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1 PEF604 - SISTEMAS ESTRUTURAIS II CASCAS (texto baseado na apostila preparada pelo Prof. João Antonio del Nero) 1. Definição Cascas são estruturas de superfície delgadas, não planas, que recebem cargas distribuídas e reagem através de esforços solicitantes predominantemente de tração e compressão. Quando a espessura da casca é pequena, comparando-se com as outras dimensões, a rigidez a momento fletor (que é proporcional ao momento de inércia) é muito pequena, e pode ser considerada igual a zero. Neste casos as cascas podem ser estudadas pela teoria da membrana, ou seja, as cargas externas (peso próprio, revestimento, carga acidental distribuída) serão absorvidas através de esforços solicitantes normais de compressão e tração. Para o objetivo desta disciplina, será apresentada a Teoria de Membrana, para análise de cascas. Esta teoria é simples e permite razoável aproximação para os casos correntes. Para o estudo de cascas levando-se em conta a rigidez, a flexão e, portanto, calculando-se momentos, esforços normais e tangenciais, a análise é feita pela teoria elástica das cascas delgadas. De qualquer modo, sempre que se estudam cascas ou estruturas de superfície curva, como introdução é apresentada a Teoria de Membrana, para pré-dimensionamento. 1.1. Teoria de Membrana Membranas são estruturas de superfície não planas, de pequena espessura, que absorvem as cargas externas por esforços solicitantes normais às seções transversais de tração ou compressão. De fato, sendo h a espessura da casca, sabe-se da Resistência dos Materiais que a rigidez de flexão, por unidade de largura é proporcional ao momento de inércia: 12 bh I 3 b=1 (unidade de largura) Como h é pequeno, resulta h 3 muito pequeno, ou seja, adota-se I 0. A teoria de membrana parte da hipótese de I = 0. Como M é proporcional a I adota-se M = 0 na teoria. A expressão membrana vem de estruturas infláveis, de tecido ou de elastômero, que realmente possuem I = 0. Exemplos: balão dirigível armazém inflado para estoque de grãos balão de gás Para este casos a teoria é exata. A estrutura inflada ou o cabo tracionado (contido num plano) resistem às solicitações apenas com esforços de tração.

Estruturas em cascas

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texto baseado na apostila preparada pelo Prof. João Antonio del Nero

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Page 1: Estruturas em cascas

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PEF604 - SISTEMAS ESTRUTURAIS II

CASCAS (texto baseado na apostila preparada pelo Prof. João Antonio del Nero)

1. Definição

Cascas são estruturas de superfície delgadas, não planas, que recebem cargas distribuídas e reagem através de esforços solicitantes predominantemente de tração e compressão. Quando a espessura da casca é pequena, comparando-se com as outras dimensões, a rigidez a momento fletor (que é proporcional ao momento de inércia) é muito pequena, e pode ser considerada igual a zero. Neste casos as cascas podem ser estudadas pela teoria da membrana, ou seja, as cargas externas (peso próprio, revestimento, carga acidental distribuída) serão absorvidas através de esforços solicitantes normais de compressão e tração. Para o objetivo desta disciplina, será apresentada a Teoria de Membrana, para análise de cascas. Esta teoria é simples e permite razoável aproximação para os casos correntes. Para o estudo de cascas levando-se em conta a rigidez, a flexão e, portanto, calculando-se momentos, esforços normais e tangenciais, a análise é feita pela teoria elástica das cascas delgadas. De qualquer modo, sempre que se estudam cascas ou estruturas de superfície curva, como introdução é apresentada a Teoria de Membrana, para pré-dimensionamento.

1.1. Teoria de Membrana

Membranas são estruturas de superfície não planas, de pequena espessura, que absorvem as cargas externas por esforços solicitantes normais às seções transversais de tração ou compressão. De fato, sendo h a espessura da casca, sabe-se da Resistência dos Materiais que a rigidez de flexão, por unidade de largura é proporcional ao momento de inércia:

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bhI

3

b=1 (unidade de largura)

Como h é pequeno, resulta h3 muito pequeno, ou seja, adota-se I 0.

A teoria de membrana parte da hipótese de I = 0. Como M é proporcional a I adota-se M = 0 na teoria.

A expressão membrana vem de estruturas infláveis, de tecido ou de elastômero, que realmente possuem I = 0. Exemplos: balão dirigível armazém inflado para estoque de grãos balão de gás Para este casos a teoria é exata. A estrutura inflada ou o cabo tracionado (contido num plano) resistem às solicitações apenas com esforços de tração.

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Exemplo: comportamento de cúpula e calota esférica

Exemplo: equilíbrio de forças coplanares aplicada em um fio (analogia com um sistema plano).

Considere-se um fio de comprimento l articulado nas extremidades e sujeito às forças F1, F2 e

F3 (vetores com intensidade, direção, sentido e coplanares).

Aplicadas as forças, o fio toma uma forma de equilíbrio, resistindo por esforço de tração, e o sistema torna-se estável.

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Assim, apenas resistindo a esforços normais (o fio não possui resistência a momentos), consegue-se um sistema estrutural em equilíbrio (linha funicular). No caso das estruturas de concreto, pode-se adotar uma estrutura em barras com eixos segundo a poligonal antifunicular da linha de equilíbrio, conseguindo-se, assim, uma estrutura submetida apenas a esforços de compressão.

Exemplo: cabo sujeito ao peso próprio: havendo n cabos, todos apoiados no círculo de raio r e passando pelo ponto V, tem-se uma estrutura espacial. Quando n tender para infinito, tem-se uma estrutura de superfície.

Portanto, em estruturas de superfície com I 0 a ação da membrana é equivalente à ação de cabos em cada ponto, que absorvem as cargas externas através de esforços de tração. Aumentando-se o número de cabos ortogonais até tender ao infinito, tem-se uma casca de superfície contínua inteiramente trabalhando à tração. A equação do cabo é uma catenária de equação:

)ee(2

ay a

x

a

x

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Invertendo-se a estrutura, passando a parte côncava para o lado de baixo, seria formada uma casca de concreto armado inteiramente submetida a esforços de compressão.

Exemplo: balão circular cheio de gás. p = pressão interna dirigida de dentro para fora e sempre normal ao elemento da superfície, em um ponto qualquer.

Aparecem infinitas forças dF = p·dx·dy e assim o balão toma forma contínua.

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1.2. Teoria de membrana aplicada ao Concreto Armado

Esta teoria aplica-se ao concreto armado, desprezada a rigidez à flexão da estrutura, com boa aproximação. Projetam-se assim estruturas espaciais sujeitas a esforços de tração e compressão. A pequena rigidez do elemento da estrutura (h pequeno) não implica em pequena rigidez do conjunto, que pode resistir aos esforços de compressão sem risco de flambagem: o conjunto de superfície curva como um todo tem grande rigidez quando comparado com a mesma superfície plana (exemplo: folha de papel dobrada em “V” e segura por uma extremidade). A teoria de membrana tem como outra hipótese, além daquela da pequena espessura, que os esforços aplicados sejam de superfície, ou seja, em unidades de força por unidade de superfície. Quando existem cargas concentradas (pilares de lanternim, por exemplo), torna-se necessário a adoção de elemento estrutural de transição pra transformar a carga concentrada em carga distribuída (anel superior contínuo). Exemplo: cúpula esférica

A aproximação de resultados em concreto armado é razoável, justificando a aplicação da teoria de membrana em casos usuais. Note-se que as reações das cascas, nos apoios, devem ter a direção da tangente à superfície no ponto. Quando isto não acontece, são geradas perturbações nas bordas das cascas, dando origem a esforços de flexão maiores na região próxima às bordas. Estes esforços precisam ser calculados pela teoria geral das cascas delgadas.

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Exemplo: cúpula ½ esférica:

Na borda também vale a teoria de membrana e aparecem momentos secundários. No caso em que a calota não seja ½ esférica, não vale mais a teoria de membrana na borda. Torna-se necessário dimensionar para resistir ao momento Mb e ao esforço H.

Direção da

tangente à

superfície, no

apoio.

Momento de

borda Mb (perturbação

de borda)

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2. Geração de Superfícies de Cascas

A maioria das superfícies geometricamente definidas, usadas nas estruturas em cascas, são geradas por um dos provessos básicos: rotação ou translação de uma curva. No primeiro processo, a curva girando ao redor de um eixo, chamado eixo de rotação, gera as superfícies de revolução.

No segundo processo, a curva translada-se paralelamente a si mesma, apoiando-se constantemente numa curva diretriz, gerando as superfícies de translação.

Curva de equação z = f(x)

Superfície de equação z = f(x,y)

Curva geratriz

Curva Diretriz

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2.1. Superfície de revolução

Quando o eixo da superfície de revolução é vertical e a curva intercepta este eixo, a casca é denominada cúpula. A curva de revolução é denominada meridiano e o plano que a contém plano meridiano. As seções horizontais são denominadas paralelas.

Qualquer curva pode ser usada como meridiano, gerando diferentes superfícies. Tipo de curva Tipo de superfície

círculo superfície esférica

elipse elipsoide de revolução

Eixo

Paralelas

Meridiano Esfera tangente em P”

Esfera tangente

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Tipo de curva Tipo de superfície

parábola parabolóide de revolução

hipérbole ou reta inclinada em relação ao eixo de rotação, sem interceptá-lo

hiperbolóide de revolução

reta paralela ao eixo de revolução

superfície cilíndrica

reta inclinada em relação ao eixo de rotação, interceptando-o

superfície cônica

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2.2. Superfície de translação

Uma casca é gerada por translação quando a curva 1 se desloca paralelamente a si mesma, sobre outra curva plana 2, usualmente normal à primeira.

Grande variedade de superfícies podem ser obtidas por translação face ao número de combinações possíveis:

1) Superfícies cilíndricas:

Por translação de uma curva plana 1 sobre reta 2. - curva 1: circular - curva 1: elíptica - curva 1: parábola - curva 1: catenária

diretriz (2)

geratriz (1)

desloca-se paralelamente a si

mesma, apoiada na curva 2

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2) Parabolóides elípticos:

Transladando-se uma parábola 1 com curvatura interna sobre outra parábola 2, também com curvatura interna, obtém-se o parabolóide elíptico que tem a propriedade de quando seccionado por planos horizontais a curva intersecção ser uma elipse.

3) Parabolóide hiperbólico:

Deslocando-se uma parábola 1 com curvatura para dentro sobre uma parábola 2 com curvatura para fora, a superfície de casca gerada é um parabolóide hiperbólico.

De modo geral, as superfícies de translação geradas por curvas ortogonais de equações z1 = f1(x) e z2 = f2(y) possuem equação do tipo z = f1(x) + f2(y).

Parábola 1

Parábola 2

Elipses

Hipérbole

Parábola 1

Parábola 2

Hipérbole

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2.3. Superfícies regradas e conóides

Estas superfícies são geradas por reta geratriz que se apoia em curva plana (diretriz) e em uma reta paralela ao plano da diretriz. A reta geratriz permanece paralela ao plano x,z. No caso particular da curva diretriz 1 ser uma reta, a superfície gerada será um parabolóide hiperbólico.

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3. Cálculo dos Esforços Solicitantes nas Cascas pela Teoria de Membrana

A resistência das cascas deve-se à sua forma geométrica que gera esforços solicitantes normais equilibrando as cargas externas. Considere-se um plano π tangente à superfície da casca no ponto O. Sejam x e y dois eixos ortogonais em π passando por O e z o eixo normal ao plano π. Por definição, z é a normal à casca por O.

O elemento infinitesimal em torno do ponto O tem dimensões a e b (na realidade, infinitesimais dx e dy). Ficam assim definidos os três eixos ortogonais x, y e z e, portanto, os planos ortogonais formados pelos eixos dois a dois: eixos (x,y), plano π eixos (x,z), plano α eixos (y,z), plano β Determinados os planos π, α e β é possível definir os raios de curvatura Rx e Ry da casca no ponto O. Definição de Raio de Curvatura no ponto: A intersecção do plano α com a casca define uma curva de equação z = f(x). Por definição, raio de curvatura Rx no ponto O é o raio de uma circunferência cujo arco substitui a curva de equação z = f(x) nas proximidades do ponto (analiticamente, de maneira rigorosa, as duas curvas se confundem no comprimento infinitesimal dx). Do mesmo modo a intersecção do plano β com a casca define uma curva de equação z = f(y). Ry é o raio do arco de círculo que se confunde com a curva de equação z = f(x) no entorno do ponto. Consideremos o elemento de casca com dimensões infinitesimais dx e dy passando por O. x, y contidos em π, tangente à casca por O x intersecção do plano α que contém x, z com o plano π y intersecção do plano β que contém y, z com o plano π

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π

α

β

dx dy

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Visto por cima, em projeção no plano π tangente em O, o elemento de área tem o aspecto abaixo:

onde Tx e Ty são forças normais à seção da casca medidas por unidade de comprimento que equilibram as forças externas: Tx = Nx / dy e Ty = Ny / dx Nx e Ny são os esforços normais nas direções x e y que equilibram a carga externa Pn = qn·a·b. Uma vez calculado Tx e Ty, determinam-se as tensões em duas direções ortogonais x e y pela expressão: σx = Tx / h e σy = Ty / h, h = espessura da casca. Do mesmo modo, Sx e Sy são forças tangenciais que equilibram a força externa Pt = qt·a·b.

dx

dy

dx

dy

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Assim: Sx = Qx / dy e Sy = Qy / dx Obtidos Sx e Sy, determinam-se as tensões tangenciais: Tx = -Ty = Qx / (dy.h) = Qy / (dx . h) pois as tensões de cisalhamento em direções ortogonais são iguais e de sinais contrários. Sabe-se do estudo de estado duplo de tensões que existem duas direções ortogonais x1 e y1 que no caso das cascas coincidem com as curvaturas máxima e mínima em torno do ponto O, tais que definem os eixos principais (como foi visto em estado duplo de tensões em torno de um ponto). Nas direções principais as tensões normais são máximas e as tensões tangenciais são nulas. Assim, orientando-se os lados do elemento de centro O tal que x tenha a direçãode x1 e y a de y1, ou seja, fazendo ma rotação de eixos de forma a que os eixos sejam os principais: Tx = T1 Ty = T2 S = 0 T1 e T2 são os esforços principais de tração ou compressão por unidade de comprimento.

Vamos estudar o equilíbrio do elemento a.b carregado com a componente qn de q. No corte vertical pelo plano z, x1 tem-se:

dx dy

dy dx

dx

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A equação de equilíbrio de forças na direção vertical:

ΣV = 0 qx · dx · dy = T1 · dy · sen α/2 + T1 · dy · sen α/2 (I)

qx parcela de qn na direção de x1

sen α/2 ≈ α/2 pois α/2 é muito pequeno.

Podemos escrever, a partir da equação (I): qx · dx · dy = 2 T1 · dy · α/2 = T1 · dy · α e como α = dx / R1, vem: qx · dx · dy = T1 · dy · dx / R1 Portanto: qx = T1 / R1 (II) Analogamente, no plano vertical que contém z, y1 temos: qy = T2 / R2 (III) Como qn = qx + qy, vem: qn = T1 / R1 + T2 / R2, que é a equação fundamental da teoria de membranas. A equação fundamental relaciona os esforços em duas direções principais em um ponto da casca com seus respectivos raios de curvatura.

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Parabolóide hiperbólico - Construção

Construção da superfície por pontos

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3.1. Casos particulares

a) Superfícies cilíndricas

qn = T1 / R1 + T2 / R2 = T1 / R1 pois R2 e T2 / R2 0.

No caso particular de pressão interna em tubos de raio r, tem-se: p = T / r

b) membrana de tensão uniforme (bolha de sabão ou estrutura inflada simétrica)

T1 = T2 = T qn = T ( 1 / R1 + 1 / R2) onde R1 e R2 são os raios de curvatura nas direções principais no ponto em que atua qn.

R1

R1

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3.2. Influência da curvatura na capacidade resistente da casca

Foi deduzida a equação fundamental da teoria de membrana: p = T1 / R1 + T2 / R2

onde: p = qn (em [F]·[L]-2): esforço atuante normal à superfície por unidade de área.

T1, T2 (em [F]·[L]-1): esforços solicitantes em duas direções principais calculados por unidade de comprimento.

A carga atuante é resistida como se houvesse, em duas direções ortogonais, dois arcos passando pelo ponto em cascas de dupla curvatura.

No caso de cascas de simples curvatura, a carga p é resistida em um direção por arco e em outra como viga. Assim, as cascas de simples curvatura são menos eficientes do ponto de vista estrutural que as de dupla curvatura (embora as primeiras sejam construtivamente menos trabalhosas).

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R1 finito R2

N1 >> N2

A capacidade de resistir cargas de cascas de dupla curvatura é maior que as de simples, sendo deste modo mais utilizadas para coberturas de grandes espaços. O comportamento é como se houvesse duas famílias de curvas ortogonais em cada ponto resistindo aos esforços (analogia com grelhas).