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Estudo de caso de tempestade severa que atingiu a Região Metropolitana do Rio de janeiro no dia 5 de abril de 2010 Leonardo Abreu Jorge Justo 1 , Renata Novaes Calado, Beatriz da Silva Bernardino, Marcos Vinícius de Jesus Pristo, Claudine P. Dereczynski, Wallace Figueiredo Menezes Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Instituto de Geociências – Departamento de Meteorologia Resumo No final da tarde do dia 5 de abril de 2010, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) foi atingida por um sistema convectivo de mesoescala (SCM), embebido em um sistema frontal (SF) com totais pluviométricos que atingiram 323 mm em 24 h. O objetivo deste trabalho é identificar as condições sinóticas que estavam atuando no dia da tempestade e que deflagaram os SCMs. Os resultados mostraram fortes gradientes de temperatura de ar e de umidade na região frontal, com umidade especifica entre 12 e 14 g/kg (2 g/kg) e temperatura do ar em torno de 27ºC (7ºC) sobre a RMRJ (na massa de ar frio da retaguarda do SF). Associado a este SF, um ciclone intenso (1008 hPa) e profundo (estendendo-se até 300 hPa) foi observado no Oceano Atlântico. No campo de divergência de massa em 1000 hPa, foram notados valores inferiores a -40x10 -6 s -1 , que favoreceram fortes movimentos ascendentes do ar na região (omega inferior a -0,4 Pa/s em 500 hPa). Conclui-se que as condições atmosféricas reinantes antes da passagem do SF, caracterizado por ar quente e úmido, foram instabilizadas pela chegada do ar frio e seco, característicos da alta migratória, na retaguarda do sistema frontal. A combinação de uma forte componente dinâmica com o intenso padrão termodinâmico presente na Região Sudeste do Brasil foram os principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento dos SCMs que atingiram a RMRJ. Palavras-chaves: sistema convectivo de mesoescala; sistemas frontais. ABSTRACT In the late afternoon of April 5, 2010 the Metropolitan Region of Rio de Janeiro (MRRJ) was hit by a mesoscale convective system (MCS), soaked in a frontal system (FS) with 24-h total precipitation reaching 323 mm. The objective of this work is to identify the synoptic conditions acting on the day of the storm associated with the MCS’s development. The results showed strong gradients of air temperature and humidity in the frontal region, with specific humidity between 12 and 14 g/kg (less than 10 g /kg) and air temperature around 27 ºC (7 ºC) over the MRRJ inside the air mass (in the rear of the FS). Associated with this FS, an intense (1008 hPa) and deep (extending to 300 hPa) cyclone was observed in the Atlantic Ocean. In the mass divergence at 1000 hPa field, were noted values below -40x10 -6 s -1 , that favored strong upward movement of air in the region (omega less than -0.4 Pa/s at 500 hPa). It is concluded that the weather conditions prevailing before the passage of FS, characterized by warm and moist air, were affected by the cold and dry air characteristic of the anticyclone in the rear of the FS. The combination of a strong dynamic component with the standard thermodynamic in southeastern Brazil, was the main factor that contributed to the storm that hit MRRJ. 1 Aluno do curso de graduação em Meteorologia- Email: [email protected]

Estudo de caso de sistema convectivo de mesoescalasbmet.org.br/cbmet2010/artigos/591_84325.pdf · Metropolitana do Rio de janeiro no dia 5 de abril de 2010 . Leonardo Abreu Jorge

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Estudo de caso de tempestade severa que atingiu a Região Metropolitana do Rio de janeiro no dia 5 de abril de 2010

Leonardo Abreu Jorge Justo1, Renata Novaes Calado, Beatriz da Silva Bernardino, Marcos

Vinícius de Jesus Pristo, Claudine P. Dereczynski, Wallace Figueiredo Menezes

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Instituto de Geociências – Departamento de Meteorologia

Resumo

No final da tarde do dia 5 de abril de 2010, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) foi atingida por um sistema convectivo de mesoescala (SCM), embebido em um sistema frontal (SF) com totais pluviométricos que atingiram 323 mm em 24 h. O objetivo deste trabalho é identificar as condições sinóticas que estavam atuando no dia da tempestade e que deflagaram os SCMs. Os resultados mostraram fortes gradientes de temperatura de ar e de umidade na região frontal, com umidade especifica entre 12 e 14 g/kg (2 g/kg) e temperatura do ar em torno de 27ºC (7ºC) sobre a RMRJ (na massa de ar frio da retaguarda do SF). Associado a este SF, um ciclone intenso (1008 hPa) e profundo (estendendo-se até 300 hPa) foi observado no Oceano Atlântico. No campo de divergência de massa em 1000 hPa, foram notados valores inferiores a -40x10-6 s-1, que favoreceram fortes movimentos ascendentes do ar na região (omega inferior a -0,4 Pa/s em 500 hPa). Conclui-se que as condições atmosféricas reinantes antes da passagem do SF, caracterizado por ar quente e úmido, foram instabilizadas pela chegada do ar frio e seco, característicos da alta migratória, na retaguarda do sistema frontal. A combinação de uma forte componente dinâmica com o intenso padrão termodinâmico presente na Região Sudeste do Brasil foram os principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento dos SCMs que atingiram a RMRJ.

Palavras-chaves: sistema convectivo de mesoescala; sistemas frontais.

ABSTRACT

In the late afternoon of April 5, 2010 the Metropolitan Region of Rio de Janeiro (MRRJ)

was hit by a mesoscale convective system (MCS), soaked in a frontal system (FS) with 24-h total precipitation reaching 323 mm. The objective of this work is to identify the synoptic conditions acting on the day of the storm associated with the MCS’s development. The results showed strong gradients of air temperature and humidity in the frontal region, with specific humidity between 12 and 14 g/kg (less than 10 g /kg) and air temperature around 27 ºC (7 ºC) over the MRRJ inside the air mass (in the rear of the FS). Associated with this FS, an intense (1008 hPa) and deep (extending to 300 hPa) cyclone was observed in the Atlantic Ocean. In the mass divergence at 1000 hPa field, were noted values below -40x10-6 s-1, that favored strong upward movement of air in the region (omega less than -0.4 Pa/s at 500 hPa). It is concluded that the weather conditions prevailing before the passage of FS, characterized by warm and moist air, were affected by the cold and dry air characteristic of the anticyclone in the rear of the FS. The combination of a strong dynamic component with the standard thermodynamic in southeastern Brazil, was the main factor that contributed to the storm that hit MRRJ.

1 Aluno do curso de graduação em Meteorologia- Email: [email protected]

1. Introdução

Na tarde do dia 5 de abril de 2010, a Região Metropolitana do Rio de janeiro (RMRJ) foi atingida por um sistema convectivo de mesoescala (SCM), associado à passagem de um sistema frontal. As chuvas intensas, que atingiram 323 mm em 24 horas, deflagraram diversos eventos de deslizamentos de terra, causando mais de 250 mortes e milhares de desabrigados e desalojados. Outros transtornos, tais como enchentes, quedas de árvores, problemas de transmissão de energia elétrica, além de ressacas com ondas de até 5 metros, paralisaram a RMRJ nos dias 6 e 7. De acordo com Dereczynski et al. (2009), sistemas frontais (SFs) são os principais responsáveis por eventos de chuvas intensas na cidade do Rio de Janeiro, estando estes associados à SCMs nos casos de chuvas mais intensas. Com relação à variabilidade temporal, o verão e o outono são as estações de maior freqüência de ocorrência de chuvas fortes, devido às elevadas temperaturas, elevado teor de umidade, ocasionando grande instabilidade atmosférica. Neste trabalho apresenta-se uma caracterização sinótica do sistema que atingiu a RMRJ no início de abril de 2010, com o objetivo de compreender os mecanismos dinâmicos e termodinâmicos responsáveis pela ocorrência do evento. 2. Metodologia e dados Para a elaboração deste trabalho, foram utilizados dados da Reanálise do NCEP/NCAR (Kalnay et al., 1996), imagens do canal infravermelho do satélite GOES-12 e do radar da Aeronáutica localizado no Pico do Couto (Petrópolis/RJ) e dados de precipitação das estações da Geo-Rio no período de 4 a 7 de abril de 2010. 3. Resultados Na Figura 1(a) é apresentada a imagem de satélite no canal do infravermelho IR (realçada), onde se identifica a presença de um sistema convectivo de mesoescala no litoral do Rio de Janeiro, caracterizado por nebulosidade convectiva profunda. Tal sistema se formou durante a passagem de um SF pelo Estado, como pode ser visto na Figura 1(b) que apresenta o campo de pressão a Nível Médio do Mar e divergência de massa à superfície. Nesta última figura, nota-se também a presença de um ciclone extratropical no oceano Atlântico, posicionado em torno de 31°S/37°W com uma pressão central de 1008 hPa e também a presença do anticiclone migratório de 1028 hPa localizado a aproximadamente 40ºS/52ºW. No campo de divergência de massa em 1000 hPa, os valores sobre o Rio de Janeiro são da ordem de -10 x 10-6 s-1, favorecendo a ocorrência de movimentos ascendentes do ar na região. Além do intenso movimento ascendente observado no litoral do Rio de Janeiro, o posicionamento do ciclone extratropical no oceano Atlântico, favoreceu o aporte de advecção de umidade do oceano para o litoral do Estado do Rio de Janeiro. Um forte gradiente de umidade e de temperatura do ar foi observado na região frontal. Antes da chegada do SF predominavam valores de umidade especifica entre 12 e 14 g/kg e temperatura do ar em torno de 27ºC sobre a RMRJ. A massa de ar na retaguarda do SF apresentava umidade em torno de 2 g/kg e temperatura do ar em 1000 hPa chegando a 7ºC. Na Figura 2 encontra-se a distribuição espacial da precipitação totalizada entre 12 Z de 05/04 até 12 Z de 06/04, onde nota-se os maiores valores próximo ao maciço da Tijuca (superior a 300 mm), reduzindo-se em direção a Zona Oeste, com valores superiores a 100 mm em todas as localidades. A chuva ocorreu de maneira forte e contínua, principalmente, durante a noite do dia 5/4 (a partir de 21h) e a madrugada do dia 6/4/2010 (até 9h). A precipitação máxima no período de 15 minutos foi registrada na estação do Sumaré com e

36,2 mm e na estação da Georio com 33,2 mm. Os máximos no intervalo de 30 minutos foram observados nas estações da Georio (66,2 mm) e Ilha do Governador e Sumaré (59 mm). No (a) (b)

 

Figura 1. (a) Imagem do satélite GOES-12 para o dia 05/04/2010 às 21Z destancando-se o SCM responsável pelo evento; (b) Campo de pressão ao Nível Médio do Mar a cada 2 hPa e

divergência de massa a superfície (sombreado)a cada 5x10-6 s-1 para o dia 06/04/2010 às 00Z.

período de uma hora, os maiores totais pluviométricos foram registrados no Sumaré (116,4 mm) e Georio (113 mm). Com relação aos totais diários, os valores máximos foram registrados no Sumaré (323 mm) e em São Conrado (283,2 mm), ultrapassando para o intervalo de 24 h os maiores totais pluviométricos (mm) já registrados no período de 1997 a 2006 (Dereczynski et al., 2009), um total de 272,8 mm, registrado na Tijuca no evento de 9 de janeiro de 1998.

Figura 2. Distribuição espacial do total pluviométrico entre 12Z do dia 5 até 12 Z do dia 6 de abril de 2010 no município do Rio de Janeiro (Fonte: Geo-Rio).

A Figura 3 apresenta as imagens do radar meteorológico do Pico do Couto, onde pode ser observada a tempestade de caráter intenso que atingiu o Rio de Janeiro. Através das imagens, pode ser visto que, a chuva que teve início no fim da tarde do dia 05/04 e se prolongou durante a noite e madrugada, se estendeu até a manhã do dia seguinte, devido a atuação do SCM e da instabilidade frontal. As imagens revelam também que a RMRJ foi uma das mais castigadas pela forte chuva que atingiu grande parte do Estado, ocasionado os graves transtornos já descritos neste trabalho.

(a) (c) (b)

Figura 3. Imagens de radar entre os dias 5 e 6 de abril de 2010: (a) 05/04 - 20:30 h , (b) 06/04 - 00:45 h e (c) 06/04 - 6:00 h.

Na figura 4(a) são apresentados os campos de altura geopotencial e movimento vertical em 500 hPa. Nota-se, que a posição do cavado favorece a formação de sistemas convectivos, gerando movimento ascendente do ar sobre a região, com valores inferiores a -0,1 Pa/s. Os campos de linhas de corrente e altura geopotencial em 300 hPa são apresentados na Figura 4(b), onde pode ser observado a presença do mesmo cavado frontal praticamente na mesma posição de 500 hPa. Tal padrão de difluência significativa nestes níveis posicionado sobre o (a) (b)

Figura 4. (a) Campos de Altura Geopotencial (m) e Movimento Vertical do ar (Pa/s) em 500 hPa, para o dia 05/04/2010 às 18Z e (b) Linhas de corrente (m/s) e altura geopotencial (m)

em 300 hPa no dia 06/04/2010 às 00Z; estado promoveu a incursão de ar mais frio nestes níveis atmosféricos. O vórtice ciclônico associado ao SF se fechou tanto em 500 hPa como em 300 hPa. Tal sistema foi responsável por ressacas com onda de ate 5 metros que interromperam o tráfego nas faixas da orla da Avenida Atlântica e no Aterro do Flamengo.

4. Conclusões

O presente trabalho teve como objetivo identificar as condições sinóticas que responsáveis pela ocorrência da tempestade que atingiu o Rio de Janeiro no dia 5 de abril de 2010. As análises foram realizadas a partir dos dados da Reanálise do NCEP/NCAR, dados de precipitação do sistema Alerta Rio e imagens de satélite e radar. Os resultados mostraram que o evento meteorológico foi provocado pela formação de um SCM embebido no SF que se deslocava pela região. As condições atmosféricas reinantes antes da passagem do SF, caracterizado por ar quente e úmido, foram instabilizadas pela chegada do ar frio e seco, característicos da alta migratória, na retaguarda do sistema frontal. A presença de um ciclone extratropical favoreceu o aporte de advecção de umidade do oceano para o litoral do Estado do Rio de Janeiro. Este ciclone esteve associado à presença de um cavado na troposfera média e alta que favoreceu o aporte de um ar mais frio nestes níveis, condição esta, que favorece a desestabilização da atmosfera e convergência de massa e umidade na superfície. A combinação de uma forte componente dinâmica com o intenso padrão termodinâmico presente na região sudeste do Brasil foram os principais fatores que contribuíram para a tempestade que atingiu o RMRJ.  5. Referências  DERECZYNSKI, C.P., J. S. DE OLIVEIRA E C. O. MACHADO, 2009: Climatologia da Precipitação no Município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Meteorologia, vol. 24, n. 1, 24-38.

KALNAY, E., M. KANAMITSU, R. KISTLER ET AL., 1996: The NCEP/NCAR 40-year

reanalysis project. Bull. Amer. Meteor. Soc., vol. 77, 437-471.