o EntornoImediato (Gráfico 2).

No caso do Entorno Imediato, a migraçãointerestadual ganha maiores proporções emfunção da migração direta de nordestinos,enquanto a participação da migração vindada região arrefece um pouco, embora os vo-lumes de migrantes vindos do DF continuemaumentando, como demonstram os dadossobre migração entre as localidades queintegram a Ride (Tabela 5).

GRÁFICO 2Evolução da migração intrametropolitana

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1975-2000

Fonte: IBGE Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

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TABELA 5Migração intrametropolitana, por local de residência anterior

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1975-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais).(1) Municípios emancipados em 1989.(2) Municípios instalados em 1993.(3) Município instalado em 1997.Nota: ED: Entorno Distante; EI: Entrono Imediato; e DF: Distrito Federal.Migrantes: pessoas maiores de cinco anos, com menos de cinco anos de residência (1975-1980 e 1986-1991) e residência em 31/07 1995 em município diferente do de residência na época docenso (1995-2000), e que vieram de municípios da Ride.

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Como já foi dito, o fluxo de migraçãointrametropolitana mais significativo se dá apartir do DF em direção ao Entorno Imediato.No período 1975-1980, 33.866 pessoasdeixaram o DF e foram para municípios queintegram este recorte, principalmente paraaqueles localizados no sudoeste da Ride(Santo Antônio do Descoberto, Luziânia eseus desmembramentos: Águas Lindas deGoiás, Cidade Ocidental, Novo Gama eValparaíso de Goiás). Nos períodosseguintes, os volumes desse fluxo elevaram-se para 46.162 (1986-1991) e 80.942pessoas (1995-2000).

Os demais municípios do entorno,excluídos os que integram o Entorno Ime-diato, têm registrado redução da migraçãovinda dos outros municípios vizinhos eaumentado a participação daquela prove-niente do DF e dos municípios do Entorno

Imediato. Outra tendência observada parao período foi a intensificação das trocasentre municípios do Entorno Imediato e osdemais da região.

Para os três recortes espaciais, obser-vou-se crescimento da participação damigração vinda de municípios do EntornoImediato (ainda que os números sejampouco expressivos), indicando um novoaspecto da redistribuição populacional naregião associado à capacidade de absorverpopulação por parte daqueles municípios.

Nas trocas populacionais intra-regionais são significativos apenas osfluxos representados pela emigração do DFem direção aos municípios que integram oEntorno Imediato, ainda que possam seridentificadas outras tendências redistri-butivas de população no interior da Ride(Mapa 2).

MAPA 2Principais fluxos de migração intrametropolitana saídos do Distrito Federal – 1995-2000

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

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No período mais recente, saíram deBrasília 78.002 pessoas, enquanto no Entor-no Imediato entraram 75.257, sendo que,destas, 34.907 passaram a residir em ÁguasLindas de Goiás.

Apesar de a participação da migraçãovinda do DF para os municípios do EntornoImediato ter apresentando ligeira queda naemigração intrametropolitana, isto nãosignifica redução, mas sim ampliação dastrocas entre municípios desse recorte espa-cial. Tanto a participação quanto o númerode pessoas que deixam o DF em direçãoao entorno continuam apresentando eleva-ção no período mais recente. Dos 89.376emigrantes intra-regionais que deixaram oDF no período 1995-2000, 90,6% se dirigi-ram para aqueles municípios.

No período 1995-2000, intensificou-sea migração em direção aos demais muni-cípios da região, até então não diretamenteenvolvidos no processo de expansão perifé-rica. As trocas entre municípios do EntornoImediato também apresentaram elevação,indicando que suas inter-relações ganhamintensidade. Isso se dá pela melhora emsuas dinâmicas econômicas e pelo proces-so de valorização imobiliária, em função dasmelhorias em infra-estrutura.

Alguns aspectos sobre a migraçãointrametropolitana e a segregaçãosocioespacial da população na Ride

Como já foi demonstrado através daanálise do processo de ocupação e estru-turação urbana, o crescimento dos municí-pios do entorno, principalmente daqueleslocalizados nos limites do quadrantesudoeste do Distrito Federal (num processosemelhante ao ocorrido com as cidades-satélites, especialmente as situadas aolongo do eixo de expansão estabelecidonesta direção), teve como principal condi-

cionante a oferta de moradias para popu-lação de baixa renda, seja através domercado imobiliário ou das políticas dehabitação empreendidas pelo Estado.

O processo de ocupação e estruturaçãointra-urbana gerou no espaço interno daRide uma configuração socioespacial mar-cada pela segregação de população debaixa renda em localizações onde o acessoaos bens e serviços e à infra-estrutura urba-na é precário, intensificando o processo deexclusão social destes segmentos popula-cionais, característico do processo de de-senvolvimento nacional.

Sendo assim, o objetivo deste item éestabelecer uma comparação entre a popu-lação migrante intrametropolitana e a não-migrante26 na região, segundo o acesso àeducação, à renda, à inserção socioocupa-cional e às condições de moradia, esta-belecendo os diferenciais em relação àinserção desta população, de acordo comos diferentes recortes espaciais internosna Ride.

Algumas variáveis socioeconômicasserão cruzadas com outras demográficas,tais como a idade e a renda per capitafamiliar, buscando avaliar em que medidaas diferentes características da populaçãoque migra e ocupa os diversos espaçosintra-urbanos contribuem para a configu-ração socioespacial.

A análise dos dados sobre a rendafamiliar,27 para o período 1991-2000, indicaredução da participação das famílias comrendimentos inferiores a um salário mínimoper capita para o total da população, sendomais acentuada para aquelas não-migran-tes. Em 1991, as famílias com renda percapita inferior a um salário mínimo repre-sentavam 66,3% do total para o segmentomigrante e 52,6% para o não-migrante,reduzindo em 2000 para 61,9% e 46,3%,respectivamente (Tabela 6).

26 Foram consideradas migrantes intrametropolitanos as pessoas maiores de cinco anos de idade, com menos de cinco anos deresidência no município e que migraram entre municípios da Ride. Foram considerados não-migrantes os naturais e as pessoascom mais de cinco anos de residência no município.27A variável renda será utilizada em função do reconhecimento como principal determinante, mas não o único, do nível de bem-estar da população. No entanto, é preciso reconhecer sua limitação para classificar níveis de qualidade de vida de uma população,devendo ser considerados, para tanto, outros indicadores, tais como acesso a bens e serviços públicos, infra-estrutura básica, entreoutros (ver Rocha, 2003).

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No entanto, é através destes dadosdesagregados para os diversos espaços nointerior da região que surgem os maioresdiferenciais. Segundo a condição migra-tória, para a população que habita o entornometropolitano (Entorno Imediato e EntornoDistante), as participações mais elevadasde famílias com renda per capita inferior aum salário mínimo encontravam-se entre osnão-migrantes no período analisado. Asfamílias migrantes neste patamar de rendarepresentavam, em 1991, 63,4% no EntornoImediato e 75,8% no Entorno Distante, sendo

que, em 2000, as primeiras mantiveram amesma participação (63,4%), enquantoaquelas do Entorno Distante reduziram-napara 66,4% do total.

A diminuição dos níveis de pobrezapara as famílias residentes no DF foi aindamais acentuada, principalmente para asmigrantes, com a redução dos diferenciaisentre a população segundo a condiçãomigratória. A proporção de famílias comrenda per capita inferior a um saláriomínimo, em 1991, era de 70,8% para oschefes migrantes e de 45,5% para os não-

TABELA 6Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e renda per capita familiar

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações espaciais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

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migrantes, caindo em 2000 para, respecti-vamente, 43,9% e 38,2%.

Quando a análise sobre a distribuiçãoda renda focaliza as faixas da populaçãoque apresentam renda mais elevada,surgem os maiores diferenciais entre apopulação do DF segundo a condição mi-gratória, e entre esta e a população dosdemais municípios do entorno, em relaçãoseja às participações das diferentes faixasde rendimentos, seja aos níveis de melhoriano total do período. Em 1991, as famíliasmigrantes residentes no DF com rendimen-tos per capita acima de cinco saláriosmínimos representavam 3,8%, enquanto asnão-migrantes correspondiam a 11% do totalde famílias da mesma condição migratória.A redução dos níveis de pobreza atingiu asfamílias residentes no DF independente-mente da sua condição migratória e, em2000, os migrantes desta faixa de rendi-mentos passaram a representar 11% e osnão-migrantes 19,6% do total da populaçãode condição migratória idêntica.

A análise dos dados sobre as condi-ções de vida da população sob o aspectoda renda familiar per capita levanta algumasquestões que merecem maior atenção.Apesar de a redução esperada nos níveisde pobreza atingir a população total daRide,28 a intensidade foi maior para aquelaresidente no DF, acentuando os diferenciaisentre esta população e a do entorno me-tropolitano. Esta redução foi ainda maisacentuada para os migrantes intrametro-politanos, que apresentavam, em 1991,maiores participações na faixa de rendafamiliar inferior a um salário mínimo percapita em relação aos municípios doentorno, principalmente aqueles que inte-gram o Entorno Imediato. No período 1986-1991, 70,8% das famílias dos chefes migran-tes intra-regionais residentes no DF pos-suíam renda per capita de até um saláriomínimo, enquanto no Entorno Imediato estaparticipação era de 63% (variação de 7,8pontos percentuais favorecendo o entorno).No período seguinte (1995-2000), esse

percentual diminui para 43,9% no DF e man-teve-se em 63% no entorno (variação de19,5 pontos percentuais favorecendo o DF).Uma relação semelhante pode ser verifi-cada para as famílias migrantes com rendaacima de cinco salários mínimos per capitaresidentes no DF, em relação aos demaismunicípios do entorno metropolitano.

Outro aspecto que merece ser ressal-tado refere-se aos diferenciais segundo acondição migratória das famílias residentesnos diferentes espaços regionais. Chamaatenção as condições mais favoráveis dapopulação migrante em relação à não-migrante, para os residentes no entorno(Entorno Imediato e Entorno Distante), commenores participações nas faixas derendimentos de até um salário mínimo percapita e maiores naquelas acima de cincosalários mínimos, nos dois anos queintegram o período estudado, ainda que osdiferenciais sejam desfavoráveis para estapopulação em relação à mesma condiçãomigratória de residentes no DF. Istocertamente pode estar associado ao baixonível de rendimento auferido pelos mora-dores não-migrantes desses municípios, oque faz com que a população que migrourecentemente para estas regiões tenharendimentos mais elevados, embora aindamuito baixos se comparados aos auferidospelos habitantes do DF.

Apesar de a população migrante quese dirige para o entorno metropolitanoapresentar condições de acesso à rendaper capita familiar mais favorável do que asdo segmento não-migrante, trata-se de ummovimento característico de famílias debaixa renda, com elevadas participaçõesdaquelas com até um salário mínimo percapita (63% para o fluxo em direção aoEntorno Imediato e 66,4% para os demaismunicípios do entorno) e com renda beminferior à população que reside no DistritoFederal, região de origem deste fluxo (38%para a população não-migrante do DF). Ofato de as famílias migrantes estarem emcondições mais favoráveis em relação à

28 Estudos recentes sobre evolução da pobreza no Brasil indicam redução de seus níveis durante o período 1993-1995, em funçãodos efeitos distributivos do Plano Real, e manutenção deste patamar na segunda metade da década de 90 (Rocha, 2003).

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população não-migrante que reside nestesmunicípios, certamente, está associado àhipótese de re-imigração29 desta populaçãooriginária do DF, o que pode significar me-lhores condições de inserção profissionale de acesso à renda, em função de umamaior adaptação à realidade local e dotempo de residência mais elevado no inte-rior da região.

Estes aspectos observados no compor-tamento da variável renda familiar per capita,na Ride, podem estar associados a algumascaracterísticas demográficas, tais comoidade e composição familiar destes chefesmigrantes, o que e será investigado a seguir.

No que se refere ao cruzamento davariável renda familiar per capita com aestrutura etária dos chefes na região, é pos-sível observar que, independente dacondição migratória e do local de residência,as maiores participações nas faixas de baixarenda concentram-se nas idades maisjovens desta população. À medida que aidade se eleva, diminuem as participaçõesnestas faixas, o que certamente está rela-cionado à inserção no mercado de trabalho,independente do grau de formalidade dasrelações trabalhistas. A partir dos 60 anos,as participações nas faixas de renda maisbaixa voltaram a subir, possivelmente devi-do à redução nos rendimentos, associadaà retirada do mercado de trabalho dosindivíduos desta faixa etária (Tabela 7).

No que se refere à elevação da rendafamiliar per capita dos chefes migrantesintrametropolitanos e à redução do dife-rencial entre migrantes e não-migrantes noperíodo 1991-2000, para a população resi-dente no DF, os dados sobre a distribuiçãopor idade revelam que 70,7% dos que rece-biam mais de dez salários mínimos tinhamaté 34 anos, mostrando que a melhoria noacesso à renda atingiu mais diretamenteas famílias com chefes migrantes intrametro-

politanos nas fases iniciais do seu ciclo vitalfamiliar.

Com relação ao tipo de arranjo domés-tico constituído pelas famílias, segundo acondição migratória dos chefes, a análisedos dados indica que, no caso específicodos migrantes intra-regionais residentes noDF, as maiores participações estão nosarranjos do tipo “estendidos” e “outros”. Aterceira maior participação das famíliasmigrantes no DF foi apresentada pelosarranjos do tipo individual, para as faixasacima de três salários mínimos per capita(Tabela 8).

Para os migrantes intra-regionais emdireção ao Entorno Imediato, somente paraa faixa de rendimento mais elevado, acimade dez salários mínimos, a migração indi-vidual superou a participação das famíliasconstituídas por casais com ou sem filhos.Para os municípios do Entorno Distante,os arranjos do tipo individual foram maisrepresentativos para todas as faixas derenda, se comparados aos dados para oEntorno Imediato, apesar da predomi-nância dos arranjos do tipo casal com esem filhos, exceto para as faixas entre trêse cinco e acima de dez salários mínimos,em que predomina a migração individual,embora os fluxos sejam numericamentepouco significativos.

Os efeitos das mudanças no mercadode trabalho na última década, tais como aredução dos postos de trabalho e dosrendimentos auferidos, atingiram maisdiretamente indivíduos com menoresqualificações, relacionadas aos anos deestudo.30 Certamente a população daregião foi afetada por estas tendências,sendo que os diferenciais segundo acondição migratória e a direção dos fluxosno interior da região podem ajudar naidentificação dos condicionantes e dasrespostas sociodemográficas relacionadas

29 Os dados sobre a naturalidade dos migrantes intrametropolitanos originados no DF em direção aos municípios do EntornoImediato demonstraram a grande participação de nordestinos, o que gera a hipótese de que esses fluxos sejam uma segundaetapa migratória daquelas pessoas que vieram para o DF e que não conseguiram se inserir no mercado habitacional do DF, re-imigrando para a periferia na busca por moradia.30 Segundo Rocha (2003), o agravamento dos níveis de pobreza nas regiões metropolitanas teve como principal condicionante asmudanças no mercado de trabalho, em que a redução do número de postos e dos rendimentos obtidos pelo trabalho é maior paraa população menos qualificada, com menos de quatro anos de estudo, o que agrava a má distribuição de renda no país.

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TABELA 7Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e faixa de renda per capita familiar, segundo a idade do chefe

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1986-2000

ao processo de estruturação intra-urbanana região (Tabela 9).

Embora tenha se confirmado a expec-tativa de melhoria nos níveis educacionaispara a população regional, em função doprogresso geral deste indicador no Brasilna última década, o segmento que migrouinternamente no período 1995-2000 apre-sentou os piores índices de melhoria, comqueda da participação dos chefes comensino médio completo ou mais. No en-tanto, as participações dos chefes commenores níveis educacionais tambémregistraram redução (de 14,5% para 7,8%para aqueles com até quatro anos de

estudo), paralelamente à elevação dosníveis intermediários (de 14,9% para17,4% para os chefes com 4 a 7 anos deestudo, de 31,9% para 38,7% para aquelescom 8 a 10 anos e de 18,9% para 19,3%para os que possuíam de 11 a 17 anos deestudo. Para os demais recortes, indepen-dente da condição migratória, houvecrescimento da participação dos chefescom níveis educacionais mais elevados,sendo mais expressivo para os migrantesem direção ao DF, principalmente no quese refere à redução na proporção de che-fes com menos de quatro anos de estudo(de 24,2% em 1991 para 5,8% em 2000).

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Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).Nota: Migrantes intrametropolitanos: pessoas com menos de cinco anos de residência no município e que migraram entre municípiosda Ride.

Como forma de avaliar os diferen-ciais na hierarquia da estrutura socialda população, segundo a condição mi-gratória e a localização nos diferentes

espaços regionais, será uti l izada aclassificação desses chefes segundoa definição de categorias socioocupa-cionais.31

31 A metodologia básica utilizada foi desenvolvida pelo Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (Ippur/UFRJ – Fase),no âmbito da pesquisa “Metrópole, Desigualdades Socioespaciais e Governança Urbana: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte”.Foi necessária, entretanto, uma adaptação para os objetivos deste estudo, principalmente em relação aos dados do censo 2000,em função das alterações na categorização das ocupações e setores de atividades introduzidas na pesquisa. As categoriassocioocupacionais foram definidas através da combinação de variáveis sobre trabalho e rendimentos extraídas dos censos de 1991e 2000, tais como ocupação principal, posição na ocupação, porte da empresa, rendimentos da ocupação e setor de atividade noqual a ocupação é exercida. A metodologia buscou a criação de uma estrutura ocupacional que expressasse a hierarquia dasociedade urbana/metropolitana brasileira e, através da sua localização no espaço da Ride, pudesse constituir um mapeamentoda estrutura socioespacial da região. Os princípios utilizados na divisão das variáveis buscaram identificar as relações entre: capitale trabalho – identificando empregadores e empregados; grande e pequeno capital – utilizando-se o porte da empresa comoreferência (empresas com mais e menos de dez empregados); autonomia e subordinação – separando autônomos e empregados;manuais e não-manuais; controle e execução – critério visando identificar a hierarquia ocupacional entre as ocupações não-manuais, segundo o maior ou menor grau de responsabilidade; secundário e terciário – separação entre ocupações manuais porsetor de atividade; e moderno e tradicional – divisão estabelecida para as ocupações manuais da indústria, segundo sua inserçãonos setores que fazem parte da chamada segunda revolução industrial (petroquímica, metalurgia, bens de consumo duráveis, etc.).

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Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).Nota: (1) Migrantes intrametropolitanos: pessoas com menos de cinco anos de residência no município e que migraram entre municípios da Ride.

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TABELA 9Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e nível de estudo

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno - 1991/2000

A idéia é estabelecer, neste artigo, umacomparação entre migrantes e não-migran-tes intrametropolitanos, como forma de ava-liar os diferenciais entre o grau de inserçãosocioocupacional e inferir o papel destes flu-xos na configuração socioespacial da região.

Foram definidas 25 categorias agrupa-das em oito grandes grupos:

• categoria dirigente (empresários,dirigentes do setor público e privadoe profissionais liberais da medicina,engenharia, arquitetura, odontologiae advocacia);32

• categoria intelectual (profissionaisautônomos e empregados de nívelsuperior);

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações espaciais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

32 Segundo os autores responsáveis pela elaboração da metodologia, colocar esta categoria no grupo da elite dirigente deveu-seà compreensão de que, no Brasil, essas profissões foram historicamente exercidas pelos filhos da elite; são as profissões que melhorse organizaram enquanto corporação e são identificadas como de mais elevado status social. São, portanto, as ocupações que seestruturam em torno do controle e da valorização de um capital social.

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• categoria empregadores urbanos(pequenos empregadores em ativi-dades urbanas – com até dez empre-gados – comerciantes conta-própria);

• categoria média (trabalhadores não-manuais, subdivididos em trabalha-dores em atividades de rotina etrabalhadores em atividades de su-pervisão dos setores público e priva-do, técnicos e artistas, trabalhadoresda saúde e educação e trabalhadoresda justiça, segurança e correios);

• trabalhadores manuais do secun-dário (indústria tradicional, indústriamoderna, serviços auxiliares, artesãoe da construção civil);

• trabalhadores manuais do terciário(comércio e serviços especializadose não-especializados);

• trabalhadores manuais sem quali-ficação (trabalhadores domésticos,ambulantes e biscateiros);

• trabalhadores agrícolas (todas asocupações agrícolas, exceto as ocu-pações criador bovino, proprietárioagropecuário e avicultor).

O predomínio do setor terciário sobreos demais setores da economia pode serverificado para todos os recortes espaciaise independe, em termos gerais, do local deorigem do movimento migratório. Adesagregação destes dados segundo olocal de destino na região indica que o fluxode migrantes que deixaram o DF em direçãoao Entorno Imediato apresenta parti-cipações ligeiramente maiores nascategoriais socioocupacionais de posiçãomais elevada, se comparados aos demaisfluxos originários dentro e fora da Ride(Tabela 10).

No caso do fluxo em direção ao DF, amigração vinda de localidades externas àRide apresenta indícios de uma melhorqualificação, com número maior de pessoasque se enquadram nas categorias maiselevadas, se comparadas às característicasda população que deixa os municípios doentorno. Esta maior participação pode seratribuída aos fluxos provenientes doSudeste, principalmente do Rio de Janeiro,

como já foi demonstrado anteriormente. Noentanto, este mesmo fluxo também registramaiores participações de trabalhadoresmenos qualificados, representados pelacategoria trabalhadores manuais semqualificação, em que se agregam osambulantes/biscateiros e os trabalhadoresdomésticos.

Os diferenciais entre migrantes e não-migrantes intra-regionais são significativosapenas para os fluxos em direção ao DistritoFederal, em função dos diferenciais jáestabelecidos entre outros migrantes e osmigrantes intra-regionais. As maioresvariações entre as participações doschefes, segundo a condição migratória, sãomais significativas para os extremos dahierarquia social. Os migrantes intra-regio-nais apresentam menores participações nascategoriais dirigentes e intelectuais emaiores na de trabalhadores manuais semqualificação.

Para os demais recortes espaciais, pra-ticamente não se verificam alterações entreos migrantes e os não-migrantes intra-re-gionais, o que significa que estes fluxos maisrecentes contribuem, ou melhor, reforçam asegregação socioespacial da região. Nãose pode esquecer que os dados referem-se à migração nos últimos cinco anos e,portanto, não demonstram o peso destesfluxos no início da formação do entornoregional, na década de 70. Os dados parao período 1986-1991 indicam diferenciaismaiores, demonstrando que a populaçãomigrante estava em condições menosfavoráveis na hierarquia social se com-parada à não-migrante, o que significa queo perfil socioocupacional da região tende auma homogeneização em função da inten-sificação dos fluxos.

O espaço urbano tem como principalelemento estruturador a disputa por loca-lizações otimizadas, devido às possibi-lidades de deslocamentos. Na busca pelasmelhores localizações, os segmentospopulacionais de maior poder político e eco-nômico se apropriam das melhores áreas,restando às populações menos favorecidas,sobre estes aspectos as localidades menosqualificadas, com condições precárias deacesso a serviços sociais e infra-estrutura

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básica, reforçando assim o processo deexclusão social destes segmentos de menorinserção profissional, o que certamenteacarreta rendimentos inferiores.

Assim, a análise dos diferenciais entreos segmentos populacionais, segundolocalização espacial e condição migratória,

não estaria completa se não fossemconsiderados aspectos relativos àscondições de habitação.

Os diferenciais nas condições dehabitação33 são visíveis no que se referetanto aos recortes espaciais quanto àscondições migratórias dos chefes do

TABELA 10Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e inserção socioocupacional Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

33 Foram consideradas variáveis relativas a abastecimento de água (adequado para os domicílios ligados à rede geral), destinaçãoe tratamento de resíduos sólidos (esgoto adequado para os municípios ligados à rede geral ou com fossas sépticas e lixo adequadopara os domicílios com coleta direta ou indireta), condições da habitação (sobre a espécie: adequado para os domicílios particularespermanentes; sobre as instalações sanitárias: adequado para os domicílios com a existência de banheiros; e sobre a densidadede moradores: adequado para menos de dois habitantes por dormitório) e localização da residência (adequado para domicílioslocalizados em casas ou apartamentos fora de aglomerados subnormais). Os domicílios sem nenhuma inadequação foramconsiderados adequados e os demais classificados segundo os diferentes níveis de inadequação, conforme a quantidade de itensinadequados (baixa inadequação – uma variável inadequada; média inadequação – duas variáveis inadequadas; alta inadequação– três variáveis inadequadas; e totalmente inadequados – as quatro variáveis inadequadas).

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domicílio. Enquanto 15,5% dos chefes mi-grantes têm domicílios totalmente adequa-dos, entre os não-migrantes este percentualchega a 60,8%. Quando os dados são desa-gregados para os três recortes espaciais, épossível verificar o diferencial entre o DF eos demais municípios, uma vez que 77,0%dos chefes não-migrantes e 57,2% dos mi-grantes residentes no DF estão em domicílioscom condições adequadas de infra-es-trutura, instalações sanitárias e localização(Tabela 11).

No Entorno Imediato, os domicílios comcondições adequadas correspondiam aapenas 11,3%, para os chefes migrantes, e13,5%, para os não-migrantes intra-regio-nais, situação que aparenta ser ainda maisgrave para os demais municípios do entor-no, onde a proporção de adequação dos

domicílios decresceu para 9,0% entre osmigrantes.

Alguns municípios do Entorno Imediato,no entanto, apresentaram altas participaçõesde domicílios adequados, tais como CidadeOcidental, Novo Gama e Valparaíso de Goiás,em função de parte da ocupação ter ocorridoatravés da construção de conjuntos habita-cionais, o que demonstra os diferenciais nointerior do entorno, relacionados à precarie-dade da ocupação periférica através dobinômio lotes populares/autoconstrução.

É importante ressaltar que para a maio-ria dos municípios que registraram algumgrau de inadequação, a falta do serviço decoleta e tratamento de esgotos é deter-minante, podendo ou não vir associada aoutras carências relacionadas ao provi-mento de infra-estrutura urbana.

TABELA 11Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e condição de habitação do domicílio

Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).

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Mobilidade pendular34

A mobilidade pendular apresenta es-treita relação com o processo de estrutu-ração urbana, principalmente no que serefere aos diferenciais entre as localizaçõesdas atividades no espaço urbano regionale a intensificação da migração intrametro-politana. No processo de estruturação intra-urbana, a necessidade de deslocamento depessoas em direção ao entorno certamentegerou a intensificação destes fluxos pendu-lares, na busca do atendimento das deman-das legítimas desta população que nãoconseguiu se inserir no espaço do DF. Aligação entre os dois tipos de movimentospopulacionais é estreita: a ocorrência doprimeiro gera o segundo, ou seja, ao semudar para o entorno a população passa adepender das viagens diárias em direçãoao antigo local de moradia, como forma deobter renda e serviços que lhe permitamsobreviver.

A intensidade e a direção da mobilidadependular na Ride revelam os diferenciaisno acesso ao solo urbano pelos diferentessegmentos sociais da população, implican-do deslocamentos compulsórios na buscapelo atendimento das demandas básicaspor trabalho, serviços sociais, lazer e ativi-dades de consumo, com o agravamentogerado pelas grandes distâncias e pelodeficiente sistema de transportes.

A demanda por trabalho ou educação,além de assumir peso maior do que asdemais devido ao seu caráter de movimen-tação diária, pode ser mensurada a partirdos dados censitários, estabelecendodiferencias entre as pessoas que realizammobilidade pendular, segundo condiçãomigratória, níveis educacionais, inserçãosocioocupacional e condição de ocupaçãodo imóvel, este último como forma de avaliara relação entre localização periférica destaspessoas que se movem diariamente e aaquisição de moradias.

O volume de pessoas que se movemdiariamente no interior da Ride cresceu de13.328, em 1980, para 132.909, em 2000.35

Os dados referentes às pessoas que de-clararam como local de trabalho ou estudooutras UFs foram desprezados por repre-sentarem menores possibilidades de seconfigurarem em movimentos diários, emfunção das distâncias a serem percorridas.

Alguns municípios de base econômicaagropecuária, não diretamente atingidospelo processo de expansão do DF, estabe-lecem fluxos pendulares com municípiosvizinhos, ainda que com menor intensidadese comparados com o fluxo predominanteentre o DF e o Entorno Imediato. É o caso,por exemplo, dos municípios de Água Friade Goiás, Corumbá de Goiás e Pirenópolis,onde a população que realiza mobilidadependular em direção a outros municípiosde Goiás é predominante, representandoem 2000, respectivamente, 91,5%, 50% e77% do total. Outros, como Mimoso deGoiás e Cabeceiras, têm como principallocal de trabalho ou estudo da populaçãoque realiza movimentos diários os demaismunicípios do entorno, embora, neste caso,a participação de Brasília como destinodesta população seja bastante próxima daobservada para o fluxo principal. No entan-to, é preciso salientar que, nos dois casos,esses volumes são muito pequenos.

Das 132.914 pessoas que se movemdiariamente no interior da região, 119.916(90,2%) deixam municípios localizados noEntorno Imediato em direção ao DistritoFederal, onde estão concentrados os em-pregos e as possibilidades de geração derenda.

Grande parte da população em movi-mentos pendulares já realizou algum mo-vimento migratório em direção ao atualmunicípio de residência.

Cerca de 42,4% do total das pessoasque realizavam movimentos pendulares,em 2000, tinham menos de cinco anos de

34 Neste item, os dados sobre os fluxos pendulares foram analisados agregados para os três recortes espaciais (DF, EntornoImediato e Entorno Distante), em função dos desmembramentos de municípios ocorridos no período entre 1980 e 2000.35 Infelizmente os dados censitários não permitem medir os fluxos pendulares entre as Regiões Administrativas de localizaçãoperiférica e o Plano Piloto, o que certamente elevaria os volumes verificados.

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residência no município em que residiame, destas, 50,3% declararam como residên-cia, em 31/07/1995, o Distrito Federal, comoera esperado.

Desagregados para os diferentes recor-tes espaciais, os dados revelam que 58,5%das pessoas que residem no EntornoImediato e que residiam há menos de cincoanos no município, que fazem este movi-mento diário, vieram do DF. No entanto, nacomparação com dados de 1980, obser-va-se que a proporção de pessoas querealizam movimentos diários em direção aBrasília, residem no Entorno Imediato edeclararam residência anterior no DistritoFederal diminuiu de 72,3% para 59,3%, em2000.

Essa redução da participação dosemigrantes do DF em relação às pessoasque realizam mobilidade pendular ocorredevido ao aumento dos fluxos interes-taduais no total da migração em direção aoEntorno Imediato.

Apesar de o Distrito Federal continuarconcentrando as oportunidades de empre-go e geração de renda, os municípios doEntorno Imediato, principalmente NovoGama, Cidade Ocidental e Valparaíso deGoiás, vêm aumentando suas participaçõescomo receptores de pessoas que realizammobilidade pendular, recebendo 32% dosresidentes em Brasília que realizam estemovimento, mais especificamente nasRegiões Administrativas do Gama e deSanta Maria, cujas distâncias são menoresem direção a estes municípios do que paraas regiões onde se concentram os empre-gos no DF (como o setor comercial sul noPlano Piloto ou o centro da Região Adminis-trativa de Taguatinga, por exemplo).

Considerações finais sobre a mobilidade ea estruturação intra-urbana na Ride

O contingente migratório, comintensidade não prevista no projeto inicialde ocupação do território, alterou comple-tamente o ritmo esperado de ocupação. Acapacidade de resistir aos constantesprocessos de expulsão demonstrada poraquele contingente, seja o arbitrário, atravésda política de remoção, seja o espontâneo,

por meio da valorização imobiliária, seconstitui em fator decisivo para o processode expansão da ocupação urbana e para aconformação do entorno regional. A capa-cidade de articulação e reivindicação dealguns segmentos populacionais muitasvezes gerou a reversão da lógica da atua-ção estatal, alterando, assim, o perfil dasegregação socioespacial e da distribuiçãoda população no espaço urbano.

As características sociodemográficasdeste contingente populacional, tais comoestrutura etária, composição familiar, acessoà renda, acesso à educação, entre outras,tiveram papel preponderante no processo desegregação e na configuração socioespacialresultante do processo de ocupação e dedesenvolvimento urbano na região.

O processo de formação e consolidaçãoda Ride, na década de 80, foi fortementeinfluenciado pela expansão da manchaurbana do DF. Os movimentos migratóriosregionais confirmam esse processo, no quala migração intrametropolitana adquireexpressão no total dos fluxos migratórios,ainda que os fluxos interestaduais conti-nuem predominantes.

Em síntese, pode-se concluir que a in-tensidade e a direção da migração intra-metropolitana na Ride estão intimamenterelacionadas ao processo de expansão damancha urbana do Distrito Federal, emcontinuidade à expansão, com as mesmascaracterísticas, no interior do quadrilátero. Aoferta de moradias ao longo dos eixos decrescimento periférico, principalmente nadireção sudoeste, foi sem dúvida o principalcondicionante para a formação do entornoregional, que surge como forma de atenuaras pressões por moradia dos segmentosmenos favorecidos política e economica-mente, contribuindo assim para a manuten-ção da ocupação seletiva das áreas maiscentrais.

A ocupação deste entorno, constituídaa partir da ocupação das porções do territóriode antigos municípios goianos, contíguas aoterritório do DF, ocorreu em função de doisprocessos diferenciados, mas que na verda-de agiram de maneira articulada, semprecom o objetivo da manutenção da ocupaçãoseletiva nas áreas mais centrais de Brasília.

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O mercado imobiliário atuou especula-tivamente, através da oferta de parcela-mentos nos municípios goianos limítrofes,antes mesmo da inauguração da novacapital, com a conivência do poder público(do DF e dos municípios goianos emquestão, que, na ausência de dinamismoeconômico que pudesse lhes assegurarcrescimento, acreditavam ser esta umaforma de aumentar a arrecadação mu-nicipal) principalmente no município deLuziânia, constituindo o principal eixo decrescimento periférico, ao longo da BR 040em direção aos Estados do Sudeste.

O governo, por sua vez, diante dosconflitos pela posse da terra urbana,gerados principalmente em função dapouca oferta de moradias para a populaçãode baixa renda, reassentou a populaçãodas ocupações ilegais em regiões cada vezmais distantes das áreas centrais, priorita-riamente na direção predominante docrescimento periférico (Eixo Sudoeste).

Com esse processo de ocupação, amigração intrametropolitana ganhou força,assumindo maior intensidade a partir dadécada de 80, tendo como fluxos predo-minantes os originados no DF em direçãoao município goiano de Luziânia, que, devidoao rápido crescimento populacional, dividiu-se, dando origem aos demais municípiosque integram o Entorno Imediato. Estecontingente populacional em direção aoentorno, apesar de ser constituído porpessoas com menores possibilidades deauferir renda, em função da baixa qualificação(se comparadas com a população que ocupaa região central do DF), ainda está emmelhores condições do que os não-migrantes residentes nesta região, o quedemonstra que o processo de expulsão depopulação do Distrito Federal atingiu, noperíodo mais recente, segmentos popula-cionais de idade ligeiramente mais avança-da, com maiores níveis educacionais e emmelhores posições na estrutura social.

Além de alimentar o processo desegregação socioespacial da população, aintensificação do fenômeno da migraçãointrametropolitana como resposta aoprocesso de estruturação intra-urbana,condicionada principalmente pela oferta de

moradias sem o desenvolvimento paralelode atividades geradoras de emprego erenda nos municípios de destino, intensifi-cou outra forma de movimentação popula-cional no interior da região: a mobilidadependular.

Além da intensidade da concentraçãode empregos, a estrutura intra-urbana daregião tem como especificidade a distânciafísica entre o centro principal e as localida-des e municípios periféricos, agravada pelaausência de ocupação entre eles, gerandomaiores custos para o transporte público egrandes problemas para os deslocamentos.

Entre as contradições a serem enfren-tadas pela gestão urbana na região, desta-cam-se a questão dos conflitos geradospela propriedade da terra destinada ao usourbano e a ilegalidade na ocupação intra-urbana. A ausência de solução na definiçãoda estrutura fundiária, relacionada à nãoconclusão do processo de desapropriaçãodas terras que deram origem ao DistritoFederal, tem contribuído de forma indiscu-tível para a atuação de grileiros e especula-dores, o que propicia a ocorrência deloteamentos ilegais e condomínios rurais,fazendo com que a resolução dessesproblemas se torne inviável em termosjurídicos.

Além da multiplicidade de regimes deposse, o rígido controle da ocupação do solodestinado às atividades urbanas, por parteda Terracap, tem alimentado o processo devalorização das áreas urbanizáveis, o quegera novos processos especulativos evalorização excessiva das terras jáurbanizadas.

O não atendimento da inesgotáveldemanda por moradias, provocada pelocrescimento urbano, que, apesar doarrefecimento na década de 80, deuindícios de novo dinamismo na década de90, inclusive em função da manutenção daintensidade dos fluxos migratórios para aregião nessa última década, gera novasocupações em áreas centrais, demandandosoluções que não alimentem o crescimentoperiférico.

A questão do emprego assumeparticularidades que agravam o processode exclusão da população periférica. A

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economia regional baseia-se nas transfe-rências de rendas, conformando um grandemercado consumidor. A elevada renda quepotencializa esse mercado consumidor nãoprovém de uma inserção produtiva regional,mas sim da ocupação de parte da popu-lação na administração pública, gerada emfunção dos altos salários pagos ao funcio-nalismo federal.

Resta à população não inserida nessacategoria funcional, principalmente aquelaresidente nas localidades periféricas, abusca pela apropriação de parte dessarenda através de atividades terciárias, sejavia mercado de trabalho formal, seja nasmúltiplas atividades informais que seproliferam.

Diante desse quadro, o crescimento dodesemprego assume maiores proporções

na região, principalmente devido à reduçãodos empregos públicos, como resultado dacrise fiscal que o Estado enfrenta.

A evolução crescente do desempregona região tem evidenciado a insuficiênciada economia local na geração de postosde trabalho. O crescimento populacional,mais especificamente o da PEA, associadoà retração na oferta de empregos, vem setraduzindo num quadro social problemáticocom tendências agravantes.36

Nesse sentido, a dinamização econô-mica do entorno, com novas possibilidadesde diversificação de atividades econômicasque possam gerar emprego e renda, é deextrema importância para a redução dasdesigualdades socioespaciais e para asolução dos problemas causados pelocrescimento periférico.

36 Segundo os dados da PED para julho de 2003, a taxa de desemprego era de 23% da PEA, sendo o volume de desempregadosestimado em 263,1 mil pessoas.

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Abstract

Intraurban structuring in the Brazilian Federal District and surrounding region: mobility andsocio spatial segregation of the population

The objective of this article is to evaluate changes in the distribution and spatial mobility of apopulation, changes which can be associated with the process of urbanization and with theintra-urban structuring in the RIDE Region (Integrated Development Region of the BrazilianFederal District). This large area includes not only the Federal District itself, but other nearbymunicipalities belonging to the states of Goiás and Minas Gerais as well. Specific characteristicsrelated to the process of economic development, territorial occupation and urban administration,are discussed, aspects that distinguish it from the other large urban areas in the country andfrom the so-called metropolitan areas, especially in aspects related to the possibilities of theinfluence of the states on urban administration, due to the peculiarities of the process of theterritorial occupation of the Federal District. The Federal District began expanding in the 1950sas a planned city destined to be a center of development as well as the seat of the FederalGovernment. These specific characteristics, however, were unable to promote any equalappropriation of different areas in the urban space, causing the socio-spatial configuration ofthe RIDE to resemble those found in general in the other urban regions in the country, especiallyconcerning the inequalities in the socio-spatial distribution of the population.

Key words: Intraurban mobility. Spatial distribution of the population. Urban structuring.

Recebido para publicação em 17/05/2005.Aceito para publicação em 14/10/2005.