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ensaio crítico
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Universidade Federal de Pelotas
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Antropologia
Teoria Arqueológica I
Estudo crítico dos textos: “Educação após Auschwitz”, de Theodor Adorno e “A
Arqueologia na construção da identidade nacional: Uma disciplina no fio da navalha”,
de Tânia Andrade Lima.
Discente: Bruno Leonardo Ricardo Ribeiro Docente: Fréderic Pouget
A idéia de contrapor dois artigos aparentemente tão distintos, a primeira vista
pareceu-me uma proposta desafiadora. No entanto, quando comecei a esquematizar este
trabalho percebi que num quadro mais amplo as duas propostas são extremamente
complementares e de modo algum, incomunicáveis. De modo geral, tanto Lima quanto
Adorno abordam em seus artigos, cada um a sua maneira, os usos e mau usos dos
conhecimentos academicamente produzidos, por sistemas governamentais na construção
ou imposição de uma ideologia ou identidade nacional sobre a população governada.
Os temas e o escopo temporal de cada um destes textos, sim, são de grande
variação. Lima aborda questões que vão desde o colonialismo à formação do Estado nação
Brasileiro, concomitante a criação de identidades nacionais associadas a cada uma das
diferentes etapas percorridas durante nosso constructo social, partindo sempre de um viés
arqueológico, ramo científico ao qual mantém atrelado seu discurso. Adorno, por outro lado,
direciona suas atenções a um período mais restrito, algo entre 1930 e 1974, analisando a
utilização, pelo regime nacional-socialista na Alemanha, da produção acadêmica como um
todo, e tem seu foco voltado principalmente para a educação e transmissão de
conhecimento, na formação ideológica nacional pré e pós o regime Nazista, e sua
campanha propagandista.
Ambos os autores destacam o grande perigo da submissão da academia a regimes
políticos e governamentais, destacando que naturalmente estes regimes tendem a
representar a ideologia predominante, usualmente de uma elite mais poderosa – aqui
parafraseio o professor Lúcio Menezes, que em uma de suas aulas, disse: “as minorias, na
verdade são os dotados de menos poder” –, e sempre em função da manutenção do status
quo vigente: a condição de subalternidade da grande maioria da população como massa de
manobra. Lima destaca como a tradição e a cultura exercem papel fundamental na
consolidação das nacionalidades, e como a questão das origens e tradições permeiam toda
a construção da identidade individual, social, coletiva local ou nacional. Essa afirmativa é
muito bem exemplificada no texto de Adorno, quando o autor fala sobre a utilização nazista
de costumes folclóricos para a afirmação da necessidade de uma educação “dura” e como
precursores imediatos da violência nacional-socialista.
Tânia evidencia que, juntamente com a variação da inclinação política brasileira ao
longo do tempo, as idéias de identidades nacionais variaram em comum acordo com os
interesses predominantes à época, demonstrando como, neste meio tempo, a arqueologia
foi utilizada pragmaticamente, alterando seus métodos e linhas interpretativas, visando
atender estes objetivos. Adorno aponta algo similar quando discorre sobre a falta de
“empatia”, se assim posso dizer, verificada na sociedade à época em que ele escreveu sua
obra. Em sua ótica, a construção social, e aqui acredito que ele se refira à sociedade alemã,
no mínimo como exemplo, se mantém apática diante de catástrofes e grandes tragédias que
não afetem, diretamente, membros do círculo social mais próximo dos indivíduos. Esta
argumentação que acabei de fazer pode parecer um pouco desconexa, mas o que eu vejo e
aqui tento demonstrar é que o exemplo citado, associado a proposta de Adorno, não seria
nada menos que o resultado dos temores de Lima, postos em prática. A prática alemã
objetivava a criação de uma nação homogênea e forte, arraigada as suas origens e
tradições, e o resultado disso teria sido um povo apático e alheio aos problemas que não
fossem “deles”.
Mas Adorno desenvolve sua crítica e também se posiciona contra aqueles que
pregam a respeito de uma falta de “laços” entre os seres humanos. De seu ponto de vista, a
criação de laços é extremamente perigosa, pois torna aqueles que ele caracteriza como
possuidores de algo similar a uma “mentalidade de seguidores”, de uma necessidade de
submissão a normas, figuras de liderança ou estruturas rigidamente organizadas, como as
verificadas nos regimes fascistas. Para ele, a grande questão é a capacidade de autonomia
crítica, que a seu ver ainda não se verificava dentre os alemães antes do período de
hegemonia nazista. E deveria ser o objetivo dos novos métodos de ensino e educação.
Outro contraponto interessante entre os dois textos seria em relação à temática do
artigo de Adorno, a questão da educação, também abordada por Tânia em sua pesquisa.
Todo o trabalho de Adorno tem como foco não a justificação do horror de Auschwitz, mas
evidenciar suas causas e propor novas abordagens educacionais que impeçam a repetição
de tal “monstruosidade” por ele associada, se bem entendi, a certa “inumanidade”, que
mesmo em 1930 já se mostrava latente entre os seres humanos – no mínimo entre os
alemães. Os primeiros passos do que ele nomeia de processo de “coisificação” das
pessoas. Num esforço interpretativo, também vemos um exemplo deste processo de
coisificação da pessoa na pesquisa de Tânia, quando ela trata do papel do indígena nos
livros de história entre os anos de 1898 e 1998. Ao longo de todo este período histórico Lima
aponta como o papel do indígena não apenas no imaginário, mas também na construção da
identidade pessoal e nacional brasileira, variou em tipo e intensidade, desde elemento
exótico da natureza exuberante de nosso país, a agentes ativos na formação da identidade
nacional, passando várias vezes por meros grupos sociais marginais. De qualquer maneira,
vemos claramente que apesar de em determinados momentos a percepção sobre o
indígena brasileiro ter assumido papéis mais principais nos livros de história, o indígena
nunca foi tratado por si mesmo, nunca foi mais que “coisa”, ora relegado ao segundo plano,
ora trazido novamente à tona.
Vale ressaltar, ainda, que os dois autores tomam por base em suas propostas
(Adorno) e pesquisas (Lima) os primeiros momentos do ensino escolar, e que a educação
deve voltar-se para a construção da anteriormente citada autonomia crítica do cidadão.
Adorno argumenta que este novo modelo de educação tem que ser aplicado desde os
momentos iniciais do ensino escolar, quando as mentes dos indivíduos do futuro ainda se
encontram mais abertos a novas concepções e realidades. Mesmo período do ensino
escolar escolhido por Tânia para sua pesquisa, e exatamente pelos mesmos motivos, é
durante os primeiros anos de escola que as identidades seriam, de fato, estabelecidas e as
concepções de mundo impregnadas nas mentes dos jovens, futuros cidadãos. Para ambos
os autores a escola, ao transmitir o conteúdo, tanto pode dar continuidade e difundir o
pensamento predominante quanto pode ser ferramenta de libertação. Este provavelmente é
mais um ponto de convergência entre as duas obras.
Finalmente, durante a leitura das duas obras, a principal conclusão associativa que
acredito ser passível de se atingir é a inicialmente citada. A clara impressão de que ambos
os autores tratam da mesma coisa, em momentos distintos no tempo. Tânia nos dá
exemplos e alertas dos perigos de uma Arqueologia – assim como qualquer outra disciplina,
acredito eu – submissa a alguma forma ou sistema político-governamental, enquanto
Theodor parece nos mostrar, com fatos, quais são os extremos que a manipulação desta
subalternidade permite a regimes fascistas, ou simplesmente governos perniciosos, atingir.
A única diferença aqui parece ser que no Brasil a manipulação dos saberes ora buscou
atender um interesse específico, ora outro, enquanto na Alemanha o objetivo foi
basicamente sempre o mesmo, estabelecer uma visão de povo homogêneo, tradicional,
originalmente forte e constantemente fortalecido através de uma educação “dura”.