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Fabio Vito Pentagna Paciullo ESTRUTURAS PRIMÁRIAS ESTRUTURAS PRIMÁRIAS Estruturas primárias são feições geométricas e texturais geradas durante a formação das rochas, tanto sedimentares como ígneas (plutônicas e vulcânicas). Como exemplos, pode-se citar estratificações cruzadas, marcas de onda, bioturbações, foliação de fluxo magmático e várias outras feições. Estruturas secundárias são feições geométricas e texturais geradas durante deformação e metamorfismo dessas rochas. Como exemplos, pode-se citar as foliações, lineações, dobras e várias outras feições. ESTRUTURAS PRIMÁRIAS SEDIMENTARES As estruturas sedimentares formam-se durante a sedimentação, seja por tração, suspensão, floculação ou precipitação. Desse modo, estruturas primárias são elementos que indicam o topo estratigráfico (facing) de uma sucessão sedimentar/vulcânica, ou seja, indicam o sentido de juventude da sucessão (younging). Marcas de onda, por exemplo, sòmente ocorrem no topo das camadas (Fig.1). Sendo assim, são bons indicadores para topo estratigráfico. Figura 1 – Marcas de onda assimétricas no topo de camada de arenito. Topo estratigráfico para o canto direito superior. Paleocorrente para o canto esquerdo superior, no sentido do cabo do martelo. Fm Botany Bay, Jurássico Inferior, Península Antártica. Estruturas primárias sedimentares são produtos do ambiente deposicional, portanto, por suas caracterizações e orientações é possível reconstituir as condições paleoambientais da época de sedimentação. Assim, numa região constituída por sucessões sedimentares/vulcânicas o geólogo terá, primeiro, que caracterizar as estruturas sedimentares (Tabelas 1 e 2). 1

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ESTRUTURAS PRIMÁRIAS Estruturas primárias são feições geométricas e texturais geradas durante a formação das rochas, tanto sedimentares como ígneas (plutônicas e vulcânicas). Como exemplos, pode-se citar estratificações cruzadas, marcas de onda, bioturbações, foliação de fluxo magmático e várias outras feições. Estruturas secundárias são feições geométricas e texturais geradas durante deformação e metamorfismo dessas rochas. Como exemplos, pode-se citar as foliações, lineações, dobras e várias outras feições. ESTRUTURAS PRIMÁRIAS SEDIMENTARES As estruturas sedimentares formam-se durante a sedimentação, seja por tração, suspensão, floculação ou precipitação. Desse modo, estruturas primárias são elementos que indicam o topo estratigráfico (facing) de uma sucessão sedimentar/vulcânica, ou seja, indicam o sentido de juventude da sucessão (younging). Marcas de onda, por exemplo, sòmente ocorrem no topo das camadas (Fig.1). Sendo assim, são bons indicadores para topo estratigráfico.

Figura 1 – Marcas de onda assimétricas no topo de camada de arenito. Topo estratigráfico para o canto direito superior. Paleocorrente para o canto esquerdo superior, no sentido do cabo do martelo. Fm Botany Bay, Jurássico Inferior, Península Antártica.

Estruturas primárias sedimentares são produtos do ambiente deposicional, portanto, por suas

caracterizações e orientações é possível reconstituir as condições paleoambientais da época de sedimentação. Assim, numa região constituída por sucessões sedimentares/vulcânicas o geólogo terá, primeiro, que caracterizar as estruturas sedimentares (Tabelas 1 e 2).

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Tabela 1 – Classificação de estruturas primárias sedimentares. Extraído de Pettijohn, Potter and Siever (1987), Sand and Sandstone, 2nd edition, Table 4-2, pg. 99. ACAMAMENTO, FORMA EXTERNA

1. Camadas com mesma espessura, ou quase; camadas lateralmente uniformes em espessura; camadas contínuas. Camadas tabulares extendidas.

2. Camadas com espessuras diferentes; camadas lateralmente uniformes em espessura; camadas contínuas.

3. Camadas desiguais em espessura; camadas lateralmente variáveis em espessura; camadas contínuas.

4. Camadas desiguais em espessura; camadas lateralmente variáveis em espessura; camadas descontínuas. Camadas lenticulares.

ACAMAMENTO, ORGANIZAÇÃO INTERNA E ESTRUTURAS

1. Maciço (sem estruturas) 2. Laminado (laminação horizontal; laminação/estratificação cruzada) 3. Gradado 4. Imbricado e outros arranjos internos orientados 5. Estruturas de crescimento (estromatólitos, etc.)

MARCAS EM PLANOS DE ACAMAMENTO E IRREGULARIDADES

1. Na base de camadas • Estruturas de carga (load casts) • Estruturas de corrente (scour marks e tool marks) • Marcas orgânicas (ichnofósseis. Bioturbação hypichnia)

2. Dentro de camadas

• Lineação de partição (parting lineation) • Marcas orgânicas (ichnofósseis. Bioturbação endichnia)

3. No topo de camadas

• Marcas de onda • Marcas de erosão • Buracos e pequenas impressões (marcas de chuva e bolhas) • Gretas de ressecamento • Marcas orgânicas (ichnofósseis. Bioturbação epichnia)

ACAMAMENTO DEFORMADO POR PROCESSOS PENECONTEMPORÂNEOS

1. Estruturas de carga (estruturas ball-and-pillow, marcas de carga) 2. Acamamento convoluto 3. Estruturas de deslizamento (slump structures. Dobras, falhas e brechas) 4. Estruturas de injeção (diques clásticos) 5. Estruturas orgânicas (furos, etc)

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Tabela 2 – Classificação das estruturas primárias sedimentares. Extraído de Boogs, S. (1992), Petrology of Sedimentary Rocks, Tabela 3.1, pg. 80.

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Estratificação (acamamento) Identificar camadas e suas estruturas externas e internas é o primeiro passo para uma análise estrutural-estratigráfica. A estratificação ou acamamento sedimentar (SS de sedimentary surface ou S0 de superfícies estrutural inicial) pode ser identificado por diferenças de composição litológica, de granulometria, forma e orientação de grãos e de organização interna do empacotamento (Fig. 2). A estratificação sedimentar é, geralmente, uma feição marcante e de fácil observação quando vista a distância (Fig.3).

Figura 2 – Acamamento como produto de diferentes combinações de composição, tamanho, forma, orientação de grãos e de estrutura interna das camadas. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 2.1, pg. 7.

Figura 3 – Intercalações de basaltos (escuro) do Terciário Inferior e rochas sedimentares (claro), depositados em discordância litológica sobre granito-gnaisse mais antigo. Gaaserfjord, leste da Groelândia. Extraído de Billings (1972), Structural Geology, 3th

edition, prancha 6, pg. 42. Notar a diferença entre os padrões de afloramento da sucessão sedimentar/vulcânica, com a estratificação facilmente identificável pelas camadas claras e escuras, e da rocha meta-ígnea com intenso fraturamento e, aparentemente, maciça.

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A descrição das estruturas externas do acamamento inclui a organização horizontal e vertical da sucessão (Fig. 4), suas espessuras (Fig.5), tipos de contato e variações laterais.

Figura 4 – Esquema ilustrativo da terminologia usada para descrever camadas sedimentares. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 2.1, pg. 7.

Figura 5 – Terminologia para espessura de camadas (a) e partições dentro de camadas (b, c). Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 2.3, pg. 9.

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Acamamento, organização interna e estruturas Internamente, o acamamento pode ser (1) maciço ou sem estrutura, (2) laminado horizontalmente ou com laminação cruzada ou diagonal, (3) gradado, (4) pode exibir imbricação interna ou, (5) exibir um acamamento de “crescimento” produzido por precipitação rítmica ou por organismos como estromatólitos (Pettijohn, Potter and Siever 1987). Maciço é o termo usado para acamamentos, aparentemente, sem estruturas internas. Aparentemente porque, em muitos dos casos, quando observados em Raios-X ou microscópio eletrônico, muita rocha sedimentar maciça é, na verdade, sutilmente laminada (Fig.6).

Figura 6 – Na foto menor, arenito “aparentemente maciço”. Na foto maior, fotografia Raio-X mostrando que, na verdade, trata-se de um arenito laminado de granulação fina. Extraído de Pettijohn, Potter and Siever (1987), Sand and Sandstone, 2nd edition, fig. 4-3, pg.100.

Laminado é o termo usado para estratos com laminas internas de espessuras menores que 1 cm (Fig. 5). A laminação pode ser horizontal (planar, ondulada) ou cruzada (Figs. 6, 7 e 8). Laminação é uma feição comum em pelitos; arenitos com laminação horizontal constituem os chamados flagstones ou arenitos finos laminados (Fig. 7).

Figura 7 – Arenito laminado da Formação Sapington (Mississipiano-Devoniano), Montana, USA. Extraído de Pettijohn, Potter and Siever (1987), Sand and Sandstone, 2nd edition, fig. 4-4, pg.101.

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(a)

(b)

Figura 8 – (a) Laminação cruzada cavalgante (climbing ripple cross-lamination) em turbidito. Província Vascongadas, Espanha. Extraído de Pettijohn, Potter and Siever (1987), Sand and Sandstone, 2nd edition, fig. 4-6, pg.102; (b) Laminação cruzada acanalada, Fm Botany Bay, Peninsula Antartica.

Gradação é o termo usado para camadas que mostram variações granulométricas da base

para o topo. A gradação é dita normal quando há diminuição da granulometria para o topo (Fig. 9). Neste caso, forma-se pela deposição de partículas durante o decaimento da velocidade da corrente que as transportava. A gradação é dita inversa quando aumenta a granulometria para o topo da sucessão (Fig. 10). Neste caso, é produzida pela deposição de partículas por fluxo de detritos (debris flow).

Em sedimentação por correntes de turbidez, a gradação normal é uma característica marcante. Uma sucessão vertical ideal completa contém desde brecha de intraclastos até argilitos (hemi)pelágicos, acompanhados de estruturas primárias compatíveis (Fig. 11). Estas mudanças foram descritas por Bouma (1962) e são denominadas de ciclos, intervalos ou unidades de Bouma. São, portanto, ótimos marcadores para topo estratigráfico; camadas reviradas/invertidas terão estas estruturas também fora de suas posições originais (Fig 12).

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(a) (b)

Figura 9 – Gradação normal: (a) gradação normal em arenito; (b) gradação normal em sucessão de conglomerados passando para arenitos. Extraído da Internet, www.google.com - imagens – graded bedding.

Figura 10- Gradação inversa causada por fluxo de detrito. Extraído da Internet, www.google.com - imagens – graded bedding.

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Figura 11 – Sucessão vertical ideal de estruturas sedimentares produzidas pelo decaimento da velocidade de uma corrente de turbidez – ciclos ou intervalos de Bouma (A, B, C, D, E, F). Extraído de Pettijohn, Potter and Siever (1987), Sand and Sandstone, 2nd edition, fig. 4-13, pg.106.

Figura 12 – Intervalos de Bouma como indicadores de topo estratigráfico: (a) camada horizontal de arenito fino com intervalos B (laminação horizontal) e C (laminação convoluta) indicando topo estratigráfico para baixo. Nos pelitos, intervalo D. Sucessão turbidítica paleozóica ao redor de Forte Bulnes, Punta Arenas, sul do Chile; (b) Camada vertical de metacalcáreo com intervalos B e C indicando topo estratigráfico para a direita. Turbidito carbonático précambriano da Fm Gemsbok, Turbiditos Zerrissene, Namíbia, SW África.

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Estruturas deposicionais de areias e arenitos Dunas, estratificações cruzadas e marcas de onda

São estruturas primárias que têm o mesmo mecanismo de formação - as partículas são transportadas por tração ou saltação e, encontrando uma barreira qualquer, constroem uma rampa ou ondulação assimétrica (ripple) na direção da corrente que podem se transformar numa duna eólica de dezenas de metros de altura ou numa marca de onda assimétrica centimétrica (Fig. 22). Dunas quando litificados são denominados de estratificação cruzada. Quando têm alturas (amplitudes) menores que 5 cm são denominadas como marcas de onda. Assim, conforme a escala da estrutura formada (comprimento de onda e amplitude), são chamadas de dunas (sandwaves), estratificações cruzadas de grande, médio e pequeno porte e marcas de onda (Fig.7).

(a) (b)

Figura 22 – Uma questão de escala. (a) Dunas no deserto Rub Al Khali, Arábia Saudita (notar escala = 10 km no canto direito inferior), (b) marcas de onda assimétricas de pequeno porte em areia, as margens de um riacho.

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(a)

(b) (c) Figura 23 – Tipos de dunas. (a) estratificação cruzada de grande porte em arenitos eólicos. Dunas Nova Scotia, Triássico, USA; (b) estratificação cruzada acanalada em quartzitos paleoproterozóicos, São João Del Rei, MG; (c) interferência de marcas de onda assimétricas, em quartzitos paleoproterozóicos, São João Del Rei, MG. Estratificações cruzadas (crossbedding) são classificadas em dois grandes conjuntos: (1) cruzadas planares, com bases paralelas e bases inclinadas (tangencial na base) e, (2) cruzadas acanaladas, com bases paralelas e bases curvas (Fig. 24). Cruzadas acanaladas quando observadas numa seção perpendicular ao da paleocorrente, recebem o nome de festoon ou estratificação cruzada acanalada festonada.

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Figura 24 – Os quatro tipos principais de estratificações cruzadas. Extraído de Pettijohn, Potter and Siever (1987), Sand and Sandstone, 2nd edition, fig.4-5, pg. 101.

Figura 24 (cont.) – Terminologias e definições características dos dois tipos fundamentais de estruturas cruzadas. (a) direção da corrente, (c) direção perpendicular ao da corrente, (Sf) plano do foreset, (Sp) plano do acamamento. Extraído de Potter, P.E. e Pettijohn F.J. (1977), Paleocurrents and basin analysis, 2nd edition, fig. 4.1, pg. 91.

Marcas de onda (ripple marks) são mini-dunas com comprimentos de onda geralmente

menores que 50 cm e amplitudes que não excedem de 3 cm. Acima dessas dimensões passam a ser chamadas de dunas ou sandwaves (Collinson & Thompson 1982). A estrutura interna comum é a laminação cruzada, sendo produzida pela migração das mini-dunas. Marcas de onda são divididas

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em duas categorias: marcas de onda oscilatórias (oscillation ripple ou wave ripple) e marcas de onda de corrente (current ripple). Marcas de onda oscilatórias são produzidas por correntes bidirecionais que geram ondas simétricas (Fig. 25A e Fig. 26a). Em geral, a orientação da crista da marca de onda simétrica é aproximadamente paralela a linha de costa. Portanto, em rochas antigas, as orientações dessas cristas refletem a orientação da paleolinha de costa da época da sedimentação. Marcas de onda de corrente são produzidas por correntes unidirecionais que geram marcas de onda assimétricas. As orientações perpendiculares às cristas indicam a direção da corrente cujo sentido é o da assimetria (Fig. 25C, Fig. 1 e Fig. 26b).

Figura 25 – Molde e contra-molde (cast) de marcas de onda simétricas (A) e assimétricas (C). Em (A) a (paleo)corrente é bidirecional (esquerda-direita) e as cristas das ondas são perpendiculares ao desenho. Esta também deverá ser a direção da (paleo)linha de costa, se as ondas forem de origem marinha. Em (C) a (paleo)corrente é da esquerda para a direita, com as cristas das ondas perpendiculares ao desenho. Diagramas extraídos de Billings, M.P. (1972), Structural Geology, 3th edition, fig. 4-14, pg. 84.

(a) (b)

Figura 26 – Marcas de onda oscilatória (a) e de corrente (b). Extraído da Internet: www.gogoole.com - imagens – ripple marks.

Dunas, estratificações cruzadas e marcas de onda assimétricas são ótimas estruturas primárias na determinação de paleocorrentes, pois, são formadas por correntes unidirecionais, bem como na determinação do topo estratigráfico (Fig. 27).

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Figura 27 – Uso de estruturas primárias como critério para determinação da posição do topo estratigráfico: A - estratificação cruzada tangencial na base em acamamento normal, com topo estratigráfico para o canto superior esquerdo (acima); gradação normal em acamamento horizontal, com topo estratigráfico para cima (abaixo). B – acamamento vertical com topo estratigráfico para a direita (acima); gradação normal em acamamento inclinado para a esquerda, com topo estratigráfico para o canto superior esquerdo (abaixo). C – acamamento invertido (ou revirado), com topo estratigráfico para o canto inferior direito (acima); gradação normal em acamamento vertical, com topo estratigráfico para a direita (abaixo). D – acamamento invertido, com topo estratigráfico para o canto inferior esquerdo (abaixo). Extraído de Billings, M.P. (1982), Structural Geology, 3th ed., figs. 4-17 e 4-18, pg. 87.

Estruturas produzidas por erosão Muitas estruturas produzidas por erosão são valiosos indicadores de topo estratigráfico e direção de paleocorrente. São, portanto, importantes feições primárias tanto para a análise estrutural quanto paleogeográfica, bem como para uma visão dos processos atuantes durante a acumulação (Collinson & Thompson 1982). Collinson & Thompson (1982) dividem as estruturas produzidas por erosão em três grandes categorias:

1. marcas de sola, na base das camadas de granulação mais grossa numa sucessão intercalada; 2. pequenas estruturas como as que ocorrem em superfícies sedimentares modernas ou na

superfície de acamamento de estratos antigos (p.ex.: marcas de chuva, rill marks); 3. grandes estruturas normalmente reconhecidas em seções verticais de sedimentos antigos

(p.ex. canais submarinos/fluviais e marcas de escorregamento). Marca de sola (sole mark) Marcas de sola é o termo utilizado para um grupo variado de estruturas encontradas como moldes na base de camadas de granulação grossa intercaladas com pelitos (Collinson & Thompson 1982). As camadas grossas são geralmente de arenito, excepcionalmente podendo ser também calcáreo ou conglomerado. As marcas de sola resultam da erosão de sedimentos coesivos e de

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granulação fina (pelitos), pela passagem de um fluxo de sedimentos de granulação grossa e não-coesivos (arenitos). O sedimento fino erodido é levado em suspensão pela corrente formando-se uma depressão preenchida por areia durante o processo deposicional. Posterior soterramento e litificação preservam a estrutura formada (Fig. 13). Assim, é importante entender que as estruturas observadas são impressões negativas de relevos produzidos por erosão (Fig. 14).

Figura 13 - Estágios de desenvolvimento de uma marca de sola e seu potencial como indicador de topo estratigráfico. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.1, pg. 37.

Figura 14 – Molde de marca de sola observada na posição natural (direção de corrente indicada) e seu contra-molde, acima (topo para baixo). Extraído da Internet, www.google.com.br - imagens – sole marks. Marcas de sola são caracteristicamente produtos de ambientes de sedimentação esporádica (Collinson & Thompson 1982). Este tipo de sedimentação é muito bem representado pelas correntes de turbidez, tanto que, marcas de sola eram consideradas como diagnósticas para caracterização de sucessões turbidíticas onde realmente são bastante comuns. Entretanto, depósitos de tempestade (ressaca) em ambientes de mar raso, de leque aluvial (sheet flood) em regiões semi-áridas e de

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canais de rompimento em planície de inundação (crevasse surges), todos eles têm condições de gerarem marcas de sola (Collinson & Thompson 1982).

Marcas de sola são divididas em dois tipos, conforme o modo de como a estrutura é gerada: por escavação turbulenta (turbulent scour), as denominadas marcas de escavação e preenchimento (scours marks), e aquelas geradas por objetos movendo-se na corrente, as denominadas marcas de objetos (tool marks)(Tabela 3) .

Tabela 3 – Principais tipos de marcas de sola (Collinson & Thompson 1982).

Marcas de obstáculos (obstacle scour)(Fig. 15) Turboglifo (flute cast) (Fig. 16) escavações transversais e longitudinais (transverse e longitudinal scours) (Fig. 17)

Escavação e preenchimento (scour marks)

Calha (gutter cast) (Fig. 18)

Perfil brusco e irregular

Sulcos (grooves)(Fig. 19)

Contínua

Suave e crenulado

Chevron (Fig. 20)

simples Marca de impacto (prod marks) e marca de ricochete (bounce marks) (Fig. 21)

Marcas de objetos (tool marks)

Descontínua

repetida Marca de saltação ( skip marks)

(a) (b) Figura 15 – (a) Marca de obstáculo ao redor de um seixo, na base de uma camada de arenito. A direção da corrente é na diagonal, do canto superior esquerdo para o canto inferior direito. (b) Modelo de formação de marcas de obstáculos (segundo Sengupta 1966). Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, figs. 4.2 e 4.3, pg. 37.

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(a)

(b)

Figura 16 – Turboglifos (flute casts): (a) – turboglifos na base de camada invertida de arenito. Direção de corrente na diagonal, do canto superior esquerdo para o canto inferior direito. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.4c, pg. 38; (b) – turboglifos deformados na base de camada invertida de metarenito neoproterozóico, Turbiditos Zerrissene, Namíbia.

Figura 17 – escavações longitudinais na base de camada de arenito. Na maioria dos casos, sòmente é possível determinar a direção da corrente e não seu sentido. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.8, pg. 41.

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Figura 18 – Calhas (gutter casts) preenchidas por arenito, em sucessão de pares arenito-argilito. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.10, pg. 41.

Figura 19 – Sulcos (groove marks) na base de camada de arenito. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.11b, pg. 43.

Figura 20 –Marcas em chevron, na base de camada de arenito. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.12, pg. 43.

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Figura 21- Modelos de formação de marcas de objeto (tool marks). Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, fig. 4.14, pg. 44. Estruturas produzidas por deformação e distúrbio sin-sedimentares Qualquer sedimento pode ser perturbado após sua deposição, porém, é em areias e materiais de granulação mais fina onde os distúrbios são mais freqüentes. Muitas estruturas deformacionais sin-sedimentares são valiosos indicadores de topo estratigráfico além de nos contar algo sobre as condições dentro e na superfície dos sedimentos após a deposição (Collinson & Thompson 1982).

• Feições visíveis na superfície de acamamento Marcas de carga (load casts) e estruturas de chama (flame structures) Marcas de carga (load casts), ou estruturas de sobrecarga (Suguio 1980), e estrutura de chama (flame structures) são feições que ocorrem comumente em sucessões de arenito-argilito intercalados (p.ex: turbiditos), nas bases das camadas de arenito (Fig. 22). Assim, são também um tipo de marca de sola. Marcas de carga formam lobos de vários tamanhos, mais para arredondados do que irregulares, que se distribuem por toda a superfície da base da camada de arenito (Figs. 22a e 22c). Os espaços entre os lobos arenosos são ocupados pelo argilito inferior que é empurrado para dentro do arenito superior em formas de chama de fogo, ou pluma (Fig. 22b). Dessa forma, estruturas de chama são acompanhantes inevitáveis de marcas de carga (Collinson & Thompson 1982).

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(a)

Figura 22 – Marcas de carga e estruturas de chama: (a) morfologia de marcas de carga na base de camada invertida de arenito, em sucessão arenito-argilito intercalados. Turbiditos triássicos da Formação Hope Bay, Grupo Península Trinity, Antártica;

(b)

Figura 22 (cont.) - (b) lobos arenosos separados por “chamas” de argilito espremidas entre eles, seção vertical em sucessão arenito-argilito intercalados. Extraído de Collinson & Thompson (1982), Sedimentary Structures, figs. 9.2, pg. 137.

Em alguns casos, os lobos desprendem-se da camada de arenito tornando-se bolotas isoladas ou pseudonódulos de arenito, boiando numa matriz argilítica (Fig. 23).

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Figura 23 – Pseudonódulo de arenito (claro), em sucessão turbidítica. Turbiditos triássicos da Formação Hope Bay, Grupo Península Trinity, Antártica. Gretas de ressecamento e sinerese Gretas de ressecamento (desiccation mudcracks = gretas de dissecamento em argilas) são comuns em fundos de poças d’água secas, lagos e playas, planícies de inundação de rios e em áreas de intermaré e supramaré, onde ocorrem como fissuras abertas ou parcialmente preenchidas por outros sedimentos (Fig. 24). Em rochas, ocorrem na superfície de acamamento de intercalações arenito-argilito e, menos comum, em sucessões carbonáticas de estratificação delgada. Nas sucessões arenito-argilito, gretas de ressecamento ocorrem no topo das camadas de argilitos e estão preenchidas por arenito (Fig. 25). As gretas são formadas pela contração de argilas de sedimentos lamosos durante ressecamento, produzindo um campo de stress tensional horizontal e isotrópico, que diminui a partir da superfície para o interior do sedimento Formam desenhos poligonais, geralmente hexagonais, embora muitos sejam quadrados ou triângulos. Em planta, estão lado a lado e, em corte vertical, afilam-se para o interior do sedimento (Fig. 24a) (Collinson & Thompson 1982).

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(a) (b) Figura 24 – Gretas de ressecamento. (a) Modelo tridimensional, extraído da Internet, www.gogoole.com - imagens – mudcraks. (b) Poça d’água seca, com gretas de ressecamento no topo de sedimento argiloso ali depositado.

Figura 25 – Gretas de ressecamento em metargilito proterozóico deformado. As gretas estão preenchidas por metarenito. Fácies heterolítica da Megasseqüência Tejuco, São João Del Rei, Minas Gerais, Brasil.

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Gretas de sinerese (sub-aqueous shrinkage cracks – synaeresis cracks) ou gretas de contração subaquáticas ocorrem em sucessões de argilitos intercalados com arenitos e também em sedimentos carbonáticos ricos em argila, com acamamentos delgados. Em planta, formam feições de relevo positivo (alto-relevo) no topo das camadas lamosas (Fig. 26) e, em seção vertical, atravessam essas camadas afilando-se para o seu interior. Gretas de contração subaquáticas resultam da expulsão de água intertisical contida em argilas originalmente bastante porosas, devido a uma reorganização produzida por floculação e/ou aumento de salinidade do meio. A esses processos dá-se o nome de sinerese (Collinson & Thompson 1982). Gretas de sinerese podem ser confundidas com gretas de ressecamento, diques clásticos e, mais comumente, com traços fósseis, particularmente em rochas precambrianas.

(a)

(b) Figura 26 – Gretas de sinerese: (a) topo de camada pelítica de sucessão filito-quartzito precambriana. Supergrupo Espinhaço, Serra do Espinhaço, Diamanatina, MG; (b) Gretas de sinerese e marcas de onda simétricas em topo de arenitos do Jurassico Inferior, Fm Botany Bay, Península Antártica.

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Impressões de pingos de chuva Muitas superfícies de acamamento de pelitos e arenitos antigos e modernos mostram um padrão de pequenos buracos rasos, associados com gretas de ressecamento. São marcas de pingos de chuva (Fig. 27). Os buracos podem estar bastante separados ou cobrir completamente a superfície de acamamento; são circulares, raramente elípticos, e entre 1 cm a pouco mais que alguns milímetros de diâmetro. Têm forma de cratera e podem ser confundidos com traço fóssil ou marcas de escape de bolhas de gás (Collinson & Thompson 1982).

Figura 27 – Marcas de pingo de chuva e gretas de ressecamento em sedimento lamoso recente. Notar a forma de cratera da marca do pingo.

• Disturbios em camadas individuais

São estruturas comumente observadas em seções verticais, embora algumas tenham expressão em planta. Inclui àquelas produzidas pela deformação de laminação/acamamento deposicionais primários, bem como novas estruturas desenvolvidas por atividades pós-deposicionais (Collinson & Thompson 1982). Dobramento recumbente de camadas frontais (foresets) de estratificações cruzadas Deformações nas camadas frontais de estratificações cruzadas variam desde um aumento na sua inclinação (oversteepened cross bedding) até sua completa inversão (overturning cross bedding) formando dobras recumbentes (Fig. 28). Essa deformação está ligada a processos de liquefação associado a tensões cisalhantes atuantes na superfície de acamamento e na mesma direção da corrente que produziu a estratificação cruzada (Collinson & Thompson 1982). Num arenito muito embebido em água, com pouca coesão de seus grãos, a estrutura ao se formar é posteriormente deformada por forças cisalhantes induzidas pela própria corrente que a originou. Dessa maneira, sòmente essa camada apresentará dobramento.

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Figura 28 – Estratificações cruzadas com camadas frontais reviradas em dobras recumbentes intrafoliais. Quartzitos paleoproterozóico da Megasseqüência São João Del Rei, MG.

Acamamento/laminação convoluta A estrutura envolve dobramento do acamamento/laminação em dobras comumente de forma cúspide, com charneiras de antiformais bem acentuadas e de sinformais mais suaves (Figs.29 e 12). Os termos acamamento e laminação são usados conforme as espessuras dos estratos envolvidos. Estruturas convolutas estão relacionadas à deformação plástica de sedimentos parcialmente liquefeitos, logo após sua deposição. Exemplos são aquelas que ocorrem em sucessões turbidíticas (Figs. 11, 12 e 30), em planícies de inundação de rios e planícies de maré em zonas sismicamente inativas (Collinson & Thompson 1982).

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Figura 29 - Laminação convoluta em calcáreo de sucessão turbidítica carbonática neoproterozóica. Fm Gemsbok, Turbiditos Zerrissene, Namíbia, SW África.

Figura 30 – Laminação convoluta em camada de arenito de sucessão turbidítica triássica. Topo estratigráfico para cima (gradação normal). Fm Hope Bay, Grupo Trinity Peninsula, Península Antártica. Boudinage É o processo pelo qual uma camada competente (mais resistente à deformação) se deforma quando sofre estiramento paralelo ao aleitamento. Numa sucessão de camadas competentes e incompetentes (menos resistente à deformação) intercaladas submetidas à extensão paralela ao acamamento, as camadas competentes são preferencialmente estiradas e adelgaçadas até atingir a ruptura, fraturando-se então (Fig. 31). A camada competente fragmenta-se em blocos isolados (boudins) pela camada incompetente que flui para as chamadas zonas de neck (pescoço), entre os fragmentos (Ramsay & Huber 1987). Boudinage é um processo tanto primário (deformação sin-deposicional) quanto secundário (deformação tectônica).

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Figura 31- Cartoon representando seções verticais de diferentes formas de boudins, conforme o contraste de competência entre as camadas, onde a>b>c>d. Extraído de Ramsay, J.G.& Huber, M.I., 1987, The Techniques of Modern Structural Geology, vol.1: strain analysis, fig.1.8, pg. 8.

• Distúrbios que afetam várias camadas Dobras de escorregamento (slumps folding) Unidades sedimentares com dobras atribuídas a deformação por escorregamento são comuns em sucessões interestratificadas onde predominam sedimentos pelíticos. Diferentemente de estratificações cruzadas dobradas, onde a deformação ocorre sòmente numa camada, a deformação gerada por escorregamento sin-sedimentar afeta várias camadas simultaneamente gerando dobras em escalas variadas, desde centimétricas a kilométricas.

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