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RB 28 : 77-P, 1975 ESTUDO BACTERIOLóG ICO DAS úVULAS DE ESTETOS CóPIOS Emília Luigia Saporiti Angerami * Isabel Amélia Costa Mendes * RB/ll ANGERAMI, E . L .S . & MENDES, L A . C . - Estudo bactiológico das úvulas de estet- cópios. R. B. Enf., RJ, 28 : 77-80, 1975. o estudo bacteriológico das úvulas e diafragmas de estetoscópios, realizado por GEEN et aI ', em um hospital-es - cola de Londres, veio reforçar a suspei- ta por nós levantada, há algum tempo, quanto à possível contaminação deste instrumental. A incidência de otite externa, no pes- soal de enfermagem, foi constat ada pe- los autores ANGERAMI & MENDES 1 que, pesquisando quais fatores po deriam estar contribuindo para que isto ocor- resse, suspeitaram do uso comum do es- tetoscópio. É rotineira, na prática de enferma- gem, a assepsia do termômetro, antes e após o seu uso, e tem havido amplas discussões sobre qual o melhor desin- fetante e técnica de limpeza para os mesmos. O estetoscópio é instrumen- to que, usado em comum pel o pessoal de enfermagem, entra em contacto di- reto com o paciente e s ua unidade, é levado no bolso e/ou pescoço e guardado sem que haj a determinação de cuidado específico. Em nossa revisão bibliográfica, apenas VS & GOSNELL ', sugerem a deger- mação da úvula em álcool as o seu uso. A publicação de KNIGHT ', estabelece esfigmomanometros, oftalmoscópios e estetoscópios como portadores de pato- genias. TEIXEIRA", aponta como fonte de infecção hospitalar, além do paciente visitantes, técni cas de trabaho, pes- soal médico, paramédico e equipamentos utilizados pelos mesmos. MELLO ·, afir- ma que "vários tipos de germes podem existir no meio hospitalar e causar in- fecções isoladas Ou incidentes: cocos Gram positivos (estafilococos e estrepto- cocos) , bacilos Gram negativos (Aero- bacter, prote, Pseudomonas, colifor- mes, Se·rrati a marcescens) etc." Ainda nos reportando aos trabalhos de GERKEN et aI a, verificamos que 21 % dos estetoscópios por eles estudados apresentaram contami nação por Staphy- lococcus aureus - coagase sitiva. Diante do exposto nos propusemos a reaUzar o presente trabalho, par a estu- dar a flora bacteriana existente nas úvulas dos estetoscópios em uso pel o peoal de enfermagem, no Hospital d as Docentes do Departamento de Enfermagem Geral e Especialida da Escola de fer- magem de Ribeirão Preto, USP, jun a diplina de Introdução à Enfermagem. l'

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RBEn 28 : 77-80, 1975

ESTU DO BACTERIOLóGICO DAS úVU LAS D E ESTETOSCó PIOS

Emília Luigia Saporiti Angerami *

Isabel Amélia Costa Mendes *

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ANGERAMI, E . L . S . & MENDES, L A . C . - Estudo bactetiológico das úvulas de estetos­cópios. Rev. Bras. Enf., RJ, 28 : 77-80, 1975.

o estudo bacteriológico das úvulas e diafragmas de estetoscópios, realizado por GERKEN et aI ', em um hospital-es­cola de Londres, veio reforçar a suspei­ta por nós levantada, há algum tempo, quanto à possível contaminação deste instrumental.

A incidência de otite externa, no pes­soal de enfermagem, foi constatada pe­los autores ANGERAMI & MENDES 1 que, pesquisando quais fatores poderiam estar contribuindo para que isto ocor­resse, suspeitaram do uso comum do es­tetoscópio.

É rotineira, na prática de enferma­gem, a assepsia do termômetro, antes e após o seu uso, e tem havido amplas discussões sobre qual o melhor desin­fetante e técnica de limpeza para os mesmos. O estetoscópio é um instrumen­to que, usado em comum pelo pessoal de enfermagem, entra em contacto di­reto com o paciente e sua unidade, é levado no bolso e/ou pescoço e guardado sem que haj a determinação de cuidado específico.

Em nossa revisão bibliográfica, apenas FIVARS & GOSNELL ', sugerem a deger-

mação da úvula em álcool após o seu uso.

A publicação de KNIGHT ', estabelece esfigmomanometros, oftalmoscópios e estetoscópios como portadores de pato­genias. TEIXEIRA", aponta como fonte de infecção hospitalar, além do paciente visitantes, técnicas de trabaho, pes­soal médico, paramédico e equipamentos utilizados pelos mesmos. MELLO ·, afir­ma que "vários tipos de germes podem existir no meio hospitalar e causar in­fecções isoladas Ou incidentes : cocos Gram positivos (estafilococos e estrepto­cocos ) , bacilos Gram negativos (Aero­bacter, proteus, Pseudomonas, colifor­mes, Se·rratia marcescens ) etc."

Ainda nos reportando aos trabalhos de GERKEN et aI a, verificamos que 21 % dos estetoscópios por eles estudados apresentaram contaminação por Staphy­

lococcus aureus - coagulase positiva.

Diante do exposto nos propusemos a reaUzar o presente trabalho, para estu­dar a flora bacteriana existente nas úvulas dos estetoscópios em uso pelo pessoal de enfermagem, no Hospital das

• Docentes do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfer­magem de Ribeirã.o Preto, USP, junto a disciplina de Introdução à Enfermagem.

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ANGERAMI, E . L . S . & MENDES, L A . C . - Estudo bactetiológico das úvulas de estetos­cópios . Rev. Bras. Enf., RJ , 28 : 77-80, 1975.

Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

METODOLOGIA

Foram utilizadas zaragotoas umedeci­das em caldo peptonado (2g de Bacto­petptona em 100 ml de água) e esfrega­das cuidadosamente sobre a superfície completa das úvulas dos estetoscópios. As mesmas foram mantidas em estufa à 37°C durante 48 horas. A seguir foram feitas as semeaduras em placas de Agar-sangue e em meio de Teague ( eozina azul de metileno segundo Tea­gue ) .

Nas placas onde não se observou ne­nhum crescimento, dentro de 24 horas foram mantidas em estuia por mais 24 horas à 37°C.

Realizou-se, então, o exame bacterios­cópio das colônias de Agar-sangue. As colônias de Staphylococcus foram pas­sadas para o meio de Chapman (mani­tol-Salt Agar segundo Chapman) obser­vando-se a fermentação do manitol. Do meio de Chapman foram feitas as pro­vas de coagulas e em tudo.

As colonias que se desenvolveram no meio de Teague, foram passadas para o meio de triagem de tríplice açúcar ( Tri­pIe Sugar Iron) , e a seguir para uma pequena série bioquímica ( Citrato de Simons, fenilanina desaminase, produ­ção de indÓI) .

RESULTADOS E DISCUSSAO

Foram pesquisados 30 estetoscópios em uso pelo pessoal de enfermagem no hos­pital em estudo.

Na tabela 1 consta o resultado dos microorganismos encontrados e as clí­nicas nas quais ocorreram.

Os Staphylococus albus, predominan­tes em nosso estudo ( 26,6 % ) , segundo SMITH et ai ·, são encontrados freqüen­temente na flora normal da pele como comensais, pOrém podem se tornar opor-

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tunistas quando a mesma for lesionada . Outros tipos de comensais encontrados, também considerados como da flora normal foram : Alkaligenes ( 6,6% ) , to­talizando 39,8 % de contaminação por bactérias comessais, sendo que o restan­te da amostra (56,6 % ) , não apresentou nenhum crescimento.

Apenas um estetoscópio apresentou contaminação por Staphylococcus au ­

reus-coagulase positiva. Comparando este resultado com os de

GERKEN et aI ', onde a contaminação pelo Staphylococus aureus foi de 21 % , verificamos que esta porcentagem dimi­nui para 3 ,3 % . Talvez isto se deva ao fato de os autores terem estudado asso­ciadamente as úvulas e os diafragmas dos estoscópios, o que nos permite con­cluir que os locais de contacto destas duas extremidades do instrumental são completamente diferentes : enquanto a úvula entra em contacto apenas com o ouvido do operador, o diafragma con­tacta-se com a pele do paciente.

Além disso, sentimos que outros fato­res podem ter influenciado este resul­tado, ou sej a : a diminuição do número de estoscópios existentes nas diferentes clínicas deste hospital-escola, pela ten­dência atual ao uso individual do mes­mo ; e o uso generalizado de antissépti­cos e desinfetantes no hospital, especi­ficamente o hexaclorofeno, fato também notado por MELLO '. O horário da co'" lheita de material também pode ter con­tribuído, pois, este não foi estabelecido à priori. Se lembrarmos que algumas bactérias têm um tempo de sobrevivên­cia limitado, teria sido importante que todas as colheitas tivessem sido feitas imediatamente após o uso do instru­mento, pois, esta pode ter sido uma das causas da elevada pOrcentagem de re­sultados negativos.

Durante a colheita do material, pude­mos observar ainda que as úvulas apre­sentavam-se limpas, sem depósito de cerumen, como era freqüentemente no-

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ANGERAML E . L . S . & MENDES , I . A . C . - E�tudo bactetiológico das úvulas de estetos­cópios. Rev. Bras. Enf., RJ. 28 : 77-80. 1975.

tado por nós durante nossas atividades profissionais.

Através de informações pessoais da Chefe do Serviço de Enfermagem. do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. soubemos do maior cuidado que tem sido dispensado a este instrumental. às vezes partindo da iniciativa do próprio fun­cionário, embora este cuidado não te­nha padronização.

Da análise dos resultados pudemos concluir que as úvulas dos estetoscópios constituem fonte de infecção hospitalar . uma vez que. em pelo menos um este­toscópio encontramos contaminação pelo Staphylococus aureus ; em relação aos demais. apesar de termos encontrado bactérias da flora normal. consideradas não patogênicas. deve-se ressaltar o fato

de que uma bactéria não patogênica pode-se transformar em patogênica des­desde que encontre um meio adequado e um indivíduo susceptível .

Sugerimos que medidas severas sej am adotadas apÓs o uso do estetoscópio. prevenindo assim a incidência de infec­ções de ouvido entre o pessoal de enfer­magem e que estu.dos sej am realizados. quanto à técnica de degermação e o me­lhor desinfetante a ser usado.

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Paulo Tosinobu Imada e Dr. Antonio Scandiuzzi Neto. do Laboratório São Marcos de Ribeirão Preto que pre­pararam e realizaram os exames bacte­riológicos.

REFER:G:NCIAS BIBLIOGRAFICAS

1 . ANGERAMI. E .L.S. & MENDES, I.A.C . - Incidência de infecções auditivas em pessoal de enfermagem, Trabalho em elaboração.

2 . FIV ARS. G. & GOSNELL. D. - Nursing evaluation : the problem and the processo New York. MacMillan ; Lon­don, Collier - MacMillan, 1966.

3 . GERKEN. A. et aI. - Infection hazard from stehoscopes in hospital. The Lancet, 1214-1215. June 3. 1973.

4. KNIGHT. H . T . - Notes on cross-infcc­tion in hospitaIs. New Zeland De­department of Health, 1966. (Pam­phlet n. 125) .

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5 . MELLO. Emilia T. - Contribuição aos es­tudos das estafilococias hospitalares Ribeirão preto, SP. 1971-1972. Ribei­rão Preto. 1972. [Tese de Doutora­ramento apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Uni­versidade de São Paulo] .

6 . SIMITH. David et aI. - Microbiologia de

Zinsser. Trad. Antonio Capella Bas­tos. 13 .a ed.. México, Union Tipo­gráfica Editorial Hispano America­

na, 1967.

7. TEIXEIRA. Edói1ia M. - Fontes de In­fecção no hospital. R. Paul. Hosp .• 20 (1) : 7 . 16, jan. 1972.