Estruturas de Comércio e Lazer_Séc. XX

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Estudo, Análise e Propostas para a Revitalização de espaços comerciais em zonas históricas. Caso principal de estudo- a Baixa Pombalina

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Reabilitao de estruturas de comrcio e lazer

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NDICENDICE..................................................................................................................................................... 3 INTRODUO ........................................................................................................................................ 9 CONSIDERAES PRELIMINARES ................................................................................................. 9 ESCOLHA DE ZONAS DE ESTUDO ............................................................................................... 10 OBJECTIVOS GERAIS ..................................................................................................................... 10 OBJECTIVOS ESPECFICOS .......................................................................................................... 11 ESTRUTURA DA DISSERTAO ................................................................................................... 12 .1. .2. .2 . 1 . .3. .3 . 1 . .3. 1. 1. .3. 1. 2. .3. 1. 3. .3. 1. 4. .3. 1. 5. .3. 1. 6. .3. 1. 7. .3. 1. 8. .3 . 2 . .3. 2. 1. .3. 2. 2. .3 . 3 . .3. 3. 1. .3. 3. 2. .3 . 4 . .3. 4. 1. .3 . 5 . .4. .4 . 1 . .4 . 2 . .4. 2. 1. CIDADE E SOBREPOSIO DE LAYERS ............................................................... 15 LISBOA, A EVOLUO DAS CENTRALIDADES ................................................... 24 A EVOLUO DAS CENTRALIDADES ..................................................................... 24 O COMRCIO TRADICIONAL NA ACTUALIDADE.................................................. 30 BAIXA POMBALINA, HIERARQUIA E TRADIO COMERCIAL ............................. 30 LEVANTAMENTO: MBITO E DEFINIES ........................................................ 36 LEVANTAMENTO DE FUNES .......................................................................... 38 DISTRIBUIO DE RAMOS DE ACTIVIDADE ..................................................... 52 FREQUNCIA DOS TIPOS DE ACTIVIDADE POR RUAS ................................... 57 AVALIAO GLOBAL DE QUALIDADE ................................................................ 65 AVALIAO DE QUALIDADE POR RUAS ............................................................ 76 RELAO DE FUNO COM QUALIDADE ......................................................... 83 DISTRIBUIO DE NVEIS DE AVALIAO POR ACTIVIDADE ...................... 87 EIXO AV. ROMAAV.GUERRA JUNQUEIRO ............................................................ 90 LEVANTAMENTO DE FUNES .......................................................................... 91 AVALIAO DE QUALIDADE ................................................................................ 96 - ANLISE DO LEVANTAMENTO ............................................................................ 100 A BAIXA POMBALINA .......................................................................................... 100 O EIXO AVENIDA DE ROMA / AV. GUERRA JUNQUEIRO ............................... 103 INQURITO EFECTUADO ....................................................................................... 103 CONCLUSES DO INQURITO ......................................................................... 103 DECLNIO DO COMRCIO TRADICIONAL ............................................................. 106 TEORIA DA CONSERVAO ................................................................................. 108 EVOLUO DO CONCEITO DE CONSERVAO ................................................. 108 CARTAS E CONVENES INTERNACIONAIS ...................................................... 112 CARTA DE ATENAS DE 1931 ............................................................................. 112

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.4. 2. 2. .4. 2. 3. .4. 2. 4.

CARTA DE ATENAS DE 1933 ............................................................................. 113 CARTA DE VENEZA............................................................................................. 114 CONVENO SOBRE A PROTECO DO PATRIMNIO MUNDIAL CULTURAL E NATURAL ...................................................................................... 116

.4. 2. 5. .4. 2. 6. .4. 2. 7. .4. 2. 8. .4. 2. 9. .4. 2. 10.

DECLARAO DE AMESTERDO ..................................................................... 116 CARTA EUROPEIA DO PATRIMNIO ARQUITECTNICO ........................ 116 CARTA DE NAIROBI ............................................................................................ 117 CARTA DO TURISMO CULTURAL ...................................................................... 118 CARTA DE BURRA .............................................................................................. 119 CARTA INTERNACIONAL PARA A SALVAGUARDA DAS CIDADES HISTRICAS ..................................................................................................... 120

.4. 2. 11. .4. 2. 12. .5. .5 . 1 . .5 . 2 . .5. 2. 1. .5. 2. 2. .5. 2. 3. .5. 2. 4. .5. 2. 5. .5. 2. 6. .5 . 3 . .5. 3. 1. .5. 3. 2. .5 . 4 . .5. 4. 1. .5. 4. 2. .5. 4. 3.

CARTA DE NARA .............................................................................................. 120 DECLARAO DE SAN ANTONIO .................................................................. 121 METODOLOGIA DE INTERVENO ...................................................................... 122 MBITO E OBJECTIVOS ......................................................................................... 122 DIRECTRIZES DE ACTUAO ............................................................................... 125 REABILITAO INTEGRADA .............................................................................. 125 INTEGRAO NA VIDA CONTEMPORNEA .................................................... 127 SUSTENTABILIDADE........................................................................................... 127 AUTENTICIDADE ................................................................................................. 128 REVERSIBILIDADE .............................................................................................. 128 RESPEITO PELAS CARTAS E CONVENES INTERNACIONAIS ............... 129 ENQUADRAMENTO DO EDIFCIO .......................................................................... 130 ENQUADRAMENTO HISTRICO E LEGAL ....................................................... 130 POSICIONAMENTO SINCRNICO E DIACRNICO DO EDIFCIO ................ 131 LEVANTAMENTO DO OBJECTO DE ESTUDO ...................................................... 132 LEVANTAMENTO ARQUITECTNICO ............................................................... 132 LEVANTAMENTO FOTOGRFICO ..................................................................... 132 LEVANTAMENTO DAS CONDIES DE ACESSIBILIDADE, HIGIENE E SEGURANA ....................................................................................................... 132 LEVANTAMENTO DE PATOLOGIAS / ESTADO DE CONSERVAO DO EDIFCIO ............................................................................................................... 132 LEVANTAMENTO DE USOS/ VISITAS................................................................ 133 ELABORAO DE ENTREVISTAS ..................................................................... 133 EXECUO DE FICHAS DE LEVANTAMENTO ................................................. 133 ATRIBUIO DE VALORES IDENTITRIOS .......................................................... 134 ANLISE CRTICA .................................................................................................... 138 ANLISE DA ADEQUABILIDADE DA FUNO AO ESPAO COMERCIAL ... 138

.5. 4. 4.

.5. 4. 5. .5. 4. 6. .5. 4. 7. .5 . 5 . .5 . 6 . .5. 6. 1.

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.5. 6. 2. .5. 6. 3. .5. 6. 4. .5. 6. 5. .5. 6. 6. .5. 6. 7. .5 . 7 . .5. 7. 1. .5. 7. 2. .5. 7. 3. .5. 7. 4. .5 . 8 . .5. 8. 1. .5. 8. 2. .5. 8. 3.

ANLISE FUNCIONAL E DE INCOMPATIBILIDADES........................................ 138 ANLISE DAS PATOLOGIAS DETECTADAS ..................................................... 138 ANLISE SOCIOECONMICA ............................................................................ 139 ANLISE E AVALIAO DO EQUIPAMENTO UTILIZADO ............................. 139 ANLISE DE EXPOSIO DE PRODUTO.......................................................... 139 SNTESE DE PROBLEMAS DETECTADOS........................................................ 139 A ZONA ..................................................................................................................... 140 TIPO DE OFERTA EXISTENTE ........................................................................... 140 ANLISE SCIOECONMICA ............................................................................ 141 MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE ...................................................................... 141 DINAMIZAO DA ZONA .................................................................................... 141 ANLISE SWOT DE PONTOS FORTES E FRACOS ............................................. 142 POTENCIALIDADES DA BAIXA POMBALINA: ................................................... 142 CONSTRANGIMENTOS DA BAIXA POMBALINA ............................................... 143 POTENCIALIDADES DO EIXO AVENIDA DE ROMA / AV. GUERRA JUNQUEIRO ......................................................................................................... 144 CONSTRANGIMENTOS DO EIXO AV. ROMA / AV. GUERRA JUNQUEIRO 144

.5. 8. 4. .5 . 9 . .5. 9. 1. .5 . 10 . .5. 10. 1. .5. 10. 2. .5. 10. 3. .5 . 11 . .5. 11. 1. .5. 11. 2. .5. 11. 3. .5. 11. 4. .5. 11. 5. .5. 11. 6. .5. 11. 7. .5. 11. 8. .5. 11. 9. .5 . 12 . .5. 12. 1. .5 . 13 . .5. 13. 1. .5. 13. 2. .5. 13. 3.

PROCESSO DE INTERVENO ............................................................................. 145 HIPTESES DE INTERVENO ........................................................................ 145 REABILITAO DA ACTIVIDADE ECONMICA ............................................ 147 ADEQUABILIDADE DA FUNO ZONA ....................................................... 147 ADEQUABILIDADE DA FUNO AO ESPAO ............................................... 147 ADEQUABILIDADE DO PRODUTO INTERVENO NO OBJECTO COMERCIALIZADO ........................... 148 ARQUITECTNICO ..................................... 149

H E T E R O G E N E I D A D E E I D E N T I D A D E ........................................ 149 REVERSIBILIDADE DA INTERVENO .......................................................... 150 RESOLUO DE PATOLOGIAS ...................................................................... 150 SALUBRIDADE, HIGIENE E SEGURANA...................................................... 150 AS ACESSIBILIDADES ..................................................................................... 151 O EQUIPAMENTO ............................................................................................. 151 DEFINIO DE ELEMENTOS A MANTER....................................................... 151 A FUNCIONALIDADE ........................................................................................ 152 POSSIBILIDADE DE FASEAMENTO DO PROJECTO ..................................... 152 O PRODUTO COMERCIALIZADO ....................................................................... 156 DISTINO DO PRODUTO COMERCIALIZADO............................................. 156 MEDIDAS E ACES .......................................................................................... 158 DIVERSIDADE DA OFERTA ............................................................................. 158 OS HORRIOS .................................................................................................. 158 O ATENDIMENTO PERSONALIZADO ............................................................. 159ISABEL GRANS

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.5. 13. 4. .5. 13. 5. .5. 13. 6. .5. 13. 7. .5. 13. 8. .5. 13. 9. .5. 13. 10.

REAPROXIMAO AO MUNDO AGRCOLA ................................................... 160 DINAMIZAO DA ZONA ENVOLVENTE ........................................................ 161 PROMOO DA HABITAO .......................................................................... 161 ACES DE SENSIBILIZAO E DIVULGAO ........................................... 161 ORGANIZAO DE EVENTOS TEMTICOS .................................................. 162 DEVOLVER AS BELAS ARTES BAIXA POMBALINA ............................... 162 CRIAO DE ESTRUTURAS DE BAIXO CUSTO E DE VERSATILIDADE FUNCIONAL.................................................................................................... 163 MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE ................................................................ 163 TRANSPORTE DE COMPRAS ...................................................................... 164 ACTORES SOCIAIS/INSTITUCIONAIS ENVOLVIDOS.................................... 165 OS CONSUMIDORES ....................................................................................... 165 A POPULAO LOCAL..................................................................................... 166 OS COMERCIANTES ........................................................................................ 166 INSTRUMENTOS A UTILIZAR ............................................................................. 168 PARCERIAS COM INDUSTRIA PORTUGUESA DE QUALIDADE ................ 168 ASSOCIAES LOCAIS ................................................................................... 169 O EXEMPLO DOS BUSINESS IMPROVEMENT DISTRICTS ...................... 170 O ESTADO ......................................................................................................... 171 TURISMO CULTURAL ....................................................................................... 172 ENTREVISTAS/ INQURITOS .......................................................................... 173 INCENTIVOS FINANCEIROS............................................................................ 173

.5. 13. 11. .5. 13. 12. .5 . 14 . .5. 14. 1. .5. 14. 2. .5. 14. 3. .5 . 15 . .5. 15. 1. .5. 15. 2. .5. 15. 3. .5. 15. 4. .5. 15. 5. .5. 15. 6. .5. 15. 7.

CONCLUSO ..................................................................................................................................... 174 PROJECTOS PARA INVESTIGAES FUTURAS ....................................................................... 174 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................ 175 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................... 177 BIBLIOGRAFIA GERAL .................................................................................................................. 177 PUBLICAES .......................................................................................................................... 177 BIBLIOGRAFIA ESPECFICA ............................................................................................................ 179 PUBLICAES ............................................................................................................................... 179 PERIDICOS .................................................................................................................................. 181 A G R A D E C I M E N T O S ............................................................................................................. 184 ANEXO I ANEXO II ANEXO III ANEXO IV LEVANTAMENTO FOTOGRFICO MODELO DE INQURITO FICHAS DE LEVANTAMENTO LEGISLAO

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Reabilitao de estruturas de comrcio e lazerINTRODUO

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INTRODUOCONSIDERAES PRELIMINARES O espao urbano interage com a populao que o habita e transforma, reflectindo e condicionando o seu estado fsico e sociolgico, funcionando como um receptor e um gerador de estmulos. A histria e a tradio local geram uma matriz que, associando a factores econmicos os factores scio culturais, cria preferncias de tipologias formais, estticas e funcionais dos objectos, de acordo com hbitos e necessidades da populao. Com o decorrer do tempo e a subsequente mutao de hbitos e necessidades, surgem novas percepes de usos e de funcionalidade, tornando obsoletos e desadequados os espaos existentes. Os espaos comerciais, como projeces de histria, cultura, vivncia e identidade, so pontos centrais da dinmica social e materializam uma relao entre o individual e o colectivo a nvel de hbitos sociais e culturais: o tipo de usufruto de equipamentos de comrcio revela o tipo de interesses e hbitos duma populao. Este estudo concentra-se em espaos de comrcio tradicional, locais de sociabilizao, comunicao e informao e que foram alvo de trabalhos artsticos ao gosto da poca. O comrcio uma componente fundamental da paisagem urbana, embora raramente seja avaliado nessa perspectiva. Contudo, incontestvel que desempenha papel de catalisador e animador da cidade, pelo convite fruio dos espaos onde se instala, conferindo-lhe movimento, colorido e diversidade. O seu estdio de desenvolvimento traduz, pois, a vitalidade da urbe e do territrio que esta polariza.1 Os problemas com que se debatem os centros de comrcio tradicional conduzem a uma certa decadncia dos espaos e das suas vivncias, que se conjugam com um sentimento de perda de identidade e nostalgia de um passado pleno de memrias. As consequncias de o centro de Lisboa ter vindo a perder o carcter de passeio, lazer e de ponto de encontro so, entre outras, a desertificao, que se reflecte em espaos poucoMargarida Pereira, Comrcio em Lisboa: os ventos de mudana in sociedade e territrio, 10-11, ano IV, Dezembro 1989DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS1

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seguros em horas de menor afluncia, levando sua transformao num centro-fantasma. A descaracterizao de alguns destes espaos, evidencia-se no tipo de comrcio existente na zona, com uma percentagem significativa de cadeias multinacionais de restaurao e de pronto-a-vestir; que adaptam os seus modelos a tipologias que no respeitam as caractersticas dos espaos preexistentes."Prosseguir no desenvolvimento significa adquirir uma civilizao prpria, mesmo que seja imperfeita, e no copiar as civilizaes estrangeiras, mesmo que sejam avanadas. Cada povo deve ter sua idade e seu solo, cada povo deve ser ele mesmo..."2

Por outro lado, tambm patente uma certa divergncia entre o equipamento existente em edifcios antigos de comrcio tradicional e as necessidades actuais, cuja resoluo, por parte dos proprietrios, se torna, por vezes descaracterizadora e descontextualizante, abrindo assim caminho a transformaes que destroem a integridade e identidade do espao, anulando relaes espaciais, cromticas e at funcionais. ESCOLHA DE ZONAS DE ESTUDO A escolha da Baixa como ncleo principal do estudo e do eixo Praa de Londres - Av. Roma como ncleo secundrio, relaciona-se com o facto de a primeira ser o centro de uma cidade de tradio eminentemente comercial e imagem simblica de Lisboa, cuja funo social e de espao de convvio foi transferida, em determinada poca, para a segunda zona, Abrange assim duas zonas edificadas em pocas distintas. Esta seleco relaciona-se tambm com a existncia de uma razovel concentrao de espaos comerciais de relevante valor artstico, e locais de referncia na criao ou desenvolvimento de literatura, arte e ideologias no sc. XX, patentes em ambos os eixos. OBJECTIVOS GERAIS A presente investigao pretende criar uma metodologia de reutilizao de espaos comerciais existentes, numa perspectiva de revitalizao da cidade. Esta investigao visa a compreenso da alterao da imagem urbana, e a obteno de instrumentos utilizveis que respondam a novas exigncias, englobando e espao comercial e a sua envolvente, visando

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Juan Bautista Alberdi in Carta de Braslia, 1995DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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a manuteno, salvaguarda e sustentabilidade dos espaos comerciais como elemento estruturante da imagem da cidade. Esta dissertao pretende criar meios para a salvaguarda de monumentos de cariz comercial, criando dinmicas sociais, culturais e econmicas, visando a sua sustentabilidade, e o reconhecimento do patrimnio pela populao, funcionando como uma mais-valia econmica para os proprietrios, gerada pelo aparecimento de um pblico mais vasto e heterogneo, nomeadamente abrangido no conceito do turismo cultural. aquela forma de turismo que tem por objectivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e stios histrico-artsticos. Exerce um efeito realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui - para satisfazer seus prprios fins - a sua manuteno e proteco. Esta forma de turismo justifica, de facto, os esforos que tal manuteno e proteco exigem da comunidade humana, devido aos benefcios socioculturais e econmicos que comporta para toda a populao implicada. 3 Pretende-se tambm compreender a mutao dos objectos de estudo, prevenindo e controlando a sua eventual futura destruio4, respeitando valores de autenticidade, salvaguarda e sustentabilidade do patrimnio histrico: Os conjuntos histricos ou tradicionais e sua ambincia deveriam ser protegidos activamente contra quaisquer deterioraes, particularmente as que resultam de uma utilizao imprpria, de acrscimos suprfluos e de transformaes abusivas ou desprovidas de sensibilidade que atentam contra sua autenticidade. Nairobi 5 OBJECTIVOS ESPECFICOS A conjugao destes factores com uma noo colectiva de perda de identidade de que tm vindo a ser alvos algumas zonas da cidade de Lisboa, materializa-se num estado geral de conservao inferior ao que seria desejvel para conjuntos de Valor Artstico e Arquitectnico que fazem parte da herana cultural portuguesa, cuja manuteno, reabilitao e revitalizao devero ser postas em prtica o mais brevemente possvel, tendo assim esta investigao como objectivos especficos a criao de meios para:

in Carta do Turismo Cultural, ICOMOS, 1976 O conceito destruio engloba o aniquilar dos valores que caracterizam o objecto, mesmo que no se proceda a uma destruio fsica ou demolio. 5 In 19 Sesso UNESCO, 1976, Nairobi, recomendao relativa salvaguarda dos conjuntos histricos e sua funo na vida contempornea.4

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Anlise, compreenso e catalogao da alterao efectuada ao longo do sc. XX, nos espaos de ndole comercial e de encontro social que caracterizam a cidade e valorizam o aspecto humano e sociolgico desta.

Levantamento do estado geral de conservao do objecto, dos seus valores identitrios e da sua relao com a comunidade

Alertar para determinados factores, nomeadamente para a importncia de: Uma viso global e integrada de um plano de interveno deste tipo, relacionando aspectos de reabilitao de estruturas arquitectnicas com a dinamizao da sua envolvente. Participao dos actores sociais Instrumentos de incentivo financeiro Instrumentos de motivao

Utilizando como instrumentos: Levantamentos efectuados no local Entrevistas Fontes escritas Documentao fotogrfica Intervenes semelhantes postas em prtica noutros pases

ESTRUTURA DA DISSERTAO Desta forma, pretende-se no primeiro captulo abordar temticas relacionadas com o ambiente urbano e com a importncia da dinmica espontnea da cidade, aquela que no projectvel e que resulta da interaco da populao com o espao envolvente, da forma como se apropria e reconstri o cenrio fsico.

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As formas evolutivas do(s) centro(s) da cidade permitem-nos compreender a instvel noo de hierarquia urbana, e a consequente diviso entre centros funcionais e centro simblico, que, ao concentrar funes especficas pelos diversos centros, se traduz no s na reduo de importncia de determinados ncleos em detrimento de outros, bem como na manuteno de alguns centros vitais para a cidade. esta a temtica abordada no captulo segundo. O Terceiro Captulo pretende, aps focalizar alguns aspectos da importncia do comrcio na definio da cidade de Lisboa, nomeadamente na zona da Baixa Pombalina e no eixo Av. Roma Guerra Junqueiro, obter uma percepo geral sobre o estado do comrcio tradicional nas zonas de estudo hoje, apresentando, para este efeito, a anlise de levantamentos efectuados no local. Em seguida, e aps uma avaliao geral da informao compilada e da reflexo sobre os inquritos realizados, procede-se elaborao de uma metodologia de interveno, que, pela especificidade do tema, abrange tanto os espao comerciais como a zona envolvente, de vital importncia para a sustentabilidade de qualquer interveno. Pretende-se salientar aspectos considerados vitais para a viabilidade e sustentabilidade da interveno, articulados com sugestes para a dinamizao da zona, questionando vrios tipos de possibilidades de interveno na estrutura arquitectnica e a sua possvel conjugao, no s com o prprio objecto, como com o tipo de funes existentes na envolvente, bem como com as possibilidades de adaptao do proprietrio. O levantamento fotogrfico que acompanha o trabalho acompanhado de fichas identificativas de cada estabelecimento, e encontra-se no Anexo I, seguida pelo modelo de inqurito realizado, situado no Anexo II e do modelo de fichas de levantamento, situado no Anexo III. Pretende-se que a associao das disciplinas abordadas ao longo deste estudo sejam suficientes para obter um conhecimento global do objecto, das suas virtudes e deficincias e das suas aptides funcionais. Com estas ferramentas pretende-se estabelecer directrizes que salientem aspectos relevantes e conduzam reabilitao e conservao integrada do edifcio, associando s caractersticas do espao as necessidades actuais de conforto, esttica, higiene, salubridade e segurana numa perspectiva de revitalizao e sustentabilidade fsica, econmica e social do edifcio.DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Reabilitao de estruturas de comrcio e lazer CIDADE E SOBREPOSIO DE LAYERS

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.1.CIDADE E SOBREPOSIO DE LAYERSEste captulo pretende iniciar um lxico de definio de cidade como estrutura urbana de grande dimenso e objecto de grande complexidade, desconstruindo-o e iniciando uma listagem dos factores considerados determinantes para a sua definio. Sublinha-se a importncia da singularidade das ruas, dos edifcios, ou seja, da malha urbana, preconizando a reabilitao como manuteno do nico e do autntico, em oposio uniformizao e artificializao. O agrupamento de caractersticas da cidade em conjuntos, no estanques, de famlias layers- pretende simplificar a sua anlise. Avaliando as parcelas, tanto isoladamente, nos prprios layers, como em conjunto, atravs da sobreposio e interaco de nveis de informao, constitui-se uma base para a anlise a efectuar.LAYER 1

cidade fsica /cidade percorrvel

WALKSCAPE6

O factor base da definio de cidade a sua estrutura fsica, constituda por um tecido de construes / vazios dispostos em vrios nveis. O percurso de um extremo ao outro da planta a passo uniforme, revela uma sucesso de pontos de vista, [...]. A progresso uniforme do caminhante vai sendo pontuada por uma srie de contrastes sbitos que tm grande impacto visual e que do vida ao percurso [...] 7. A paisagem urbana, cidade edificada, cidade ajardinada, riqueza de perspectiva, silhueta, conjugada com variedade de cor, escala e textura a que Gordon Cullen8 chama de Viso Serial, define a cidade tal como nos apresentada atravs do nosso nomadismo dirio, onde os pontos de referncia se relacionam com sucesses de elementos que se tornam familiares e peculiares pela disparidade do seu conjunto, numa perspectiva de visualidade9 e equilbrio.

6e 6 7 8

Careri, Francesco; Land&ScapeSeries: Walking as an aesthetic practice, Gustavo Gili, Barcelona, 2002 in Paisagem Urbana, Arquitectura&Urbanismo, edies 70, Lisboa, s/d in Paisagem Urbana, Arquitectura&Urbanismo, edies 70, Lisboa, s/d 9 Numa pespectivs de equilbrio visual, tal como estudado por R. ArnheimDISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Reabilitao de estruturas de comrcio e lazer CIDADE E SOBREPOSIO DE LAYERS

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Um tecido urbano rico e variado, e esta diversidade de planos perspecticos que o define e o enriquece, tal como preconizado por alguns movimentos, tal como o movimento Dadasta anti-walk10, onde o encontro no premeditado com a paisagem sobrepe hierarquicamente o espao urbano s obras de arte, e um pouco mais tarde os surrealistas, atravs das visitas ao campo e s periferias de Paris, as deambulaes, definidas como uma espcie de escrita automtica em espao real, capaz de revelar as zonas inconscientes do espao, as memrias reprimidas da cidade, com o objectivo de alcanar uma unio entre a arte e a vida, o sublime e o quotidiano11. Estas visitas e os escritos a elas associados lanam o mote para a formalizao da percepo do espao da cidade, surgindo ento um elemento que materializa as anlises subconscientes da cidade: Os Mapas Influenciais, que transmitem graficamente os impulsos causados pela cidade nas emoes e afectividade do peo, baseiam-se nas variaes de percepo obtidas ao caminhar no ambiente urbano.Andr Breton acreditava na possibilidade de criar mapas nos quais os locais que gostamos esto a branco, os locais que tentamos evitar a preto, enquanto o resto, a cinza, representaria as zonas onde as sensaes de atraco e repulsa alternam. Francesco Careri12

Estas correntes despoletaram outros movimentos, nomeadamente o dos Letristas Internacionais, que salientam a importncia da espontaneidade ao reconhecer no acto de se deixar perder na cidade um meio de subverso ao sistema rigoroso e capitalista do psguerra, realizam uma anlise psicolgica da relao entre a cidade e o homem, materializando-a em manuais de uso da cidade e guias tursticos que definem Paris como um conjunto de peas dispersas pertencentes a um mesmo ncleo, assumindo a cidade como um conjunto de elementos justapostos e sem unidade. Esta ideia materializada num mapa da cidade, cujas peas so unidas por setas que determinam unidades homogneas, segundo os levantamentos psicogeogrficos previamente efectuados. Mais tarde, a Teoria da Deriva13 prope-se investigar no s as zonas inconscientes da cidade, bem como as consequncias psquicas que o ambiente urbano produz na populao: a psicogeografia, relacionando caractersticas do espao urbano com as consequncias psicolgicas

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1921. Eram organizadas visitas aos locais banais de Paris, onde os Dadastas interagiam com a populao, convidando-a a deixar as suas casas e viver a cidade, nos espaos por eles escolhidos. Um momento de particular interesse pelo seu contedo crtico, onde a interveno artstica existe s num determinado espao de tempo. 11 Careri, Francesco; Land&ScapeSeries: Walking as an aesthetic practice, Gustavo Gili, Barcelona, 2002 12 Careri, Francesco; Land&ScapeSeries: Walking as an aesthetic practice, Gustavo Gili, Barcelona, 2002 13 1957DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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provocadas na sade mental dos seus habitantes, evocando a necessidade do uso da psicanlise em beneficio da arquitectura.Os Dadastas tinham intudo que a cidade poderia ser um espao esttico onde trabalhar, mediante aces quotidianas / simblicas, incentivaram os artistas a abandonar as conhecidas formas de representao, abrindo caminho para a interveno directa no espao pblico. Os Surrealistas, talvez no compreendendo o seu alcance como forma esttica, utilizavam o caminhar o acto mais natural e quotidiano da conduta humana , como um meio atravs do qual indagar e descobrir as zonas inconscientes da cidade, aquelas partes que escapam ao projecto e que constituem o inexpressvel e o impossvel de traduzir nas representaes tradicionais. Francesco Careri14

As duas grandes famlias em que se divide o gnero humano vivem duas espacialidades distintas: a da caverna e do arado que cava o seu prprio espao nas vsceras da terra, e a da tenda colocada sobre a superfcie terrestre sem deixar vestgios persistentes. Estas duas maneiras de habitar a terra correspondem a dois modos de conceber a prpria arquitectura. Uma arquitectura entendida como construo fsica de espao e forma, contra uma arquitectura entendida como percepo e construo simblica do espao. Observando as origens da arquitectura atravs da polaridade nmada-sedentria, ficamos com a ideia de que a arte de construir espao ou o que normalmente chamamos arquitectura foi originalmente uma inveno dos sedentrios que evoluiu desde a construo das primeiras aldeias rurais at construo das cidades e dos grandes templos. A opinio comum a de que a arquitectura nasceu do espao de estar, oposto ao nomadismo, compreendido como espao de andar. Na realidade, a relao entre a arquitectura e o nomadismo no pode formular-se directamente como arquitectura ou nomadismo. H uma relao mais profunda que liga arquitectura ao nomadismo pela noo de trilho ou percurso. Com efeito, provvel que tenha sido o nomadismo, ou mais precisamente a deambulao que deu vida arquitectura, revelando a necessidade de uma construo simblica na paisagem. Francesco Careri15

16 Walking as mans first aesthetic act, tal como define Careri , em que o acto de deambular baseado em

opes de ordem esttica e de um sentimento de bem-estar. A apreciao da cidade fsica est intimamente ligada cidade percorrvel. o acto de percorrer o espao que nos dota de instrumentos e valores comparativos, que nos fornece novas informaes e que nos permite avaliar, valorizando ou desvalorizando, com ou sem fundamento, as partes que nos parecem mais interessantes ou peculiares. A urbanidade est dividida, desde tempos remotos, em mundo nmada e sedentrio, remontando17 mitologicamente, histria bblica de Caim e Abel .

14 15

Careri, Francesco; Land&ScapeSeries: Walking as an aesthetic practice, Gustavo Gili, Barcelona, 2002 Careri, Francesco; op. cit.

Se revisitarmos o mito de Caim e Abel em termos arquitectnicos, podemos observar que a relao instaurada pelo nomadismo e sedentarismo com a construo do espao simblico surge, pelo contrrio, de uma ambiguidade original. Tal como se pode ler em Gnesis, a primeira diviso sexual da humanidade -Ado e Eva- seguida, na segunda gerao, por uma diviso de trabalho e, portanto, de espao. Os filhos de Ado e Eva encarnam as duas almas em que foi dividida, desde o incio, a raa humana: Caim a alma sedentria, Abel, a nmada. Por desejo expresso de Deus, Caim devota-se agricultura, Abel ao pastoreio. Deste modo Ado e Eva deixaram a seus filhos um mundo repartido equitativamente: a Caim corresponde a propriedade da terra e a Abel a dos seres vivos. Os pais, confiando ingenuamente no amor fraterno, no pensaram no facto de que todos os seres vivos necessitavam de terra para mover-se e, sobretudo, que os pastores precisavam da terra para alimentar os seusDISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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apropriao da cidade

Um indivduo massa corporal com cara humana, dotado de sentimento e de razo. [...]. o indivduo que, sozinho ou na companhia de outros, se apodera do espao, tornando-o territrio, ou se apropria dele, no sentido em que considera a sua adaptabilidade e o possui enquanto o utiliza. [...] Um indivduo provocador e provocado, produto e produtor de espao, determinado pelo espao e determinante para o espao, gera oposies e paralelos, simetrias e cortes, [...], reflecte-se nas alteraes que produz e o resultado delas. [...] O corpo gera simetrias; impe-se como um eixo segundo o qual estabelecida esquerda e direita, cima e baixo, aqui e ali, o que est l e o que no est, o agora, o antes e o depois. O corpo, ento, torna-se nas suas propriedades mais matemticas: aplicaes, funes, operaes, transformaes, etc., relacionados com algo ou algum frente ou atrs, longe ou perto, antes ou depois daquele corpo. Manuel Delgado18

Como resultado da associao de vrias culturas e estratos sociais e da velocidade de desenvolvimento dos ncleos urbanos, obtemos o que Manuel Delgado intitula de Cidade Lquida, elemento constantemente transformado por um lquido que a percorre, metaforizando a aco e a influncia humana. A definio do carcter de uma cidade no se relaciona s com os factores fsicos, geogrficos e urbanos que a constituem, mas com a sua simblica, ou seja, uma interrelao de todos estes factores com o factor humano e de vivncia dos espaos. A sensao de familiaridade, principalmente para quem habita e vive a cidade, mas tambm para quem a visita, um factor bastante mais complexo do que uma smula de operaes urbanas de construo ou de reabilitao urbana. Ou seja, a vitalizao de um ncleo passa em primeiro lugar pelo bem-estar e satisfao das necessidades dos seus habitantes.rebanhos. Assim, durante uma disputa, Caim acusa Abel de trespassar os seus limites, e, como sabemos, mata-o, condenando-se a si mesmo condio de eterno errante pelo seu pecado fratricida. [...] Segundo as razes etimolgicas dos nomes dos dois irmos, Caim pode ser identificado como Homo Faber, o homem que trabalha e que se apropria da Natureza de modo a construir materialmente um novo universo artificial, enquanto Abel, ao realizar um trabalho menos fatigante e mais divertido, pode ser visto como o Homo Ludens [...], o homem que constri um sistema efmero de relaes entre a Natureza e a vida. O seu uso distinto de espao implica tambm um diferente uso do tempo, devido original diviso laboral: O trabalho de Abel, que consiste em ir para os campos alimentar os animais, privilegiado em relao ao de Caim, que tem que permanecer nos campos para arar, lavrar e colher os frutos da terra. Enquanto a maior parte do tempo de Caim passada a trabalhar, sendo portanto um tempo inteiramente til e produtivo, Abel tem uma grande quantidade de tempo livre para dedicar especulao intelectual, explorao da terra, aventura, e, portanto, para dedicar ao jogo: um tempo no-utilitrio por excelncia. O seu tempo livre portanto ldico [...]. interessante observar que, aps o fratricdio, Caim condenado por Deus eterna deambulao: O nomadismo de Abel transformado de uma condio de privilgio a uma condio de punio divina. O erro do fratricida punido com uma sentena de errar sem uma ptria, eternamente perdido no pas de Nod, o deserto infinito por onde Abel havia deambulado. E deve ser salientado que, aps a morte de Abel, as primeiras cidades so construdas pelos descendentes de Caim: Caim, o agricultor condenado a deambular, dar inicio vida sedentria e, portanto, a um novo pecado, carregando consigo tanto as origens da vida sedentria de agricultor como as da vida nmada de Abel, vividas respectivamente como erro e castigo. No entanto, segundo Gnesis, na realidade Jabel, descendente directo de Caim, o pai dos que habitam tendas e pastoreiam. Assim, os nmadas provm da linhagem de Caim, um sedentrio forado ao nomadismo, e levam nas suas razes as deambulaes de Abel. In Careri, Francesco; Land&ScapeSeries: Walking as an aesthetic practice, Gustavo Gili, Barcelona, 2002 18 Manuel Delgado, Individual (trad.) in the metapolis dictionary of advanced architectureDISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Analisando a cidade de forma simplificada, constatamos que esta reflecte uma espiral de relao entre o fsico, cidade existente, e o psquico, modo como a populao conhece e se apropria dos espaos, da forma como se apercebe das suas capacidades e limitaes. O conhecimento destas limitaes e o emergir de novas necessidades determinam a evoluo das vivncias na cidade e o crescimento da cidade fsica. Assumindo que esta evoluo de cidade contnua, podemos afirmar que tambm contnua a apropriao e a descoberta dos espaos, e portanto, tambm contnua a consciencializao de necessidades no satisfeitas e a consequente procura de novas vivncias e espaos fsicos na cidade, determinando assim a espiral de relao entre o fsico e o psquico, o sensvel e o inteligvel. As cidades so algo mais do que conjuntos de edifcios ladeando ruas e praas. So organismos vivos. Os edifcios, as ruas e as praas formam, com as pessoas que ali habitam, transitam, trabalham e passeiam, unidades coerentes e caractersticas. A relao entre as construes e quem nelas vive ou viveu, complexa, mas efectiva e constante. Complexa como a prpria vida, mas to real como ela. E a prova disso de que so organismos vivos que as cidades morrem, mesmo sem terem sido destrudas. Basta quebrarem-se os elos que ligam num todo harmonioso os edifcios e as pessoas; basta que o modo de vida deixe de corresponder feio e ao carcter das edificaes. Keil do Amaral19

Os significados da cidade, valores pessoais e colectivos constitudos por memrias partilhadas ou individuais, retratam e materializam acontecimentos e personagens caracterizadores de uma poca ou evento. As memrias, baseadas nas vivncias partilhadas dos espaos, constituem factores abstractos e no previsveis que de um modo geral caracterizam e identificam as cidades, sendo este factor determinante para uma definio e imagem pessoal de cidade. que, existe para um indivduo e tem importncia acrescida medida que este se relaciona com o espao urbano de forma mais intensa. O conhecimento de uma cidade difere com a vivncia do indivduo. O conjunto de interesses do indivduo, o seu modo de vida, o ncleo social onde se insere e as suas opes ideolgicas delimitam o seu conhecimento da cidade. Todo o cidado possui numerosas relaes com algumas partes da sua cidade e a sua imagem est impregnada de memrias e significaes. Os elementos mveis de uma cidade, especialmente as pessoas e as

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Francisco Keil do Amaral, in Lisboa. Uma cidade em transformao, Publicaes Europa-Amrica, 1969DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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suas actividades, so to importantes como as suas partes fsicas e imveis. No so apenas observadores deste espectculo, mas sim uma parte activa dele, participando como os outros num mesmo palco. Kevin Lynch

O resultado da interaco do indivduo com a envolvente e a sua associao com os ncleos sociolgicos constituintes da cidade geram uma cultura prpria, fruto do modo como estes se movimentam e se envolvem com a cidade, baseada na coexistncia de culturas e mentalidades diversificadas caractersticas dos grandes centros habitacionais, tal como foi referido anteriormente. So estas relaes que definem as peculiaridades que tornam uma cidade nica e diferente de todas as outras. No entanto, para Richard Rogers, a relao inconsciente de afectividade do individual para com a cidade no suficiente, sendo necessria uma sensibilizao e uma participao activa do cidado na cidade: Uma cidadania activa e uma vida urbana vibrante so componentes essenciais para uma cidade e uma boa identidade cvica. Para recuperar estes aspectos, onde eles estejam desconsiderados, os cidados devem estar envolvidos com o processo de evoluo das suas cidades. Devem sentir que o espao pblico responsabilidade e propriedade da comunidade. Da ruela mais modesta at grande praa cvica, estes espaos pertencem ao cidado e completam a totalidade da esfera pblica, uma instituio com seus prprios direitos que, como qualquer outra, pode aumentar ou frustrar nossa existncia urbana.20LAYER 3

metrpole / metaplis

A cidade contempornea no pode continuar a ser assimilada como um nico lugar ideal para ser terminado ou reconstrudo- nem como um nico ou possvel modelo formal, mas deveria ser considerado como evolues decomposto, dinmico e definitivamente multiespao no terminado composto de coexistncias

interactivas e relacionadas.[...] A cidade deixou de ser uma ilha, um espectro de cidades e de cidades dentro da cidade. esta a essncia da metaplis contempornea: ser um hyperplace, um lugar de lugares. Manuel Gausa21

A cidade policntrica tal como existe hoje, contnua e fragmentada, local multicultural e multifuncional, revela-se uma realidade complexa, uma malha multifacetada e em mutao, e neste contexto que nos inserimos e que pretendemos intervir, assimilando as novas realidades e as necessidades de um panorama orgnico e evolutivo.

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Richard Rogers e Philip Gumuchdjian, Cidades para um pequeno planeta Gustavo Gili, Barcelona, 2001 Manuel Gausa, place of places (trad.) in the metapolis dictionary of advanced architectureDISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Se a antiga noo de Metrpole respondia mecnica da produo (de objectos), isto , a um crescimento fsico e expansivo (radial e mais ou menos uniforme) em torno de um centro polarizador, ento a noo de Metpolis refere-se a um desenvolvimento mais polidrico, matricial, diversificado e elstico, produzido no seio de uma malha multifacetada e em mutao, gerado para l do fsico ou meramente geogrfico. Manuel Gausa22

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a cidade comercial

As reas centrais so um dos motores da vida das cidades e o comrcio um dos factores fundamentais da sua dinamizao social. Margarida Pereira23

Os espaos comerciais, como espaos multifuncionais so peas importantes do estudo de uma cidade ou bairro, como reflexo da populao a nvel de hbitos sociais e culturais: o maior ou menor ndice e o tipo de usufruto de equipamentos de comrcio como livrarias, discotecas, restaurao ou pronto-a-vestir condiciona e condicionado pela populao, gerando dinmicas sociais, econmicas e fsicas que caracterizam e polarizam o espao urbano, e que constituem locais privilegiados de sociabilizao, comunicao e informao de elaborados trabalhos artsticos ao gosto de poca. Por outro lado, estes espaos esto dotados de caractersticas arquitectnicas e artsticas, criadas como elemento de atraco e marketing, que podem ou no cumprir, hoje, a funo para a qual foram desenhadas inicialmente. Por estas razes, o estudo concentra-se nos espaos de comrcio existentes nas suas vertentes loja e caf/restaurante,...O cientista poltico Michael Walzer classificou o espao urbano em dois grupos distintos: espaos monofuncionais e multifuncionais. O primeiro (...) preenche uma nica funo e geralmente produzido como consequncia de decises tomadas por incorporadores ou planejadores antiquados. O segundo espao, concebido como multifuncional, foi pensado para uma variedade de usos, participantes e usurios. O bairro residencial distante, (...), o shopping center e mesmo o automvel criam espaos monofuncionais. Mas a praa lotada, a rua animada, o mercado,..., todos representam espao multifuncional. No primeiro tipo de espao, em geral, estamos apressados, no segundo estamos sempre prontos a olhar, encontrar e participar. [...] Contudo, no processo de planear as cidades para atender aos padres inexorveis de demanda particular, acabamos vendo a primeira categoria eclipsar a segunda. O espao multifuncional deu lugar ao espao monofuncional, e em seu encalo estamos testemunhando a destruio da prpria ideia de cidade abrangente. Actualmente, a nfase encontra-se no egosmo e na separao, em vez de basear-se em inter-relaes e comunidade. [...] O desaparecimento de espaos pblicos multifuncionais no apenas um caso a ser lamentado: pode gerar terrveis consequncias sociais dando lugar a um processo de declnio. medida que a vitalidade dos espaos pblicos diminui, perdemos o hbito de participar da vida urbana de rua. O policiamento natural ou espontneo22

Manuel Gausa, place of places (trad.) in the metapolis dictionary of advanced architecture in Comrcio, Cidade e Qualidade de Vida, Frum realizado em Coimbra e Curia, Julho de 1999DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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das ruas, aquele produzido pela prpria presena das pessoas, substitudo pela segurana oficial e a prpria cidade torna-se menos hospitaleira e mais alienante. Richard Rogers 24

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.2.LISBOA, A EVOLUO DAS CENTRALIDADESAs alteraes da paisagem da cidade relacionam-se com factores fsicos e sociolgicos que conjugados determinam o estilo de vida da populao e a sua vivncia nos espaos pblicos. Estes factores so tanto fruto como consequncia de uma normal evoluo da cidade, da apropriao de novas zonas de lazer, comrcio e habitao, e consequentemente o aparecimento de novos centros na mesma cidade. O estudo do percurso evolutivo do(s) centro(s) de Lisboa uma ferramenta indispensvel para a compreenso do estado de conservao e manuteno dos plos em estudo. A alterao do posicionamento dos centros da cidade um processo gradual e recorrente que se relaciona no s com a dimenso da cidade mas tambm com mutaes de funcionalidades e de posicionamento de rgos de soberania, transportando consigo as actividades comerciais.

.2 . 1 .

A EVOLUO DAS CENTRALIDADES

A singularidade ou pluralidade de zonas centrais existentes numa cidade relacionam-se, de um modo geral, com questes de coincidncia ou discrepncia entre aspectos simblicos e funcionais. A simblica da cidade, ou seja, os locais com elevada importncia para a memria colectiva e para a sua identidade, que so geralmente o Centro Histrico e que mantm a sua funcionalidade independentemente do reposicionamento dos novos centros, e a localizao de funes importantes noutros pontos da cidade, que pela sua funcionalidade e acessibilidade se tornam tambm estas, zonas centrais. O posicionamento da cidade de Lisboa em relao Europa e a sua extensa costa propiciam ligaes martimas e troca de produtos, ideias e pessoas, o que evidente na importncia dada ao comrcio na definio da cidade, gravada na sua morfologia e na sua toponmia.DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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CENTRO 1 o castelo

O primeiro centro da cidade, tal como refere Jorge Gaspar25, foi o castelo, local de centralizao dos servios administrativos e residncia da administrao mxima, em volta do qual se desenvolvia um ncleo comercial26. A evoluo da cidade em direco ribeira vai reposicionar o centro da cidade na Mesquita Maior, em redor do qual se comercializam

CENTRO 2 R. dos Ferros

artigos de luxo, onde se mantm at chegada da monarquia. Esta alterao da estrutura da cidade d-se com a chegada do Rei D. Dinis, ao mandar redesenhar a Rua dos Ferros com uma nova escala, onde se concentra o melhor comrcio da cidade, trazendo o centro da cidade para a Baixa. A Rua Nova dos Ferros perde a centralidade que tivera nos Scs. XIV e XV a favor da Praa da Ribeira, com a chegada ao poder de D. Manuel, cuja renovao para a Cidade de Lisboa se baseia em dois grandes programas: o primeiro, com incio em 1498, tem como objectivo estruturar funcionalmente a cidade medieval, dotando-a de caractersticas urbanas coerentes com um poder real centralista; o segundo, de 1513, visa tornar Lisboa a capital de um imprio martimo e comercial, sendo para esse efeito criados novos equipamentos comerciais e administrativos e paralelamente remodelados os existentes, que centralizados na Praa da Ribeira, remetem os palcios e as catedrais para uma posio excntrica, dando a este ncleo o poder central como nico elemento organizador de espao. Jorge Gaspar verifica, a partir de um estudo efectuado por Jos Grosso27, que na segunda metade do Sc. XVI, as freguesias com maior concentrao de comrcio so as freguesias da Madalena e de So Julio, seguidas pela S e So Joo da Praa (adjacentes S, onde se situava o anterior centro), So Nicolau, e muito abaixo da mdia, Santa Justa. Distingue-se ento a emergncia de um novo centro que tem como plos a Rua Nova dos Ferros e o Terreiro do Pao, conjugado com a herana do antigo centro nos arredores da S. Um estudo semelhante ao feito para 1565 foi novamente efectuado por Jorge Gaspar para o perodo aps o terramoto de 1755, desta vez baseado nos estudos do Prof. Borges de Macedo28. Apesar de os estudos no poderem ser comparados directamente, devido ao maior nmero de freguesias existentes aps o terramoto, Gaspar conclui que, das 4818 profisses existentes, 572 esto localizadas em Santa Isabel, seguida por 532 em Santos25 26 27

CENTRO 3 Praa da. Ribeira

CENTRO 4 R. Nova dos Ferros/ Terreiro do Pao

CENTRO 5 Manuteno Do Centro / Centros Secundrios

Jorge Gaspar, in A dinmica Funcional do Centro de Lisboa cuja reminiscncia ainda est presente na nomenclatura Cho da Feira Jos Magno Santos Pereira Grosso, Demografia Profissional De Lisboa Na Segunda Metade Do Sc. XVISubsdio Para O Seu Estudo, dissertao de licenciatura 28 Prof. Jorge Borges de Macedo, Problemas De Histria Da Indstria Portuguesa No Sc. XVIII, Lisboa,1963,DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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o-Velho. As freguesias da Madalena e de So Julio apresentam respectivamente 206 e 102, reflectindo o aparecimento de centros secundrios em detrimento do anterior centro, embora este mantivesse uma considervel concentrao de actividades comerciais. O ltimo quartel do Sc. XIX traz consigo um grande surto de migrao dos rurais e consequentemente o aparecimento de novas necessidades e novas polticas de interveno na cidade, iniciando assim o processo de expanso da cidade para Norte, comCENTRO 6 Baixa/ Chiado/ Cais do Sodr

a manuteno do antigo centro, privilegiando o sector tercirio em detrimento da funo habitacional. A maior concentrao de actividades tercirias em Lisboa mantm-se na zona Baixa-Chiado- Cais do Sodr at ao segundo quartel do Sc. XX. Em meados do terceiro quartel do mesmo sculo j era evidente a especializao em funes administrativas, sedes bancrias, e produtos de nvel elevado na Baixa- Chiado, paralelamente zona Cais do Sodr- Rua do Arsenal- Rua do Alecrim, onde dominam as actividades relacionadas com a navegao. O crescimento populacional e a expanso da cidade para alm dos seus limites reforaram o plo comercial da Baixa, criando por outro lado plos autnomos na periferia. A primeira expanso da Baixa para Norte surge na segunda dcada do Sc. XX, na zona Av. da Liberdade- Marqus de Pombal, tendo como actividades predominantes a administrao privada e servios especiais. No entanto, esta zona s adquire importncia como zona central a partir do final da II Guerra Mundial; a expanso desta zona para as laterais, Bairro Cames, conde Redondo e Duque de Loul s acontece mais tarde, a partir da administrao de Rosa Arajo, presidente da Cmara de Lisboa entre 1878 e 1885. O Plano das Avenidas Novas, elaborado pelo Eng. Ressano Garcia e apresentado em 1888, dava continuidade ao eixo da Av. da Liberdade, criando a Avenida Fontes Pereira de Melo e a Avenida de Repblica, planeando o crescimento da cidade at ao Campo Grande. As Avenidas Novas representam a ltima etapa de crescimento para Norte desta fase: a sua acessibilidade, associada ao surto de reconstruo local iniciada na dcada de 60, inicia o processo de passagem de rea residencial a ncleo de actividades centrais que ocupam os novos edifcios juntamente com habitao de rendas elevadas, gerando alguma distino social no tipo de populao que habita esta zona.

CENTRO 7 Av. Liberdade/ Marqus de Pombal

CENTRO 8 Avenidas Novas

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O eixo Av. Almirante Reis- Rua da Palma, aberto entre 1901 e 1904, centro local da zonaCENTRO 9 Almirante Reis/ R. Da Palma

habitacional que o envolve, detm a herana de um dos principais acessos a Lisboa das zonas rurais e de populao com baixos recursos econmicos. Geograficamente comparvel Av. Liberdade ou Av. Repblica mas socialmente muito distinta, representa a expanso para Norte da zona oriental do centro de Lisboa. Especializou-se assim em actividades que, necessitando de grandes superfcies e acessibilidade, no comportam o preo de rendas elevadas: comrcio de retalho, servio grossista, mobilirio e electrodomsticos. O tipo de movimento observado na zona oriental do Rossio, provavelmente com a frequncia do mesmo tipo de populao que frequentava a Av. Almirante Reis, apresentava uma fisionomia, e at um movimento, em tudo diverso do lado oposto, tal como refere Norberto de Arajo29, relacionando o tipo de dinmica social existente na zona com a tradio das tendas e lojas das arcarias sob o Hospital de Todosos-Santos. A associao dos diversos centros secundrios, apresentando caractersticas funcionais que os assemelham, permitiu a Jorge Gaspar proceder a uma hierarquizao dos centros regionais.

CENTRO 10 Av. Guerra Junqueiro/ Av. Roma

O desenvolvimento de uma importante rea habitacional de classes mdia e alta nas dcadas de 50-60, no eixo Av. Guerra Junqueiro- Av. Roma, associado localizao de servios centrais como o Instituto Nacional de Estatstica, paralelamente a um mais rpido desenvolvimento da Baixa atravs da Av. Almirante Reis do que da Av. Repblica, permitiu o desenvolvimento de funes tercirias locais e a superioridade deste centro em relao aos restantes. Este centro foi o primeiro a receber as infra-estruturas caractersticas do novo estilo de vida proveniente da segunda Guerra Mundial, apresentando uma oferta variada de actividades de lazer, tais como cinemas e cafs que atraam a populao exterior ao bairro, ultrapassando rapidamente a ndole local. Aps este perodo, outras zonas receberam os mesmos equipamentos, e o eixo Av. Roma- Av. Guerra Junqueiro estagnaram, mantendo a habitao e o comrcio local, no recebendo servios que o projectassem para um verdadeiro centro. Foi assim ultrapassado pelas Avenidas Novas. O eixo Baixa- Marqus manteve-se como uma rea importante da Baixa, atraindo consumidores e investidores que restabeleceram a sua aptido comercial, reforada mais tarde pela presena de uma unidade comercial de grande escala no topo do Parque Eduardo VII.29

Peregrinaes em Lisboa, Vol. VII, 2edio, Vega, 1993DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Um factor que Jorge Gaspar destaca so as chamadas reas anexas do centro, que no se integram nas zonas habitacionais, nas reas centrais ou industriais. So geralmente reas com uma ocupao bastante antiga em que se destaca a funo habitacional, e que se distinguem pelas suas funes industriais anexas ao centro. A abertura de vias como a Av. Infante santo e Av. D. Carlos I, conjuntamente com a localizao excntrica de algumas funes centrais, tais como os Palcios das Necessidades, Belm, Ajuda e Calvrio, geraram localizaes tambm excntricas de algumas funes centrais. Jorge Gaspar efectua, a partir de amostragens colhidas em almanaques, anurios comerciais e em listas telefnicas, uma amostragem da dinmica do centro de Lisboa no sculo XX, da qual se depreende uma grande expanso para Norte da rea central da cidade, desenvolvimento de reas especializadas dentro dessa mesma rea central, e continuao do movimento expansivo para norte, conjugado com a do centro, paralelamente a uma inrcia total da rea a leste do centro. Assistiu-se seguidamente a um reforo da importncia do centro por via da falta de abastecimento de produtos especiais nos bairros residenciais. S na dcada de sessenta o crescimento para os novos bairros foi acompanhado da introduo dos equipamentos necessrios. Apesar de ser evidente o actual declnio da sua importncia como lugar de negcios, a Baixa mantm o seu domnio hierrquico em relao aos outros pontos, conservando a sua centralidade ao nvel das acessibilidades, de infra-estruturas administrativas e utilitrias, e de estrutura espacial de comrcio de retalho e servios. O aparecimento e a afirmao de edifcios vocacionados exclusivamente ao comrcio, tais como aqueles localizados na zona da segunda circular, determinam alteraes de hbitos, descontextualizando os centros da sua vertente comercial, gerando uma segregao de actividades a desenvolver nos mesmos centros, tema que ser abordado mais aprofundadamente adiante. manuteno de algumas actividades tercirias e aparecimento de outras, nalguns sectores da rea a oeste

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[...]Nos ltimos cem anos, o processo de urbanizao da cidade de Lisboa passou por trs mudanas fundamentais, a partir da reconstruo, no seguimento daquele devastador terramoto. Em primeiro lugar, a expanso da cidade para Norte, nos finais de oitocentos; depois, a ascenso e a queda de uma poltica urbana autoritria e modernista, entre os anos 30 e 40 deste sculo; finalmente, o surgimento e a expanso de uma rea metropolitana, centralizada e polarizada pela cidade de Lisboa, dos anos 60 em diante. Deste modo, aquelas etapas constituram e consolidaram o que podemos designar pelo ciclo histrico da Lisboa Moderna que, assim, se inicia com a interveno Pombalina naquilo que hoje constitui o centro histrico de Lisboa Vtor Matias Ferreira30

A dinmica, reposicionamento e as variaes de importncia de cada um dos centros so fruto de uma evoluo da cidade e conjugam-se com a manuteno de centros antigos. A emergncia dos novos centros que conjugam habitao, comrcio e servios, tal como a zona do Parque das Naes, mostram uma expanso da cidade para zonas perifricas, prevalecendo no entanto uma desfragmentao entre o ncleo da cidade e a nova zona, materializada por uma trama de terrenos baldios e zonas no cuidadas, caracterizadas por uma certa insegurana. O reforo e a alterao social de certas zonas perifricas, marcadamente habitacionais, tm vindo a alterar o carcter da periferia, tornando-se evidente que estas zonas no so escolhidas por questes econmicas, mas sim por questes de ordem preferencial: a sua acessibilidade ao centro e s infra-estruturas, relacionando-se tambm com a diversificao dos centros. A emergncia destes novos centros em zonas perifricas, parafraseando lvaro Domingues, relacionam-se com a descompactao das actividades de funes centrais que antes caracterizavam o centro e que agora, por via da prpria emergncia de novas funes centrais e da obsolescncia de outras, se posicionam em locais onde a mais-valia de acessibilidades funciona como um processo de atraco e de catlise urbana que favorece novos efeitos de centralidade [...] esta desmultiplicao de centralidades especializadas e por isso, complementares ou concorrentes, reposiciona a velha condio central produzindo territrios urbanos multipolares que tero tanto sucesso quanto maior for a fora e a elasticidade do motor econmico que os alimenta. 31 Est ento definido um novo factor que determina a localizao de novos centros: a ascenso da importncia do tempo dispendido em detrimento da sua centralidade fsica.

30 31

Vtor Matias Ferreira, in Lisboa, a metrpole e o rio, Coleco Documentos, Ed. Bizncio, Lisboa, 1997 lvaro Domingues, comentrios ao primeiro painel A Cidade e o Comrcio no Final do Sc. XX, in Comrcio, Cidade e Qualidade de Vida, Frum realizado em Coimbra e Curia, Julho de 1999DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Sc. XX

.3.O COMRCIO TRADICIONAL NA ACTUALIDADEO comrcio uma componente fundamental da paisagem urbana, embora raramente seja avaliado nessa perspectiva. Contudo, incontestvel que desempenha papel de catalisador e animador da cidade, pelo convite fruio dos espaos onde se instala, conferindo-lhe movimento, colorido e diversidade. O seu estdio de desenvolvimento traduz, pois, a vitalidade da urbe e do territrio que esta polariza. Margarida Pereira32

.3 . 1 .

BAIXA POMBALINA, HIERARQUIA E TRADIO COMERCIAL

Aps a destruio do terramoto de 1755, aplicado o plano de Eugnio dos Santos e Manuel da Maia para a Baixa, planeado para ser o centro comercial, governamental e habitacional de uma cidade secularmente martima e negociante por excelncia33, foi assumida uma distino hierrquica das vias, contrariamente quela encontrada na Baixa Lisboeta Pr- Pombalina: uma malha urbana densa, orgnica e no hierarquizada, tal como a que existe hoje no percurso entre o Castelo de So Jorge e a Baixa, contendo no entanto duas zonas de destaque: a Rua Nova dos Ferros e o Terreiro do Pao. Foi utilizada uma malha rectangular cuja hierarquia define como eixos monumentais as ruas principais mais largas que ligam o Rossio a o Terreiro do Pao, direccionadas para o rio (nortesul), que alternando com ruas secundrias que desaparecem perspecticamente em direco ao rio, so cruzadas ritmicamente por ruas transversais de menor importncia, e portanto mais estreitas. A Rua Nova dEl Rei, actual Rua do Comrcio, assume-se como a nica rua transversal de importncia semelhante quela existente em algumas perpendiculares ao rio. Tanto a Oeste como a Leste foi mantido o preexistente e foram efectuados melhoramentos s ruas existentes. Excepo feita abertura da Rua da Madalena, onde a malha antiga foi rasgada de modo a que se pudesse traar uma rua paralela s ruas novas.

32

Margarida Pereira, Comrcio em Lisboa: os ventos de mudana in sociedade e territrio, 10-11, ano IV, Dezembro 1989 33 M Helena Ribeiro dos Santos, A Baixa Pombalina, passado e futuroDISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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A utilizao de uma matriz como um sistema gerador do urbanismo da Baixa, conjugada com uma hierarquizao das vias, atravs das suas diferentes larguras, distinguido a importncia dos eixos longitudinais daquela dos eixos transversais, acentuada pela definio toponmica e, consequentemente, funcional daqueles eixos. deste modo definido o enquadramento dos 40 quarteires da Baixa Pombalina, cuja morfologia respeita as duas praas preexistentes: o Rossio, que manteve a nomenclatura, e o Terreiro do Pao, denominado Praa do Comrcio aps a remoo do Palcio Real, homenageando assim a classe dos comerciantes, fundamental para a sociedade Pombalina, e vindo a receber equipamentos como os rgos judiciais e governamentais, a Bolsa do Comrcio e a Alfndega. Assim, a estrutura e a tradio comerciais existentes hoje na Baixa Pombalina remontam data da sua reconstruo, em 1760, quando o Decreto Real estabeleceu as directivas de ocupao comercial da Baixa, passando a ser a nica interveno numa cidade em que as actividades comerciais foram tomadas em considerao34. Os comerciantes estavam arruados de acordo com os materiais que manuseavam e dispostos segundo uma lgica hierrquica de valor comercial dos seus produtos, ou seja, os estabelecimentos distribuem-se nas vias principais, secundrias ou atravessamentos, segundo o valor comercial dos produtos a vender35. Assim, os estabelecimentos de luxo encontram-se nas vias principais, como a Rua do Ouro e a Rua Augusta, cuja importncia se relaciona com o posicionamento entre as duas principais praas da cidade, e cuja qualidade de lojas se estendem pelo Chiado, Restauradores e Rossio, representando uma expanso para Norte e Oeste da inicial concentrao comercial36. Hierarquicamente inferiores a estas, surgem a Rua da Prata e dos Fanqueiros, representando ainda o principal acesso das periferias rurais e apresentando vocao de produtos destinados ao tipo de consumidor com menores possibilidades econmicas, e reminiscncias de um tipo de comrcio de feira, que se estende pelo Martim Moniz, Rua da Palma e Avenida Almirante Reis.

3435

Margarida Moreira, "Conservation of an Historic Urban Centre. A Study of Downtown Pombalina Lisbon".Tese de Doutoramento, 1993, p. 225 consultar anlise da mesma distribuio na actualidade, Cap. 3 da presente dissertao. 36 Jorge Gaspar, Anlise do Local de Residncia e de Trabalho da Clientela de Lojas, Restaurantes e Bares CEG, LisboaDISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Sc. XX

Estas reas no so s frequentadas pelos rurais de fora da cidade, mas tambm pelos que aqui esto radicados, juntando-se com gente da cidade de recursos mais baixos, o que cria um ambiente peculiar, no s na rua, na paisagem humana, como na forma como se organizam as lojas e se processam os actos comerciais. Assim aparecem leitarias ou pequenos cafs em grande nmero, as lojas que expem os produtos de forma pouco organizada, com nomes mais populares. Jorge Gaspar37

Os estudos e os registos existentes sobre os estabelecimentos comerciais como objecto, convergem maioritariamente para a tipologia de caf, nas vertentes de valor artstico e de valor de memria, sendo a tipologia- loja referenciada por alguns autores pelos seus valores artsticos. Os espaos de encontro -tertlia e as memrias a estes justificam as suas variadas referncias e a existncia de registos em razovel nmero. Pelo contrrio, os espaos exclusivamente comerciais, pelo seu carcter utilitrio, apresentam menor nmero de registos. Marina Tavares Dias, pelos diversos estudos publicados sobre a Cidade de Lisboa, uma referncia importante para um estudo daquele tipo. No seu livro Os cafs de Lisboa, Marina Tavares Dias apresenta uma recolha dos frequentados cafs de Lisboa, relacionando-os com as memrias do pblico frequentador, associadas a documentao fotogrfica, e a uma smula de textos de vrios autores relativamente a este tema. O levantamento grfico publicado em 1991 por Jos Manuel Fernandes e outros38, apresenta uma seleco de fachadas de maior interesse artstico de vrias tipologias de edificado, nomeadamente alguns estabelecimentos comerciais construdos entre 1900 a 1925. Este levantamento permitir compreender a alterao destas fachadas nos ltimos treze anos, exemplos como a Loja Caf- ch Viana, na R. Da Prata; O Animatgrafo do Rossio e a leitaria A camponesa, ambos de 1907 e com azulejaria de J. Pinto e localizados na R. dos Sapateiros; a Joalharia Ferreira Marques, o Caf Nicola na Praa D. Pedro IV e o Palladium de Norte Jnior e Raul Tojal, na Av. Liberdade so exemplos. De grande importncia so tambm os testemunhos de poca, patentes em obras literrias e artsticas, paralelamente a artigos publicados em jornais como a Ilustrao Portugueza, Dirio de Lisboa e Notcias Ilustrado, entre outros.

37 38

Jorge Gaspar, Anlise do Local de Residncia e de Trabalho da Clientela de Lojas, Restaurantes e Bares CEG, Lisboa M Lurdes Janeiro, Ana Tostes e Fernanda Moniz da Cmara, Arq. Do princpio do sculo em Lx-1900-25DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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Comes-e-bebes At ao terramoto existiam alguns botequins e tabernas, locais de venda de vinho frequentados por prostitutas e por homens de classes baixas. O aparecimento dos primeiros cafs, no sentido em que os conhecemos hoje, aconteceu na reconstruo Pombalina da Baixa Lisboeta, apesar de existir informao de que existiriam dois estabelecimentos de caf antes do terramoto, ambos na Rua Nova39, completamente arrasada pelo sismo. O Marqus de Pombal pretendia que Lisboa se equiparasse s outras capitais Europeias, impulsionando a instalao deste tipo de estabelecimentos. O primeiro caf a abrir as portas situava-se no actual Largo do Pelourinho, sendo seguido por muitos outros, tal como em 1782 o Caf de Nicolau Vitaliani na Patriarcal Queimada40 e a Casa da Neve41 no Terreiro do Pao, em 1783 o Caf Casaca na Rua dos Capelistas, e poucos anos depois abre o Caf Nicola. A utilizao da mquina a vapor que liga Lisboa a Leixes em 1823, a primeira viagem ferroviria de Lisboa ao Carregado em 1856, a ligao a Gaia nove anos depois e seguidamente ao Porto e a Espanha so veculos decisivos para a alterao do panorama portugus e especificamente do panorama Lisboeta. O aumento de circulao de informao na segunda metade do Sc. XIX, o aparecimento do Dirio de Notcias no ano de 1865, as novas agncias de informao e a introduo do telefone e do telgrafo, tornam a informao acessvel populao em geral, tendo como consequncia o despertar da opinio pblica. A industrializao da cidade de Lisboa e a consequente migrao interna de populao procura de trabalho duplicam a populao no perodo de cinquenta anos42. Estas alteraes reflectem-se no modo de vida da populao, e neste perodo que se instauram os cafs como tertlias: O Nicola, o Marrare, o Martinho.O crescimento e a evoluo da cidade efectuou-se com grandes modificaes daquilo que eram as funes e a natureza da cidade e, ao proporcionar a transformao das ocupaes dos seus habitantes, transformou a vida da cidade ao ponto de se sentir a falta de um espao pblico que, na cidade, fosse apropriado por essa classe que ganhava um cada vez maior protagonismo social e cultural- a burguesia. Os cafs viro a preencher essa lacuna do mesmo modo que o operariado que emerge vai encontrar nas tabernas Mrio Pereira43

Actual Rua do Comrcio Actual Prncipe Real 41 Cujo nome foi alterado vrias vezes: em 1784 passa para Caf Italiano segundo alguns autores ou para Casa de Neve Italiana segundo outros; em 1795 para Caf do Comrcio, no incio do sc. XIX para Botequim da Arcada, e logo depois para Martinho da Arcada. 42 Em 1860 0 numero de habitantes rondava os 210 000, e em 1911 os 434 436, in Histria de Portugal Vol. II, 4ed.,A. H. de Oliveira Marques, Palas Editores, Lisboa 1991 43 O sculo XIX e os cafs, in Lisboa em Movimento, 1850-1920-O espao Urbano, Gentes e Ambientes, Livros Horizonte, Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura, Lisboa, 199440

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Foi no incio do Sculo XIX que comearam a proliferar os locais de comes-e-bebes. O primeiro botequim de luxo, de Marcos Filipe, ter sido instalado no Largo do Pelourinho sob a responsabilidade do prprio Marqus de Pombal. Em 1812 foi fundada, por um italiano, no Largo de Santa Justa a mais antiga pastelaria da cidade. O clebre Caf Marrare do Chiado44, propriedade de um italiano homnimo, foi fundado paralelamente a mais outros trs estabelecimentos situados respectivamente no Cais do Sodr, na zona do Teatro de So Carlos, e na Rua do Arco do Bandeira e o das sete portas. Em 1823 o caf e bilhar de Nicolau Massa passam para a famlia Tavares, abrindo o Caf Tavares, que ainda no mesmo sculo servia a mais requintada comida da cidade. Em 1829 inaugura a Confeitaria Nacional. A Confeitaria Portuguesa foi fundada em 1833 nos nmeros 43 e 45 da Rua de So Nicolau, tendo sido transferida mais tarde para os ns 44 a 48 da mesma rua. O seu proprietrio era o Manuel da Silva Arajo, pai de Rosa Arajo, posterior presidente da Cmara de Lisboa. Aps a morte de Rosa Arajo, o estabelecimento mudou de proprietrios e de nome, passando a chamarse Bar Rosa Arajo . Em 1902 foi inaugurada a Pomona( ns 111 a 113 da R. da Prata), fundada por Jos Alcobia, um dos funcionrios de Rosa Arajo. A conservaria Pomona, famosa pelas suas conservas de fruta e broas de milho e cujo nome homenageia a deusa pag dos pomares, veio tomar o lugar do Caf Europa. O Martinho, ou Martinho da Neve, tal como era conhecido pelo refresco que servia, foi fundado em 1845 e no final do Sculo era tambm frequentado por mulheres, de modo que possua uma sala especificamente destinada clientela feminina. A remodelao do Caf Martinho, aps um episdio de tiros e pedradas em Junho de 1907, foi documentada por Caetano Alberto45 que considerou a antiga decorao como sem arte e sem gosto, descrevendo deste modo a nova esttica e ocupao do espao, afirmando que o grande melhoramento [] merece o agradecimento da cidade que pode apresentar aos estrangeiros que a visitem um restaurante como os primeiros que se encontram por essas grandes capitaes de Londres, de Paris, de Vienna dAustria, de Berlim ou Madrid, onde proverbial o luxo dos seus botequins. O espao passa a ostentar colunas de ferro com capitis dourados, pilastras adossadas s paredes onde as pinturas murais, com motivos de paisagens, so adornadas por anjos salientes e decoraes douradas numa riqueza fantstica de palcios encantados, iluminada por amplas portas e janelas, com grandes focos de luz elctrica e um lustre, revelando o impacto da revoluo industrial, com a arquitectura do ferro e do vidro.44 45

Cuja alcunha seria Marrare do Polimento, em virtude das suas paredes revestidas a madeira polida in O Occidente, vol. XXXII, 1909 in Lisboa em Movimento, 1850-1920-O espao Urbano, Gentes e Ambientes, Livros Horizonte, Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura, Lisboa, 1994DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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A Confeitaria francesa ocupava, desde 1860, os ns 183 e 185 da Rua do Ouro e os seus proprietrios inventaram a broa homnima, a broa Castelar. Em 1883 inicia-se o espao de encontro dos republicanos, o Caf Gelo, e em 1916 inaugurado o Chave DOuro.Um viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no caf, observa-o, examina-o e tem conhecido o pas em que est, o seu governo, as suas leis, os seus costumes e a sua religio Almeida Garrett

Dez anos depois das obras de remodelao do Rossio (1919), foi aberto o novo Caf Nicola, no lugar do antigo Botequim Nicola, que ali esteve instalado de 1789 a 1837. Este Caf, remodelado em 1935 no estilo Dco, presta homenagem ao poeta e frequentador assduo do Botequim, Bocage.

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.3. 1. 1.

LEVANTAMENTO: MBITO E DEFINIES

O estudo apresentado neste captulo visa fundamentalmente obter uma perspectiva geral sobre o tipo de espaos comerciais existentes nas zonas de estudo, com o objectivo de compreender frequncias de funes e de qualidade. Os elementos descritos baseiam-se num levantamento efectuado no terreno, no mbito da presente dissertao, sendo portanto dados referentes ao perodo compreendido entre Maio e Dezembro de 2004. Foram considerados os seguintes universos funcionais:ANT ARM AV BRQ COL CST Antiqurios Armazns Artigos variados Espaos comerciais que vendem gneros variados de artigos Brinquedos Artigos para coleccionadores Artigos para a casa / tecidos estabelecimentos de venda de artigos para a casa, Estabelecimentos encerrados Livrarias, papelarias e tabacarias Hotelaria hotis, penses, residenciais Estabelecimentos de trabalho artesanal sapateiros, gravadores, carpinteiros. Neste grupo esto tambm Ourivesarias, Joalharias, Relojoarias, lojas de artigos em prata e casas de penhores decorativos ou funcionais,

tecidos a metro ENC LVR HTL OFC

includos os cabeleireiros e as barbearias. OUR PROF Artigos para profissionais RETR Retrosarias RST Restaurao estabelecimentos de restaurao e de venda de produtos alimentares, confeccionados ou no: Sade- farmcias, artigos de ortopedia, homeopatia e outros cafs, restaurantes, snack-bares, cervejarias, frutarias, talhos, entre outros SD OUT Outras actividades Lojas de figurinos, casa de fotografia, agncias de viagens VST Vesturio e acessrios Lojas de pronto-a-vestir, sapatarias, lojas de acessrios

A classificao do espao engloba o estado de manuteno e as qualidades estticas e arquitectnicas do estabelecimento, referindo-se inteiramente zona visvel ao pblico, pelo facto de um estudo mais aprofundado de cada espao levantado no ser compatvel com os objectivos e limites temporais desta dissertao. No entanto, um levantamento mais aprofundado de todo o espao pertencente ao estabelecimento um factor de grande interesse que se aponta como objectivo futuro.DISSERTAO DE MESTRADO EM REABILITAO DA ARQUITECTURA E NCLEOS URBANOS ISABEL GRANS

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A classificao foi dada segundo os seguintes parmetros:Nvel 1 - Mau- No apresenta condies mnimas de higiene, a manuteno bastante fraca e os apresentados apresentam-se notoriamente ultrapassados. Nvel 2 - Fraco- Estabelecimento com fraca manuteno, pouco cuidado, cujos produtos apresentam fraca qualidade, de forma geral apostando na promoo dos preos baixos. Nvel 3 - Mdio- Apresenta alguma manuteno e algum cuidado na apresentao. Materiais de fraca qualidade. Os produtos so actualizados, de qualidade aceitvel e preos mdios. Nvel 4 - Bom- De aparncia cuidada, com produtos actualizados e preos mdios/altos. Esta classificao engloba tambm espaos que, apesar de no serem objecto da manuteno necessria, se encontrem em estado razovel de conservao, com grandes potencialidades de reconverso. Nvel 5 - Luxo- Bastante cuidada, com produtos de alta qualidade e nvel de preos elevado.. produtos

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.3. 1. 2.

LEVANTAMENTO DE FUNES

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3.1.2.1.

ARTIGOS PARA A CASA / TECIDOS

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3.1.2.2.

HOTELARIA

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3.1.2.3.

LIVRARIAS/ PAPELARIAS / TABACARIAS

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3.1.2.4.

OFICINAS

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Sc. XX

3.1.2.5.

OURIVESARIAS / JOALHARIAS / RELOJOARIAS

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3.1.2.6.

RESTAURAO

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3.1.2.7.

RETROSARIAS

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DISSERTAO DE MESTRADO EM