Upload
hanhi
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE BIOLOGIA
João Emmanuel Vargas Ventura Vitonis
“Estudo da Variação Genética de Stramonita brasiliensis
(Mollusca, Gastropoda)”
CAMPINAS 2016
João Emmanuel Vargas Ventura Vitonis
“Estudo da Variação Genética de Stramonita brasiliensis
(Mollusca, Gastropoda)”
Dissertação apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do Título de Mestre em Ecologia
Orientador: PROF. DR. FLÁVIO DIAS PASSOS Co-Orientador: PROF. DRA. VERA NISAKA SOLFERINI
CAMPINAS
2016
ESTE ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO JOÃO EMMANUEL VARGAS VENTURA VITONIS E ORIENTADA PELO PROF. DR. FLÁVIO DIAS PASSOS.
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Biologia Mara Janaina de Oliveira - CRB 8/6972
Vitonis, João Emmanuel Vargas Ventura, 1989- V833e VitEstudo da variação genética de Stramonita brasiliensis (Mollusca,
Gastropoda) / João Emmanuel Vargas Ventura Vitonis. – Campinas, SP :
[s.n.], 2016.
VitOrientador: Flávio Dias Passos.
VitCoorientador: Vera Nisaka Solferini. VitDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Biologia.
Vit1. Muricidae. 2. Espécies crípticas. 3. Gastrópode - Brasil, Sudeste. I.
Passos, Flávio Dias,1971-. II. Solferini, Vera Nisaka,1957-. III.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Biologia. IV. Título. Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Genetic variation in Stramonita brasiliensis (Mollusca, Gastropoda) Palavras-chave em inglês: Muricidae Cryptic species Gastropoda - Brazil, Southeast Área de concentração: Ecologia Titulação: Mestre em Ecologia Banca examinadora: Flávio Dias Passos [Orientador] André Victor Lucci Freitas Lenita de Freitas Tallarico Data de defesa: 08-11-2016 Programa de Pós-Graduação: Ecologia
Campinas,8 de novembro de 2016.
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Flávio Dias Passos
Prof.. Dr. André Victor Lucci Freitas
Profa. Dra. Lenita de Freitas Tallarico Os membros da Comissão Examinadora acima assinaram a Ata de Defesa, que se encontra no processo de vida acadêmica do aluno.
“Quando lhe perguntaram quantos caminhos levam à iluminação, o
monge chutou um monte de terra. ‘Conte’, disse ele sorrindo, ‘e depois
encontre mais grãos.’”
(Flavor text de Monastério Místico)
Agradecimentos:
Para a minha mãe, Izabel Cristina, que não pôde ver em vida essa dissertação
pronta. Espero que a senhora esteja bem. Te amo.
Para meu pai, Jonas, por todo o apoio em todos esses anos de graduação,
mestrado e agora graduação de novo.
A chatice da minha irmã Lívia, que eu gosto muito, apesar de todas as mordidas
que me deu quando era pequena =P
Aos meus orientadores Flávio e Vera, por toda a ajuda e paciência em todo o
mestrado.
A Célia pela ajuda imprescindível com as técnicas de extração e de PCR.
Aos meus colegas de laboratório, pela ajuda com coletas, procedimentos,
análises e momentos de descontração, especialmente a Priscila (Grinch), Marjorie,
Fabrizio e Elen.
A minha “grande” amiga Karol, por todos esses anos com muitas risadas,
dança, RPG, MMOs, conversa jogada fora, desde o primeiro ano da graduação até
hoje. Com certeza teriam sido anos com muito menos diversão sem você.
Aos amigos Estrela, Up, Adriele pelas horas de conversa jogadas fora, jogos
de Magic, animes e etc.
A todos os membros das duas Comissões Organizadoras desses dois CAEBs
que ajudei a montar. Sem vocês não seria possível realizar o melhor congresso do
mundo!!!
Aos meus filhotes ronronantes: Homero, Tuti, Dewey, Cookie, Marie, Phoebie,
Jhonie, Mitizie, Sebastian e Rocco. E a minha “peste negra” Luna e aos outros dois
Lu’s.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e a Capes pela bolsa.
Resumo
O objetivo deste trabalho foi tentar elucidar as relações taxonômicas dentro de
um possível complexo de espécies em Stramonita brasiliensis, um gastrópode
marinho que ocorre em costões rochosos ao longo do litoral brasileiro. Para tanto
foram sequenciados o gene mitocondrial COI e o nuclear 28S de espécimes de S.
brasiliensis coletados em oito pontos ao longo do litoral dos estados de São Paulo e
Rio de Janeiro, na região sudeste do Brasil. Com os dados obtidos foram realizadas
análises de parâmetros populacionais e inferidas árvores filogenéticas utilizando
métodos bayesianos. Os resultados obtidos trazem novas evidências que sugerem
que S. brasiliensis é realmente um complexo de espécies, tendo sido identificadas
duas espécies distintas nos espécimes coletados: a própria S. brasiliensis e S.
haemastoma.
Abstract
The purpose of this study was to try to elucidate the taxonomic relationships
within a possible complex of species in Stramonita brasiliensis, a marine gastropod
that occurs on rocky shores along the Brazilian coast. In order to perform this we
sequenced the mitochondrial gene COI and the nuclear 28S of S. brasiliensis
specimens from eight points along the coasts of the states of São Paulo and Rio de
Janeiro, in southeastern region of Brazil. With the data we performed analysis of
population parameters and inferred phylogenetic trees using Bayesian methods. The
results sugested that S. brasiliensis is indeed a complex of species having two distinct
species: S. brasiliensis and S. haemastoma.
Índice
Introdução ........................................................................................................ 10
Materiais e Métodos ......................................................................................... 13
Coletas .......................................................................................................... 13
Extração e Amplificação de DNA .................................................................. 15
Análises ........................................................................................................ 17
Resultados ....................................................................................................... 21
Coleta, extração e sequenciamento do material genético ............................. 21
Análise Bayesiana......................................................................................... 21
Análises Populacionais ................................................................................. 21
Discussão ......................................................................................................... 31
Conclusão ........................................................................................................ 33
Referências ...................................................................................................... 34
10
Introdução
Mollusca é o segundo maior filo animal, composto por cerca de 200 mil
espécies, encontradas nos mais diversos ambientes, sendo particularmente
numeroso em habitats marinhos. A classe Gastropoda é a maior do grupo, sendo a
segunda mais diversa em número de espécies entre todos os animais. Estimativas
variam bastante, de 40 mil a até 150 mil gastrópodes existentes na fauna atual, cuja
maior parte é registrada para os ambientes marinhos, mas ocorrendo também em
água doce e sendo o único grupo de moluscos com espécies que vivem no ambiente
terrestre (AKTIPIS ET AL, 2008).
Gastrópodes possuem grande importância nos ambientes marinhos, sendo
importantes elos das cadeias alimentares, em alguns casos sendo predadores
importantes na estruturação das cadeias alimentares locais. Isso ocorre, por exemplo,
com espécies da família Muricidae que habitam costões rochosos por todo o mundo
(BARCO ET AL., 2010).
No litoral sudeste brasileiro, a principal espécie de Muricidae habitante de
costões rochosos é Stramonita brasiliensis Claremont & Reid, 2011 (Figura 1), um
importante predador que se alimenta de mexilhões (Perna perna, Brachidontes
solisianus, B. darwinianus e Modiolus carvalhoi), ostras (Crassostrea rhizophorae),
outros gastrópodes (Fissurella clenchi e Collisella subrugosa), cracas (Chthamalus
bisinuatus, Tetraclita stalactifera e Megabalanus coccopona), além do poliqueta
Phragmatopoma lapidosa (DUARTE, 1990; LAVRADO, 1992). Perfura as conchas dos
moluscos e as placas das cracas utilizando secreções enzimáticas e sua rádula
(CARRIKER, 1978, 1981). Usa sua longa probóscide para consumir os tecidos das
presas, uma vez completado o furo. Para alimentar-se de Phragmatopoma, usa a
mesma estrutura para alcançar o poliqueta no interior do tubo (WATANABE & YOUNG,
2006).
11
Figura 1 - Stramonita brasiliensis em um costão rochoso no litoral de São Paulo, Brasil. Escala de 1 cm.
Espécimes de Stramonita sp apresenta grande capacidade de locomoção, se
deslocando de uma rocha para a outra no costão, tanto em busca de alimentos como
para formar agregados para a reprodução (PAPP & DUARTE, 2001). É um molusco
dióico com fertilização interna (KOOL, 1993), que forma agregados para a cópula e
deposição das cápsulas ovígeras (D’ASARO, 1966; PAPP & DUARTE, 2001). As larvas
são planctotróficas (D’ASARO, 1966), o que permite uma grande capacidade de
dispersão (JANSON, 1987; TODD ET AL., 1998; BOHONAK, 1999). É também importante
bioindicadora de contaminação de TBT e TPhT no litoral brasileiro (LIMAVERDE ET AL.,
2007).
A história taxonômica de S. brasiliensis é muito controversa, por muito tempo
tendo sido classificada como S. haemastoma, espécie de ampla distribuição
geográfica, ocorrendo em todo o Oceano Atlântico e parte do Mediterrâneo, mas que
pairavam dúvidas acerca de sua monofilia. Alguns autores consideravam que tratava-
se de uma única espécie composta por diversas subespécies (KOOL, 1993), enquanto
outros acreditavam que esta tratava-se de um complexo de espécies (LIU ET AL, 1991;
VERMEIJ, 2001). Em um recente estudo utilizando ferramentas moleculares
(CLAREMONT ET AL. 2011), S. brasiliensis foi reconhecida como espécie nova, distinta
12
de S. haemastoma e outras quatro espécies pertencentes ao complexo S.
haemastoma, consideradas anteriormente subespécies dessa, também foram
elevadas ao nível de espécie no mesmo estudo.
Em um estudo populacional de Stramonita sp., UDELSMANN (2009) analisou 14
locos de isoenzimas em populações de nove localidades do litoral brasileiro,
observando uma clara presença de dois grupos distintos, em animais vivendo em
simpatria em todas as localidades. Foi encontrada uma distância genética entre os
dois diferentes grupos de 0,338 (valores compatíveis com os encontrados em
espécies congenéricas). No entanto, ao realizar uma análise morfométrica das
conchas, não foi encontrada nenhuma diferença significativa entre os espécimes de
cada grupo. Com base nesses resultados, concluiu que existem evidências suficientes
para a separação da espécie em dois agrupamentos genéticos distintos, que embora
apresentem certo grau de hibridização, esta é limitada por algum mecanismo de
isolamento reprodutivo.
O desafio de identificar espécies que não tenham grande variação em
caracteres morfológicos já foi reconhecido antes mesmo da adoção do sistema de
classificação proposto por Linnaeus (BICKFORD ET AL., 2006). Dessa forma, não
surpreende que espécies diferentes ocorram em um mesmo ambiente, sem, contudo
apresentarem diferenças morfológicas marcantes a ponto de serem reconhecidas
como espécies diferentes.
Em ambientes marinhos há indícios de grande ocorrência de espécies crípticas,
ocorrendo também na costa brasileira (CROSSLAND ET AL., 1993; RIDGWAY ET AL., 1998;
KNOWLTON, 1993; IGNACIO ET AL., 2000; RAHMAN & UEHARA, 2004; LIMA ET AL., 2005;
CRUMMET & EERNISE, 2007). Isso se deve tanto ao pouco conhecimento da biologia de
diversos táxons (ocasionados pelas dificuldades de coleta, estudos em campo e
manutenção dos organismos em laboratório), ou como as características típicas de
muitos organismos marinhos, como sistemas de reconhecimento químico de parceiros
(divergindo de um sistema visual ou sonoro, como encontrado em muitos organismos
terrestres e mais facilmente observáveis por nossos sentidos), e variações nas
capacidades de dispersão e na preferência de microhábitats para o assentamento
larval (KNOWLTON, 1993).
Para neogastrópodes, PALMER ET AL. (1990) apontou que caracteres da concha
podem não ser adequados para a identificação de muitos grupos, já que tais
13
caracteres podem apresentar grande variação intraespecífica. Apesar disso, os
caracteres da concha ainda são os mais utilizados na taxonomia do grupo.
A identificação de complexos de espécies e a elucidação das relações
filogenéticas de seus integrantes têm grande relevância em diversas áreas, como
evolução, ecologia e conservação. Em questões relacionadas à evolução, essa
identificação pode ter uma contribuição significativa para o entendimento de
mecanismos de especiação em ambientes marinhos (KNOWLTON, 1993).
Diversas questões em ecologia dependem de uma clara delimitação das
espécies estudadas, como relações de competição inter e intraespecíficas, de
predadores e presas, e de simbiontes e hospedeiros (MLADENOV & EMSON, 1990;
KNOWLTON ET AL., 1992; KNOWLTON, 1993; GELLER, 1999; DUDA ET AL., 2009). Várias
espécies utilizadas como bioindicadoras já foram reconhecidas como sendo um
conjunto de espécies crípticas (GRASSLE & GRASSLE, 1976; LOBEL ET AL, 1990;
KNOWLTON ET AL., 1992). Neste último caso, cada uma das diferentes espécies dentro
do complexo pode se comportar diferencialmente aos poluentes a que estão sendo
expostas, potencialmente causando grandes erros na interpretação dos dados
coletados (LOBEL ET AL., 1990; KNOWLTON ET AL., 1992).
O uso de técnicas moleculares e de análise da sequências de DNA para a
distinção de conjuntos de espécies crípticas é amplamente documentado na literatura,
já tendo sido usado, inclusive, para outras espécies de moluscos (CROSSLAND ET AL.,
1993; LIMA ET AL., 2005, CARSTENS ET AL., 2013, ZOU & LI, 2016, GIRIBET & KAWAUCHI,
2016).
Dessa maneira o objetivo do presente trabalho foi, por meio da utilização de
sequenciamento de dois genes, identificar a possível ocorrência de um complexo de
espécies em populações de S. brasiliensis no litoral norte de São Paulo e sul do Rio
de Janeiro. Para delimitá-las utilizou-se o conceito de linhagens evolutivas (CARSTENS
ET AL., 2013)
Materiais e Métodos
Coletas
Foram realizadas coletas em oito localidades durante os meses de fevereiro de
2011 a novembro de 2012, seis no estado de São Paulo e duas no estado do Rio de
14
Janeiro. Os locais e datas das coletas estão indicados na Figura 2 e na Tabela 1 e
podem ser vistos os pontos de coleta. A Figura 3 mostra o costão rochoso em um dos
locais de coleta.
Figura 2 - Locais de coleta dos exemplares de Stramonita sp. utilizados no estudo. Seis pontos são no litoral norte do Estado de São Paulo e dois no sul do Rio de Janeiro.
As coletas foram realizadas manualmente, sem o auxílio de nenhum
equipamento especial, durante a maré baixa. Em cada localidade foram coletados de
26 a 41 indivíduos, que foram separados em sacos plásticos e, no Laboratório de
Diversidade Genética na Universidade Estadual de Campinas, foram anestesiados e
dissecados para obtenção de uma amostra de tecido muscular dos pés para as
análises futuras. Os indivíduos coletados na praia do Cepilho (Paraty, RJ) e na praia
Vermelha (Angra dos Reis, RJ), no entanto, foram fixados ainda em campo em álcool
90%. As amostras dos tecidos foram preservadas em nitrogênio líquido até o momento
da extração do material genético.
Todos os indivíduos coletados serão depositados no Museu de Zoologia da
Universidade Estadual de Campinas “Adão José Cardoso”. No caso dos espécimes
que tiveram sua concha danificada para a obtenção da amostra de tecido, os
fragmentos desta foram preservados e serão depositados juntamente com o restante
do animal.
15
Figura 3 - Costão rochoso da Praia Grande - Ilhabela/SP.
Extração e Amplificação de DNA
Os genes utilizados no presente estudo foram o gene mitocondrial Citocromo
Oxidase I (COI) e o gene nuclear 28S. Ambos são comumente utilizados em estudos
populacionais e já foram utilizados anteriormente em estudos com espécies do gênero
Stramonita (BARCO ET AL., 2010; CLAREMONT ET AL., 2011).
16
Tabela 1: Locais de coleta das amostras de Stramonita sp.
Município Localidade Coordenada
Geográfica
Data Nº de Indivíduos
coletados
Numeração dos espécimes informativos
Ilhabela (SP) Praia Grande 23º51’34”S 45º25’05”O 16/02/2011 30 41, 55
São Sebastião
(SP)
Praia de Toque-
toque Pequeno
23º49’24”S 45º32’00”O 17/02/2011 35 20
São Sebastião
(SP)
Praia das
cigarras
23°43'51"S 45°23'58"O 23/03/2012 41 79, 92, 93,94, 98, 98.1, 100, 102, 103
Ilhabela (SP) Praia Grande 23º51’34”S 45º25’05”O 24/03/2012 34 110, 113, 114, 116, 117, 121, 123, 124, 130, 131, 137,
138, 139
Ilhabela (SP) Prainha 23°51'02"S 45°24'50"O 24/03/2012 31 143, 144, 148, 152, 155, 156, 156.1
São Sebastião
(SP)
Juquehy 23º46’17”S 45º43”22”O 20/06/2012 26 176, 178, 184, 192
São Sebastião
(SP)
Guaecá 23°49'27"S 45°27'13"O 21/06/2012 30 196, 197, 198, 199, 200, 202, 203, 204, 205, 206, 210,
213, 218, 221, 222, 223, 225, 226, 229
Parati (RJ) Praia do Cepilho 23º20’39”S 44º42’46”O 07/11/2012 27 310.1, 326, 328, 329
Angra dos
Reis (RJ)
Praia Vermelha 23°01'18"S 44°29'37"O 08/11/2012 33 330, 332, 333, 335, 337
17
O material genético foi extraído de fragmentos do músculo do pé dos indivíduos
coletados, seguindo-se protocolo CTAB (Cetyltrimethyl Ammonium Bromide)
adaptado para moluscos (WINNEPENNINCKX, 1993).
Para a amplificação do fragmento do gene mitocondrial COI, foram utilizados
os primers COIF e COIMUR (CLAREMONT ET AL., 2011), enquanto que para o gene
nuclear 28S utilizou-se os primers LSU5 e LSU1600R (CLAREMONT ET AL., 2011)
(Tabela 2). A Tabela 3 mostra as condições de amplificação de cada gene estudado.
Tabela 2: Relação e sequências dos primers utilizados na amplificação dos genes estudados.
Nome Sequência
COIF 5’-CTA CAA ATC ATA AAG ATA TTG G-3’
COI-MUR 5’-ACA ATA TGA GAA ATT ATW CCA AA-3’
LSU5 5’-TAG GTC GAC CCG CTG AAY TTA AGC A-3’
LSU1500R 5’-AGC GCC ATC CAT TTT CAG G-3’
Tabela 3: Condições de amplificação para os genes COI e 28S utilizadas durante o estudo.
Anelamento Alongamento Extensão
COI 95,0ºC, 1 min 50,0ºC, 1 min 72,0ºC, 1 min
28S 94,0ºC, 1 min 64,0ºC, 1 min 72,0ºC, 1 min
O sequenciamento foi realizado utilizando a metodologia Sanger, em um
sequenciador de modelo Perkin Elmer ABI Prism 377 capillary sequencer (Applied
Biosystems, Foster City, CA, USA).
Análises
As sequências obtidas foram alinhadas utilizando o algoritmo clustal W
(CHENNA ET AL., 2003), implementado no programa Mega versão 6.0 (TAMURA ET AL.,
18
2013). Posteriormente, passaram por uma etapa de alinhamento manual, a fim de
eliminar gaps e criar uma sequência consenso entre as sequências foward e reverse
já devidamente transformada em seu complemento reverso. Foram analisadas
árvores filogenéticas e parâmetros populacionais (FST, distância genética, testes de
neutralidade) (NEI, 1972; NEI, 1978; WEIR & COCKERHAM, 1984).
Para as inferências filogenéticas foram utilizadas, além do material coletado no
presente estudo, sequências gênicas de diversas espécies do gênero Stramonita
depositadas no GenBank. Foram elas: S. brasiliensis, S. haemastoma, S. rustica, S.
delessertiana, S. floridana, S. biserialis, S. canaliculata (a Tabela 4 contém os
números de depósito das sequências utilizadas). As sequências de Acanthais
brevidentada foram utilizadas para compor o outgroup (Tabela 4).
As filogenias foram estimadas pelo programa Beast, versão 1.8.0. O melhor
modelo de substituição foi calculado, para cada gene, usando o programa Mega,
selecionando-se o mais adequado através do critério de seleção Akaike. Tais modelos
foram utilizados em todas as análises de cada gene. Foram rodadas 10000000
gerações, amostrando-se árvores a cada 1000. Para a montagem da árvore final foi
usado um burn-in de 1000. Para as análises com relógio molecular, foi utilizada a taxa
de mutação proposta por WILKE ET AL. (2009), usando-se um modelo de relógio estrito.
Um teste de saturação, feito com o programa DAMBE (XIA, 2013), foi realizado para
determinar se o relógio estrito era o melhor modelo para os dados apresentados.
Para a inferência dos parâmetros populacionais foram utilizados o programa
DNAsp versão 5.10.1 e Arlequin versão 3.5.1.3 (EXCOFFIER & LISCHER, 2010). Foram
realizados testes do tipo AMOVA do conjunto de dados separando em diferentes
grupos: primeiramente uma análise geral, separando os espécimes utilizados apenas
com base no agrupamento filogenético a que cada indivíduo pertencia, baseados na
filogenia obtida através do gene COI. Após isso, dois novos testes separando, para
cada agrupamento filogenético, os indivíduos de cada local de coleta. Finalmente, foi
realizada uma análise de expansão populacional entre os indivíduos de cada
agrupamento filogenético encontrado. Os espécimes utilizados em cada grupo podem
ser vistos na Tabela 5. Para as sequências de COI foi montada uma rede de haplótipos
utilizando o programa Network versão 4.612 (POLZIN ET AL, 2003).
19
Tabela 4: Relação das sequências prospectadas no GenBank utilizadas para as análises bayesianas.
Espécie Local Número no GenBank
Acanthais brevidentada Costa Rica FR695720.1
Stramonita biserialis Panama FR695850.1
Costa Rica FR695835.1
Costa Rica FR695834.1
Costa Rica FR695833.1
Costa Rica FR695832.1
Stramonita brasiliensis São Paulo, Brasil FR695839.1
Stramonita canaliculata Texas, EUA FR695836.1
Florida, EUA FR695755.1
Florida, EUA FR695777.1
Stramonita
delessertiana
Peru FR695725.1
Stramonita haemastoma Venezuela FR695824.1
Ilhas Canárias, Espanha FR695794.1
Croácia FR695792.1
Senegal FR695768.1
Espanha FR695746.1
Espanha FR695745.1
Açores, Portugal FR695734.1
20
Tabela 5: Relação das amostras utilizadas para as análises populacionais, agrupados por local de coleta e grupo filogenético.
Local de Coleta Grupo Filogenético Numeração dos Espécimes
Praia Grande – Ilhabela S. brasiliensis 41, 55
Toque-toque pequeno – São
Sebastião
S. brasiliensis 20
Praia das Cigarras – São
Sebastião
S. brasiliensis 79, 92, 93, 98, 98.1, 100, 102,
103
S. haemastoma 94
Praia Grande (coleta 2) –
Ilhabela
S. brasiliensis 121, 131
S. haemastoma 110, 113, 114, 116, 117, 123,
124, 129, 130, 137, 138, 139
Prainha – Ilhabela S. brasiliensis 155
S. haemastoma 143, 144, 148, 152, 156, 156.1
Juquehy – São Sebastião S. brasiliensis 176,178, 184, 192
Guaeca – São Sebastião S. brasiliensis 196, 197, 198, 199, 200, 205,
210, 213, 218, 222, 223, 225,
226, 229
S. haemastoma 202, 203, 204, 206, 221
Praia do Cepilho - Paraty S. brasiliensis 310.1, 326, 328
S. haemastoma 329
Praia Vermelha – Angra dos
Reis
S. brasiliensis 330, 333, 335, 337
S. haemastoma 332
21
Resultados
Coleta, extração e sequenciamento do material genético
Nas oito coletas realizadas, foram capturados um total de 257 indivíduos.
Destes, foram obtidas 65 sequências informativas do gene mitocondrial COI, contendo
556 pares de base. Foram sequenciados dois fragmentos do gene 28S, um com 482
pares de base e outro com 589 pares, para um total de 17 indivíduos. Observou-se
um maior sucesso na amplificação nos exemplares cuja amostra de tecido foi obtida
e conservada imediatamente em nitrogênio líquido, sem passar por uma fase em
acondicionamento em álcool.
Análise Bayesiana
Para o gene COI o modelo de substituição que melhor explicava os dados
obtidos foi o HKY + G. Para esse modelo a taxa de substituição proposta para
gastrópodes por WILKE ET AL. (2009) é de 1,37, tendo sido a adotada para a datação
da árvore obtida (Figura 4). Para o gene ribossomal 28s foi utilizado o mesmo modelo,
mas não foi feita a datação da árvore obtida (Figura 5).
Análises Populacionais
Foram realizados testes D de Tajima e FS de Fu para verificar se é possível
identificar sinais que indiquem a possível ocorrência de uma expansão populacional
para ambos os genes (Tabelas 6 e 7). Para as amostras do gene COI, os testes foram
realizados separando as sequências obtidas em localidade de coleta (Tabela 8) e em
localidade de coleta e espécie a que pertence (Tabela 9). As amostras do gene 28s
não sofreram tratamento semelhante devido ao baixo número amostral que haveria
em cada localidade. Também foram calculados os índices de diversidade genética
para ambos os genes (Tabelas 10, 11 e 12). Pode-se observar a existência de indícios
que sugerem uma expansão populacional tanto em S. brasiliensis quanto para S.
haemastoma.
22
Figura 4 - Árvore filogenética obtida por meio do sequenciamento do gene COI. Espécimes numerados foram os coletados nesse trabalho. Demais sequências foram obtidas no GeneBank (com nome por extenso). Em verde sequências de S. brasiliensis, em vermelho sequências de S. haesmastoma. Probabilidades dos ramos acima de 0,75 estão indicadas na figura.
23
Figura 5 - Árvore filogenética obtida a partir de sequências do gene nuclear 28S. Em vermelho espécimes identificados como S. haemastoma e em verde espécimes identificados como S. brasiliensis através da filogenia do COI.
24
Tabela 6: Resultados do teste D de Tajima e FS de Fu para sequências do gene mitocondrial COI. Em vermelho resultados significativos.
Tabela 7: Resultados do teste D de Tajima e FS de Fupara sequências do gene nucelar 28S. Não houve resultados significativos.
COI
Populações D Tajima (p) Tajima's D FS FU (p) FS p-value
Toque toque pequeno 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Praia Grande 1 G1 1.00000 0.00000 1.60944 0.50400
Praia das Cigarras G1 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Praia das Cigarras G2 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Praia Grande2 G1 1.00000 0.00000 2.07944 0.54300
Praia Grande2 G2 0.32000 -0.58334 -0.91203 0.27400
Prainha G1 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Prainha G2 0.62100 0.31961 -1.00914 0.16000
Juquehy G1 0.19600 -0.78012 2.19722 0.82400
Guaeca G1 0.01600 -1.95516 1.31826 0.78500
Guaeca G2 0.45300 -0.38503 1.44966 0.68900
Paraty G1 0.76200 0.00000 2.88418 0.85700
Paraty G2 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Angra G1 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Angra G2 1.00000 0.00000 0.00000 N.A.
Média 0.77300 -0.21150 0.60106 N.A.
Desvio Padrão 0.34177 0.53580 1.15383 N.A.
28S Valor Média Desvio Padrão
Tajima's D -0.09250 -0.09250 0.00000
D Tajima (p) 0.53400 0.53400 0.00000
FS FU (p) -1.33709 -1.33709 0.00000
FS p-value 0.17100 0.17100 0.00000
25
Tabela 8: Resultados do Teste D Tajima e FS de Fu para o gene mitocondrial COI em S. brasiliensis. Em vermelho resultados significativos.
Tabela 9: Resultados do Teste D Tajima e FS de Fu para o gene COI em S. haemastoma. Em vermelho resultados significativos.
Valor Média
Teste D de Tajima
Tamanho da Amostra 26 2.500.000
S 37 3.700.000
Pi 926.667 926.667
D de Tajima -0.20587 -0.20587
P 0.45800 0.45800
Teste FS de Fu
Nº real de alelos 21 2.100.000
Orig. 21 2.100.000
Theta pi 926.667 926.667
Exp. nº de alelos 1.249.159 1.249.159
FS -861.460 -861.460
P 0.00100 0.00100
Valor Média
Teste D de Tajima
Tamanho da Amostra 39 3.800.000
S 22 2.200.000
Pi 185.633 185.633
D de Tajima -217.632 -217.632
P 0.00200 0.00200
Teste FS de Fu
Nº real de alelos 8 800.000
Orig. 8 800.000
Theta pi 185.633 185.633
Exp. nº de alelos 621.312 621.312
FS -111.798 -111.798
P 0.30000 0.30000
26
Tabela 10: Índices de diversidade molecular para o gene COI. Amostras separadas entre as diferentes localidades de coleta.
Toque Toque Pequeno
Praia Grande
Praia das Cigarras
Praia Grande 2 Prainha Juquehy Guaecá Paraty
Praia Vermelha Média
Desvio Padrão
Nº de transições 0 2 40 58 51 3 53 36 46 32,111 22,408
Nº de transversões 0 3 6 14 6 1 11 7 7 6,111 4,228
Nº de substituições 0 5 46 72 57 4 64 43 53 38,222 26,237
Nº de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,000 0,000
Nº de sítios de transições 0 2 40 56 51 3 52 36 46 31,778 22,054
Nº de sítios de transversões 0 3 6 14 6 1 11 7 7 6,111 4,228
Nº de sítios de substituições 0 5 46 66 56 4 61 42 53 37,000 24,993
Nº de sítios de substituições exclusivas 0 0 0 2 0 0 5 2 1 1,111 1,595
Nº de sítios de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,000 0,000
Pi 0.000 5.000 10.222 20.495 19.381 2.000 18.157 21.833 26.500 15.449 8.128
27
Tabela 11: Índices de diversidade molecular para o gene COI. Amostras separadas entre as diferentes localidades de coleta e entre as duas espécies (G1 = S. brasiliensis e G2 = S. haemastoma)
Toque toque pequeno
Praia Grande1 G1
Praia das Cigarras G1
Praia das Cigarras G2
Praia Grande2 G1
Praia Grande2 G2
Prainha G1
Prainha G2
Juquehy G1
Guaeca G1
Guaeca G2
Paraty G1
Paraty G2
Angra G1
Angra G2 Média
Desvio Padrão
Nº de transições 0 2 0 0 3 26 0 21 3 8 19 5 0 0 0 5.438 8.625
Nº de transversões 0 3 0 0 5 7 0 0 1 5 2 2 0 0 0 1.562 2.279
Nº de substituições 0 5 0 0 8 33 0 21 4 13 21 7 0 0 0 7.000 10.033
Nº de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.000 0.000
Nº de sítios de transições 0 2 0 0 3 26 0 21 3 8 19 5 0 0 0 5.438 8.625
Nº de sítios de transversões 0 3 0 0 5 7 0 0 1 5 2 2 0 0 0 1.562 2.279
Nº de sítios de substituições 0 5 0 0 8 33 0 21 4 13 20 7 0 0 0 6.938 9.943
Nº de sítios de substituições exclusivas 0 0 0 0 1 8 0 0 0 6 2 3 0 0 0 1.250 2.436
Nº de sítios de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.000 0.000
Pi 0.000 5.000 0.000 0.000 8.000 9.855 0.000 9.667 2.000 2.099 9.100 4.667 0.000 0.000 0.000 3.14917 3.94861
28
Tabela 12: Índices de diversidade molecular para o gene 28s
Valor
Nº de transições 121
Nº de transversões 219
Nº de substituições 340
Nº de indels 2
Nº de sítios de transições 103
Nº de sítios de transversões 219
Nº de sítios de substituições 280
Nº de sítios de substituições exclusivas 289
Nº de sítios de indels 2
Pi 81.279
Os resultados dos testes de AMOVA entre as duas espécies (Tabela 13) e, nos
realizados para cada espécie, para verificar a variação dentre os locais de coleta
(Tabelas 14 e 15), indicam que, quando comparadas em conjunto, a maior parte da
variação entre os espécimes coletados está entre cada espécie, enquanto que,
quando avaliadas isoladamente, a maior parte da variação é devido a diferenças
intrapopulacionais, e não entre populações de diferentes localidades.
A rede de haplótipos construída com base nas sequências do gene mitocondrial
COI pode ser observada na Figura 6. É possível notar a presença de dois grupos
separados por 18 passos mutacionais, correspondentes aos agrupamentos
encontrados na filogenia bayesiana (S. brasiliensis em verde na figura, e em vermelho,
S. haesmatoma). O padrão observado em S. brasiliensis corresponde ao esperado
em caso de uma expansão populacional, condizente com os resultados obtidos em
outras análises.
Tabela 13: Resultados do teste AMOVA utilizando como grupos de comparação as espécies encontradas, S. brasiliensis e S. haemastoma.
Fonte da variação Graus de Liberdade
Soma dos quadrados
Variância dos Componemtes
Porcentagem de Variação
Entre as espécies 1 623.092 19.89056 Va 88.81
Dentro da Espécie 63 157.923 2.50672 Vb 11.19
Total 64 781.015 2.239.728 100
Indice de Fixação (FST): 0.88808
29
Tabela 14: Resultados do teste AMOVA comparando as populações de S. brasiliensis entre os diferentes locais de coleta.
Fonte da variação Graus de Liberdade
Soma dos quadrados
Variância dos Componemtes
Porcentagem de Variação
Entre as populações 7 1.275 0.00373 Va 2.19
Dentro das populações 30 4.988 0.16627 Vb 97.81
Total 37 6.263 0.17000 100
Indice de Fixação (FST): 0.02191
Figura 6 - Rede de Haplótipos construída a partir das sequências do gene nuclear COI. Em verde haplótipos correspondentes a S. brasiliensis e em vermelho a S. haemastoma. Número de passos mutacionais entre os diferentes haplótipos, quando mais de um, indicados pelo número de traços perpendiculares (quando até três passos) ou pelo número de passos (quando mais de três passos).
Tabela 15: Resultados do teste AMOVA comparando as populações de S. haemastoma entre os diferentes locais de coleta.
Fonte da variação Graus de Liberdade
Soma dos quadrados
Variância dos Componemtes
Porcentagem de Variação
30
Entre da populações 5 2.367 -0.00231 Va -0.48
Dentro das populações 20 9.633 0.48167 Vb 100.48
Total 25 12.000 0.47935 100
Indice de Fixação (FST): -0.00483
31
Discussão
Analisando a filogenia com as espécies de Stramonita gerada com base
em sequências do gene COI, pode-se observar uma clara distinção entre dois
grupos principais (em verde e vermelho na Figura 4), com separação estimada
em cerca de 5 milhões de anos. Utilizando-se sequências de diferentes espécies
do gênero Stramonita, disponíveis no GenBank, pode-se observar que os dois
grupos se agrupam em torno de duas espécies descritas: o agrupamento verde
se une a exemplares de S. brasiliensis, enquanto que o vermelho fica no mesmo
clado de S. haemastoma.
É possível observar que ambos os clados formam um grupo monofilético,
uma vez que na filogenia encontrada, S. haemastoma é grupo irmão de um clado
contendo S. rustica, S. floridana, S. biserialis e S. brasiliensis. A topologia
encontrada difere daquela obtida por CLAREMONT ET AL. (2011), que, utilizando os
genes COI, 16S e 28S, encontrou um clado composto por S. brasiliensis, S.
biserialis e S. floridana, irmão de um segundo clado que une S. haemastoma, S.
rustica e S. canaliculata.
Ainda, pela topologia da árvore obtida, é possível observar que a
separação de S. delessertiana, espécie que ocorre no oceano Pacífico, com o
clado demais clados de Stramonita (que habitam o oceano Atlântico) ocorre
antes da completa separação do Istmo do Pananá (há cerca de 2,7 milhões de
anos). Tal evento de especiação pode ser devido não há completa separação de
ambos os oceanos, mas talvez com a alteração de correntes marítimas devido
ao início do fechamento do Istmo, que começa há pelo menos 15 milhões de
anos (LESSIOS, 2008).
No entanto a árvore filogenética obtida utilizando o gene 28s não
encontrou os mesmos resultados (Figura 5), mas isto pode ser devido a taxa de
mutação menor desse gene, que o torna mais estável ao longo do tempo
evolutivo e pouco informativo para esse nível de análise.
Até recentemente eram registradas no Brasil apenas três espécies do
gênero: S. brasiliensis, S. rustica e S. mariae (ABBOTT, 1974; MARINI, 1988; RIOS,
1994, 2009), não havendo registro de S. haemastoma após a separação do
complexo por CLAREMONT ET AL. (2011). No entanto, DE BIASI ET AL (2016)
encontraram evidências bastante semelhantes as aqui observadas, sugerindo a
32
existência de populações de S. haemastoma convivendo com S. brasiliensis no
estado de São Paulo. No entanto seu estudo apresenta um menor número
amostral e não foram feitas análises de parâmetros populacionais como os aqui
feitos. Dessa forma a distribuição de S. haemastoma que antes se distribuía ao
longo da costa africana e europeia, chegando a ocorrer no Mediterrâneo e as
ilhas dos Açores, Canárias e do Cabo Verde, com registro de alguns poucos
exemplares na costa da Venezuela (CLAREMONT ET AL., 2011), agora passa a ser
registrada para o litoral sudeste brasileiro.
As conchas de S. brasiliensis e S. haemastoma diferem muito pouco,
sendo as conchas da segunda em média um pouco maiores, com um maior
número de fileiras de nódulos espirais (CLAREMONT ET AL., 2011). Por esse motivo
torna-se bastante difícil identificar espécimes das duas espécies em campo,
facilitando a confusão taxonômica entre ambas, embora diversos estudos já
tenham sido utilizados na costa brasileira com a espécie (DUARTE, 1990;
LAVRADO, 1992; PAPP & DUARTE, 2001; LIMAVERDE ET AL, 2007; UDELSMANN, 2009).
Esse resultado é particularmente importante, pois mostra que é necessário tomar
um maior cuidado com a identificação de ambas as espécies, pois em muitos
desses estudos realizados, ambas podem estar se comportando de maneira
diferente e alterando os resultados obtidos, como já registrado para outras
espécies crípticas.
A rede de haplótipos (Figura 6) inferida a partir das sequências do gene
COI mostram um resultado concordante com à filogenia do COI, com dois
grandes agrupamentos separados por 18 passos mutacionais. Esse resultado
demonstra uma clara separação entre esses dois grupos, além de mostrar uma
possível expansão populacional ocorrendo no agrupamento maior (acima, a
direita), de indivíduos pertencentes a S. brasiliensis. No agrupamento com
espécimes de S. haemastoma (abaixo, a esquerda), no entanto, não é
encontrado tal agrupamento em forma de estrela, o que não é o esperado
segundo a hipótese de uma colonização mais recente com posterior expansão
populacional. Os resultados obtidos pela análise populacional foram condizentes
com a hipótese de expansão populacional em ambos os grupos (Tabelas 6 e 7).
Observou-se grande tendência a neutralidade do gene COI, com
presença de alelos raros em algumas das populações. Os resultados do teste de
33
AMOVA realizados comparando ambas as espécies (Tabela 13) mostram que a
maior parte da variação genética encontrada (quase 89%) está entre as duas
espécies, enquanto que, ao se fazer o mesmo teste apenas com indivíduos da
mesma espécie (Tabelas 14 e 15), a relação se inverte, sendo mais importante
a variação encontrada dentro das subpopulações do que as encontradas entre
as populações. Tais resultados são condizentes com a existência de duas
espécies diferentes, com baixa estruturação, como é o esperado de espécies
marinhas capazes de dispersar-se por longas distâncias.
Apesar de terem sido coletados 257 indivíduos para a realização desse
trabalho (cerca de 30 indivíduos para cada localidade) houve uma grande
dificuldade em conseguir realizar a amplificação das sequências obtidas, mesmo
utilizando protocolos já utilizados para a espécie em trabalhos anterior a este
(BARCO ET AL., 2010; CLAREMONT ET AL., 2011). Entre as hipóteses levantadas
para explicar o ocorrido estão diferenças na coleta e armazenamento das
amostras (com os exemplares trazidos vivos para Campinas e congelados em
nitrogênio líquido apresentando melhores resultado na amplificação) e
diferenças nas marcas dos reagentes utilizados para extração e amplificação do
material, que podem de alguma forma ter causado interferência na qualidade dos
resultados obtidos. Este problema foi ainda maior no caso do gene 28S, que
apresentou um número ainda menor de exemplares sequenciados, e estas
sequências de qualidade bastante reduzida quando comparadas às geradas
para o COI, o que pode ajudar a explicar as diferenças encontradas nos
resultados aqui apresentados. Por este motivo seria interessante a realização de
futuros estudos abrangendo novas regiões genômicas que possam corroborar
as hipóteses taxonômicas aqui apresentadas.
Conclusão
A taxonomia do gênero Stramonita é extremamente complexa, com a
ocorrência de diversas espécies crípticas que estão sendo reveladas com a
ajuda de ferramentas moleculares. Este trabalho encontrou evidências de que o
34
que é considerado no Brasil como sendo apenas uma espécie (S. brasiliensis)
trata-se na verdade de duas espécies diferentes, sendo a segunda S.
haemastoma, descrita para a Europa, África e Venezuela. Dessa maneira
amplia-se a distribuição registrada de S. haemastoma para o sudeste brasileiro
e se reforça a necessidade de tomar o devido cuidado na identificação de ambas
as espécies, pois isso pode ter impacto em estudos que utilizam o gênero como
bioindicador ou trabalhos em ecologia de costões rochosos.
Os resultados obtidos pela análise da rede de haplótipos e alguns dos
testes populacionais condizem com a hipótese de uma colonização recente por
S. haemastoma, com posterior expansão populacional. No entanto, mais estudos
são necessários para verificar se trata-se de uma expansão natural (vinda da
Europa/África ou para aqueles continentes), ou foi uma espécie introduzida por
ação antrópica.
Referências
ABBOTT, R. T. 1974. American Seashells. Second edition. Van Nostrand
Reinhold. 663p.
AKTIPIS, S. W., GIRIBET, G., LINDBERG, D. R., PONDER, W. F. 2008. Gastropoda: An
Overview and Analysis. Em Phylogeny and Evolution of the Mollusca,
editado por PONDER, W. F. & LINDBERG, D. R. University of California Press.
BARCO, A., CLAREMONT, M., REID, D. G., HOUART, R., BOUCHET, P., WILLIAMS, S. T.,
CRUAUD, C., COULOUX, A. 2010. A molecular phylogenetic framework for
35
the Muricidae, a diverse family of carnivorous gastropods. Molecular
Phylogenetics and Evolution 56: 1025–1039.
BICKFORD, D., LOHMAN, D. J., SODHI, N. S., NG, P. K. L., MEIER, R., WINKER, K.,
INGRAM. K. K., DAS, I. 2006. Cryptic species as a window on diversity and
conservation. TREE 22 (3): 148-155.
BOHONAK, A. J. 1999. Dispersal, gene flow, and population structure. The
Quarterly Review of Biology 74:21-45.
CARRIKER, M. R. 1978. The chemical mechanism of shell dissolution by predatory
boring gastropods: a review and an hypothesis. Malacologia 17: 143-156.
CARRIKER, M. R. 1981. Shell penetration and feeding by naticacean and
muricacean predatory gastropods: a synthesis. Malacologia 20: 403-422.
CARSTENS, B. C., PELLETIER, T. A., REID, N. M., SATLER J. D. 2013. How to fail at
species delimitation. Molecular Ecology, 22: 4369-4383.
CHENNA, R, SUGAWARA, H., KOIKE, T., LOPES, R., GIBSON, T. J., HIGGINS, D. G.,
THOMPSON, J. D. 2003. Multiple sequence alignment with Clustal series of
programs. Nucleic Acids Res. 31 (13): 3497-500. PubMedID: 12824352.
CLAREMONT, M., WILLIAMS, S. T., BARRACLOUGH, T. G., REID, D. G. 2011. The
geographic scale of speciation in a marine snail with high dispersal
potential. Journal of Biogeography, 38, 1016-1032.
CROSSLAND, S., COATES, D., GRAHAME, J. & MILL, P. J. 1993. Use of random
amplified DNAs (RAPDs) in separating two sibling species of Littorina.
Mar. Ecol. Prog. Ser. 96: 301-305.
D’ASARO, C. N. 1966. The egg capsulesm embryogenesis, and early
organogenesis of a common oyster predator, Thais haemastoma floridana
(Gastropoda: Prosobranchia). Bulletin of Marine Science.6: 884-914.
DE BIASI, J. B.. TOMÁS, A. R. G. & HILSDORF, A. W. S. 2016. Molecular evidence of
two cryptic species of Stramonita (Mollusca, Muricidae) in the
southeastern Atlantic coast of Brazil. Genetics and Molecular Biology
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1678-4685-GMB-2015-0199.
DUARTE, L. F. L. 1990. A seleção de presas e a distribuição do gastrópodo
carnívoro Thais haemastoma (L.) no costão da Praia do Rio Verde,
36
Estação Ecológica de Juréia-Itatins, Estado de São Paulo. Tese de
Doutorado, Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas,
102p.
DUDA, T. F., KOHN, A. J., MATHENY, A. M. 2009. Cryptic Species Differentiated in
Conus ebraeus, a Widespread Tropical Marine Gastropod. Biol. Bull. 217:
292-305.
EXCOFFIER, L. & LISCHER, H.E. L. 2010. Arlequin suite ver 3.5: A new series of
programs to perform population genetics analyses under Linux and
Windows. Molecular Ecology Resources. 10: 564-567.
GRASSLE, J. P. & GRASSLE, J. F. 1976. Sibling Species in the Marine Pollution
Indicator Capitella (Polychaeta). Science 192: 567-569.
GELLER, J. B. 1999. Decline of a Native Mussel Masked by a Sibling Species
Invasion. Conservation Biology 13(3): 661-664.
GIRIBET, G. & KAWAUCHI, G. Y. 2016. How many species of Siphonaria pectinata
(Gastropoda: Heterobranchia) are there? Journal of Molluscan Studies
82: 137-143.
IGNACIO, B. L., ABSHER, T. M., LAZOSKI, C. & SOLÉ-CAVA, A. M. 2000. Genetic
evidence of the presence of two species of Crassostrea (Bivalvia:
Ostreidade) on the coast of Brazil. Marine Biology 136: 987-991.
JANSON, K. 1987. Allozyme and shell variation in two marine snails (Littorina,
Prosobranchia) with different dispersal abilities. Biological Journal of the
Linnean Society 30: 245-256.
KOOL, S. P. 1993. Phylogenetic analysis of the Rapaninae (Neogastropoda:
Muricidae). Malacologia 35(2): 155-259.
KNOWLTON, N., WEIL, E., WEIGT, L. A., GUZMÁN, H. M. 1992. Sibling Species in
Montastraea annularis, Coral Bleaching, and the Coral Climate Record.
Science 255: 330-333.
KNOWLTON, N. 1993. Sibling Species in the Sea. Annu. Rev. Ecol. Syst. 24:189-
216.
LAVRADO, H. P. 1992. Seleção de presas pelo gastrópodo Thais haemastoma (L.)
na região de Arraial do Cabo, RJ. Tese de Mestrado, Instituto de Biologia,
Universidade Estadual de Campinas, 104p.
37
LESSIOS, H. A. 2008. The great American shism: divergences of marine
organisms after the rise of the Central American Isthmus. Annual Review
of Ecology, Evolution and Systematics, 39, 63-91.
LIMA, D., FREITAS, J. E. P., ARAÚJO, M. E. & SOLE-CAVA. 2005. GENETIC DETECTION
OF CRYPTIC SPECIES IN THE FRILLFIN GOBY BATHYGOBIUS SOPORATOR. J. EXP.
MAR. BIOL. ECOL. 320; 211-223.
LIMAVERDE, A. M., WAGENER, A. L. R., FERNANDEZ. M. A., SCOFIELD A. L.,
COUTINHO, R. 2007. Stramonita haemastoma as a bioindicator for
organotin contamination in coastal environments. Marine Environmental
Research, 64, 384-398.
LIU, L. L., FOLTZ, D. W., STICKLE, W. B. 1991. Genetic population structure of the
southern oyster drill Stramonita (=Thais) haemastoma. Marine Biology
111: 71-79
LOBEL, P. B., BELKHODE, S. P., JACKSON, S. E., LONGERICH, H. P. 1990. Recent
Taxonomic Discoveries Concerning the Mussel Mytilus: Implications for
Biomonitoring. Archives of Environmental Contamination and
Toxicology, 19: 508-512.
MARINI, A. C. 1988. Contribuição ao conhecimento de Thais mariae, Morretes,
1954 (Mollusca, Prosobranchia). Revista Brasileira de Zoologia, 5(2):
311-323.
MLADENOV, P. V. & EMSON, R. H. 1990. Genetic structure of populations of two
closely related brittle stars with contrasting sexual and asexual life
histories, with observations on the genetic structure of a second asexual
species. Marine Biology 104: 265-274.
NEI, M. 1972. Genetic distance between populations. American Naturalist, 106:
283-292.
NEI, M. 1978. Estimation of average heterozygosity and genetic distance from
small number of individuals. Genetics, 89: 583-590.
PALMER, A. R., GAYRON, S. D., WOODRUFF, D. S. 1990. Reproductive,
Morphological, and Genetic Evidence for Two Cryptic Species of
Northeastern Pacific Nucella. The Veliger 33(4): 325-338.
PAPP, M. G. & DUARTE L. F. L. 2001. Locomotion of Stramonita haemastoma
(Linnaeus) (Gastropoda, Muricidae) on a mixed shore of rocks and sand.
Revista brasileira de Zoologia 18(1): 187-195.
38
POLZIN, T, DANESCHMAND S. V. 2003. On Steiner trees and minimum spanning
trees in hypergraphs. Operations Research Letters 31: 12-20.
RAHMAN, S. M. & UEHARA, T. 2004. Interespecific and intraspecific variations in
sibling species of sea urchin Echinometra. Comparative Biochemistry
and Physiology – part A: Molecular and Integrative Physiology 139:
469-478.
RIDGWAY, T. M., STEWART, B. A., BRANCH, G. M. & HODGSON, A. N. 1998.
Morphological and genetic differentiation of Patella granularis
(Gastropoda: Patellidae): recognition of two sibling species along the
coast of southern Africa. Journal of Zoology 245:317-333.
RIOS, E. C. 1994. Seashells of Brazil. Editora da Fundação Universidade do Rio
Grande. 492p.
RIOS, E. 2009. Compendium of Brazilian Sea Shells. Rio Grande: Editora
Evangraf. 668p.
TAMURA, K.; STECHER, G.; PETERSON, D.; FILIPSKI, A.; KUMAR, S. 2013. MEGA6:
Molecular Evolutionary Genetics Analysis version 6.0. Molecular Biology
and Evolution, 30: 2725-2729.
Todd, C. D., Lambert, W. J. & Thorpe, J. P. 1998. The genetic structure of
intertidal populations of two species of nudibranch molluscs with
planktotrophic and pelagic lecitotrophic stages: are pelagic larvae “for”
dispersal? Journal of Experimental Marine Biology and Ecology
228:1-28.
UDELSMANN, B. 2009. Estudo Populacional de Stramonita haemastoma
(Gastropoda, Prosobranchia). Tese de Mestrado, Instituto de Biologia da
Universidade Estadual de Campinas, 188 p.
VERMEIJ, G. J. 2001. Distribution, history, and taxonomy of the Thais clade
(Gastropoda: Muricidade) in the neogene of tropical America. Journal of
Paleontology 75(3): 697-705
WILKE, T; SCHULTHEIB, R; ALBRECHT, C. 2009. As time goes by: a Simple Fool’s
Guide to Molecular Clock Approaches in Invertebrates. Amercian
Malacological Bulletin, 27 (1/2): 25-45.
WINNEPENNINCKX, B; BACKELJAU, T.; WACHTER, R. 1993. Extraction of high
molecular weight DNA from molluscs. Trends in Genetics, 9: 407.
39
XIA, X. 2013. DAMBE5: A comprehensive software package for data analysis in
molecular biology and evolution. Molecular Biology and Evolution, 30:
1720-1728.
ZOU, S.& LI, Q. 2016. Pay attention to the overlooked cryptic diversity in existing
barcoding data: the case of Mollusca with character-based DNA
barcoding. Marine Biotecnology 3: 327-335.