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O VALE NA APRECIAÇÃO DO PADRE CÉSAR O Padre José Vicente César foi um estudioso da Doutrina do Amanhecer, acompanhando de perto os trabalhos de Tia Neiva, participando de reportagens e avaliações desde o início do Vale do Amanhecer, fazendo observações criteriosas e pertinentes não só em publicações no Brasil como no exterior, principalmente na Alemanha. Os trabalhos do Pe. César foram importante veículo para propaganda das atividades do Vale, embora fazendo algumas conotações não muito apropriadas, uma vez que se basearam em premissas não corretas, deixando de fora algumas observações importantes sobre as atividades e trabalhos do corpo mediúnico, bem como aspectos da própria filosofia doutrinária. Embora com alguns enfoques equivocados, sua presença e atividade sempre foram objeto do carinho e atenção de Tia Neiva, do Trino Tumuchy e demais componentes da Doutrina, com

Estudo Do Pe. César

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O Vale do Amanhecer na Apreciação do Padre César

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O VALE NA

APRECIAÇÃO DO PADRE

CÉSARO Padre José Vicente César foi um estudioso da Doutrina do

Amanhecer, acompanhando de perto os trabalhos de Tia Neiva, participando de reportagens e avaliações desde o início do Vale do Amanhecer, fazendo observações criteriosas e pertinentes não só em publicações no Brasil como no exterior, principalmente na Alemanha.

Os trabalhos do Pe. César foram importante veículo para propaganda das atividades do Vale, embora fazendo algumas conotações não muito apropriadas, uma vez que se basearam em premissas não corretas, deixando de fora algumas observações importantes sobre as atividades e trabalhos do corpo mediúnico, bem como aspectos da própria filosofia doutrinária.

Embora com alguns enfoques equivocados, sua presença e atividade sempre foram objeto do carinho e atenção de Tia Neiva, do Trino Tumuchy e demais componentes da Doutrina, com seu trabalho endossado pela Espiritualidade Maior. Tanto que recebeu um presente diretamente de Pai Seta Branca: um machado inca, materializado no portão da Estrela Candente.

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Temos algum material produzido pelo Pe. César, inclusive uma fita cassete contendo palestra que o Pe. César fez na Universidade de Brasília, sobre o Vale, e as imagens dele quando do desencarne de Tia Neiva.

Há algumas deficiências em áreas que poderiam ter sido examinadas com maior rigor e profundidade, mas isso não compromete, de forma alguma, a grandeza do presente trabalho, que foi muito importante para harmonizar nossa corrente com os segmentos católicos, como pode ser visto nos comentários finais da presente obra, evitando algum choque e preconceitos, a tal ponto que já temos a aceitação, em vários lugares, da nossa Doutrina pelas autoridades eclesiásticas locais. Por exemplo, em uma cidade do Espírito Santo, o pároco local encaminha pessoas para serem atendidas no Templo do Amanhecer, quando sente que o problema escapa à sua área de ação.

Como se trata de material não só descritivo do Templo à época como, também, altamente útil para nossa compreensão de muitos aspectos de nossa Doutrina, aqui reproduzimos, graças ao trabalho do Adjunto Regente RYPURÃ, Kotay 108 Taumantes, Mestre CARLOS ROBERTO MORAES DE FREITAS, de Vila Velha, ES, com a inserção de algumas fotografias apenas para ilustrar, a matéria divulgada em três edições da revista:

A T U A L I Z A Ç Ã O

Revista de Divulgação Teológica Para o Cristão de Hoje.

Propriedade dos Missionários Sacramentinos De Nossa Senhora.

Fundada em dezembro de 1969.

Dir. Responsável: Pe. Dr. Luiz Augusto Paes Barreto. Editora Teológica: Pe. Paschoal Rangel, S.D.N. Colaboradores: Professores do ICFT da UCMG.

Ano Vlll , 95-96 - Novembro/ Dezembro – 1977.

EDITORA O LUTADOR

DIREÇÃO E ADMINISTRAÇÃO:Rua Irmã Celeste, 185, Bairro Pe. Júlio Maria Caixa Postal 2428 30000 – Belo Horizonte, MG

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Salve Deus!Trino Regente Triada TUMARÃ

INTRODUZINDO

1 . Um Assunto quase inteiramente original, que só recebeu cuidados publicitários por parte de algumas revistas ilustradas, mais na base de informações leves e fotos/documentários, além de notícias rápidas da imprensa de Brasília, praticamente confinada ao DF, merece hoje um primeiro artigo de fundo do Pe. José Vicente César, SVD, diretor do Instituto Anthropos do Brasil. Com rigor científico, o antropólogo mineiro, residente em Brasília, tem pesquisado, já vai mais de um ano e meio seguido, o fenômeno ao mesmo tempo social, religioso, comportamental, antropológico, do “Vale do Amanhecer”. Vamos publicar uma série de três artigos sobre o assunto, Este primeiro tenta historiar o fenômeno, mostrando suas origens, descrevendo o local, o Templo, alguns ritos, assim como estudando as figuras-chave do ‘movimento’: Mário Sassi, o ‘intelectual’ do “Vale do Amanhecer” e o sistematizador de sua “Doutrina”, e Tia Neiva, a vidente, ou como prefere dizer o Sr. Mário Sassi a “Clarividente”, que deu início a todo aquele movimento, em torno à qual se centraliza a fenomenologia e a ‘revelação’ da Doutrina do Vale. O artigo nos pareceu interessantíssimo, sobretudo quando se considera que uma das preocupações maiores da Pastoral Católica atual é a religiosidade popular. Nos artigos seguintes o Autor fará um estudo da doutrina e fenomenologia, numa profundeza e objetividade que está fazendo ficar admirado o próprio Mário Sassi, com quem o Pe. Vicente César tem mantido contato freqüente e esclarecedor, com o qual tem conferido inclusive na fonte, as interpretações que dá.

2 . O próximo número deverá sair muito em breve, de modo a terminar assim – mesmo com alguma dificuldade e muito atraso - o ano de 1977... Posso, porém, assegurar-lhes que para 1978, temos perspectivas editoriais mais otimistas.

A DIREÇÃO.

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O VALE DO AMANHECER

Pe. José Vicente César.

PARTE I

Em 20 de Maio de 1976, estive pela primeira vez no VALE DO AMANHECER em Brasília, e foi muito por acaso. Meu interesse principal era visitar o marco da futura Capital do Brasil, um monumento erguido em 1922, impropriamente denominado e conhecido como Pedra Fundamental de Brasília. Entre a povoação do Vale do Amanhecer e a referida Baliza demarcatória, intercede uma distância de dois quilômetros e pouco mais, ambos a uma altitude média de mil metros acima do nível do mar. Naquela manhã de maio (dia 20 era quinta-feira), registrei em meu diário a seguinte observação: “O ambiente de Vale do Amanhecer é impressionante, a praça ou ‘extensão do Templo’, arranjada com certo gosto, valendo-se do meio-ambiente brasileiro. O Templo nem se fale, é algo de tocar fundo nos espíritos incautos: um sincretismo espetacular onde a ingenuidade de nosso povo ignorante vê-se explorada ao máximo”.

No entanto, depois de várias outras visitas, de estudos acurados e muita reflexão, tive de corrigir aquela primeira impressão, como se verá deste despretensioso ensaio sobre a obra de Tia Neiva e seu companheiro Mário Sassi.

O Vale do Amanhecer se parece com uma pequena aldeia, 5 quilômetros ao sul de Planaltina, a

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única cidadezinha dentro do atual Distrito Federal, que já existia antes da construção de Brasília. O nome de Vale lhe cabe quase de natureza por achar-se numa baixada à margem esquerda do riacho Pipiripau que, com o Córrego Quinze e o Rio Mestre D’Armas, vão formar o Rio de São Bartolomeu que corre em direção norte-sul a leste de Brasília. A projetada barragem de São Bartolomeu que formará um enorme lago, bem maior do que o Paranoá ao redor da Capital, não irá quase prejudicar as construções existentes em função da obra de Tia Neiva, pois as águas atingirão apenas algumas partes da baixada. Ao contrário, abraçado pelas águas de um lago maior que a baía de Guanabara, o Vale do Amanhecer assumirá sem dúvida um aspecto ainda mais místico e convidativo, sem esquecer as atrações turísticas da paisagem.

Para quem está em Brasília, o acesso ao Vale do Amanhecer é relativamente fácil, principalmente quando se dispõe de condução própria: toma-se a estrada asfaltada que leva a Planaltina e a Formosa, saindo pelo eixo central da Asa Norte. À altura do Km 18 entra-se à direita, em ampla estrada otimamente encascalhada com apenas 10 Km até o Vale. Também pode-se passar por dentro de Planaltina, donde parte ônibus regular até o portão do Templo de Tia Neiva.

INFORMAÇÕES GERAIS

O Vale do Amanhecer é uma comunidade “sui generis” que se denomina ORDEM ESPIRITUALISTA CRISTÃ, registrada oficialmente em cartório pro forma como OBRAS SOCIAS DA ORDEM ESPIRITUALISTA CRISTÃ. Ocupa uma área de 22 alqueires goianos, pouco mais de um milhão de metros quadrados, cedidos pelo Governo do Distrito Federal pelo prazo de trinta anos, até o fim do século. Aí residem 500 pessoas ou pouco mais, em sua maioria crianças carentes e abandonadas, ou adultos em recuperação social. Mais de 50.000 (cinqüenta mil) pessoas de todas as categorias sociais passam mensalmente pelos muros e portões do Vale, em busca de socorro e orientação para seus problemas. Projetam-se no momento remodelações e ampliações nos pátios e edifícios de molde a permitir o atendimento a mais de cem mil visitantes por mês, tal o surto de progresso que experimenta este movimento sócio-religioso. Atender às pessoas individualmente, cada qual por sua vez, sem pressa nem

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afobamento, nem limitações de horário e de espaço, sem a mínima exigência financeira. Eis a finalidade básica e única do Vale do Amanhecer, tudo realizado através de “um espiritismo moderno”, atualizado, o “Mediunismo ou Doutrina do Amanhecer”.

Geograficamente falando, a área em questão, não se apresenta tal qual um vale como talvez imagina. Trata-se antes, de uma planície com ligeiras elevações ao longe e alguns outeiros cobertos de vegetação rasteira ao fundo, no poente. Ao pé de uma dessas colinas espraia-se ao ar livre o Solar dos Médiuns, também conhecido por “Extensão do Templo”,

tendo como bastidor de um enorme palco, o Morro SALVE DEUS, inscrição em grandes letras brancas de cal ou cascalho sobre o capim verde-ouro. A saudação “Salve Deus” que se tornou quase uma senha para os seguidores da “Doutrina do Vale do Amanhecer”, é de tradição universal entre os povos católicos da Europa e goza de respeito, agrado e simpatia do povo brasileiro, com sua secular tradição Cristã. Por aí, começa a nova “religião” muito bem, atingindo os sentimentos e a índole profundamente religiosa das populações rurais que vão inchando nossos centros urbanos. O Solar dos Médiuns ou Estrela Candente, compõem-se um conjunto de escadarias e cachoeiras artificiais, de um espelho d’água em forma de gigantesca estrela com 79 metros de raio. Ao fundo do palco, no tope de muitos degraus e patamares, surge radiosa uma representação colorida do sol nascente que pode ser divisada de longe, antes mesmo de penetrar-se no Vale. No centro do espelho de água, apoiando-se levemente sobre uma plataforma triangular, como também no cume do Morro SALVE DEUS, erguem-se duas colossais elipses, com setas dirigidas para o alto, quais antenas destinadas a captar as energias psicomagnéticas do Cosmos ou Espaço do Reino Central, ou Centro Crístico. Dispostos simetricamente ao longo dos seis ângulos da Estrela que forma o mencionado espelho de água,

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foram construídos 108 bancos de pedra com seus respectivos leitos ou esquifes. Neles em determinadas solenidades, se deitam os Médiuns revestidos de cógulas monacais marrons, assentando-se no banco adjunto a respectiva participante feminina. Estas edificações denominadas “conjunto iniciático”, estão isoladas por cercas rústicas. Há uma lanchonete nas imediações e alguns caramanchões de palhas à moda indígena emprestando ao cenário aspecto de bucólica tranqüilidade.

Mas o ponto central de toda novidade no Vale, é o TEMPLO DO AMANHECER construído de cimento e alvenaria, em forma de elipse com 2.400 m2 (dois mil e quatrocentos metros quadrados) de área coberta. Possui uma única porta de entrada e saída, maciça, rústica, sugerindo vetustas edificações dos antigos egípcios ou das culturas pré-colombianas da América. A frente dá para o oriente de onde nasce o sol. Entra-se pela esquerda da porta, seguindo-se a direção movimental dos ponteiros do relógio, e perfazendo-se uma volta completa pelo interior do santuário num ar de indescritível tranqüilidade mística. Por toda a parte, panos e rendados de cores variadas, cortinas e cortinados predominantemente vermelhos nas frestas e janelas, impedindo a entrada da luz direta do dia. Lâmpadas elétricas discretamente montadas conferem ao ambiente um matiz de espiritualidade e convite aos arroubos espirituais. No centro destaca-se um “palco” em que se realizam grandes funções litúrgicas, com uma pira de incenso, e no fundo uma grande imagem de Jesus Cristo à guisa de muitos templos católicos, graves cruzeiros negros, sem o crucificado, apenas ornados com uma longa toalha branca entrelaçada nos braços. Existem pelo menos três: um atrás da estátua de Cristo; outro, à esquerda, entre os “castelos” das Nityamas e do Desenvolvimento dos Aparás; um último, próximo à saída entre o Castelo Verde e a Linha de Passe.

Ultrapassados os umbrais do Templo topa o visitante com vasto painel de dizeres sagrados: Alguns, da Bíblia, outros, com frases de Tia Neiva. Logo atrás, as pinturas do “Pai Seta Branca” e da “Mãe Yara”, diante dos quais um defumador encimado por uma cruz. E estamos, parece, no lugar mais sagrado do santuário, o “Sanctum Sanctorum”, a Mesa Triangular, um triângulo isósceles cuja base jaz paralela ao lado da entrada. Aí se realiza o ritual de “dar passagem a

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sofredores”, e, durante as funções de “cura” no Templo, deve permanecer em cada ângulo da Mesa um médium para estabelecer a continuidade das correntes de forças sidero-psíquicas, que envolvem o Templo. Ainda na área central se acham os tronos Vermelhos e Amarelos, e muitos outros objetos e figuras sacrais. A descrição, que se está fazendo, é reduzida e sumária, tornando-se quase impossível relatar tudo o que os olhos contemplam naquele extraordinário ambiente de misticismo sincretista. No fundo do ângulo oposto da elipse que forma o Templo, há enorme imagem do “Pai Seta Branca” (Índio), artisticamente iluminada, a que talvez mais atenção chama aos visitantes. Atrás do Índio, que seria uma reencarnação de São Francisco de Assis, separada por cortina clara, vem a sala de cura com mais de 20 leitos cobertos de panos vermelhos. Por aí passam e são submetidos a rituais de cura, quase todos os que procuram alívio a seus males e necessidades.

Do lado de fora do Templo, à direita da entrada principal e única, vê-se uma massuda estrela de seis pontas, de concreto armado, apoiada em dois pilares acima do solo, com uma seta cravada no centro, simbolizando o “Pai Seta Branca” onde se lê esta advertência: “Filhos! O homem, que tentar fugir de sua meta

cármica ou juras transcendentais, será devorado, ou se perderá como um pássaro que tenta voar na escuridão da noite!” À esquerda, um pouco mais afastado, ergue-se uma tosca construção de alvenaria de dois andares, pequenina, denominada “Castelo das Mensagens”. O andar térreo serve de lojinha onde são vendidas lembranças, souvenirs, postais e objetos de devoção, constituindo a tônica as representações os retratos de Tia Neiva. O piso superior do “Castelo”, a que se ascende por uma escada, apresenta-se mobiliado com escrivaninha e estantes, e é onde a Clarividente Tia Neiva faz suas meditações e recebe mensagens, gravadas em fitas magneto-fônicas ou escritas “propria manu” para posterior exegese de um reduzido grupo de Médiuns sob a direção de Mário Sassi.

BIBLIOGRAFIA

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No mais, cumpre salientar que existe abundante bibliografia a respeito do Vale e da Doutrina do Amanhecer, principalmente nos jornais diários da Capital Federal. Foi escrita inclusive uma dissertação de mestrado, apresentada em 31 de agosto deste ano de 1977 ao programa de Pós–Graduação em Antropologia Social do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. A tese que leva o título de “A Cura no Vale do Amanhecer”, tem como autora Ana Lúcia Galinkin sob orientação do professor Roberto Cardoso de Oliveira. Deixando de lado os muitos erros de linguagem nela contidos, faz mister lê-la com reservas e “cum granu salis”, porquanto o mais capacitado informante sobre a Doutrina do Amanhecer, Mário Sassi, não concorda com várias asserções da pesquisadora da Universidade de Brasília. De molde a evitar polêmicas não entraremos em apreciação de trabalhos já publicados a respeito do Vale do Amanhecer, restringindo-nos tão-somente ao que se pode averiguar em fonte segura e fidedigna. Os folhetos e livros, todos publicados pela Editora Vale do Amanhecer, são redigidos pelo “Intelectual” Mário Sassi:

1. MENSAGENS – Uma série de sete mensagens aos Templos do Amanhecer, escritos sob os olhos da Clarividente Neiva. As seis primeiras, de 1976; a sétima, de 1977. O folheto nº 2 traz as mensagens de fim de ano (1971-1975) do Pai Seta Branca; e o nº 5 Trata de assuntos indígenas: “O pequeno Pajé”.

2. FASCÍCULOS – Em número de três, de 1977, intitulados “Instruções Práticas para os Médiuns”.

3. MÁRIO SASSI – Três livrinhos: 1974 (3ª Edição) – No limiar do IIIº Milênio. A 1ª Edição, mimeografada, apareceu em 1970. Brasília – D.F. 1976 – 2000 – A Conjunção de Dois Planos (2ª Edição). Brasília 1976 – Sob os Olhos da Clarividente (2ª Edição). Brasília.

4. REPORTAGENS – Revista mensal Planeta, nº 60, setembro de 1977. São Paulo. – Manchete, 29-12-1973 e 15-5-1976. Recomendam-se pelo material fotográficoque é mais fiel do que os textos mesmos.

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5. DISPONHO, também de um manuscrito, mimeografado, de 32 fls.: “O que é O Vale Amanhecer”, sem autor nem data, mas que me foi entregue por Mário Sassi neste mês de dezembro de 1977. É de sua lavra.

I. PERSONAGENS DA “HISTÓRIA”

Quem passa pelo VALE DO AMANHECER, sem tomar conhecimento ou travar contacto com seus dois líderes religiosos e carismáticos, corre risco de pouco ou nada entender de como funciona e pode funcionar todo aquele ecletismo de atividades ‘para religiosas’. O fenômeno não surgiu da noite para o dia, mas teve sua própria evolução histórica com um surpreendente desenvolvimento para tão curto espaço de tempo. De acordo com o líder intelectual da Vale do Amanhecer, Mário Sassi (1977:1), o movimento doutrinário e religioso como tal, remonta fundo na história num “caminho percorrido pelos Espíritos... veteranos neste Planeta, todos com 19 ou mais encarnações, juramentados ao Cristo e que se especializaram no trabalho de socorro, em períodos de confusão e insegurança”. Trata-se de “ciclos embora variáveis em termos de contagem do tempo” que se repetem a cada dois milênios, havendo séculos intermediários com interpretações de fases. Por exemplo: estes últimos três séculos da bimilenária Era Cristã estariam explodindo em “fantásticas conquistas sócio-econômicas” embora perdendo notoriamente em questão de humanismo e solidariedade Cristã. Ante a assim chamada “morte civilizatória” surgem os anseios da alma humana em torno de bases mentais “mais firmes, mais calcadas na imortalidade da civilização”. “Atender a essa necessidade, é exatamente a finalidade e a missão desse grupo de espíritos, que aparecem sob a égide da Vale do Amanhecer” (ib. p. 2).

1. Mário Sassi, Mestre Tumuchy

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Geralmente se começa pela história ou biografia de Tia Neiva, a Clarividente do Vale, mas acho que, para uma percepção mais profunda dos eventos e êxitos da “Doutrina do Amanhecer”, a figura do ex-líder da Juventude Operária Católica (JOC) de São Paulo conta mais. Mário Sassi nasceu a 29 de novembro de 1921, à rua do Oriente, 96, no bairro do Brás, em São Paulo, Capital, num ambiente social de negociantes judeus. De família pobre e simples, pais desajustados, vivendo em ‘cortiço’, como eram conhecidas as ‘favelas’ de então, passou por muitas necessidades, sofrendo imenso por não ter oportunidades de desenvolver seus cabedais intelectuais. Num grupo escolar da Mooca conseguiu apenas alcançar o terceiro ano por volta de 1930/31. Fez o curso de madureza em 1945, na Escola Dr. Souza Diniz, da Praça da Sé, sem sequer ter freqüentado aulas. No ano seguinte, conseguiu um diploma de ginásio em Jacarezinho, Norte do Paraná. Depois, na Vila Mariana, cidade de São Paulo, cursou o Científico.

A 8 de dezembro de 1946, com 25 anos de idade, na festa e na igreja da Imaculada Conceição dos Frades Capuchinhos, na avenida Paulista com rua Brigadeiro Luiz Antônio, desposou Mário a socióloga Moema Quadros von Nazingen, que lhe deu cinco filhos, e da qual se separou em 1968. Estudou Filosofia e Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, quando as faculdades ainda funcionavam na rua Maria Antônia. Em 22 de Março de 1974, obteve desquite legal de Moema Quadros, ligando-se maritalmente com Tia Neiva em regime matrimonial, no Vale do Amanhecer. De maneira aleatória freqüentou cursos de Psicologia, Relações Públicas, Jornalismo e até de Anatomia. Curtiu situações angustiantes durante a juventude, porque seus pais eram de condições modestas. Mário mesmo, sempre quis ser e passar por pessoa de outra classe. Entusiasmou-se pelos movimentos leigos da Igreja, foi líder da JOC, admirava o Padre Carlos Ortiz que, entretanto, abandonou as fileiras do clero. Nunca se sentia

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firme na fé. Cultivou amizade intensa por vinte anos com o franciscano alemão frei Honório Naeper em contactos quase diários no Convento de São Francisco. Em 1942 tomou reproche pessoal do arcebispo paulopolitano, Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, por causa de desavenças “litúrgicas” com o vigário de Cristo Rei (Bairro de Tatuapé) Pe. Clemente Dettmar, da congregação do Verbo Divino (S.V.D.). Ninguém conseguia pensar-lhe as chagas espirituais abertas pelas ansiedades íntimas de não poder perseverar na virtude da castidade Cristã. Escrupuloso, vivia de confissões sacramentais cada semana. Embora enriquecendo-se do extraordinário lastro de cultura européia de Frei Honório, percebeu, por volta de 1963/64, que o frade germano se sentia do mesmo modo frustrado e irrealizado em sua missão.

Ávido de palmilhar caminhos não batidos transferiu-se para Brasília em 1962, quando o País experimentava atabalhoadas efervescências sócio-políticas. Sob as graças do etnólogo e porta-voz do governo Goulart, Darcy Ribeiro, tornou-se assessor de Relações Públicas da novel Universidade de Brasília, matriculando-se ali na condição de aluno de Ciências Sociais. Com a Revolução de Março de 1964 passou a ser visado pelo novo regime implantado no Brasil, ficando também seus dois filhos extremamente revoltados contra o “sufoco” a que foi submetido o Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM), onde estudavam. Um deles liderava movimentos contestatórios, sendo tido na conta de subversivo. Nessas circunstâncias adversas, insatisfeito e sentindo-se irrealizado no contexto da fé católica que, a seu ver, lhe não oferecia (leigo que era) oportunidades alargar-se em suas aspirações espirituais e sociais, entrou casualmente em contacto com dona NEIVA CHAVES ZELAYA, quando ela entrava no sétimo ano de suas manifestações mediúnicas.

Era em 1965. Mário Sassi oferecera carona em seu automóvel a uma pessoa que ia à cidade satélite de Taguatinga, a 10 Km do Plano Piloto de Brasília. No Lote 15 da Quadra Norte Comercial (QNC) nº 11, morava a “Clarividente” em pobre barraco que servia como local de culto e alojamento das crianças abandonadas. Ele mesmo, no livro “2000 – Conjunção de Dois Planos” (1076: 13 ss) narra como se deu o primeiro encontro: “A porta da casa se abriu e a pessoa que eu havia conduzido fez sinal para que me aproximasse. Saí do carro com má vontade e entrei na casa modesta. Na pequena sala estava sentada uma senhora de uns quarenta anos, modestamente vestida e em cuja figura se destacavam os cabelos longos e os olhos pretos, penetrantes. Foi-me apresentada como ‘dona Neiva’ e eu, muito a

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contragosto, aceitei o cafezinho. Mas não podia despregar os olhos dela. Fez-se silêncio por alguns minutos e ela ficou-me olhando com ar pensativo... Depois das amenidades de costume, ela me surpreendeu com suas palavras. - O senhor está sofrendo muito, disse ela; será que não poderia voltar aqui para conversarmos?

- Como é que a senhora sabe? Retruquei, o que a senhora está vendo?

- Volte aqui e eu lhe digo; veja se pode voltar hoje à noite, respondeu ela. Venha, que eu quero ver o seu quadro espiritual.

Despedi-me apressado, meio confuso, e o resto do dia, passei mais desligado que de costume... Embora preparado para mais uma decepção, minha curiosidade persistia. Eram quase onze horas da noite quando ficamos relativamente a sós...

- Seu Mário, disse ela, o senhor é uma pessoa insatisfeita, mas tem uma grande missão a cumprir. Sua vida vai mudar completamente e o senhor irá encontrar a realização que tanto tem procurado...Tira essa idéia de suicídio da cabeça...

Meio constrangido, desandei numa torrente de queixas amarguradas... Mais desabafado, fui-me compenetrando de que não estava diante de uma criatura comum. Passado o primeiro momento de surpresa, notei que ela se havia referido a algumas passagens da minha vida íntima, traçando um quadro muito acurado de minha realidade. Isso sem eu ter dito nada ou quase nada além do meu nome e idade!

Era evidente que eu estava diante de um fenômeno novo e com todas as características de autenticidade. Como para dirimir qualquer dúvida, toda vez que ela fazia alguma afirmação acrescentava: “Digo-lhe isto em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Nossa conversa foi longa e profunda. Quando deixei a casa, já de madrugada, eu havia penetrado num mundo novo. Minha vida se apresentava então com um quadro nítido, com uma explicação para cada fato. De repente, tudo começou a fazer sentido, a ter uma correção lógica. Sentia-se invadido por forças desconhecidas e a divisar um mundo acolhedor, no qual havia um lugar para mim!

Passei o resto da noite insone e excitado. No dia seguinte, tão pronto pude livrar-me das obrigações mais prementes, corri para Taguatinga. Isso se repetiu nos dias subseqüentes e, três anos depois, em 1968, mudei-me para lá. Nesse ano eu passei a ser um

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Doutrinador, de tempo integral, no modesto Templo de Ordem Espiritualista Cristã.

Esta transcrição autobiográfica da conversão-decisão de Mário Sassi, poderia parecer um tanto longa. A meu ver, contudo, constitui este episódio ponto-chave para perfeita inteligência do fenômeno mediúnico de Tia Neiva. Provisoriamente chamamos a atenção do leitor para os seguintes elementos colhidos nesta narração: em 1965 Neiva entrava nos quarenta anos de vida, e Mário, nos quarenta e quatro. Como ambos, ainda hoje em 1977, conservam boa aparência física, supõe-se ter brotado daí um relacionamento especial de afeto, ela viúva e ele já separado de sua esposa Moema, desde 1964. Depois, o fato de dona Neiva penetrar-lhe passagens da VIDA ÍNTIMA, deve tê-lo impressionado sobremaneira, como sói acontecer na história da humanidade, bastando mencionar, v.g., a conversão da Samaritana junto ao Poço de Jacó: “Vinde e vede um homem que me disse tudo o que eu tenho feito” (João, 4,29). Por último, o espírito perfeccionista de Sassi à procura de uma mulher ideal que o completasse em suas aspirações intelectuais. Neiva Chaves Zelaya, a “Clarividente”, iria domar e dominar esta personalidade máscula, fazendo-o o “vaso de eleição” para a divulgação entre o mundo ledor da estranha e nova “Doutrina do Amanhecer”.

2. Tia Neiva, a Clarividente

Bastaria o epíteto “vidente”, que todos entendemos como uma pessoa com a faculdade de visão sobrenatural de cenas futuras, ou passadas em lugares distantes. Mas o Sr. Sassi insiste em emprestar ao vocábulo “Clarividente” um sentido todo místico aplicável especialmente à fundadora do Vale e da Doutrina do Amanhecer – Neiva Chaves Zelaya. Nasceu Tia Neiva em Propriá, Estado de Sergipe, aos 30 de outubro de 1925. Tendo 17 anos casou-se em Ceres, Goiás, porque, filha de um topógrafo, acompanhava o pai em suas andanças profissionais

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(Sassi 1974:6). Viúva aos 24 anos, com quatro filhos a sustentar, não titubeou em ser a primeira motorista de caminhão do Brasil com carteira profissional registrada, isto em 1949. Revólver no porta-luvas, às vezes com as crianças na cabine do grande veículo de carga, dona NEIVA fazia-se respeitar e admirar por todos os que a encontravam pelas poeirentas estradas do interior do Brasil, levando vida ilibada, e não de prostituta ambulante, como pretendiam alguns.

De 1954 a 1956 fixou-se a “chaffeuse” em Goiânia, onde trabalhou num ônibus de lotação em que um de seus próprios filhos exercia o ofício de cobrador. Em maio de 1957 transferiu-se para Brasília, em plena febre de construção, onde retomou suas atividades de motorista de caminhão, recebendo a ficha nº 2525 da NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital). Em fins (Natal) deste mesmo ano de 1957 (M.Sassi 1974:6 ou 1977:2, fala de 1958 ou 1959) como me assegurou a própria Tia Neiva, manifestaram-se nela os primeiros fenômenos mediúnicos. Residindo nesta ocasião no Núcleo Bandeirante, recorreu ao Padre Roque Valiatti Batista, Salesiano, pioneiro da Pastoral Católica em Brasília. Este dispunha de escasso tempo para atendê-la, tendo-a na conta de “energúmena” que deveria procurar algum psiquiatra. Dona Neiva estimava a comunhão eucarística, mas sofria de escrúpulos. Assim, não ousava aproximar-se da sagrada mesa sem antes confessar-se sacramentalmente. Descendia de família tradicionalmente católica, contando inclusive com tios padres e tias freiras.

Assim descreve o Sr. Sassi (1977:2-3) o que se passou com a “Clarividente”: “Começaram a suceder com ela estranhos fenômenos na área do paranormal, de percepção extra-sensorial, para os quais nem a ciência nem a religião locais forneceram explicação. Manifestações violentas e bizarras que os psicanalistas e exorcistas não conseguem superar, para desilusão de uma criatura de tradição católica e pouca instrução. O único amparo razoável, foi encontrado na área do espiritismo, uma vez que as manifestações se pareciam com a fenomenologia habitual dessa doutrina. Inicia-se o trabalho espiritual, que culminou com a eclosão de sua “Clarividência e a Aceitação” total da missão”.

“Incompreendida pelos homens – prossegue M. Sassi – ela teve de se voltar para o que lhe diziam os espíritos. Só neles começou a encontrar a coerência necessária para não perder o juízo e ter-se tornado apenas mais uma doida a ser internada. A partir daí ela deixou de obedecer aos “Entendidos”, e tornou-se dócil às instruções dos

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seres, invisíveis aos olhos comuns, mas para ela não só visíveis como também audíveis”.

Inicia-se nova fase na vida de “Dona Neiva”: faz-se mister abandonar seus serviços profissionais a fim de dedicar-se mais ao próximo, sobretudo às crianças pobres e abandonadas, numerosas no contexto pioneiro do Distrito Federal. Esta altruística prestação de serviços garantiria e justificaria perante a opinião pública e as autoridades constituídas, a autenticidade da “Doutrina do Amanhecer”, talqualmente consta no Evangelho (Atos): “Coepit Jesus Facere e docere” – Jesus começou fazendo, para depois, ensinar sua doutrina. A ‘Práxis’, no caso a caridade, é o teste, o argumento decisivo. Mas ouçamos o Sr. Mário : “Logo que Neiva dominou a técnica do transporte consciente, isto é, a capacidade de sair do corpo conscientemente, deixá-lo em estado de suspensão semelhante ao sono natural, e se deslocar em outros planos vibratórios, ela começou seu aprendizado I n i c i á t i c o “. Atente-se ao termo iniciático, porquanto sua correta conceituação constitui elemento básico na Doutrina do Amanhecer. Prossegue o “Intelectual” do Vale (p. 4): “Nesse período, que durou de 1959 a 1964, ela se deslocava diariamente até o Tibet e lá, recebia as instruções iniciáticas de um Mestre Tibetano. Esse Mestre ainda está vivo, chama-se, traduzindo em nossa linguagem, UMARAMA”.

O vocábulo “Umarama” não permite explicação razoável através de léxicos. A transcrição gráfica mais correta, por mim ouvida à própria Tia Neiva, seria “Umahan” (Sassi – 2000, A conjunção de Dois Planos – 1976, página 32). Segundo o Sr. Sassi esse intenso trabalho espiritual, teria acarretado à vidente transtornos respiratórios com reflexos nos pulmões e indícios de tuberculose.

Então, através dos préstimos do Senador Nogueira da Gama e do Deputado Austregésilo Mendonça, foi levada a Belo Horizonte onde, aos 11 de maio de 1965, deu entrada no Sanatório de Tuberculoses da Imaculada Conceição, dirigido pelas freiras Servas do Espírito Santo. Responsável pelo internamento foi o Dr. Oscar Costa, sendo assistente Dr. Mário Pires, falecido em 24 de outubro de 1974. De sua ficha, consta que era filha de Antônio de Medeiros Chaves e Maria de Lourdes Medeiros Chaves. O falecido marido chamava-se Raul Alonso Zelaya. Passados apenas dois meses e meio , Tia Neiva abandonou o Sanatório com ALTA MELHORADA, a 2 de agosto de 1965. Observe-se: Tanto as informações de M. Sassi como

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as de A. L. Galinkin (1977:35) sobre o tempo e motivo do tratamento de Neiva na capital mineira, são inexatas.

Além da tuberculose, de acordo com o parecer de M.Sassi, sofria também de um câncer de pulmão, o que tudo parece, se esvaiu “mercê de muita força espiritual e determinação do Alto”. Restou-lhe, entretanto, um enfisema pulmonar que lhe causa dores permanentes. Conforme entrevista, estampada no diário “Correio Braziliense” (18-9-77) deste ano, “Tia Neiva está próxima do fim... com os dias contados”. Mas assegura que, ainda depois da morte, continuará enviando à Terra sua mensagem de Amor. Completando o quadro de confusa cronologia com respeito aos fenômenos mediúnicos de Tia Neiva, afirma em uma mensagem ter-se a “Clarividência” revelado nela em 1957. Em todo caso, tais pequenas diferenças de datas e números não prejudicam essencialmente o conteúdo do novo “Evangelho”. No tratado seguinte, em que falaremos de “Pai Seta Branca”, muita coisa se esclarecerá ao leitor atento. Por ora, mais algumas rápidas pinceladas na biografia de Tia Neiva.

Tudo leva a crer que, logo de início, teve ‘visões’ de um índio adornado de penas alvas, posteriormente identificado como “PAI SETA BRANCA”, retratado comumente com uma flecha branca e prateada nas mãos. Os vizinhos do Núcleo Bandeirante onde morava, interpretaram de chofre o fenômeno como de caráter espírita ou espiritista. Ela mesma, todavia, teve horror a estas coisas, de tradição católica que era. Levada a um consultório médico, declarou estar se sentindo louca por causa de suas ‘visões’, de vez que, ali mesmo, estava vendo um tal de Sr. Juca, pai do clínico que a estava atendendo, falecido fazia sessenta e dois dias. O doutor confirmou realmente ter seu progenitor morrido exatamente dois meses atrás, ficou perplexo, dizendo outrossim “que o caso dela estava fora da alçada da psiquiatria” (Galinkin 1977:35). Dona Neiva saiu bastante descontente por saber-se pessoa com predisposições mediúnicas.

Neste transe, valeu-se da orientação de “uma senhora de nome Mãe Neném que lhe ajudou nos primeiros transportes com fonia. Esse trabalho tinha duas importantes funções: o reequilíbrio psicofísico de Neiva e o recebimento, por esse meio, de instruções espirituais. Desde então, tendo assistido (é o próprio Mário quem fala) a transporte com fonia, feitos por ela, e esse mecanismo de contato me fascina e desafia minha atitude científica”. (Sassi, 1976 – 2000, a Conjunção de Dois Planos, p.24). Sua “Mãe Espiritual” era Etelvina, profetiza da “Tribo” (Sob os Olhos da Clarividente, p.135), que também

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exerce papel no funcionamento do Vale. Tanto Neiva como Mário se consideram descendentes de “tribos ciganas”, como se tratará mais ao depois. Houve também um médium vidente de nome Agenor, que formava no grupo de Mãe Neném, todos notoriamente influenciados pelas leituras de Chico Xavier, de Uberaba, em Minas Gerais. Merece, por fim, citar o português Sr. José Manuel dos Anjos Soares Guedes, que administra a livraria local do Vale, onde se vendem livros velhos e literatura ligada a temas espíritas e publicações da Editora Vale do Amanhecer.

3. Pai Seta Branca, O Índio

Caracterizar e situar a figura do ameríndio PAI SETA BRANCA, no contexto da Doutrina do Amanhecer, é das tarefas mais espinhosas para o crítico e historiador. Provavelmente represente ele o papel mais significativo em todo o movimento do Vale. Sua imagem, colocada em trono de destaque no Templo, como já se mencionou alhures, descreve-se, resumidamente assim: um índio em pose ocidental, de olhos rasgados (nada de pálpebra mongólica, tão típica de nossos silvícolas!) e zigomas salientes lembrando feições do Antigo Egito, cabeça encimada por um enorme

cocar de plumas brancas, pretas nas pontas, adorno este mais comum aos índios norte-americanos do que aos brasileiros. Seu pescoço aparece envolto em colares de origem inca. Suas mãos suportam uma flecha branca, como alvas são as suas vestes, e seu ar, de tranqüilidade e paz. Tentemos conciliar as duas versões de Mário Sassi (Mensagem nº 2, 1976:11-13; ms. de 1977: 23 e 24) sobre o trabalho pacificador de Seta Branca, por volta de 1532, no extenso território do Império Inca que descia do Equador até o Chile e a Argentina. A alusão parece referir-se à derrota de Atahuallpa em Cajamarca aos 16 de novembro de 1532, feito prisioneiro do conquistador espanhol Francisco Pizarro.

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“A região dos Andes ainda dormitava nos resíduos da civilização Incaica, quando chegaram os Europeus. – Na linha que mais tarde formaria a fronteira a chamar de “brazil”, habitava uma tribo de índios, cujos espíritos já haviam encarnado como Equitumans, Tumuchys e Jaguares”. (Nota: Não consta que Pedro Álvares Cabral tenha denominado “brazis” a Ilha de Vera Cruz por ele descoberta em 1500). Prossegue Sassi (1976:12): “Seu cacique era alto, bronzeado, de feições andinas e tinha o olhar penetrante dos espíritos evoluídos... Bem para o oeste (Sassi 1977:23), nas fronteiras então existentes com a América Hispânica, nos contra-fortes dos Andes, havia um poderoso cacique cujo exército era composto de cerca de 800 guerreiros. Neste tempo, enquanto os portugueses, franceses e holandeses disputavam a conquista do litoral Este da América do Sul, os espanhóis penetravam ao Sul e ao Norte em direção ao Centro-Oeste... Particularmente, certa tribo incaica estava colocada na trajetória dos ímpios cristãos, e seria dizimada com certeza. – Um mensageiro chegou pedindo socorro à tribo dos velhos jaguares... 800 guerreiros foram enfrentar os espanhóis. Poucos da tribo o sabiam, mas o grande cacique, como Pai João e Pai Zé Pedro, era o espírito reencarnado de um Mestre Planetário, que já havia sido um Jaguar, um Espartano, um Faraó e, já na Idade Média Européia, o espírito que se chamou Francisco, canonizado pela Igreja Católica com São Francisco de Assis... O chefe pouco falava... seu coração estava impregnado com a força do Amor, do Perdão, da Tolerância e da Humildade do Cristo Jesus. Todos o amavam, e um guerreiro mais afeiçoado preparou uma ponta para a sua lança e deu-lhe de presente. Essa peça fora feita de alvo marfim, tirado talvez de algum fóssil. Com essa ponta sua lança passou a caracterizá-lo, e ele se tornou lendário como o “Cacique da Lança Branca”. Seta ou Lança, deveriam ter a mesma raiz lingüística, e seu nome chegou até nós como Seta Branca. Reverenciado doutrinariamente, para nós no Templo do Amanhecer, Ele é PAI SETA BRANCA.

“No descampado de um planalto andino as duas facções se defrontaram... Seta Branca subiu a uma pequena elevação e falou... Enquanto falava, ele segurava sua lança alva com as duas mãos e a levantava, na forma iniciática (o grifo é nosso!) de oferenda aos deuses. Na medida em que discursava, descia sobre aquele campo de batalha iminente, um clima de paz e doçura... Até um cavalo se ajoelhou, e seu cavaleiro perplexo deixou cair as armas. O grande Cacique enfrentou os Espanhóis com muita diplomacia, evitou o

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derramamento de sangue, sem deixar de salvar aquela tribo Inca e por esse feito, acrescentando à sua atuação humanitária, ganhou nome de Cacique Seta Branca”.

“E assim, os episódios de verdadeiro heroísmo espiritual foram sucedendo de um lado e de outro. Do Brasil-Colônia ao Império, no litoral escravocrata e no Oeste selvagem, o Sistema Crístico foi sendo implantado com rotulagem diferente mas igual no seu cerne, preparando o advento do próximo Milênio. É preciso ter em conta esses fatos e muitos outros impossíveis de serem relatados aqui, para se entender o fenômeno Vale do Amanhecer”- conclui M. Sassi (1977:24).

O leitor terá de munir-se de paciência até que alguns termos e conceitos vão clareando. A Doutrina do Amanhecer apresenta-se sinuosa e complexa, eclética, com ressaibos de nacionalismo ou nativismo. Vejamos como o “Intelectual” do Vale tenta justificar o ferrete da escravidão índia e negra que persistiu no Brasil por quase quatro séculos. Com a palavra M. Sassi (1977:18-23); “Portugal dominava os mares dos Séculos XV e XVI ..., estabelecendo colônias por toda a parte, fazendo comércio de especiarias, de que surgiram os escravos. No decorrer dos anos, a escravidão se tornou uma instituição, um hábito normal na vida, aceito inclusive pelas religiões... Para o plano espiritual, a escravidão foi na realidade o movimento redentor, a Grande Prova dos espíritos missionários, dos endividados, dos orgulhosos, pois tinha mais sentido iniciático: a morte, a eliminação da personalidade, com isso obrigando a emersão da individualidade. Como no teatro, em que as vezes o artista se sobrepõe ao personagem, certo número de escravos lançou as bases da etapa final da Escola do Caminho (nota: O Evangelho, o Cristianismo), criando as raízes da religiosidade brasileira.

Dentre esses escravos estava um sem número de Jaguares, que por sua vez haviam sido Equitumans e Tumuchys. Dos velhos líderes se destacaram dois espíritos excelsos que, na qualidade de missionários, se submeteram à difícil prova; duas individualidades que representaram os personagens Pai Zé Pedro e Pai João... Não podendo impor as exigências do corpo e da alma, o escravo era praticamente

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obrigado a ceder às exigências de seu espírito. Daí nasceram as práticas mediúnicas entre os escravos do Brasil... Mais tarde (p.21), Pais João e Zé Pedro, voltaram em novas encarnações, ainda como escravos, mas desta vez nascidos na Índia. A partir desse retorno, as práticas foram evoluindo, agora com o lastro místico da Índia e do Tibet. Nasceu a mediunidade iniciática e com ela a ‘passagem’ de espíritos sofredores, a redenção mediúnica”.

As incursões de “Seu Mário” no mundo dos espíritos – do que ele se mostra sinceramente convencido - raia pelas lides do inimaginável, simplesmente. Para explicar por exemplo, o aparecimento das Princesas de Mãe Yara, que eram sete, ele rebusca as ruínas de Pompéia, destruída pelo Vesúvio. Seus espíritos (a Doutrina do Amanhecer não gosta de falar em ‘almas’, pois que até os teólogos católicos vão abandonando de sorrate a distinção dicotômica alma-corpo, que tanto desvirtua a integridade da pessoa humana), encarnaram-se em Jaguares: Seis crioulas e uma branca de família portuguesa, a qual donzela não se conformava com a situação do Brasil-Colônia. Começou então a ascensão das crioulas, no que muito contribuíam Pai João e Pai Zé Pedro com suas astúcias de escravos experimentados. Houve mesmo uma Cachoeira das Crioulas (p.23), ponto de irradiação das forças espirituais. Em resumo, a magia dos Pretos Velhos cobria os contactos entre os planos dos escravos e dos senhores, arranjando-se as coisas de tal modo que o Brasil seria o ambiente propício e ideal, preparado para um novo tipo de relações sócio-religiosas que preparam o Terceiro Milênio a iniciar-se.

Neste contexto de relações afro-hindú-brasileiras, faz-se mister ainda uma palavra sobre “Mãe Tildes” ou “Matildes”, donde vem o nome “Lar das Crianças de Matildes”, entidade jurídica, filantrópica, que em parte, justifica a razão de ser do Vale do Amanhecer como obra de assistência social pela qual recebe ajudas oficiais, parcas por sinal.

Na Bahia, o topônimo Angical parece muito comum. Em nosso caso trata-se de duas enormes fazendas ao sul daquele Estado, para onde se refugiavam escravos forros, políticos, exilados e aventureiros de toda sorte. O ponto de encontro era a

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fazenda da ex-escrava Matildes, casa conhecida também como por “Gongá de Mãe Tildes”. “Essa foi a última encarnação da maioria dos Espíritos, antes da atual, que compõem a falange dos Jaguares de Pai Seta Branca” (Sassi 1977:25). O relacionamento entre “Mãe Tildes” e “Pai Seta Branca” transparece do capítulo ‘Os Primeiros Passos’ (pp.25-30) do livro de Sassi – Sob os Olhos da Clarividente” (1976).

Por aí se infere que Tia Neiva vê e ouve nos dois planos, sensorial e extra-sensorial, simultaneamente. Num momento de desafio e angústia diante de uma pessoa que iria morrer por culpa sua, ela conversa com o espírito “Mãe Tildes”, amiga do plano espiritual (p.27). Para casos de doença Tia Neiva vale-se do médico espiritual “Vovô Indú”. Da longínqua Índia, as cenas se voltam para bailarinas do antigo Egito, Tia Neiva comete um crime, pelo qual deve expiar. Mas Mãe Tildes, de um “Pagé”, ajeita as coisas, e mais uma vez a Clarividente penhora seus olhos ao Cristo no sentido de jamais faltar à verdade. Restabelecida a doente que, entretanto, deveria sucumbir dois anos depois de doença do coração, “todos agradecem a Deus e a Seta Branca”.

A falange de Pai Seta Branca conta 30.000 (trinta mil) espíritos, “identificados através dos milênios com as mesmas tendências e, atualmente, absolutamente integrados no Sistema Crístico. Alguns desses espíritos já se redimiram na Lei Cármica, e estão no comando da missão, junto ao Pai Seta Branca, o responsável por ela. Outros estão encarnados, ainda na fase de redenção cármica e cumprem sua missão no Vale do Amanhecer. Outros ainda estão para chegar, aguardando a vez nos planos Etéricos. Alguns são Mentores e Guias, outros são médiuns encarnados e todos seguem rigorosamente o Planejamento Espiritual. Pai seta Branca está no Comando Geral, enquanto que a Clarividente Neiva comanda a missão na Terra. Esse é o quadro remoto resumido da origem do Vale do Amanhecer” conclui M.Sassi (1977:25).

Cumpre todavia, colher mais alguns dados sobre Pai Seta Branca a fim de que seu papel de primeira plana no Vale permaneça fora de qualquer dúvida. Resumamos alguns informes colhidos à MENSAGEM nº 2 da interpretação de Mário Sassi (1976). Ele toma como ponto de partida 320 séculos, ou seja 32 mil anos, quando se encena o “Grupo Civilizatório” dos Equitumans, indivíduos de 3 a 5 metros de altura, imortais, sem que pudessem transmitir este privilégio extraordinário a seus descendentes. Parece até uma alusão ao livro de Gênesis (6,4): Havia gigantes sobre a Terra. No que tange aos 320

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séculos, é muito pouco para a idade da humanidade que já ultrapassa a casa dos dois ou três milhões de anos. Também na América a presença do Homem, vem atestada em mais de cinqüenta mil anos. Os Equitumans chegaram aqui em naves interplanetárias, fixando-se nos Andes e na costa do Pacífico e “reinando” por dois mil anos.

Então acontece uma hecatombe: um corpo extraterreno, como uma nave espacial gigantesca, a “Estrela Candente” cruza a órbita da Terra e sepulta a civilização dos Equitumans na região do Lago Titicaca entre o Peru e a Bolívia. O lago resultou de uma lágrima da maravilhosa estrela. “Esse acontecimento, realizado sob a benção de Deus, teria sido executado sob a direção de um Mestre Planetário, um espírito que hoje nós chamamos Pai Seta Branca; ele foi o comandante da Estrela Candente!” (p.8). Cinco mil anos depois, é a vez da civilização dos Tumuchys, cientistas, artesãos, alheios às artes de guerra. Faziam uso da energia solar, para o que construíram grandes maquinismos, cujos vestígios ainda são encontradiços nas Pirâmides do Egito e da América. “O Grande Tumuchy, o responsável por essa missão extraterrena, era o Espírito então encarnado, que nós hoje conhecemos como PAI SETA BRANCA” (p.9). (Observe-se que o epíteto ”Grande” (Mestre Tumuchy) que Galinkin (1977:43) atribui a Mário Sassi, está em desacordo com a Doutrina do Amanhecer).

Transcorreram os milênios, surgindo enfim outro grupo civilizatório, a falange dos Jaguares, para controlar as multidões de raças que povoavam o globo. Por fim chegou a Era do Cristo Sol, de nosso Senhor Jesus Cristo, o Sistema Crístico, caracterizado pelo livre arbítrio e o tridimensionamento do Homem: Corpo, Alma e Espírito. O Homem estava apto para o perdão do Cristo Jesus. Dentre os escolhidos para a renovação espiritual, existe um espírito veterano que comandara a Estrela Candente, o Grande Tumuchy e que já encarnara o Grande Jaguar: “Agora ele era o pequeno Francisco de Assis, o Poverello da Úmbria, São Francisco de Assis! Mais tarde, ele se chamou PAI SETA BRANCA” (P.11).

Tempos passados, Seta Branca se encarnou numa tribo de ciganos. Mário e Neiva, que agem sob o signo deste índio, andam

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preocupados em encontrar, na história de seus antepassados, relacionamento com esse povo errante e de origens incertas (p.20). Foi a partir de 1959, quando Dona Neiva se decidiu a aceitar a árdua missão, que Seta Branca estabeleceu seu programa de preparar a Terra para o 3º Milênio. 1984 é o término da Era Crística. O Homem perderá sua segurança física. Haverá escurecimento resultante de fenômenos desordenados da Natureza. Virá então o Espírito Consolador (nota: o Espírito Santo da Doutrina Católica?), uma das facetas da Lei do Perdão do Cristo Jesus. O Homem sem ele, apenas no âmbito do seu conjunto Corpo-Alma, só tem conceito do transitório (p.24 e 25). Sassi se ocupa e preocupa com os flamígeros “discos voadores” (p.26) que, a seu ver, se originam da esfera inferior – “etérica” – da Terra, e não dos planos espirituais.

PARTE 2

Introduzindo

1 . Publicamos em nosso último número a 1ª parte de um trabalho exaustivo de pesquisa e interpretação, do Pe. José Vicente César, SVD, diretor do Instituto Anthropos do Brasil, com sede em Brasília, sobre o fenômeno sócio-religioso do “Vale do Amanhecer”.

Hoje, publicamos a 2ª parte do estudo. Este, muito mais exigente, pois o Pe. César se impôs à tarefa nada fácil de articular, esclarecer, dividir sistematicamente e interpretar a “Doutrina do Amanhecer”. O trabalho dele, de cunho estritamente científico, procura ser o mais objetivo possível, apolêmico, descritivo, permitindo-se apenas aqui e ali algumas pequenas observações sobre incoerências, contradições, imprecisões, enganos dos “Mestres” ou “Doutrinadores” do Vale. Na prática, toda a doutrina vem através de Tia Neiva que recebe as ‘revelações’ por meio de vozes ou visões, ou nítidas inspirações.

A Doutrina do Amanhecer é um sincretismo espírita-católico-hindú-indígena-africano. As fontes de pesquisas são relativamente abundantes e originais, porém de árduo manuseio. O mérito principal do trabalho que publicamos está na organização das idéias. Mas há outra coisa: o Pe. César, no seu afã de objetividade, tem ido freqüentemente ao Vale e conferido pessoalmente com Mário Sassi e

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Tia Neiva tudo o que escreveu. Suas interpretações estão, pois, “sacramentadas”, aprovadas pelo Doutrinador e pela “Clarividente”. Apesar de mais metodicamente ordenadas, o ecletismo enorme que permeia a Doutrina do Amanhecer, torna a leitura meio árdua. Para o estudioso, porém, um manancial riquíssimo.

2 e 3. (...)

I I - A DOUTRINA DO AMANHECER

Associada à médium Dona Neném, que a ajudou no desenvolvimento de suas forças espirituais e mediúnicas, Tia Neiva funda no Núcleo Bandeirante de Brasília a UNIÃO ESPIRITUALISTA SETA BRANCA (UESB), registrando-a em cartório a 4 de julho de 1959. Neste mesmo ano, recebe a Clarividente ordens de cima para se mudarem de localidade, procurando um ambiente rural. E se transferem para Serra do Ouro, próximo a Alexânia, km 73 da Estrada Federal BR-060 que liga Brasília a Anápolis, onde a rodovia faz “sete

curvas” dentro de majestoso panorama. Acompanharam-nos as quarenta crianças que a entidade atendia de maneira precária através da generosidade de amigos e admiradores. Em Serra do Ouro montaram farmácia, pequena serraria, produção de farinha,

além de um sistema de hospedagem oferecida aos clientes que deveriam submeter-se a tratamento mais prolongado, o que tudo em proveito da manutenção dos órfãos indigentes.

Em 1964, Dona Neném separa-se de Tia Neiva, rumando para Goiânia onde estabeleceu seu próprio grupo de “trabalhos espirituais”. Neiva Chaves Zelaya, acompanhada de seus quatro filhos, uma nora, quatro famílias e as quarenta crianças retornam ao Distrito Federal, fixando-se em Taguatinga (Lote 15 – QNC 11), onde funda a ORDEM ESPIRITUALISTA CRISTÃ, que em cartório a 15 de abril de 1964, leva o nome oficial de OBRAS SOCIAIS DA ORDEM ESPIRITUALISTA CRISTÃ. “Neste mesmo ano – as informações são de A. Lúcia Galinkin (1977:28) – iniciaram a construção de um Templo em um outro lote, distante três quadras da residência, cujo direito de

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posse fora comprado pela Ordem Espiritualista Cristã, e em 25 de maio do ano seguinte (1965) inauguraram o Templo, para onde transferiram os trabalhos espirituais”. Em 15 de dezembro de 1966 a entidade jurídica LAR DAS CRIANÇAS DE MATILDE, recebeu registro em cartório e no Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), sob o nº 244.741/67. Em 1973 foi a mesma instituição declarada de utilidade pública pelo Governo do Distrito Federal.

Passados quatro anos em Taguatinga, perde a Ordem Espiritualista Cristã o direito à posse do terreno por ela ocupado. Em 1969 insistem os mensageiros espirituais de Tia Neiva que volte para a zona rural e, neste mesmo ano e começos de 1970, instala-se a Ordem Espiritualista Cristã ao sul da cidade de Planaltina, no local da antiga Fazenda Mestre D’Armas, de Francisco M. Guimarães, desapropriada em 1948, quando já se planejava a transferência da Capital Federal para o Planalto Central. De Galinkin (1977:1) ainda se colhem estas informações: “O fazendeiro F.M. Guimarães obteve dos órgãos competentes o direito de arrendamento de uma extensão de 22 alqueires ao redor da sede da fazenda; quando a Ordem religiosa teve autorização do proprietário para ocupar o terreno, tentou comprar este direito de arrendamento, o que foi negado pelos órgãos oficiais”.

Permanece, pois, certa expectativa por parte dos moradores que já estão construindo casas de alvenaria e definitivas ao redor do Templo do Amanhecer. Por fim dar-se-á um “jeito brasileiro” na situação. Além disso, o Vale do Amanhecer dispõe (em suas casas rústicas e pobres), de água encanada, de energia e luz da Companhia de Eletricidade de Brasília (CEB).

Funcionam também uma escola com 200 alunos, dirigida pela Secretaria de Educação do governo do Distrito Federal, algumas lanchonetes (com preços razoáveis sem nenhum propósito fraudulento de explorar os freqüentadores e clientes do Vale), oficina mecânica (desde que são numerosos os veículos que lá acorrem), salão de costura, pomar, lavoura, etc. Além do Amanhecer no Distrito Federal, há outros Templos (que Sassi denomina “físicos”) em Minas Gerais: Abaeté, Pirapora e Unaí; em Goiás: Alvorada do Norte, Anápolis e Luziânia; em Pernambuco: Olinda; no Amazonas: Manaus. A Clarividente e o Intelectual, entretanto, manifestam-se contra a proliferação de tais Templos, por isso que reafirmam o propósito de não estarem criando nova religião. Cerca de quinze mil médiuns se acham inscritos no fichário do Vale, e comprometidos a certo número de horas de trabalho Espiritual dentro de seus muros. Não percebem

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nenhum provento pelos serviços prestados. A própria Tia Neiva, recebe através do Banco Real, uma pensão de viúva no valor de apenas Cr$ 509,02. O orçamento financeiro do Vale do Amanhecer gira em torno de cem mil cruzeiros mensais.

Em todas as publicações escritas se insiste que aos clientes e médiuns, fora dos limites do Vale do Amanhecer, não é exigido nenhum compromisso de comportamento moral ou social. Isto constitui ponto pacífico, confirmado a mim pessoalmente pelo Sr. Mário Sassi. Mães solteiras, prostitutas, desquitadas, amigadas conjugalmente participam ativamente dos serviços e ofícios.

Concernente às meretrizes (insignificante minoria no Vale), cumpre advertir que, exatamente na vizinha cidade de Planaltina, funcionam “legalmente” os únicos bordéis do Distrito Federal, profissão preexistente no lugar cuja continuidade foi reivindicada pelas autoridades locais como ‘conditio sine qua non’ para a vida econômica do antigo município. Intra muros não se serve nenhuma espécie de bebida alcoólica. Aos médiuns e demais filiados ao serviço permanente do Vale, é rigorosamente defeso, também fora de casa, mesmo em festas sociais, a ingestão de qualquer líquido espirituoso. Neste contexto cabe recordar que “Seu Mário”, em sua vida pregressa, descendente de italianos, apreciava mesa farta, regada de vinhos generosos e outros licores. Aliás, em conversa com ele, percebi que conta com inumeráveis casos de alcoólatras cujo restabelecimento neurovegetativo sucede praticamente irrecuperável.

1. Missão e finalidade geral

Tarefa árdua do cientista é classificar e hierarquizar os ecléticos da Doutrina do Amanhecer. Colher dados entre as dezenas de médiuns e doutrinadores, que atuam continuadamente no Vale, produz pouco resultado, porquanto a maioria deles não penetram os segredos e mistérios de todos aqueles movimentos. Fonte segura, com explicação para tudo, é Mário Sassi. Portanto seus escritos, principalmente os mais recentes, servir-nos-ão de base para a presente tentativa de classificar ou meter em categorias com certa concatenação lógica as teorias desta manifestação popular em torno de novas idéias religiosas.

Não constitui novidade no Brasil o aparecimento cíclico de manifestações ou movimentos em torno de líderes carismáticos tanto políticos como religiosos. Dos últimos basta recordar a Guerra de

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Canudos, quando se viu o novo governo da República forçado a mobilizar consideráveis forças militares, para desmontar toda uma organização de aparência política e rusticamente contestatória ao regime que deveria substituir a Monarquia derrubada em 1889. São de nossos dias as pregações místicas de Alziro Zarur que, através dos microfones de uma rádio-emissora, tanto êxito conseguiu no arrebanhamento das massas populares para a sua duvidosa Legião da Boa Vontade. Antropólogos, Sociólogos e Teólogos, sabem perfeitamente que tais irrupções populares pressupõem comumente profundos potenciais místicos que vêm à tona em determinadas condições favoráveis, sobretudo quando surgem dificuldades ou tensões sócio-econômicas e políticas. Sentimento religioso é quase sempre uma válvula de escape por onde extravasam paixões ou anseios desta ou daquela maneira reprimidos.

A quase perfeita fusão de três importantes complexos culturais – o branco, o índio e o negro, obtida pela atitude tolerante e compreensiva dos colonizadores lusitanos, enriqueceu de maneira extraordinária e talvez única na moderna história da civilização a formação étnico-cultural do povo brasileiro. Daí despontou uma amálgama cultural e religiosa de tal amplitude que se torna sumamente penoso fixar com precisão as origens de ritos e crenças populares no Brasil. No presente estudo tentamos analisar o fenômeno do Vale do

amanhecer da maneira mais objetiva possível, fornecendo ao leitor grande número de informações, para que cada qual possa formar opinião e juízo correto sobre tão momentoso assunto. O exame dos conceitos ou da ideologia que regem o andamento do novel movimento poderia perecer prematuro ou, mesmo, precipitado; em todo caso arriscaremos empreendê-lo, embora reconhecendo de antemão quanto nos falece de competência para tanto.

* * *“O Vale do Amanhecer é uma comunidade Espírita de Brasília,

fundada a quase dois decênios. Nesse recanto Espiritual não existe preocupação em provar a existência dos Espíritos ou contacto com

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Eles. Esses fatos são traduzidos em resultados palpáveis, para os quais nenhuma ciência ou teologia tem explicações. Mas a Missão do Vale não é fazer doutrina, fundar religião, congregar prosélitos ou profetizar. A missão tem sido tão somente atender angustiados que procuram alívio”.

Assim consta na orelha da primeira capa, interna do livro de Mário Sassi “Dois mil: A Conjunção de Dois Planos”, 2ª edição -1976. Os grifos são nossos e salientam os elementos chaves seguintes: Trata-se de ideologia espírita ou espiritista; as curas espirituais obtidas no Vale são resultados palpáveis, inexplicáveis pelos conhecimentos atuais da Ciência, não se deseja fazer doutrina, etc. na realidade existe a “Doutrina do Amanhecer”, o fenômeno tem aparência de religião organizado com prosélitos, apóia-se prenúncios de um terceiro milênio com data marcada para 1984 e faz “profecias” sobre terremotos e assuntos políticos (“Correio Brasiliense” de 18/09/1977; cf. também Mensagem nº 2, que reflete a de 31/12/1972, 1976:24. O ponto culminante, porém, está no atender angustiados... ou sejam as “curas” ocorridas, os “milagres” do Vale. Como argumentava o próprio Cristo Jesus: “se não acreditais em mim, acreditai ao menos em minhas obras” (João, 10,38;14,11).

Os adeptos ou, pelo menos alguns deles como Mário Sassi (1976 “Dois Mil: A Conjunção de Dois Planos”, p.31 e ss.), vivem a convicção de estarem preparando a humanidade para o fim da Era Crística, e entrada no terceiro milênio: “Daqui partirá a preparação correta dos fatos extraordinários que irão ocorrer nos dias que se seguirão. Aqui seremos os porta-vozes do Espírito da Verdade, que tão alto falou através de Kardec. Não advogamos exclusivismo, nem julgamos sermos os únicos portadores das mensagens celestiais. Apenas proclamamos nossa autenticidade espiritual, nossa dedicação integral à ajuda aos nossos semelhantes e ausência de qualquer interesse, seja pecuniário ou doutrinário.”

“Ninguém tem qualquer obrigação para conosco; nós é que temos obrigações para com a Humanidade. Neste livro seremos os portadores das notícias de um povo de outro planeta, apelidado por nós de ‘O Planeta Monstro’ devido ao seu tamanho em relação à Terra. Seus habitantes são gente como nós, espíritos ocupando corpos físicos. São moleculares, mas sua composição é diferente da nossa”.

Planeta Monstro é a Estrela Capela, a maior da constelação do Cocheiro ou Auriga, e das mais gigantescas até hoje divisadas.

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Conhecida também pelo nome de Cabra, está situada no hemisfério celeste boreal, não longe do Touro e dos Gêmeos. O papel deste Astro descomunal que Sassi (1976:32; 1977:28) designa como ‘Planeta Monstro’, revela-se de suma importância para correta inteligência da filosofia do Amanhecer. Preside os destinos da Terra desde o princípio, estabelecendo variados contactos com os ‘terráqueos’, intensificados e ‘materializados’ de acordo com as necessidades cá de baixo. “Todos os espíritos encarnados na Terra – Acentua Sassi (1977:28) – vieram de Capela e um dia retornarão para este Mundo. Os Capelinos são físicos, embora não se possa afirmar que sejam da nossa natureza física. Sabemos apenas que sua forma é semelhante à nossa, ou melhor, nós nos assemelhamos a eles”.

“Entre Capela e a Terra existem os ‘planos intermediários’, que também poderiam ser chamados de ‘lugares’ ou ‘etapas’, da trajetória dos espíritos que vêm ou que vão nesse percurso entre dois pontos físicos”. Aí os espíritos se revestem de corpos adequados às leis dos mencionados planos, sendo denominados precariamente de ‘corpos etéricos’ ou estado etérico. Forçando uma explicação, conclui o próprio Seu Mário “que os espíritos viajam mas os seus corpos físicos não”, revestindo-se então de corpos etéricos, ‘extra-sensoriais ou paranormais’

Após minhas advertências sobre o risco de atribuir importância religiosa aos ‘Discos Voadores”, o intelectual do Vale procura minimizar esses ‘fenômenos’ de fantasia popular. Em todo o caso, porém, não poderá negar que seus escritos andam inçados desses aparecimentos duvidosos. É sua esta reflexão de 1977 (p.28/29) : “O registro no campo consciencional das atividades etéricas, é feito de maneira diferente das atividades sensoriais; ele é feito e traduzido para a percepção e elaboração mental de acordo com dados pré-existentes no banco de memória cerebral. Por esse fato básico é que as coisas do Céu são concebidas de acordo com as coisas da Terra. Portanto,

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não existe coisa mais terráquea do que os Discos Voadores que ‘comprovadamente’ são ‘vistos’.

E prossegue mais adiante na mesma preocupação; ‘Se os seres que se apresentam com suas naves forem apenas espíritos da Terra, isto é, espíritos desencarnados que habitam o etérico da Terra, eles são os construtores dessas naves e podem ser vistos e apalpados, uma vez que são materiais ou materializados; se porém forem Seres de Capela eles serão vistos apenas pela visão etérica – também chamada de mediúnica – uma vez que essa é a maneira natural de se relacionarem conosco, maneira essa que não interfere com a Lei da Terra e respeita o livre arbítrio do Homem’.

Existem portanto, espíritos da Terra, materiais ou materializados, desencarnados, no âmbito ‘etérico da Terra’ – e os “Seres de Capela” perceptíveis tão somente pela visão mediúnica, donde surge comumente confusão entre os dois fenômenos mercê de nossa ciência ‘limitada pelo conceito bi-polarizado de positivo e negativo, e não sabe que esses dois pólos se fundem num só, chamado espírito’.

Neste contexto, merece explicação a doutrina espírita em torno do ectoplasma, termo criado pelo fisiologista francês Carlos Roberto Richet (1850-1935) para designar algo fluido e misterioso que se desprenderia do corpo dos médiuns em transe, donde o fenômeno das ‘materializações’ dos fantasmas. Em anatomia ou fisiologia, o ectoplasma, como significa o próprio nome grego é um a camada periférica de transparência vítrea, envolvendo a zona central da célula ou endoplasma. Ectoplasma é o mesmo que exoplasma.

Os Capelinos do sr. Mário e da Tia Neiva manipulam energias mais sutis que nosso ectoplasma, podendo manifestar-se fisicamente agora, como o fizeram outrora. “Esse dispêndio energético entretanto não é feito pelo simples fato de que sua mensagem pode ser e é transmitida pelo processo mediúnico, como foi dito acima, o qual não dispensa a participação voluntária do Homem, não interferindo assim no seu livre arbítrio, nem com as leis do planeta” (Sassi 1977:30).

As naves de capela são chamadas pela clarividente de “Chalanas” e “Estufas”, diferentes em forma e constituição dos falados ‘Disco Voadores’, segundo ela, freqüentes nas visões bíblicas. E o argumento dessas naves fantasiosas ocupa o cerne da Doutrina do Amanhecer, interpretando o ‘jogo’ preparatório do iminente Terceiro Milênio. Senão vejamos o que escreve sr. Mário em 1976 (2000 – A Conjunção de Dois Planos’, pp.32/33): “Os Capelinos virão ajudar na difícil e catastrófica passagem deste milênio para o próximo...”como

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socorristas, para nos conduzir através dos desastres físicos, psíquicos e espirituais que se abaterão sobre nós nos próximos 20 ou 30 anos... Seus aparelhos irão causar assombro... Basta imaginar, por exemplo, um imenso aparelho metálico sulcando os céus em velocidade fantástica, com resultados danosos para as aerovias, as comunicações e o equilíbrio da atmosfera, para termos uma idéia do que pode acontecer...Os pólos da Terra se aquecerão e o gelo neles contido irá se derreter. A imensa quantidade de água resultante irá se derramar pelos Continentes e com isso os mares mudarão de posição...” – Aliás, a maioria desses fenômenos se deram no correr de milhões de anos da história da Terra, continuam se sucedendo normalmente, quase que de maneira imperceptível tal a lentidão da natureza. A migração dos pólos, v.g., é fato aceito pacificamente pela ciência, conhecido desde o começo do século. Mas voltemos aos líderes do Vale: “O ser humano dos próximos 30 anos será um excepcional, e nisso os nossos amigos de Capela irão nos ajudar muito. Seus missionários já estão prontos para a tarefa e suas vanguardas já estão ativas em muitos pontos da Terra...Na verdade eles estão fazendo muitas experiências, na busca da melhor forma para sua presença na Terra. Os ‘Discos Voadores’ são amostra disso. Entre eles e nós existe um plano intermediário, o Plano Etérico. O problema deles é manipular as forças e homogeneizá-las em cada plano: o deles, o etérico e o nosso. Sua maior atividade atual reside na preparação dos seres que irão habitar a Terra no terceiro milênio. Milhões de seres humanos freqüentam suas escolas e vão sendo preparados para o futuro, mas esses seres não têm consciência disso na sua memória física; sabem-no pela sua mediunidade, sua inspiração... Esses alunos de Capela são os que procuram amar o próximo desinteressadamente, os missionários de todas as categorias, os precursores das idéias novas”.

Muito mais ainda se poderia falar a respeito do planeta monstro Capela, cuja importância na mundividência (Weltanschauung) do Vale do Amanhecer os temas subseqüentes demonstrarão à farta.

2. Conceitos fundamentais

No estabelecimento e precisação dos elementos básicos da Doutrina do Amanhecer, não se perca de vista que o sr. Sassi é o intérprete oficial das coisas todas que Tia Neiva julga ver e perceber em seus transportes místicos e mediúnicos. Tratando-se de pessoa

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muito lida e experimentada, forçoso é admitir que as visões da Clarividente passam por alguma reelaboração. Assim, nem sempre se pode averiguar o que seja mensagem de Tia Neiva ou elucubração do ‘Intelectual’. Donde o estilo desta pesquisa, escorada à medida do possível em literatura escrita e já dada a lume. O complexo ecletismo da Doutrina do Amanhecer não permite esclarecer tudo e todos os conceitos de uma só penada, num único capítulo. Doravante é que o paciente leitor irá se informando de idéias, de termos e conceituações, citados aqui e acolá.

O subjetivismo, a carência de lógica do Espiritismo do Mediunismo e, no caso, do Vale do Amanhecer, é reconhecida pelo próprio Mentor (Sassi 1974:87/88) de Tia Neiva: “A vidência é mediunidade interpretativa; o que o vidente vê, ele é obrigado a traduzir em imagens e palavras compreensíveis aos de fora de sua vidência. Não há, portanto, maneira alguma de ser comprovado... Quem então terá condições de interpretar uma orientação espiritual com autenticidade? A resposta é única: O Doutrinador. Somente este médium tem condições de interpretação correta de uma mensagem, pelo simples fato de que seu raciocínio normal é iluminado pela sua mediunidade. O Doutrinador ouve, lê, compara e sintetiza com muito maior possibilidade de isenção”. Analisemos todavia alguns conceitos à maneira de como apresentados nas publicações do Vale.

a) Deus – Cosmogonia – Religião

Tanto Neiva como Mário consideram-se fiéis cristãos e, até, portadores de sólida formação Católica, como já se acentuou alhures. Mas o sr. Sassi revela-se, geralmente, bastante liberal em seu modo de interpretar o mundo, o aparecimento do universo, selecionando aqui e acolá conhecimentos esparsos em enciclopédias atualizadas. Conversar com ele é agradável, porque não se fixa em suas opiniões. Ao contrário, aceita mui gentil e maneirosamente as opiniões de seu

interlocutor. Ultimamente, assevera, ‘recebeu ordens superiores’ para parar um pouco com as publicações escritas sobre o Vale, certamente para que reflita mais sobre os

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problemas ventilados, amadurecendo melhor seus conceitos e doutrinas.

Para ele o Universo é infinito (Sassi 1974:14), ‘Fora de nossa capacidade conceptual.Concebemos apenas galáxias e sistemas, mediante alguma verificação e muita imaginação’. A Terra pertence a uma galáxia e é pequeniníssima em comparação aos mundos que nos rodeiam. O Homem se caracteriza pela consciência que tem de si mesmo, mas ‘como espécie não sabe sua origem e nem qual será o seu fim. Tem, porém, capacidade de especular sobre ambos... Para cada forma de vida existem sentidos apropriados. O sistema de memória permite a continuação das espécies. Ela existe na intimidade das partículas e nos arquivos complexos da Humanidade. A escolha de um conjunto de memórias proporciona a existência, por tempo indeterminado, de um tipo humano ou uma espécie’.

Há outros seres não verificáveis pelos sentidos cujos efeitos são percebidos no chamado ‘plano físico e psíquico’ (p.15). Registram-se dois aspectos fundamentais do homem: um palpável que é o corpo; outro sensível, a ‘psique’, ou manifestações psicológicas. Ambos conjugados ‘formam a personalidade – o Ser Humano diferenciado, característico e único’. “A psique, ou alma, é gerada pela convergência da memória física e do aprendizado recebido do meio-ambiente. Ambos se originam de outros indivíduos, outras personalidades. Além das atividades psicofísicas, o indivíduo apresenta outro tipo de manifestação, cujas origens não são do corpo ou da psique. Essas pertencem a outra ordem de ‘memórias’, que chamamos ‘espírito’. Portanto o Homem é levado à ação mediante três tipos distintos de estímulos: o físico, o psíquico e o espiritual”. Os conceitos acima explanados se revelam importantes para a perfeita inteligência da doutrina espírita tal qual é ensinada e revelada no Vale do Amanhecer.

As memórias ‘física’ e ‘psicológica’ deixam-se interligar sem dificuldades no quadro da filosofia universal aristotélico-tomística, mas a ‘espiritual’ constitui elemento característico do Kardecismo, funcionando ‘num plano adimensional, num organismo paralelo ao conjunto psicofísico’, denominado espírito. Sua herança ‘transcende o tempo, pois representa o acervo de muitas vidas’ (p.16). Face a estas três ‘faixas vibratórias, a física, a psíquica e a espiritual, todas agindo ao mesmo veículo, o ser humano apresenta variações de comportamento a cada momento. A hegemonia de uma ou outra faixa determina a tônica que caracteriza uma pessoa’, variando ‘conforme

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as circunstâncias, principalmente em função da idade’. É o que se diz em Antropologia: cada homem forma um mistério à parte, devendo ser estudado em sua individualidade.

“O universo é um todo contínuo e em perpétuo movimento”. De acordo com os sentidos pelos quais é concebido, ele também se apresenta como físico, psicológico e espiritual . Já a interpretação espiritual do universo é feita pelo sentido religioso, uma percepção indefinida de fatos que escapam à racionalização, tanto física como psicológica. Classifica-se, pois, de ‘mundo espiritual’ tudo o que escapa ao sistema indutivo ou dedutivo”. As faixas ou movimentos vibratórios dos mencionados planos ou universos são perceptíveis e verificáveis por qualquer pessoa através do senso comum da observação.

“A organização do Mundo Espiritual embora situada em termos corpusculares é de difícil conceituação, pois sua movimentação escapa completamente à sensibilidade sensorial. Sua percepção é feita por processos que, embora verificáveis nos efeitos, são imponderáveis na estrutura e na mecânica. O campo consciencional, a sede dessas percepções, é chamado o ‘EU’, uma abstração definida, uma quarta dimensão nitidamente separada das outras três. ‘EU’ sinto o meu corpo, percebo a minha psique e sou obrigado a admitir a presença do meu espírito – simultaneamente. Mas sou sempre o ‘EU, algo separado do meu corpo, da minha alma e do meu espírito, pois registro a todos eles” (p.17). Até parece estar-se lendo os ‘Principes de Philosophie” (l, 7,10) de Renato Descartes, que reconhecia como primeira verdade a realidade de sua própria existência, por isso que pensava: Cógito, ergo sum (Penso, portanto existo), reflexão, aliás encontradiça nos Solilóquios de Santo Agostinho (livroII, cap.I).

Em alguns lances o sr. Mário Sassi (2000 – A Conjunção de Dois Planos, 1976:32) descamba para um humanismo ou ativismo antropocêntrico: “Para o ser humano não é necessário saber como é Deus, nem como Ele faz ou pretende. O importante é saber como é o ser humano e o que ele faz ou pretende fazer. Conceitos teológicos como o de ‘sobrenatural’ não resolvem: ‘Afinal, a humanidade ainda engatinha nos filósofos gregos ou nas teologias inócuas. É por isso, Neiva, que urge levar essas idéias (scil. do mediunismo) para a massa. Mas levá-las como são, idéias do ‘natural’, e não idéias do sobrenatural . Acho mesmo que o que tem impedido maior número de pessoas de resolverem seus problemas, tem sido o conceito de ‘sobrenatural’ (Sob os Olhos da Clarividente, 1976:140).

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O Espiritismo em sua ‘práxis’ mediúnica considera a Religião “como um modelo de comportamento” que não deveria exigir do indivíduo determinados padrões sociais ou psicológicos. “Religiões representam épocas, latitudes e longitudes de maior ou menor extensão e profundidade, variando portanto no tempo e no espaço” (Sassi 1974:81). Noutros passos (p.22), abordando o tema Religião sob ângulos mediunistas, afirma: “Religião é um conjunto de conceitos que procura estabelecer uma ligação entre dois pontos desconhecidos – o princípio e o fim das coisas... Basicamente, consiste numa forma padrão de comportamento que estimula, além do conjunto psicofísico, o mecanismo espiritual. A prática religiosa procura despertar as forças latentes dos seres humanos no sentido de ‘servir a Deus’, em detrimento da tendência natural de ‘servir ao Diabo’. Deus e Diabo representam forças opostas e extremadas. Em todas as religiões, as duas figuras emergem com nomes e representações os mais variados”. Depois de concluir que a mediunidade vem a ser a força básica e instrumental de todas as religiões, pontifica seguro: “A não aceitação desse fator torna a religião motivo de angústia e sofrimento, quando deveria ser exatamente o contrário... A tentativa de padronização do comportamento produz a angústia. É desumano viver-se sob o peso do medo, pecando não contra a consciência mas contra um conjunto de textos”.

Religião, como se sabe, é um termo de conceito equívoco, elaborado no contexto antigo sócio-político do Império Romano e difundido pelo Cristianismo em todo o mundo ocidental. Jesus Cristo, ao que parece, não tencionava fundar nenhuma nova religião, mas aperfeiçoar a ordem das coisas através de uma nova mensagem, o Evangelho, como diz a própria expressão original grega, uma boa nova de paz e fraternidade universal. Coisa semelhante pretende o Vale ou a Doutrina do Amanhecer, trazida pelo Pai Seta Branca, transmitida à Tia Neiva e elaborada por M. Sassi. Este, ao falar de certas vivências religiosas como causadoras de angústias, estará provavelmente refletindo suas próprias experiências de fervoroso católico, irrealizado em suas aspirações de liderança e desenvolvimento espiritual. Sobre isso nos referimos ao tratar dos personagens desta ‘História’, donde inferirá o leitor mesmo a importância das longas introduções desta pesquisa. À medida em que o Vale do Amanhecer se expandir, institucionalizando-se em formas rígidas, tornando-se mais uma Religião, sobretudo pelo caráter proselitista absorvente (de que já se percebe os primeiros indícios –

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como se verá mais adiante), perderá certamente muito de atual dinamismo carismático, como aconteceu ao Catolicismo, nomeadamente após a descoberta dos novos mundos de África, Ásia e principalmente América.

Respeito às formulações religiosas supra exaradas, continuam esposadas pelo ‘Intelectual do Vale’, reafirmadas em recente trabalho (Sassi 1977:2) : A Doutrina do Amanhecer oferece “ao Homem angustiado e inseguro uma explicação de si mesmo e um roteiro para a sua vida imediata... trabalho que não poderia ser feito seguindo-se as velhas formas de religiosidade, considerando-se ‘velhas fórmulas’ os documentos escritos, as revelações de ‘Iluminados’de ‘profetas’, das ‘tradições’, das ‘doutrinas secretas’ e da ‘dogmática’de modo geral, empregada na base da fé e do medo... O Homem só adquire segurança quando o equacionamento de sua vida se apresenta verificável, para ele individualmente, qualquer que seja sua posição sócio-econômica...” E finaliza peremptório: “Por esse motivo fundamental, o movimento ‘Vale do amanhecer’ foi calcado na existência de um Espírito Clarividente, cujas afirmações e ensinamentos pudessem ser testados e verificados individualmente, pela experiência de cada participante, sem jamais dar margens a dúvidas e incertezas”. Crê que a Doutrina do Amanhecer apresenta “aspecto dinâmico, de contínuo fazimento, que se adapta, a cada momento, às necessidades dos seres humanos que são atendidos. Todas as instruções para as atitudes, construções, rituais e planos de trabalho continuam vindo por intermédio de Tia Neiva” (p.5).

Os fiéis do Vale, parecem tranqüilos quanto ao futuro de sua Doutrina, mesmo quando morrer ou desencarnar a Clarividente: “...haverá naturalmente algum outro processo de instruções... O ciclo atual está prestes a terminar, o mundo irá passar por grandes transformações, que já se tornam evidentes ao senso comum e, naturalmente, os responsáveis pelo comando da missão do Vale do Amanhecer, Pai Seta Branca e seus Ministros, já terão planos prontos para funcionar”.

b) Reencarnação e Mediunismo

Para se entender alguma coisa do Vale do Amanhecer é mister estar familiarizado com idéias e doutrinas “fora das religiões tradicionais” – explica Mário Sassi (1977:0). Qualquer pessoa que se interessar pelas coisas espirituais, ainda que não seja adepto de

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alguma religião, já ganha a classificação de ‘espiritualista’ segundo os parâmetros do Vale. Mas os seguidores de Tia Neiva formam uma ‘classe indefinida’, tendo como traço comum a crença da reencarnação ou, no mínimo, a admissão da atividade de espíritos sem corpos - os desencarnados. O que é certo, é que o fenômeno de reencarnação ou, reincorporação de almas ou espíritos é básico na Doutrina do Amanhecer. Sem isso não se percebe e, menos ainda, se vive o acontecimento do Vale. Aí existem somente duas classes de pessoas: Médiuns e Clientes. Aproximadamente meio por cento dos freqüentadores (de duzentos, apenas um), clientes portanto, sentem necessidades de desenvolver suas qualidades ou capacidades mediúnicas (p.7).

No decorrer dos tempos passam os espíritos por encarnações sucessivas, ocupando corpos físicos (densos) com conseqüentes limitações e sofrimentos próprios da matéria. Desde que o Espiritismo se afasta da rígida Doutrina Católica da existência de um Purgatório ou de penas eternas no Inferno, reencarnar passa a sentido de expiação através dos sofrimentos e incômodos deste mundo, etapa natural e necessária para atingir certo grau de evolução ou progresso espiritual. Como se diz por aí: Tudo se paga neste mundo, a não ser que se morra de desastre. No caso da reencarnação ‘pagam-se’

também as dívidas, contraídas em encarnações pretéritas. Não se realce todavia este aspecto negativo da expiação, como fez Ana L. Galinkin (1967:54) em sua dissertação, porque as normas básicas de conduta do Amanhecer se substanciam no Amor, na Tolerância e na Humildade evangélicas. “Com essas três condições é possível a qualquer ser humano reformular sua existência, adquirir uma visão mais ampla da vida e equacionar seus problemas desta Terra” (Sassi 1977:13). É designada também como posição Crística que noutros contextos, significa o bimilenarismo cristão, fase que se aproxima do fim, entrando-se no Terceiro Milênio, caracterizado pelo perfeito

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acasalamento Ciência-Religião, através do qual o ser humano se liberta das angústias que o cercam.

A própria Tia Neiva ajuíza estar sendo a reencarnação cada vez mais aceita pela Ciência, embora repelida pela ‘Teologia Tradicional’ que rejeita do mesmo modo o mediunismo ou mediunidade. O ‘Intelectual’ perfaz o pensamento da Clarividente: “A verdade é que estamos no fim de uma Era Civilizatória e muitos fatos, aparentemente novos, estão sendo aceitos pela humanidade. O principal é que haja sempre focos de luz Crística disponíveis para os que buscam a luz” (1976, ‘Sob os Olhos da Clarividente’, p.141).

O Intérprete do Vale mostra-se generoso e liberal em seus vôos de exegese bíblica. Abrindo o capítulo da ‘Infra-Estrutura Crística’ sobre a prática do mediunismo, revira um pouco o versículo 20 do cap. 18 do Evangelho de São Mateus: “Onde houver duas ou mais pessoas reunidas em Meu nome, Eu estarei entre elas em Espírito e Verdade. Esta promessa do Mestre Jesus, repetida antes de qualquer trabalho mediúnico, é a melhor forma de garantir para ele a assistência dos espíritos superiores. “Essa frase evangélica pode ser repetida em todos os quadrantes do Globo, em qualquer língua, pois dificilmente o seu sentido pode ser deturpado” (Sassi 1974:80). Pois bem, numa frase tão curta e sintética, com apenas 15 palavras na mais antiga versão latina, e 16 no original grego, aditou a tradução ‘sassiana’ das interpretações, a segunda com manifesta tendência Espírita. Os textos primeiros da Bíblia só permitem esta leitura: “Onde estão dois ou três congregados em Meu Nome, aí estou no meio deles” com apenas 14 termos em vernáculo.

Neste teor prossegue o Sr. Sassi: “O Mestre Jesus representa, no atual Ciclo de Peixes, o Cristo atuante, a manifestação sensível de Deus aos seres humanos. Pouco importa se a apresentação se faz em termos de Budismo, Hinduísmo, Catolicismo ou outras roupagens religiosas. A presença Crística se evidencia através de fatores que são comuns e inconfundíveis a todo o espírito, encarnado na Terra ou em outras condições nas suas

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imediações. Toda religião, doutrina, iniciação, ciência oculta, conhecida ou não da atual humanidade, esotérica ou exotérica, se caracterizará como Crística, se a atitude fundamental que sugerir se puder resumir em três palavras: Amor, Humildade e Tolerância”.

Na Doutrina do Amanhecer ocorre com freqüência a expressão Carma e seu adjetivo cármico, concepções herdadas da filosofia hindu. Convém recordar que o aprendizado iniciático de Tia Neiva, Ela o recebeu do mestre tibetano Humahan ou Umarama no período de 1959 a 1964. Portanto, carece de alguns esclarecimentos sobre idéias da longínqua Índia para inteligência dos acontecimentos do Vale, e mais ainda se absorve, de caminho, que Pai Seta Branca é um índio, e que nossos nativos ganharam este nome por acaso na história, não, porém, sem alguma fatalidade dos planos superiores.

Não cabe naturalmente aqui uma especulação profunda da complexíssima filosofia religiosa da Índia donde se originou o conceito C a r m a, no sânscrito karman. Trata-se de um problema de vida e morte gerando angústia, cujas causas, de acordo com os mais antigos textos dos Upanichades (Upanishad), meio milênio antes de Cristo, se encontram na ambição (kama) e na ação do ativismo desordenado (karman). Derivado da raiz kri, ‘carma’ significa dever, necessidade ou ação que boa ou má, terá retribuição, e retribuição sempre nesta vida ou neste mundo, através de renascimentos ou de reencarnações. Relacionada com a migração das almas ou espíritos, a Doutrina do Carma popularizou-se como fatalidade do destino, descambando para expiação de dívidas e faltas morais.

No Vale se aprende que vivemos o Ciclo de Peixes e do Carma, cujo símbolo é a estrela de seis pontas, considerada de Davi no Antigo Testamento e revivida atualmente na bandeira do Estado de Israel. Sassi (1974:81) empresta-lhe especial importância, já que seus ‘triângulos eqüiláteros sobrepostos representam a evolução e a involução’. E prossegue: “Carma significa o pagamento de dívidas anteriores, liquidação de débitos. Por isso a figura de Jesus aparece como o Redentor, o Salvador, o Amigo que ajuda a pagar nossas dívidas”. Repare-se desde agora que o ‘Padre Nosso’ na liturgia do Vale segue versão tendenciosa da Vulgata Latina de perdoar ‘as

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nossas dívidas, se nós perdoarmos os nossos devedores’. Mas sobre este tema voltaremos mais tarde no capítulo da liturgia.

* * *Mediunismo e

Mediunidade derivam-se do vocábulo ‘Médium’, que quer dizer meio: o ser humano colocado como intermediário entre as forças superiores e seus semelhantes aqui neste mundo, um ‘Meditador Dei et

Hominum’, (Mediador de Deus e dos homens), como ensinou o Papa Pio XII em uma encíclica. Donde se vê como o Espiritismo explora ao máximo os ricos filões do Evangelho. Então conclui o Sr. Sassi constituir a base prática do mediunismo, a manipulação do fenômeno mediúnico em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. O que leva os adeptos a se reunirem é a aceitação do próprio fenômeno como tal, contanto que se não confundam problemas espirituais com religiosos. “Essa sutil distinção entre as inquietações do espírito, e o fato puramente psicológico de pertencer ou não a uma religião, deve ser buscada em termos individuais” (p.81).

Próprio da Doutrina do Amanhecer é a constante presença de um DOUTRINADOR que permanece ‘todo ouvidos’ ao lado do médium enquanto esse efetua a cura espiritual de seu cliente. Com isso procuram Tia Neiva e Seu Mário corrigir a interminável história de fraudes conscientes ou inconscientes, praticados por médiuns exagerados e exibicionistas, apontados pelo codificador do Espiritismo, Leão Hipólito Denizart Rivail (Allan Kardec), e por ele vigorosamente profligados em meados do século passado. Sendo a faculdade mediúnica uma propriedade do organismo, não depende evidentemente das qualidades morais de seu portador, etc. O papel do DOUTRINADOR no Vale é de importância capital e, até decisiva. Todo o Fascículo nº 2 das Instruções Práticas para Médiuns é consagrado em núcleo à preparação esmerada dos Doutrinadores.

Chegou entretanto, o momento de precisar a especiosa distinção entre alma e espírito que nos fornecerá justa compreensão do fenômeno espiritista. Uma alma é ‘fabricada’ em cada encarnação juntamente com o corpo. O espírito porém, sempre existiu, é sempre o mesmo. Na missão do Doutrinador (Fascículo 2:54) colhemos estas asserções: “A alma está em plano transitório, e o espírito é

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transcendente. Cada um deles se manifesta em nosso campo consciencional de formas totalmente diferentes, impossíveis de serem confundidos”. Existem nesse assunto “duas posições básicas: uma de interesse seu, que irá satisfazer seu egocentrismo natural, sua necessidade pessoal, isto é, a satisfação da sua alma, e a outra que irá contrariar esses interesses e irritar o seu ‘ego’; a probabilidade mesma é que essa outra alternativa beneficie alguém, mas esse é o lado do espírito!” Quem pois, rejeitar o ensinamento mencionado que separa claramente alma de espírito, não conseguirá penetrar os mistérios de Allan Kardec, e menos ainda julgar o fenômeno e a ‘práxis’ do Vale do Amanhecer.

Aí afloram várias funções com nomes próprios, hierarquias e, até mesmo ‘Tronos’ ou sejam, pequenas mesas com apenas um lado disponível, onde se assentam o cliente e o médium de incorporação, o Apará. Tentei saber a origem deste vocábulo, pensando que viesse de povos africanos, mas nem Mário nem Tia Neiva me deram qualquer explicação. Ela recebe este e outros termos como Clarividente sem preocupar-se com suas procedências.

A primeira etapa do iniciante consiste em assimilar as idéias do Vale do Amanhecer: vide Fascículo p.10 e ss. Após uma palestra nos ‘Tronos dos Pretos Velhos’, as ‘águas do rio da vida’ passam a correr no canal mediúnico. Os pontos de captação e transmissão de força espiritual do ‘novato’, existentes na periferia do corpo (‘perispírito’), na terminologia de Tia Neiva denominados Chakras, são abertos. Nomeiam-se: Chakra Coronário bem em cima da cabeça, que alimentam a força do Doutrinador;

Chakra Umbilical na região do Plexo Solar (expressão muito a gosto de M. Sassi), que elabora o desenvolvimento maior do médium Apará.

Apará é propriamente o médium incorporador, elemento que recebe imediatamente as forças ou vibrações sidero-magnéticas dos espíritos superiores (ou inferiores) a serem aplicadas no cliente que, nos ‘Tronos´, se acomoda a seu lado. Por trás do Apará permanece atento, de pé, o Doutrinador, ‘cuja mediunização torna seus sentidos

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mais alertas (ao contrário do Apará que fica semi consciente)’, sendo responsável por tudo o que ocorrer durante o atendimento da ‘Cura’. Ele ‘acompanha o trabalho do Preto Velho ou do Caboclo, esclarece o cliente, doutrina os sofredores que o Preto Velho ou o Caboclo puxam do cliente e garante o máximo possível a satisfação do atendido’ (Sassi 1977:8). Os Aparás são preparados para o fenômeno da incorporação através dos Mentores, outra função de realce no ‘endoutrinamento’ do Vale. O mentor orienta o Apará na incorporação dos ‘Guias, ou seja, espíritos do Plano Superior que irão exercer sua missão por seu intermédio’. Os ‘Guias’ apresentam-se nas três ‘roupagens: Pretos Velhos, Caboclos e Médicos’ (Fascículo 2º-1977:44).

Doutrinador é, provavelmente a 5ª essência da doutrina e ‘práxis’ do Amanhecer. As figuras dos Aparás, dos Guias, dos Mentores e outras mais encontram-se também com outros nomes e fórmulas em quase todas as seitas de Allan Kardec. ‘Porém, a mediunidade do Doutrinador’- Salienta o Fascículo 2º :53, supra citado –‘Não existe antes da Missão de nossa Clarividente. Ninguém jamais se lembrou, ou foi considerado possível, que pudesse existir um transe mediúnico com base na consciência plena, no sistema nervoso ativo. A figura do Doutrinador foi criada em nossa corrente, em Brasília, em 1959’. Daí para frente o mediunismo passou a ter, no Vale do Amanhecer, um certo controle que pode atalhar muitos desprazeres e indesejáveis conseqüências para os líderes do movimento. Fala-se mesmo de uma base científica para caracterizar o fenômeno. Resumindo, a missão por excelência do Doutrinador seria de transformar a pessoa do Médium Apará num instrumento do espírito (não da alma, conforme se distinguiu anteriormente!), ‘Ser um intermediário, um Médium, entre os planos superiores e a Terra’ (ib.p.56).

Neste contexto, M. Sassi passa numa digressão pelo campo da exegese evangélica: A Doutrina do Amanhecer baseia-se no Evangelho e no sistema Crístico; todavia as Escrituras não oferecem segurança sobre o genuíno ensinamento de Jesus Cristo, por causa das muitas cópias e versões que tanta polêmica e discussão tem suscitado nestes últimos dois milênios de Cristianismo. Talvez prevendo todos esses azares por que passaria sua doutrina, edificou o Divino Mestre um ‘sistema’ que lhe garantiria autenticidade, ‘implantado no planeta e no coração dos Homens’. A função do Vale ‘é a de fazer funcionar o Sistema Crístico na Terra, aplicando no

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cotidiano as Leis Crísticas. Se essas Leis não estão claramente expressas no Evangelho, ou se ele não tem condições de ler, seja por falta de escolaridade ou de tempo, aprende pela sua mediunidade’ (p.57).

b) Sistema Crístico – Milenarismo

Se o Espiritismo e, no caso, a Doutrina do Amanhecer não negassem a natureza divina da pessoa de Jesus Cristo, quase que passariam por uma forma, um tanto estranha vá lá, de viver o Evangelho conforme as seculares e autênticas interpretações da Igreja Católica. Esta, porém, sob nenhuma condição, abre mão do mistério Trinitário de Deus em Três pessoas distintas, cada qual participando igual e totalmente da mesma divindade: O Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus.

Tratando-se aqui de uma questão extremamente delicada em que, pelo menos teoricamente, Mestre Mário e Tia Neiva, de tradicional formação católica, manifestam convicções que os excluem da organização eclesial visível da Igreja, vamos simplesmente expondo os pontos da Doutrina do Vale quase que literalmente como se acham em seus escritos e publicações.

A existência de um Deus Criador não é posta em dúvida, permanecendo, porém, sua natureza fora de nosso alcance mental. “É impossível para um espírito encarnado, isto é, para nós imaginar ou idealizar esse Deus. Qualquer concepção humana estará automaticamente reduzindo-o ao tamanho de nosso mecanismo psicológico. Essa redução é incoerente com a própria idéia de Deus” (p.59). São antropomorfismos.

Como no Antigo Testamento se falava de ‘Deus Pai’, ‘Deus Criador’, ‘Deus de Israel’, complicando ainda mais o problema ‘ os exegetas do Cristianismo identificaram a figura de Jesus como Deus. Mas não ficaram só nisso e, talvez para tornar esse ‘Deus’ mais maleável nas suas construções religiosas, fizeram-No gerar como um Homem que gera um filho, ao seu ‘filho único’ que seria Jesus. E assim foram criando outros ‘mistérios’ que se tornaram o desespero de toda a Humanidade por todos os séculos (p.60). O que tudo só serviria para trazer imensa angústia aos seres humanos.

“Para evitar essa complicação, que não leva à parte alguma, e o que é pior, nos desvia de nossa própria realidade, da nossa vida e dos objetivos para os quais viemos a este planeta, o Mestre Jesus

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resolveu tudo com poucas palavras: “Eu sou o caminho da verdade e da vida, ninguém vai ao Pai senão por Mim “ (João 14,06)”. Após uma tradução livre, sob encomenda, modificando essencialmente os textos originais do Evangelista, dá vazão ao argumento pré concebido de que Jesus não é Deus: “Neste caso, Deus seria a verdade absoluta; Jesus Cristo o portador da verdade que leva a Deus. O ‘Eu’ centraliza no campo consciencional o caminho a ser percorrido por cada ser humano, cada qual segundo seu destino” (p.61).

Cristo, o ‘ungido’ pelos óleos santos, que recebeu uma especial consagração para determinada missão, ‘seria então o co-autor, o co-responsável pelo Universo mais próximo da nossa capacidade concepcional...Jesus personifica, para esses dois mil que estão terminando, o Cristo ou apenas Cristo”. Usando uma comparação de continente e conteúdo, como o caso do copo e da água nele contida, finaliza que Deus e Cristo se tornaram perceptíveis e definíveis na figura de Jesus. “Outros seres como Jesus existiram antes e existirão depois, mas também nesse sentido a nossa capacidade de verificação é limitada” (p.62).

Jesus teria fundado uma escola Iniciática, denominada Escola do Caminho, encontradiça em parte nos Evangelhos, onde se acham também pormenores sobre o Sistema Crístico, inclusive sobre as “Casas Transitórias do Mundo Etérico”. “Desde a vinda de Jesus ao Planeta até nossos dias, essa Escola vem atuando e encaminhado a evolução dos bilhões de espíritos que nele se matricularam, encarnando e reencarnando na Terra... Os resultados aparecem em todos os seres humanos e não somente naqueles que se identificam como religiosos... Ela não pertence a grupo nenhum, não é privativa de apenas alguns seres humanos, mas é de toda a Humanidade em todos os tempos. Nesse sentido, toda a Humanidade é Cristã, isto é, está incluída no Sistema Crístico do qual a Escola do Caminho é a executora, nestes dois Milênios para esta parcela da humanidade”. (Cf. pp 63/64).

O Vale do Amanhecer é uma das Escolas do Caminho, organizada por um Mestre Planetário, Pai Seta Branca, o índio das Regiões Andinas reencarnando a figura de São Francisco de Assis, e tendo como pólo oposto Mãe Yara, ambos chefiando uma falange de aproximadamente três mil espíritos, especializados em missões dentro do Sistema Crístico, mas remontando a mais de 30.000 (trinta mil) anos. (Veja-se o nº 3 do 1º cap. Sobre Pai Seta Branca). Estes espíritos excelsos passaram por provas e reveses, ‘eram na maioria

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de suas encarnações, fidalgos ou viviam nas imediações dos nobres, dos guerreiros, dos Reis e dos Governos’ (p.64).

Conhecidos como Equitumans, Tumuchys e Jaguares viram-se, na Era Cristã, “tocados pela Lei do Perdão, da Humildade e do Amor”. Pelo fim do século décimo, primeiro milênio do Cristianismo, “Eles estavam tão embaraçados nas suas tramas (o Sr. Mário, infelizmente, não esclarece quais sejam ou seriam), que a Lei Crística os recolheu ao Etérico. Eles então passaram por um sono cultural de muitos séculos e foram sendo preparados para a missão do advento do Terceiro Milênio” (p.65).

Assim entramos na questão do Milenarismo ou Bimilenarismo na Doutrina do Amanhecer. O Sr. Sassi e Tia Neiva (como já se observou alhures) andam preocupados com suas origens e ascendências ciganas, Ela talvez por ter viajado muito por esses mundos de Deus, ele também por ter tido vida agitada a começar, parece, com seus ancestrais já na Itália com supostas ligações a um grupo – de nome Caquiximochi – desses negociantes errantes em indeterminadas regiões da Rússia onde deram início à Magia Branca do Cristo.

Faltam apenas vinte e poucos anos para o ano 2000. Dentro de 6(seis) anos deverão ter início os grandes sinais do Terceiro Milênio para substituir o Sistema Crístico do Ciclo de Peixes pela Era do Aquário – 1984 está às portas (Sassi 1974:89). Jesus Cristo, o grande Orixá e Mestres dos Mestres, veio pessoalmente a este Planeta: “Naves gigantescas, com pilotos experientes dos Planos Etéricos, vararam a densa matéria e foram abrindo caminhos para o Céu. Plataformas espaciais foram estabelecidas, a fim de receber os espíritos que começavam a se libertar do jugo físico e da prisão etérica. No plano físico, os missionários encarnados se organizavam em sistemas mediúnicos e os primeiros médiuns começaram a exercer sua piedosa missão de dar oportunidade aos espíritos acrisolados. A esse fato se deve a confusão inicial do Cristianismo e o nascimento de tantas seitas. Para que houvesse ectoplasma adequado às desobsessões maciças não poderiam existir os grupos harmônicos e espiritualizados. Por outro lado, a tônica predominante era a da psique obsidiada pelas especulações filosóficas e intelectuais” (2000 – A Conjunção de Dois Planos, 1976:225/226).

Até hoje o Evangelho ainda não conseguiu completar o processo. Doravante é que virá a realização final do ‘Ciclo Redentor’. Dois mil anos são nada em comparação aos milênios anteriores, ou milhões de anos que recentes achados arqueológicos na África nos

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convidam a retroceder na longa história da Humanidade. ”Espíritos tenebrosos, acrisolados há milênios nas sombras vão sendo desalojados e lançados na Terra física”. Não obstante funciona o processo Redentor sem quebra de continuidade através do trabalho de espíritos evoluídos e altamente cristianizados. Existem na Terra sete pontos de irradiação, um deles é Esparta, na Grécia, e um outro se chama Brasília. Sua missão e a do Vale do Amanhecer consistem em ‘elucidar o Homem para o Terceiro Milênio’. Tais espíritos são chamados “Astronautas”..., “figuras louras e belas, cinturões cheios de botões misteriosos”, encontradiços nos livros de ficção científica, por sinal leitura predileta de Mário Sassi (Sob os olhos da Clarividente, 1976: 225 – 227).

Comumente se transportam em ‘disco voador’. Utilizam-se também de ‘um sistema de projeção triangularizada’ nas montanhas do Tibet e dos Andes. ‘A última estação de retransmissão é um ponto situado no Vale do Amanhecer. Mas eles não projetam apenas o som, mas sim a eles mesmos, numa espécie de sistema de televisão, muito avançado’.

O invisível mundo etérico que nos cerca, predominará sobre o físico em que ora gememos e sofremos. Até que a Terra atinja este plano mais sutil, terá que suportar as dores do ‘gigantesco parto sideral’, intensificadas já nos tempos atuais. “Fenômenos desconhecidos acontecerão visivelmente, sensivelmente. Muitos desses fenômenos já estão existindo mas ainda são confundidos com os fenômenos já conceitualizados. Apenas os precursores terrenos e os ‘astronautas’ exilados na Terra sabem disso”. Mencionam-se, outrossim, fenômenos no campo do Espiritismo e da Parapsicologia. Nem resolve dizer que coisas análogas já se deram no passado. Existe agora uma ‘diferença evolutiva’. Basta que nos reportemos às ‘Espirais Ubaldinas, às Volutas de Pietro Ubaldi na Grande Síntese, para entendermos fácil’ (p. 227). Ubaldi, italiano, pertence aos corifeus da “Filosofia Espiritista”; meio visionário e profeta, estribando-se em nubiloso Monismo evolucionista, preconiza, com Humberto de Campos, o “Brasil como coração do Mundo e Pátria do Evangelho”, líder da Nova Civilização do III Milênio.

Levando em conta a distinção entre alma e espírito (do que se falou mais antes), vai M. Sassi (1974: 89-93) prosseguindo em suas convicções de que tenebrosos aconteceres estão à vista. Às mortais almas e seus corpos, restam somente duas dezenas de anos, mas o começo de tudo já vem logo aí, em 1984. “Para os Espíritos que

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habitam essas almas e esses corpos, haverá novos caminhos a percorrer, novos corpos e novas almas”, enfim sempre um ‘jeito à brasileira’. Haverá ‘novas formas civilizatórias, novos conceitos de vida. Vêm à baila problemas demográficos de superpopulação, como é moda corrente, de ecologia e de poluição. Os sistemas políticos não funcionam a contento, o Homem perde sua individualidade, a liberdade é apenas aparente... periodicamente as neuroses eclodem coletivas em guerras e doutrinas extremadas’. E nos fornecem a explicação-chave para os males que nos afligem: “A conseqüência direta da desagregação da alma aumenta a ansiedade pela tranqüilidade do espírito. Essa atitude explica a atual busca mística e religiosa. As religiões tentam ir ao encontro dessa demanda, mas sua própria infra-estrutura apenas humana, psicológica, constitui obstáculo. Falta o caminho mais seguro que corresponda à realidade humana, que sirva de farol às mentes obscurecidas e abra caminho para o espírito”. E passa a citar o capítulo 24 de São Mateus, onde Jesus profere as profecias do fim do mundo, valendo-se do cenário da destruição de Jerusalém, ocorrida 40 anos após a morte do Divino Mestre.

O reino de Cristo não é deste mundo, mas um reino de paz e tranqüilidade de espírito, em que predomina a vibração do espírito. O sistema Crístico indica o caminho. Jesus, na Doutrina do Amanhecer, é o Caminheiro; há no Templo um Oráculo da Cruz do Caminho. Em tudo, porém, cabe ao mediunismo estabelecer uma ‘nova perspectiva’, melhor adaptada ao quadro atual. O Homem de hoje não se satisfaz apenas com a forma. As religiões são excessivamente formais, estratificadas. O Mediunismo desce às essências e pouco se preocupa com a forma. O que interessa nele é que o ser humano possa se encontrar, individualmente, e tenha um bom instrumental para equacionar sua vida,

que é sempre única e inimitável.

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O ponto mais crucial da Doutrina do Amanhecer é sua interpretação do Milenarismo ou Bimilenarismo, pois que aceita os períodos cíclicos de cada dois mil anos antes de nossa Era. Mas qualquer ajuizamento mais rígido em torno dos conceitos e das conseqüências tiradas dos ensinamentos do Vale, corre risco de ser rejeitado, como foi o caso da dissertação de mestrado de Ana Lúcia Galinkin (1977), da Universidade de Brasília. Por isso, na presente pesquisa, ativemo-nos a citar as próprias palavras do ‘intelectual’ Sassi. Onde o leitor encontrou obscuridade, fica mesmo obscuro, porquanto as ‘revelações’ da Clarividente nem sempre podem ser entendidas e interpretadas corretamente pela escola que a rodeia, cujo líder naturalmente é o Sr. Mário. Nem adianta falar em seguidores da Doutrina do Amanhecer (Galinkin 1977:50), pois a maioria das pessoas que freqüentam o Vale não se preocupam tanto com teorias e especulações, senão que andam principalmente em busca de alívio para seus males espirituais e corporais. Aliás, é esta sem dúvida a tônica das publicações provenientes da pena de Mário Sassi: fazer, agir, trabalhar, ajudar a quem estiver precisando de auxílio, sobretudo moral.

Também não se exagerem – insiste Sassi – as atribuições do Pai Seta Branca como reencarnação de São Francisco de Assis, figura privativa da Igreja Católica, pois o Vale do Amanhecer faz questão de constituir ‘algo próprio’, e não um mero sincretismo religioso-espírita sob certa predominância de “práxis cristã”. O índio pacificador, que falava aos conquistadores espanhóis em começos do século XVI, ocupa lugar de destaque na Doutrina do Amanhecer, pode ser quase comparado a Jesus Cristo (que não é Deus!), todavia não é Ele quem decide sobre os destinos do mundo e dos tempos com seus milênios. Parece mais um ‘executor’ das ordens divinas nos planos superiores, enquanto Tia Neiva comanda na Terra a missão de preparar a humanidade para penetrar no III Milênio, que será a Era do Aquário com domínio do Espírito e da Ciência. Somente uns poucos adeptos do Vale se consideram descendentes de antigas tribos ciganas que, como Mário e Neiva, procuram reencontrar-se neste novo centro de captação de energias espirituais. Note-se entretanto, que os primeiros ciganos aportaram ao Brasil pelo fim do século XVI, sob o Reinado Espanhol, não tendo porém, influenciado quase nada na formação de nosso povo.

Concluindo, dizemos que o Bimilenarismo não exerce tanta influência na vida prática do Vale do Amanhecer. A maioria dos

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milhares de médiuns e a quase totalidade dos clientes que lá chegam, parecem preocupados com suas necessidades materiais e espirituais. Mesmo em caso de as ‘profecias’ com data marcada para 1984 não se realizarem como vêm descritas na literatura do Amanhecer, a Obra e a Missão irão avante. Ali tudo transcorre de maneira muito simples e tranqüila, sem preocupações teóricas de ordem especulativa ou intelectual. Não se faz polêmica, evitam-se discussões, não se exige identificação de ninguém, ninguém sofre repressões por suas atitudes pessoais principalmente ‘extra muros’, fora dos limites geográficos da entidade. Respeito a essas questões se falará logo mais.

d) Alguns aspectos morais

Na Doutrina do Amanhecer insiste-se freqüentemente no Livre-Arbítrio, conceituação teológica (e católica) que reconhece a Liberdade do Homem de escolher entre o bem e o mal, tornando-se destarte, responsável perante Deus, sua consciência e perante os seus semelhantes, neste último caso com decorrências penais. No contexto da reencarnação, postulado incondicional para penetrar-se nos ensinamentos do Vale, os males que afligem o indivíduo neste terreno peregrinar, podem ser atribuídos a falhas cometidas em encarnações anteriores. Aliás, percebe-se claramente o teor desses argumentos nos ‘Primeiros Passos’ da própria Tia Neiva (Sob os Olhos da Clarividente 1976:29), angustiada por episódios de um passado tenebroso, referto de crimes hediondos. Nesse transe quem a conforta é a negra Mãe Tildes pela voz do mentor espiritual Pajé: “Seus crimes – disse ele –, sempre tiveram cunho impessoal, em enredos políticos e na tentativa de evoluir outros. Este, porém, foi todo pessoal, e é por isso que Nicácia está agora nas suas mãos. Se salvá-la, você dará o testemunho da sua missão, e aproveitará a única oportunidade de conseguir o perdão do crime cometido num momento de paixão”. Nicácia seria o espírito de uma bailarina egípcia, por onde já transara também o de Tia Neiva, de que já houve referência mais atrás no capítulo do Pai Seta Branca.

Pelo conhecimento dos ‘caminhos cármicos’ a Clarividente não se ajuíza com direito ‘de julgar’ ou ser juiz de ninguém (p.33). Não aconselha nem exige que se abandonem os amores clandestinos, mas ajuda onde pode com todo carinho – ponto fundamental da Doutrina do Amanhecer. “O que não se pode é subordinar o auxílio espiritual a conceitos preestabelecidos da moral ou de como as coisas devem ser.

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Deixemos isto por conta de Deus e dos seres que criou”. No dilema entre sexo e morte, exclama a Clarividente: ‘Afinal, amar não é pecado’, palavra que não consta do dicionário espírita (p.94).

Outro aspecto muito em voga no Espiritismo aparece: o das almas gêmeas, para justificar uniões conjugais fora das Leis em vigor. O casamento singular, um homem com uma única mulher, indissolúvel por toda a vida, revela-se questão delicadíssima para a moral cristã, máxime pela disciplina austera da Igreja Católica. Esta rigidez tradicional de que se não abre mão, face ao embate do novo ambiente social causado pela civilização industrial, vem provocando sérios impasses na

consciência ética de numerosos fiéis que, formalmente, estão proibidos de participar na vida sacramental da Igreja. Esta falta de entrosamento na vivência íntima do Corpo Místico de Cristo, dada a propensão do brasileiro a manifestações de caráter coletivo, social e familiar, tem ocasionado verdadeiras corridas dos católicos para outros credos e formas religiosas em que as Leis da união matrimonial parecem mais suaves, e os costumes menos rígidos.

A estória das almas gêmeas, remonta aos tempos de Cristo, retratando o Amor de Lívia e Emanuel, sendo este um tal Senador Públio Lêntulo, inclusive com delegações na Judéia ao tempo do Imperador Tibério. Lívia, seguidora de Jesus, intercedendo por este perante Pilatos (Mateus, 27,19?), fora acusada de ser amante do Procurador Romano, e martirizada 25 anos mais tarde no Circo Romano, por adúltera. Emanuel, em pleno século XVI reencarnou no missionário jesuíta Pe. Manuel da Nóbrega (coincidência do nome Manuel); sua pequena filha Flávia é também uma das encarnações do

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famoso médium mineiro Chico Xavier, de Uberaba. Deste provém a canção “Almas Gêmeas”:

Alma gêmea da minh´alma, Flor de Luz de minha vida, Sublime estrela caída

Das belezas da amplidão!...

Quando eu errava no mundo Triste e só, no meu caminho,Chegaste devagarinho, E encheste-me o coração.

Vinhas nas bênção dos deuses, Na divina claridade,Tecer-me a felicidade, Em sorrisos de esplendor!...

És meu tesouro infinito. Juro-te eterna aliança,

Porque eu sou tua esperança,Como és todo o meu Amor!

(Rafael A. Ranieri – Recordações de Chico Xavier, S. Paulo, 1976: 53-57).

Desde março de 1974, Mário e Tia Neiva uniram-se pelo vínculo matrimonial segundo o rito do Vale do Amanhecer. Da parte da Clarividente, viúva, nenhum obstáculo, mas ele está casado com Moema enquanto esta for viva, de acordo com os sagrados cânones da Igreja Católica. Como porém, insinuamos ao retratar a biografia do intelectual, o encontro de ambos em Taguatinga, por volta de 1965, foi como que um reencontro de duas ‘almas gêmeas’, num abraço avassalador, ambos maduros e enriquecidos das mais diversas e duras experiências da vida real, do cotidiano, do terra-a-terra. Donde, o se mostrarem de inesgotável paciência, e de extrema compreensão para com as pessoas desajustadas.

O reconhecimento de Tia Neiva pelo afeto e dedicação do Sr. Sassi é público, tanto assim que, à esquerda da entrada do Templo, se ergue um pedestal-monumento ‘ad perpetuam rei memorian’ onde

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se lêem os dizeres refertos de unção e afetuoso agradecimento: “Salve Deus! Mário, recebestes pelos meus olhos de Clarividente o Espírito da Verdade, e com ele enunciastes a volta dos Equitumans, desencadeando a ciência do Jaguar Tumuchy. Então a recompensa de Deus te faz e te ilumina por todo o universo, Primeiro Jaguar nos Templos do Amanhecer”.

Insiste continuamente o Sr. Sassi (1977:26) que a Doutrina de Tia Neiva NÃO É UMBANDA, NEM CANDOMBLÉ, NEM KARDECISMO, NEM INDUÍSMO, NEM TEOSOFIA OU CATOLICISMO, senão que “uma doutrina com sentido universal com base no Sistema Crístico”. Identifica-se, todavia, com o Espiritismo pela crença na reencarnação que remonta aos albores de antiqüíssima tradição iniciática. Aos médiuns da corrente, não se permite tecer críticas ou censuras a quaisquer doutrinas ou religiões. Nada obstante o conhecimento das três preposições evangélicas “Amor, Tolerância e Humildade”, de informações pessoais do Intelectual e da própria Tia Neiva, estou a par de algumas quizílias do Vale, verbi gratia, que os médiuns ligados oficialmente à Doutrina do Amanhecer, não podem participar dos sacramentos da Igreja Católica, sendo-lhes vetada terminantemente a comunhão eucarística. Porque, dizem, isto viria quebrar e tumultuar os ‘fluxos’ espirituais e magnéticos do Templo, constituindo, outrossim, notório abuso e falta de respeito mútuo entre as confissões religiosas.

Honra seja feita, durante esses quase dois anos em que venho visitando o Vale do Amanhecer, nada percebi (embora vale dizer, o tenha procurado até com certo acinte) que desabonasse a conduta e os ‘mores’ daquela instituição. Sobretudo na parte de dinheiro, geralmente o ponto fraco desses movimentos, em parte alguma notei qualquer tipo de exploração. O que se nota é muita pobreza e simplicidade. Também nos bares e lanchonetes cobra-se comumente o preço justo, parece com uma mínima base de lucros. Os próprios líderes, Mário e Tia Neiva, vivem em barraco comum, abafado, e certamente com algumas goteiras durante as chuvas, têm refeições frugais sem nenhuma bebida a não ser água natural. Nenhum segredo: todo o mundo entra e sai à vontade, numa sobriedade que nos faz lembrar como deveriam ter sido os primeiros tempos do Povorello de Assis. No que tange a certos aspectos da moral afetiva, fora alguns namoricos, o ambiente transpira paz e tranqüilidade, compreensão e mútuo auxílio.

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De um ou outro médium se ouve esta ou aquela blasonaria de que a influência do Vale desce a todos os recantos do Distrito Federal, principalmente entre as altas cúpulas da administração. “Com a saudação SALVE DEUS, penetra-se em toda a parte, abrem-se acessos desde o mais humilde porteiro de um Ministério até o Palácio de Presidente da República, cortam-se filas de espera nas repartições públicas, nos bancos, etc.” De fato, a julgar pelos nomes de pessoas que são deixadas nas banquetas e mesas de oração, vê-se que muita gente grande passa por lá, mesmo de classes pouco afetas a religiosismo. A título de ilustração esta lista manuscrita de um matutino brasiliense, encontrada na ‘Extensão do Templo’ em 22 de novembro de 1977:

“SALVE DEUS – Fernando Câmara, Diretor Comercial; Jaime Câmara Júnior, Diretor-Superintendente; Wilson Pedrosa, Gerente Industrial; Vítor Daniel Mosqueira, Chefe de Impressão. Toda a Direção do JORNAL DE BRASÍLIA. – Antônio Batista Reis, Roberval Sobral Barros, Alexandre Coelho da Silva, Ângelo Cavalari, José Carlos Gomes, Carinhoso, Bonitinho. SALVE DEUS todos da Impressão do JORNAL DE BRASÍLIA – Setor de Indústrias Gráficas”.

- Também alguns bilhetinhos com papel timbrado do “Gabinete do Ministro, do Ministério do Trabalho”, encimados com as Armas da República Federativa do Brasil: Alvina Cavalcante Gama, 27 anos. Mestre Sol, 2ª Samaritana; Eva Apolônia Correia, 39 anos, 1ª Samaritana. Estrela Candente. SALVE DEUS!”

No mais, importa lembrar que Brasília é considerada uma cidade sem convívio social definido, para onde acorrem muitos desajustados. Notória parte dos funcionários, para cá transferidos, já levavam vida conjugal irregular em suas cidades de origem, a começar pelos altos escalões do Governo Federal, inclusive membros do Congresso Nacional. A quem observa ainda que perfunctoriamente a clientela e os freqüentadores do Vale não escapa o apreciável número de automóveis luxuosos, madames da sociedade, carros oficiais, etc. Outros pontos e porquês tornam-se mais claros no capítulo subseqüente que trata da hierarquia, Em resumo, seguindo o preceito evangélico do não julgueis e não sereis julgados, não se exige nenhuma forma de comportamento, mas o “Vale aceita a pessoa como

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ela é, sem discriminação. Quanto pior for a situação do paciente, tanto em relação a si mesmo como ao meio em que vive, maior é a sua necessidade de ser recebido com amor e tolerância... O Vale nada tem a ver com as pessoas fora do recinto... O cliente tem direito a ser atendido e nada fica a dever, nem sequer a obrigação de ser adepto da Doutrina... A única coisa que é exigida dos Médiuns é a abstenção do álcool mesmo fora do recinto”... (Sassi 1977:15).

3. A Hierarquia no Vale do Amanhecer

Para melhor inteligência das “hierarquias celestes e terrestres” na Doutrina do Amanhecer, faz mister lançar alguns esclarecimentos sobre o reino dos espíritos, à maneira de como são analisados pelo Mestre do Vale, cuja autoridade lhe vem toda da Clarividente. Passo importante no Espiritismo e de inumeráveis conseqüências no Mediunismo é o fenômeno da morte cuja trágica fatalidade buscam minorar e esvair sob o eufemismo do desencarne. Não perder de vista a distinção entre alma e espírito; este preexiste àquela que é criada juntamente com o corpo, e a qual, após o desencarne, ainda

prossegue alimentando-se de energias da Terra. Para o espírito que seria quase eterno como Deus (antes e depois), a vida encarnada neste mundo constitui nada mais que um ‘curso na escola da Terra’ (Sassi 1974:28). Vejamos mais: “Para que a alma subsista ao desencarne, ela se separa do corpo físico, parte do sistema da personalidade está concentrado... Como não tem um corpo para seu sustento, ela passa a se alimentar de outros corpos (ectoplasma?) se isto estabelece o relacionamento inevitável entre vivos e mortos”. Daí consegue o Espiritismo explicar um mundo de fatos estranhos, geralmente meio misteriosos. O desencarne pode suceder fácil ou difícil, dependendo da maneira como o agonizante viveu.

“O processo dura cerca de 24 horas, no desencarne considerado normal, isto é,

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que se dá por moléstia. Depois do último suspiro, ou seja a cessação do processo metabólico, o espírito deixa o corpo e se coloca pouco acima dele em posição inversa em relação à cabeça, se o paciente estiver deitado em decúbito dorsal. A partir desse momento, começa a absorção do acervo da personalidade que acaba de morrer. Na medida em que o espírito vai recebendo os fluídos e emanações, ele vai formando um novo corpo e este vai-se distanciando do cadáver. Terminando o processo, o novo habitante do mundo invisível se afasta e o corpo inanimado entra em decomposição. Neste mundo, o espírito, com toda a bagagem, entra no estado semelhante ao indivíduo que acabou de falecer. Ele ainda é considerado um cadáver, até que o destino tomado lhe dê condição de ‘vivente’ do plano em que se encontra” (p.29). No caso de desastre ou acidente, o desencarne se realiza antes do ato traumático.

Então o espírito desencarnado dirige-se a um lugar ‘dimensional’ no Astral superior, denominado Pedra Branca, onde passa sete dias – provavelmente anda este número sagrado, relacionado com as missas de sétimo dia da liturgia católica. “Ali ele chora, maldiz, rejubila-se, alegra-se ou entristece, na medida em que vai tomando conhecimento do que lhe aconteceu. Seu despertar é o momento solene do exame de consciência sem as distorções do mundo sensorial e dinâmico”. Usando do Livre Arbítrio, em consonância com a Doutrina do Amanhecer, decide-se o espírito por uma nova encarnação, ou também pode rejeitá-la, evidentemente. Existe ainda um outro local no Astral Superior, de nome ‘Canal Vermelho’, em tudo parecido com a Terra, tendo Igrejas de diferentes credos, casas, ruas, iguais às que o espírito conheceu antes de seu desencarne (Galinkin 1977:50). Aí ficam os espíritos pouco firmes na Doutrina, num ambiente semelhante ao da Terra em que viveram.

Não é fácil penetrar toda teia emaranhada das divagações espíritas, principalmente em se tratando de considerações de além túmulo. Ainda estes últimos ensinamentos do Sr. Sassi (pp.29/30): ‘Se cumpriu seu destino e exauriu seu carma, o espírito abandona o plano físico e é levado para uma estação intermediária do etéreo, conforme a falange ou família espiritual a que pertence. Nessas casas transitórias, ele se prepara para voltar ao planeta de origem, onde estava antes de vir a Terra. Devido às condições difíceis desse período, o espírito é chamado sofredor. Esse estado pode durar apenas alguns dias ou séculos. Isso depende Se o Mentor não consegue encaminhá-lo logo após a volta da ‘Pedra Branca’, ele o

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deixa entregue ao próprio destino, pois terminou sua missão junto àquele espírito. Este se torna assim um espírito errante, que vai aos poucos perdendo a identidade, atraído por outros espíritos nas mesmas condições, nas macumbas e ambientes semelhantes somente dele (grifo nosso). Neste mundo o espírito (encarnado) tem de lutar e realizar-se ou entregar-se à fuga, ao suicídio lento, ao parasitismo, tendo então que pagar dívidas após o desencarne. Forçado a permanecer na Terra, ele se torna um sofredor. Mas a misericórdia divina, ainda assim lhe dá novas oportunidades, pois ninguém é abandonado neste mundo de Deus”. É interessante como se desce a pormenores sobre elementos, até agora, meros frutos de imaginação: “O espírito sofredor se alimenta das energias sutis e fluídicas dos seres humanos, do ectoplasma colhido de plantas, animais, trabalhos de macumbas e outras fontes desconhecidas dos humanos. Possui um peso molecular variável com sua densidade. Quando doutrinado e fluidificado a um ponto ideal, adquire leveza suficiente para ser magneticamente levado para os postos de socorro espiritual”. O Evangelho serve para tudo; o caso da legião de demônios, narradas nos sinópticos (Mateus 8, Marcos 5, Lucas 8), que se apossou de uma vara de porcos, merece esta exegese: “Naquele tempo, haviam (sic!) tantos espíritos desencarnados, ainda na Terra, que era comum um Homem ser portador de mais de um espírito, havendo casos em que muitos espíritos habitavam o mesmo corpo, como no caso acima” (p.31).

No mais, nunca se realce demais, a Doutrina do Amanhecer se gloria de seguir à risca os preceitos do Evangelho, porque “o esquema só funciona em sua plenitude quando sob seus auspícios” (p.32).

a) Hierarquia celeste

“Na hierarquia sideral existem todas as categorias de espíritos e infinitos graus de evolução. A Terra é uma complexa Universidade, com toda categoria de alunos. Uns vêm apenas completar o curso, outros vêm para um aperfeiçoamento, outros para fazer um curso completo” (Sassi 1974:38). A comprovação do mundo invisível e espiritual é atestada na base da experiência pessoal e individualizada e das revelações ‘Iniciáticas’. Embora admitindo os sete planos dos grupos iniciáticos (cf. p. 35), a saber o físico, etérico, astral, mental e os três planos crísticos ou búdicos (= pai, filho, espírito – Deus, Verbo, Universo), pensa o Mestre Tumuchy (ib.) bastarem os três planos:

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Físico (corpo), Psicológico (Alma), e Espiritual (Espírito). “O importante é saber que o mundo invisível não é necessariamente o mundo espiritual, da mesma forma que o mundo dos micróbios não é o mundo das Almas, embora ambos sejam invisíveis aos nossos olhos”.

Deus – Inteligência cósmica, criadora e mantenedora do Universo. O conceito de criação “ex nihilo”, do nada, não aparece muito claro. Também se rejeita a doutrina católica da Santíssima Trindade. Freqüentemente ocorrem explicações que levam ao panteísmo, em que incidem inúmeras conceituações religiosas desde que se afastem do ortodoxismo católico.

Jesus Cristo – Constitui figura extraordinária; embora invocado e louvado como “Nosso Senhor” (uma das provas conclusivas de sua divindade de acordo com a mentalidade semítica da linguagem bíblica), não é Deus, pelo menos segundo o teórico Mário Sassi. A Clarividente, todavia, na prática, o trata em paridade divina. Venera-se por excelência como o mediador entre Deus e os homens, por sinal doutrina eminentemente católica. Neste sentido Jesus é “Médium”, o meio, o caminho. No livrinho Hinos Mântricos, dos 25 cânticos consignados, 16 fazem referência especial a Jesus Cristo. Os hinos do Doutrinador, da Consagração aos Mestres, da Junção, dos Mestres – os mais solenes – destacam a figura do Nazareno, e que o “Divino Seta Branca fica juntinho aos pés de Jesus”. No “Hino do Sofredor” (p.16) Jesus é cantado como “Criador do Universo ” (Deus).

Maria – A Mãe de Jesus, ocupa lugar de honra na Tríade iniciática: Deus-Pai, Jesus Cristo e a Virgem Santíssima. “Concebida sem Pecado”, portanto, aceita-se o dogma católico muito recente (1854) da imaculada conceição, bem como as tradições antigas de que seus pais se chamariam Sant’ana e São Joaquim. No hino ‘Ave Maria’ (p.22), fala-se até, em ‘adorá-la’. Donde se infere quão enraizados se aconchegam no coração feminino de Tia Neiva os ensinamentos católicos bebidos com o leite de uma Mãe fervorosa.

Pai Seta Branca – O índio, depois da “Tríade Iniciática”, ocupa seguramente o primeiro lugar na Doutrina e Práxis do Amanhecer, o que por outras, já consta suficiente na primeira parte desta pesquisa, quando traçamos seu retrato. É o Mentor da doutrina, responsável pela missão da “Corrente Indiana do Espaço no Planeta Terra”. É

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“Divino”, é a Lei de Deus, a Luz, mas a grandeza quem concebe é Jesus, que é também o Salvador. São Francisco de Assis seria uma das encarnações do Indígena Andino, invocado no Vale sob o nome de SIMIROMBA com a chave dos três dedos (polegar, indicador e médio), simbolizando o Amor, a Tolerância e a Humildade.

Mãe Yara – É o pólo complementar do Pai Seta Branca, com uma falange de Princesas do Reino de Yemanjá. Este Orixá feminino, a mãe d’água dos Iorubas, Rainha Yemanjá, parece ser a Mãe de Yara que se tornou esposa, “pólo complementar”, de Seta Branca. Mentora dos Doutrinadores, destacando-se pela austeridade e sobriedade nas palavras (Hinos Mântricos p.23). Tem-se também na conta de uma reencarnação de

Santa Clara, irmã de S. Francisco de Assis. (Galinkin 1977:G1).

Vovó Marilú – “Velhinha encarquilhada, toda feita de amor e luz” merece um hino (p.26). Vovozinha ou, simplesmente, Vozinha do espaço, é Mãe espiritual de Seta Branca, protetora especial dos meninos e meninas do ‘Lar das Crianças de Matildes’. Esses menores a imploram, e são atendidos imediatamente; ai de quem os perturbar ou causar-lhes algum mal. Algumas entidades femininas da falange dos Pretos Velhos Indianos, chamam-se do mesmo modo “Vovós”: Catarina, Maria Conga, Cambina, Jurema, Maria do Oriente, e muitas outras, encarregadas de conduzir as pessoas necessitadas ao Vale.

Tapir – Comanda a falange distribuidora das forças, coordenando as operações da Doutrina do Amanhecer. Recebe ordens do Comando Superior, que distribui ao corpo de Médiuns. Parece muito relacionado com o Povorello de Assis (p.12).

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Pretos Velhos Indianos – Trata-se de espíritos que se encarnaram em escravos africanos ao tempo do Brasil Português e do Império. Importa, entretanto, recordar que a conotação afro-brasileira do Vale se reveste de sentido amplo, com raízes HIndus, sendo alimentada atualmente sobretudo pelas “reservas espirituais” das cabeceiras do rio Nilo, coração da África Tropical. Gozando hoje de um “Estado de Luz”, são tidos os Pretos Velhos na conta de Entidades de comunicação, dialogam com pacientes, dão conselhos... Eis-lhes os nomes mais conhecidos: Pai

Joaquim de Angola, Pai Zé Pedro, Pai Tomás, Pai Joaquim da Cachoeira, Pai João de Aruanda. Os Pretos Velhos apresentam-se como Guias dos Aparás, cujo nome figura no escudo de cada Médium. Lembrando a passada posição de escravos, “Têm uma postura meio encurvada”, sacudindo a cabeça quando estão ouvindo os ‘clientes’, fazendo um certo movimento com os dedos como se fosse um leve tremor, às vezes tamborilando levemente a mesa, lembrando os movimentos de uma pessoa idosa. Todas as ‘Entidades de Luz’, incorporam com os dedos abertos, diferentemente dos ‘Espíritos das Trevas’, (sofredores) que incorporam com os dedos crispados, à semelhança de garras e, algumas vezes, escondem as mãos atrás das costas (Galinkin 1977:57). No plano espiritual a escravidão negra teve “Sentido Iniciático, de eliminação da personalidade e emersão da individualidade”, como ficou dito antes – ver cap. De Pai Seta Branca - , trabalham nos ‘Tronos vermelhos’, dão consulta nos ‘amarelos’, e deitam a bênção final na ‘Linha de Passes’, a última repartição à saída dos Templos. Sua roupagem, como a dos ‘Caboclos e Médicos’, é das mais humildes que um ‘espírito de Luz’ pode trajar. Outros elementos, para melhor inteligência da escravidão negra no Brasil, serão fornecidos na 3ª parte, sobre a liturgia.

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Caboclos – Reencarnações de espíritos indígenas com funções análogas às de Pretos Velhos, um pouco mais rudes e fortes quando incorporados. Alguns nomes masculinos: Tupã, Sete Flechas, Caboclo das Pedreiras, Tupinambá...Femininos: Cabocla Jurema, Janaína, estas com grandes e belos retratos nos painéis do Templo.

Médicos do Espaço ou Espirituais – Formados em Medicina na Universidade do Espaço. Eis alguns nomes famosos na história: José de Arimatéia, Juliana Lindemberg, Eurípedes Bastos, Dr. Fritz (Zé Arigó em Congonhas, Minas Gerais), José

Sarrasseno, Ana Maria, José Queirós – Segundo Galinkin (1977: 59). Mas corrige M. Sassi: Espíritos não trabalham no Vale do Amanhecer, pois pertencem à falange dos Kardecistas. Informação pessoal, em 20-2-78.

Capelinos – Do ‘Planeta Monstro’, a estrela Capela, extraordinariamente evoluídos, com a missão de auxiliar os “encarnados” cá na Terra. “Entidades de Luz”, incorporam-se raramente e só em Médiuns ou na Clarividente Tia Neiva, que conversa com eles, sendo mais conhecido o de Johnson Plata (Sassi, 2000 a Conjunção de Dois Planos, 1976: 112). Por aí se sabe que Tiãozinho, o Mato-Grossense Sebastião Quirino de Vasconcelos, afogado juntamente com sua ‘alma gêmea’ Justininha, por volta de 1927, que Tiãozinho se tornou no Capelino Stuart. Seu retrato acha-se entronizado à esquerda do Altar do Pai Seta Branca, sendo invocado para resolver “situações intrincadas”, uma espécie de Santo Antonio Casamenteiro. Em sete anos de trabalho com Tia Neiva, “graduou-se como Engenheiro Sideral, especialidade do mundo espiritual que trata de problemas planetários” (p.113). Além disso possui astronave própria de nome “Chalana”, e comanda uma nave-mãe “estufa”.

Como “capelino” ele se chamava Stuart, responsável pela Torre de Desintegração, por onde devem passar os corpos enviados da

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Terra, para serem transformados em matéria etérica. E nesse teor e estilo complica-se mais e mais a ‘hierarquia espiritual’.

Espírito das Trevas – O Inferno não existe para os teóricos do Espiritismo, por não terem clareza suficiente do conceito eternidade. Até o Diabo vai salvar-se. Ana Lúcia Galinkin (1977:62) nos informa sobre estes espíritos: “São de diferentes tipos e organizam-se também em falanges de

sete, com um líder. Cada um destes sete por sua vez, é líder de outros sete, e assim indefinidamente, mas não existe um líder supremo. São chamados espíritos das trevas, porque vivem na escuridão, não enxergam e nem ouvem e não conhecem o Amor Crístico. São densos, não possuem a fluidez própria dos espíritos de Luz. São pouco evoluídos e recebem o nome genérico de Sofredores, porque vivem a vagar e sofrem na Escuridão. O seu contacto com os encarnados é sempre prejudicial, trazendo doenças e perturbações de várias ordens, mas este contacto é necessário para estes espíritos, porque eles se alimentam do ectoplasma (sic!) do encarnado”. Provocam obsessões, donde a denominação de espíritos obsessores. Ainda há os Elítrios – em sua última encarnação submetidos a torturas e mentais, morrendo em estado de ódio; tomam

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até, forma de “cabeça de macaco”. Os cobradores – que convivem com pessoas perversas e, agora, vêm-lhes “cobrar” os prejuízos causados. Isto acontece muito, principalmente aos filhos em relação aos pais. Os Exús – noutra encarnação foram intelectuais, rejeitaram a doutrina do amor e do perdão. Aceitam a Deus, mas negam a Cristo. Líderes no plano espiritual. Nos Hinos mântricos canta-se um especial ao Sofredor, abandonado à mercê de nossas percepções. São os sofredores, filhos de Deus e nossos irmãos, que por falta de compreensão foram lançados na escuridão. No final do Hino lhe é pedido que não “Peque”, esquecendo-se da doutrina espírita cujo dicionário ignora o termo “pecado”, e mais ainda da gramática portuguesa: “Siga, Siga (3ª pessoa), não peques (2ª pessoa) mais te peço eu / Nesta Corrente Indiana, Siga com Deus!”.

Resumindo, os “Espíritos da Luz” moram em lugares apropriados do Astral Superior, enquanto os “Das Trevas”, vagam surdos num reino de escuridão. No “Limiar do III Milênio, Mário Sassi (1974:69-79) consagra todo um capítulo ao fenômeno das obsessões. A mais comum é a “obsessão por desencarnado” causado pelos “cobradores”. Obsessão por “falanges” através de espíritos afins, “geralmente em número de sete ou seus múltiplos” (p.72) que “efetuam uma cobrança de algo que lhes foi feito coletivamente por um único indivíduo”. Obsessão licantrópica (dos lobisomens, como diz a palavra grega licantropia), dos doentes mentais que se julgam transformados em lobos. Marcante presença dos malvados elítrios, “condensados em ódio”. Obsessão epilética com origem num ou mais elítrios, tornando-se obsessiva quando aqueles “espíritos” atingem o cérebro do paciente. Obsessão possessiva , em que “o espírito se liga ao indivíduo pela afinidade vibracional, usando os plexos nervosos como pontos de contacto... o obsessor desdobra uma parte de si mesmo e penetra na metade do corpo do paciente” (p.75), o que é freqüente entre os vivos. Desconforto físicos e dores indefinidas na perna, constituem os indícios da enfermidade. Depressões, sentimento de culpa, arrependimento, revolta, nomeadamente à noite. Obsessão do próprio espírito, em que “o agente possessor é o próprio espírito do paciente” (p.76); comum entre intelectuais “que se adaptam a uma linha unilateral de pensamento”,

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chegando-se a esquizofrenia que aumenta quando o paciente ouve seu próprio nome. Obsessão religiosa, originada “em geral da educação religiosa, divorciada da educação comum para as coisas da vida”. Neste contexto exaure seu Mário (p.77) os recalques de antigas frustrações e irrealizações pessoais de católico atuante que era: “Obsessão religiosa é a escravidão espiritual em suas várias modalidades de expressão, a prova mais contundente de antropomorfismo aplicada às coisas do espírito. Deus feito à imagem e semelhança do homem. São conceitos de bem e mal, o bom e o mau, o positivo e o negativo, particulares da Terra com um aval forçado do Deus Universal, o Inconcebível”. Os obsessores desta ordem assistem numa região do plano etérico da Terra, denominada pejorativa e tendenciosamente nos meios iniciáticos como “Vale das Sombras”.

Sobre a desobsessão, trabalho fundamental do mediunismo e, praticamente, a razão de ser do Vale do Amanhecer, falaremos mais de esmiuçado no capítulo das ‘curas’. De agora, entretanto, não deixamos ao menos de apontar a básica contradição interna da “Doutrina do Amanhecer”, pelo menos como sistema filosófico-religioso: pois, se de um lado o ‘Intelectual do Vale’ profliga tão veementemente os antropomorfismos subjacentes às principais manifestações religiosas até hoje conhecidas, de outro lado ele, intérprete ‘oficial’ das doutrinas da Clarividente, só escreve e prescreve, todo o tempo, formas externas de religiosismo em divagações prodigiosas por mundos espaciais de que nenhuma Ciência tradicional dá notícia, idéias concretizadas numa ‘liturgia’ sincretista, rica de gestos e cerimônias, dignas de figurar entre os cultismos mais primitivos da história humana.

b) Hierarquia terráquea

O leitor atento deverá ter percebido quais os personagens de fulcro, reencarnado entidades históricas, que formam a cúpula hierárquica no Vale do Amanhecer. Em primeiro lugar a Clarividente Neiva Chaves Zelaya, de liderança única, gozando da lealdade pessoal dos ‘adeptos’ que confiam inteiramente em seu carisma de instrumento e transmissora dos planos do Pai Seta Branca no sentido de preparar a humanidade para o ingresso próximo no III Milênio.

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Ao lado de Tia Neiva, teoricamente abaixo dela mas, na prática, representando papel de suma importância na divulgação da “Doutrina”, coloca-se o intelectual e secretário da Ordem Espiritualista Cristã, Mário Sassi, Mestre Tumuchy. Recorde-se que os Tumuchys eram missionários, com existência há 30 mil anos passados, “cientistas”, construtores de pirâmides e outros edifícios megalíticos. Foram sucedidos, entre 25 e 15 mil anos passados , pelos Jaguares, mais numerosos que os Equitumans e Tumuchys. Os Jaguares criaram o sistema social (‘manipuladores das forças sociais’), deixando marcas em todos os povos, donde o fato de a figura do felino onça aparecer em tantos monumentos antigos, naturalmente consoante afirmações do Sr. Sassi (1977:16). O cacique Seta Branca pertencia à tribo dos Velhos Jaguares, reencarnando ultimamente em São Francisco de Assis. E a falange do índio ‘Jaguar’escolheu para atuar, nesta derradeira etapa da Escola do Caminho (Cristianismo, Sistema Crístico), a Clarividente Neiva, “devido ao seu preparo milenar”, tendo já passado por várias encarnações. Tia Neiva não é, pois, uma reencarnação do espírito de Seta Branca, mas recebe dele e “transmite instantaneamente todas as ordens, pois se comunica conscientemente” com todos os planos do Sistema Crístico (Fascículo 2, 1977:65-66). Neste último meio século outros espíritos da falange de Seta Branca se reencarnaram, reunindo-se em torno Dela.

Isto esclarecido, entendemos que tanto Mário como Tia Neiva são “Mestres Jaguares”, Ele Sol e Ela Lua, esta com a falange de “Nityamas, Magos e Aparás”, aquele com os “Doutrinadores”. E assim terminaria propriamente toda a Hierarquia do Vale do Amanhecer.

Cumpre reparar, entretanto, que tanto Tia Neiva como Seu Mário não se deixam ensamblar em nenhuma ordem de categorias, por isso que não possuem falanges nem pertencem a nenhuma delas. Ele concentra em si mesmo todo o corpo mediúnico do Vale do Amanhecer, é o Mestre Sol Jaguar número um e único no renque dos Doutrinadores.

Aparentemente não transfigura nenhuma graduação ou ordem de governo. Através das funções e, sobretudo, dos uniformes e vestes, é que se percebe alguma coisa de

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Planaltina – Brasília.

Rodovia - DF- 15

UNAÍ – MG.

‘Classes’. Este assunto, porém, trata-lo-emos no capítulo seguinte da ‘Liturgia’, que também se altera com freqüência, tendo-se em conta que tudo anda ainda pelos começos e ensaios. E observe-se: sobre descenderem de ciganos, como querem e julgam, nômades irrequietos por natureza e destino; Mário e Neiva, mais o corpo mediúnico do Vale, tropa avançada do exército de Seta Branca, recebem “Todas as ordens e instruções do Comando e as executa de acordo com os planos de trabalho. Isso explica porque o Ritual e os Templos vão sendo construídos e modificados com tanta rapidez. Entre 1959 e 1976 foram construídos 8 Templos, 6 dos quais já foram demolidos” (Fascículo 2, 1977:66).

Para os trabalhos no Templo, com início pelas dez horas da manhã, forma-se uma certa “ordem” de atribuições, todavia mais em função dos serviços a serem prestados: Presidente Geral e Presidente do Dia que supervisionam os demais Presidentes dos: Tronos Vermelhos e Amarelos, da Cura, da Linha de Passes, da Indução e da Junção. Desses talvez merecesse destaque o presidente da Mesa Triangular, sem esquecer o do “Radar de Comando” que vigia de maneira global tudo o que se passa no interior do recinto sagrado. Abaixo de cada uma dessas secções estão os “Aparás” e “Doutrinadores”.

Gráfico I – Vale do Amanhecer em 1977 / 78.

LESTE

A A 6 9

8 7

1

11 3

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5 Pombal 10 4

NORTE 2 SUL

TEMPLO.

A – Muros . 1 – Residência de Mário e Tia Neiva. 2 – Castelo das Mensagens. 3 – Creche. 4 – Estrela de concreto armado. 5 – Toca do Pequeno Pajé. – Estrela Candente. 6 - Futebol. 7 – Rodoviária. 8 – Oficinas Mecânicas. 9 – Escola. 10 – Casas de alvenaria. 11 – Residências dos Médiuns. + ou – 500 metros p/ a “extensão do Templo” ou “Estrela Candente”.

OESTE . Nota: Estes dois Gráficos ilustram a descrição do “Vale do Amanhecer “ (Gráfico I), e o “Templo do Vale” (Gráfico II). Esta descrição saiu em o Nº 93 / 94 de ATUALIZAÇÃO.

GRÁFICO I I NASCENTE. Linha de Passes Sirene. e Memorial . ENTRADA. Leito das forças Decrescentes. Oráculo da Cruz Anteparo Secretaria Do Caminho. Cabala Castelo dos

Delfos.

Pai Seta Branca Castelo Mãe Yara. dos

Devas.

Defumador Divindades de mescla inferiores do campo. da Índia.

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Oráculo de Pai Radar. Seta Elipse (Comando) Branca. Meias

Luas.

Mesa Evangélica. NORTE Presença DIVINA. SUL . Castelo 00 da Água. Pira. Castelo dos Indução. Aparás.

Jesus Cristo o Caminheiro Sala de Espera. “Tronos”. Castelo Fig. Tiãozinho. Fig. Mãe Tildes. ALTAR DE PAI SETA BRANCA 96 METROS. dos

Doutrinadores. Castelo da Junção Sala das Curas.

Castelo da 1ª Iniciação Aparás. de

Médiuns.

POENTE.

TEMPLO – VALE DO AMANHECER – BRASÍLIA – DF. 1977 / 78.ANTROPHOS DO BRASIL

PARTE 3

I I I . A LITURGIA DO VALE

Conjuntura ímpar, facultada pelo Vale do Amanhecer ao pesquisador, é dispor de um informante intelectualmente preparado, pessoa equilibrada e aberta a profícuas discussões em todos os

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campos de “seu Reino Espiritualista”, o Sr. Mário Sassi, sempre pronto e lesto, paciente em esclarecer, sem se alterar, nos pontos de inumeráveis dúvidas com que se defronta alguém interessado em penetrar os escrínios daquela organização. Apesar das incessantes mudanças, levantadas com freqüência pela Clarividente sobre planos e realizações da Ordem Espiritualista Cristã, o secretário-geral vai conseguindo coordenar todo um sistema ideológico extremamente complexo sem resvalar em aparentes e desagradáveis contradições. Mercê de sua benevolência, é que este despretensioso estudo vem assumindo um caráter de inesperado aprofundamento não previsto de início.

Ao redigir esta terceira parte (fins de fevereiro de 1978), chegaram-me ao alcance mais algumas fontes escritas sobre a Doutrina do Amanhecer, que serão, evidentemente, aproveitadas e emalhetadas no presente contexto, embora alguns desses dados se enquadrassem com melhor propriedade em capítulos anteriores. Além do material impresso, temos também o falado, continuamente renovado através de longos e contínuos contactos com o Vale em demoradas conversas com M. Sassi e Tia Neiva. Possuímos os folhetos com as mensagens de fim de

ano do Pai Seta Branca, em 31 de Dezembro de 1976 e 1977, ambas perpassadas de terrores apocalípticos, cabendo aos “Jaguares do Amanhecer”, escudados por Jesus a heróica missão de impedir “a força dos irrealizados cavaleiros milenares, que vem cavalgando na ira de uma vingança desproporcionada”. Os adeptos do Vale serão “os primeiros conquistadores do limiar do Terceiro Milênio”. A mensagem de 1977, além dos cavaleiros apocalípticos “da guerra, da discórdia, das enfermidades”, registra uma frase de conceitos discrepantes (os grifos são nossos): A fé sem a Ciência é o perigo iminente do espírito empreendedor nesta Era Atual, enigma intraduzível do homem piedoso, inseguro, que, distante da crença, é lançado às velhas estradas, destruindo sua personalidade, renunciando às conquistas e permanecendo em suas crenças, perdendo-se na busca real do

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caminho, e se distanciando de suas origens e de seus mundos colonizados”. Avalie-a o leitor mesmo.

Todavia a aquisição de maior vulto foi a do “Manual de Instruções, para os Médiuns da Corrente Indiana do Espaço”, impresso no Serviço Gráfico do Senado Federal em 1972. Trata-se da 1ª edição impressa, já que uma mimeografada correra em 1970 com o novo Título NO LIMIAR DO III MILÊNIO, arrolada no começo deste estudo. O cotejo das duas edições impressas, assume valor peculiar por apresentarem modificações de monta na Doutrina do Amanhecer, o que se aduzirá nos respectivos contextos.

A missão primordial do Vale identifica-se com prestar atendimento sobretudo espiritual aos necessitados de alívio, propiciando ao “homem angustiado e inseguro, uma explicação de si mesmo e um roteiro para sua vida imediata” (Sassi 1977:2). Portanto faz-se mister uma palavrinha inicial sobre as doenças e suas possíveis causas que os “liturgos” da Tia Neiva procuram, através de energias mediúnicas, detectar e sanar. Doença é falta de saúde, anormalidade física ou psíquica, que perturba o estado da pessoa. “As alterações psicológicas tanto podem ter sua origem num fato expresso conscientizado, como num fato inconsciente ou subliminar” (Sassi 1974:57). Nem a medicina tradicional nem a psiquiatria conseguem explanar satisfatoriamente os mistérios do inconsciente e subconsciente, donde a necessidade das práticas mediúnicas que desta ou daquela maneira, são cumpridas na quase totalidade das religiões conhecidas.

Teriam as enfermidades, pela teoria do Amanhecer, sua etiologia num plano invisível, no campo do plano físico. O espírito como tal se acha isento de doenças, mas pode ser portador delas. “Ao reencarnar, ele traz, na sua ‘memória’, o esquema de outras encarnações e se liga, pelos corpos invisíveis, aos déficits energéticos de sua ‘cota’ e procura fazer ressarcimento” (ib.). Sob este aspecto o mal-estar passa a ter sentido educativo, como parte do mecanismo cármico, e coerente com a situação atual do planeta. Neste argumento, além da conhecida tríade corpo-alma-espírito, insiste o intérprete do Amanhecer na existência do livre arbítrio que, neste caso, significa o pleno uso da razão (pp. 58/59). Uma criança que ainda não atingiu o uso da razão, quando doente, causa mais sofrimento a seus pais e parentes que a si mesma. A morte “em nada afeta seu espírito, mas atinge muito o espírito dos pais”. Os menores de idade “não têm vida mediúnica da mesma forma que não têm autonomia sócio-econômica”. Somente os

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adultos possuem “livre arbítrio em condições de viver uma dor” ou evitá-la pelo trabalho espiritual. Deixando o campo espiritual das enfermidades cármicas, até “programadas”, ocorrem também outros fatores, cármicos de algum modo, provocadores de doenças, como sejam: “viver numa região insalubre ou trabalhar em condições” que lhe são favoráveis, não se perdendo de vista ser a “Terra um Planeta de retificação dos espíritos, e os destinos particulares de cada espírito”.

Esgotados os recursos médicos para os males físicos, mentais e sociais, busca, então, o paciente angustiado alívio junto ao espiritismo que lhe acena com a solução pelo fator transcendental, aspecto em que o doente passa a ser

visto como um reencarnado, com existência antes do nascimento neste mundo e – depois de morto. De per si deveria o espiritismo circunscrever-se ao campo afeto aos fatores transcendentais, mas na realidade as enfermidades se confundem, dada a unidade do ser humano. Concluem seguros os espíritas que o mediunismo soluciona o problema, apresentando-se como “traço de união entre a Ciência Médica e a Ciência Espiritual” Sassi (1972, Manual de Instruções, p. 32).

Regra geral, no Vale do Amanhecer, entram em tratamento exclusivamente as enfermidades de ordem espiritual, não se dando, sequer, diagnóstico de doenças comuns de etiologia física, e menos ainda medicamentos de qualquer espécie. Aos clientes que o desejarem, recomenda-se o uso interno de água “fluidificada”, existente em algumas torneiras ou bicas , montadas próximas à saída do Templo, na Fonte de Iemanjá. “Em todos os casos sempre se sugere que o paciente procure o médico, ou continue com o tratamento que porventura esteja fazendo... Se o cliente apresenta sintomas de mediunidade excessiva, é aconselhado o seu

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desenvolvimento, porém sempre é chamada sua atenção que isso tanto pode ser feito aqui como em qualquer outro lugar de sua preferência” – recomenda o intelectual Sassi (1977:9).

* * *Falou-se pouco ainda de crianças e menores de idade, sem

pleno uso da razão e, por isso, incapazes do fenômeno mediúnico. Ora, no Vale do Amanhecer moram regularmente duas centenas de meninos e meninas, em parte órfãos meio abandonadas, acolhidas carinhosamente por Tia Neiva sob a égide da entidade jurídica LAR DAS CRIANÇAS DE MATILDES, registrada em cartório a 15 de dezembro de 1966 e no Conselho Nacional de Serviço Social, com a declaração de utilidade pública pelo Governo do Distrito Federal. Com razão se há de perguntar: qual a educação religiosa que o Vale ministra a este mundo infantil até a entrada dos 14 anos de vida?

Da mensagem nº 6, de 1976, “O Pequeno Pajé”, colhemos os tópicos principais desse parágrafo, abordando aspectos pedagógicos bastante interessantes. Ao norte do Vale (ver planta em anexa) existe a “Toca do Pequeno Pajé”, que está sendo transferida para perto da creche, mais ao alcance das crianças. Trata-se de uma organização paralela às atividades do Templo, destinada “a ambientar as crianças, até os 14 anos de idade, com a atividade mediúnica”, sem praticá-la propriamente, por causa de ‘seus aspectos angustiados’. No mais, trajam uniformes parecidos com os dos médiuns, “fazem o seu trabalho”, recebem passes, são tratados pelos mentores espirituais, etc,... “Tudo sem falar em mediunidade, espiritismo ou religião” – Insiste o folheto, p.6. Ouçamos mais a fundamentação desta atitude: “A energia mediúnica é produzida na intimidade dos ossos, na medula, ‘no tutano’. Desde a formação do feto humano, até mais ou menos 7 anos de idade, essa energia se dilui no organismo, de tal maneira que toda criança é um ‘médium natural’. Esse fenômeno varia de criança para criança, dependendo de fatores complexos que circundam cada uma, mas, de modo geral, todas ‘vêem’, ‘escutam’, ‘tocam’ o mundo invisível... Os sentidos vão-se desenvolvendo e se firmando e, nessa proporção vão diminuindo as percepções do mundo invisível até desaparecerem por completo na faixa dos 7 anos”.

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No que tange à candente questão se à criança deva ser, ou não, ministrado algum tipo de religião, responde M. Sassi (p.9): “Sim, é lógico que as crianças devem ter uma religião. Mas essa religião deve ser tão natural, tão lógica que ela não tenha que abandoná-la tão pronto se sinta adulta... Essa é a ‘nossa’ religião, um aspecto particular e único da nossa formação multidimensional, a necessidade de relacionamento com outros planos de nosso universo particular, a busca do ‘nosso Deus’.

Transpirando possivelmente recalques de sua vida pregressa com experiências e desilusões dos fervores da mocidade, conclui seguro o intelectual do Vale que somente o tipo de “religião natural” proposto, poderá poupar à criança a “angústia de ter que se libertar do logro”, a ela impingida na infância.

1. Sacerdócio mediúnico.

Num dos primeiros contactos pessoais com Mário Sassi, foi ele dizendo que sua vida no Vale do Amanhecer era como de um sacerdote, dedicado inteiramente, dia e noite, ao serviço dos necessitados. Tanto o Intelectual como a Clarividente levam realmente uma vida pobre, repleta de desprendimentos, cheia de sacrifícios e mesmo de angústias financeiras, pois não é nada fácil manter obras sociais e de assistência espiritual gratuitas sem rendas financeiras estáveis, dependendo-se de dotações oficiais e da boa vontade dos médiuns.

Todo o trabalho do Vale se baseia na mediunidade, técnica de manipulação de energias espirituais de origens e conteúdos ainda pouco precisos e determinados do mundo psíquico. Estas forças extra-sensoriais parecem alimentadas pela própria energia animal do organismo, recebendo as denominações de ectoplasma, fluído ou magnético animal. A mediunidade constitui uma “arma de Deus”, uma espada de dois gumes, que defende mas também pode prejudicar a quem dela faz usos indevidos, é um “espinho atravessado na carne”. Cada ser humano carrega consigo um “turbilhão de energias”, de

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forças desconhecidas, uma combinação de fatores diversíssimos e incalculáveis que o tornam único e incomparável em sua individualidade. Em antropologia dizemos: cada homem constitui um mistério ou enigma a ser estudado e considerado à parte. A Doutrina do Amanhecer mostra preferência pelos termos “indivíduo, individualidade”, procurando eliminar o de “personalidade” mais ao saber da teologia aristotélico-tomística para as explanações do mistério de Deus Uno, e Trino nas pessoas.

O Vale só conhece duas “classes” de médiuns: Doutrinadores e Aparás, os primeiros caracterizados pela “tônica cerebral”, oriunda na predominância do sistema nervoso ativo, os Aparás com a tônica neurovegetativa das regiões inferiores do corpo, aptos para os fenômenos da incorporação. Tanto um, como o outro, operam em qualquer tipo de trabalho do Templo, e é de acordo com isso que recebem um “guia assistente”. Os guias dos Aparás no plano espiritual acima da faixa reencarnatória, chamam-se espíritos de luz, preparados em escolas para se manifestarem como “Pretos-Velhos”, “Caboclos”, “Médicos”, etc. Um mesmo médium exercita a função nos “Tronos” com seu Preto Velho ou Preta Velha, na Linha de Passe com seu Caboclo, ou na Sala de Curas com seu Médico.

Os Doutrinadores possuem, do mesmo modo, seus guias mas com outra ordem de idéias, de vez que lhes cabe a responsabilidade total do trabalho durante a manipulação mediúnica. Seus guias são as sete Princesas, de que houve fala no capítulo do “Pai Seta Branca”, “espíritos fidalgos, são os que se preocupam com o sentido doutrinário da Lei de Jesus, os que ensinam a pescar”. As 7 princesas, todas crioulas ou mestiças, com exceção de Janaína que é portuguesa, têm nomes de origem indígena: Iracema, Iramar, Janaína, Janara, Jandaia, Jurema e Juremá; Janaína denomina outrossim, Iemanjá, origem africana, mãe d’água dos Iorubas, correspondendo às várias invocações de Nossa Senhora no culto Católico.

No Vale do Amanhecer sobressaem três categorias de pessoas: os clientes, pacientes ou doentes, os Aparás como instrumentos de comunicação dos espíritos e os Doutrinadores, que são os responsáveis pela pureza da comunicação, ou seja desse intercâmbio espiritual. Para uma mais profunda inteligência do fenômeno mediúnico, damos o esquema das funções psicofísicas como aparecem no Manual de Instruções (1972, página 21) :

Chacras, Plexos, Órgãos e Mediunidade

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A rede nervosa é um intrincado de ramificações que atingem todo o corpo humano. Em determinadas regiões, eles formam centros de distribuição chamados plexos. Os plexos ligam-se a centros do perispírito chamados chacras. Chacras, plexos conjugados alimentam órgãos e escoam a produção mediúnica.

Chacra. Plexos. Órgãos. Mediunidade.

Cardíaco. Hipófise.Frontal. Cavernoso. Olhos. Vidência.

Ouvidos. Audiência.Nariz. Olfativa.

Laríngeo. Cervical. Língua. Fonação.Laríngeo. Ouvidos. Audiência.

Laringe. Fonação.Faringe. Fonação.Coração.Pulmões.

Umeral. Braquial. Espáduas. Psicografia.Braços. Automática ou

Antebraços. Semi-Automática.Mãos. Passes.

Cardíaco. Braquial. Coração. Passes.Pulmões Irradiação.

Pericárdio.

Estômago. Sofredores.Solar Fígado. Magia – Negra.

Umbilical. ou Rins. Obsessão.Epigástrico. Ovários.

Testículos.Baço.

Pâncreas.Bexiga.

O termo chacra ou chakra não vem registrado no vocabulário usual. Plexo, conhecido na Anatomia, é uma rede de filetes nervosos, vasculares, entrelaçados em muitas ramificações. O esquema nos mostra os diversos matizes da mediunidade: os mais equilibrados

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como os doutrinadores nas partes superiores do corpo, os sublimes na região do coração, e os das “sofredoras” na região inferior do corpo. Com isso temos quase uma dúzia de tipos mediúnicos, cujos apelidos principais são:

1) Sofredor - de funções ventrais mais complexas; 2) Passista - no Plexo Cardíaco; 3) Psicógrafo – Plexo branquial: ouve e vê enquanto sua mão

escreve (caso de Chico Xavier) ; 4) Audiente – Vozes na cabeça, de aproveitamento difícil; 5) Comunicador – Plexos cervical e laríngeo com muita fala; 6) Vidência ou Clarividência – No caso de Tia Neiva, em que o

fluxo ou fluído magnético ativa os plexos cardíaco e cavernoso, formando-se uma imagem no cérebro com traços subjetivos; é fácil de aproveitar-se desde que o vidente seja criterioso e honesto;

7) Do olfato - Com que os médiuns percebam cheiros do plano Etérico e Astral: “Espíritos de luz trazem perfumes de flores; Espíritos inferiores trazem cheiro de enxofre...”

8) Mediunidade de Transporte – Durante o sono o espírito, se afasta do corpo físico: “Sonhar é enquadrar em imagens da experiência, as coisas estranhas que o espírito faz fora do corpo”. Ultimamente o Vale vem-se dedicando de modo particular ao problema de explicar e interpretar o sono, crendo o Sr. Sassi que trará muita novidade a respeito disso.

9) – Médium de efeitos físicos - Em que o fluído produz modificação na matéria física, exterior a seu corpo, sem incorporação; “com esse fluído, pode-se materializar ou desmaterializar, mudar padrões vibratórios e magnéticos, transportar objetos, produzir ruídos, etc”. (Sassi 1972:31);

10) – Médium Doutrinador - Portador de fluído especial, elaborado no cérebro, “no sistema mental concreto”... “emitido pelos órgãos sensoriais superiores e pelas pontas dos dedos das mãos”; não sofre pressão alguma nos plexos inferiores abaixo da cabeça, pelo que não apresenta sintomas de incorporação ou perda de consciência; constitui-se no médium por excelência, responsável pela autenticidade do fenômeno mediúnico; por se não desonerar normalmente de suas cargas sidero-magnéticas, leva vida

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desequilibrada, angustiada, descrente, dominado por agressividades ou passividades excessivas: Dores de cabeça, distúrbios digestivos, incômodos cardíacos, geralmente sem remédio no quadro da medicina comum; o que tudo parece refletir recalques e experiências pessoais de seu Mário e Tia Neiva. Já que na Doutrina do Amanhecer este tipo de Médium representa papel preponderante, recolhamos mais estes informes em que transparecem traços pessoais do ‘intelectual’.: “Por tendência natural, o Doutrinador tem interesse na cultura intelectual. Tenha escolaridade ou não, ele absorve sempre os aspectos intelectivos do meio em que vive. Sua apresentação, pois, é cheia de justificativas e demonstrações de conhecimento. No seu arrazoado, predomina a análise racional, com tendências ao cerebralismo. Revela-se então, verdadeiro bloqueio da recepção espiritual. O excessivo racionalismo, é empecilho ao contacto com o transcendental. Sua alimentação intelectual é horizontal, isto é, nutre-se de idéias elaboradas por si e ou por outros, justifica tudo dialeticamente em contínuo transformismo, sem nada criar. Em resumo: Ele não sabe mediunizar-se”. (Cf. Sassi 1972:26-28).

Destarte deve o Doutrinador submeter-se a certa “desassimilação intelectual”, despreocupando-se totalmente do aprendizado habitual de leituras, experiências e pesquisas, e recebendo apenas as informações necessárias à técnica da mediunização. Atente-se às muitas vezes mencionada distinção entre personalidade e individualidade, para compreensão do arrazoado subseqüente : “No estado normal, sob o domínio da personalidade, o doutrinador manifesta seu temperamento, sua cultura e seus preconceitos. Ele aborrece. Ao mediunizar-se, porém, ele entra em sintonia com sua individualidade, o repositório de sua experiência milenar, seu Eu superior, seu Cristo Interno. Seu Mentor e seus Guias encontram então acesso à sua “psiquê” e trazem suas vibrações benéficas ao ambiente. Há verdadeira Transfiguração” (p.29). A presente asserção sugere reminiscências nos líderes do Vale, das doutrinas Católicas, da especial presença de Deus Uno e Trino nas pessoas em estado de graça santificante. Nomeadamente Tia Neiva confessa de público que crê no mistério da Santíssima Trindade e, coerentemente, na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Já seu Mário diz que Cristo é “Divino”, como todos nós o somos, no sentido de sermos participantes, fagulhas de Deus. No caso, Jesus de Nazaré teria sido a máxima manifestação de Deus, na história dos Espíritos: e,

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assim, se retorna outra vez à mais antiga das comemorações cristãs – à Epifania do Senhor, à manifestação de Deus aos Homens.

Neste contexto afigura-se sincera a afirmação do Sr. Sassi (1974:51) de ser o Evangelho o mais completo manual de vida, no qual “qualquer espírito em trânsito na Terra poderá encontrar todas as condições para o melhor aproveitamento de sua estadia no Planeta”. Existe, todavia um Evangelho Vivo, “orientação Crística que é ministrada a todos os seres humanos da Terra e que não depende exclusivamente da transmissão pelos sentidos, seja falada ou escrita”. Aí, ele se insurge contra a exegese bíblica e as tradições eclesiásticas, interpretação autêntica da Mensagem, monopolizada pela Igreja que se considera senhora única da Revelação. O que ainda fica mais ilustrado nesta frase: “O Evangelho Vivo, é uma luz potencial que reside, faz parte intrínseca do organismo de todos os espíritos, que habitam o Sistema Solar e, talvez, de outros sistemas”.

Enumeram-se sete, as funções do Doutrinador:

1ª - Aprender, interpretar e conceituar a doutrina praticada pelo grupo mediúnico;

2ª - Organizar, administrar e desenvolver os médiuns;3ª - Abrir e fechar os Trabalhos;4ª - Assistir e controlar a todo e qualquer trabalho de

incorporação;5ª - Interpretar as situações dos Médiuns quando incorporados:

Se, tratar-se de Mentor ou Guia, atendê-lo respeitosamente; se “Sofredor”,

doutriná-lo, entregando-o aos planos espirituais;6ª - Ministrar passes magnéticos de equilíbrio aos médiuns de

incorporação;7ª - Controlar com sua mente, qualquer situação anormal de

pessoas ou grupos, mantendo sempre seu equilíbrio pessoal, o que poderá

conseguir sem externar qualquer gesto.

O incorporador nunca trabalha sem incorporar-se, perdendo parcialmente o estado de consciência! São nove, as funções do Médium de incorporação:

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1ª - Passagem de sofredores;2ª - Cura de doenças;3ª - Comunicações;4ª - Passes;5ª - Desobsessão;6ª - Psicografia automática;7ª - Materialização; 8ª - Transporte;9ª - Desdobramento, desenvolvimento com fonia.

* * *Os médiuns de ambos os sexos, inscritos e fichados na Corrente

Indiana do Espaço, em serviço regular no Vale do Amanhecer de acordo com seus cronogramas e rituais, são chamados missionários, e se têm na conta de sacerdotes em analogia com outras confissões religiosas. Missionários de outros credos, particularmente da Igreja Católica, merecem os Líderes do Vale toda estima e respeito, considerados como grandes heróis e mensageiros da paz e do amor de Deus. Intra muros, no recinto do Vale, o médium só esteja a serviço dos necessitados: “Não tente ser amigo nem admita ser inimigo de ninguém... Seja apenas o médium e evite ser o cidadão. O médium não faz negócios, não namora, não discute futebol, nem pede dinheiro emprestado...”(Fasc. 1, 1977: 25).

O Sol e a Lua e o número sete, simbolizam “algo de sagrado” na devoção do Vale do Amanhecer.

Completando a descrição inicial do Templo, resta realçar o centro geométrico do recinto, onde se sente a Presença Divina entre a Pira Sagrada e a Mesa Doutrinária. Ali, no “Sanctum Sanctorum”, diante da Imagem de Jesus Cristo, o Caminheiro, está representada a Terra, ladeada pelo Sol e pela Lua.

Por detrás das leves cortinas transparentes e discretamente iluminadas, figuram os sete (7) planos do Homem, espírito encarnado

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com 7 Raios de forças. Em seu corpo físico, os sete (7) “Plexos e respectivos Chakras”. “O círculo maior destaca o Plexo Solar com seu chakra Umbilical. As duas taças representam o sangue que fornece o ectoplasma. As duas setas, uma subindo e a outra descendo, simbolizam a macrocirculação... As estrelas simbolizam Maianti e as nossas casas transitórias” (Fasc. 3, 1977:81). No Solar dos Médiuns ou extensão do Templo ao ar livre levanta-se imponente e radiosa uma gigantesca imagem dourada do Sol Nascente com sete raios, cada qual com sete linhas que “Alimentam o Planeta Terra”, elementos sidero-magnéticos catalisáveis pelos médiuns consoante a capacidade espiritual de cada um. Relembre-se que as Princesas somam também sete, preenchendo uma das sete linhas de um Raio solar. Mário Sassi e Tia Neiva são o sétimo de um sete, posições únicas no Vale, significando que completam uma “linha” de representação crística na Terra. Propriamente falando, não se filiam a nenhuma falange: ela “Mestre Jaguar Lua” recebendo ordens diretas de Pai Seta Branca, e executando-as através da falange de Nityamas, Magos e Aparás; ele “Mestre Jaguar Sol, Tumuchy número único”, interpretando as mensagens, como chefe dos Doutrinadores.

1. Classes hierárquicas.

As posições “hierárquicas” dos médiuns no Vale do Amanhecer são criadas para eles no sentido estrito e radical do serviço evangélico do “vim para servir, e não para ser servido”. Os cargos apresentam-se como verdadeiros

encargos, cargas de trabalho gratuito e voluntário em favor dos necessitados e angustiados. Os postos foram criados para os médiuns, e não estes para aqueles. Cada qual, situado num ponto da longa trajetória de seu espírito, se engaja em determinada missão que escapa a qualquer apreciação humana: como médium ele atua em individualidade transcendente, libertando-se de sua personalidade transitória de cidadão. A caridade evangélica – mandamento máximo

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Sistema Crístico – consubstancia-se na Lei do Auxílio, razão de ser da Doutrina do Amanhecer. Despertadas as heranças energéticas adormecidas no íntimo do ser humano, vai o principiante, paulatinamente, revelando suas afinidades com os diversos tipos de trabalho, donde se formam as falanges dos médiuns, nascidas espontaneamente, quando então a Clarividente, e só ela pessoalmente, as classifica, conferindo a cada um sua “Placa” de ofício.

O critério de conglomeração de grupos ou falanges não deriva de suas personalidades presentes, transitórias – de vez que se patenteiam suas disparidades no campo econômico e social –, mas remontam às suas “origens” no mundo dos espíritos ao qual o médium se vê vinculado desde o início de sua carreira encarnatória. De acordo com as tendências espirituais de cada indivíduo, os médiuns se agrupam em falanges ou, melhor, “Linhas” de trabalho na missão da Lei do Auxílio, não havendo, portanto, organização hierárquica propriamente dita. Naturalmente se dá o caso de estas linhas comporem em seus quadros com maior ou menor número de participantes, duas delas, de Tia Neiva e Seu Mário, com um único indivíduo: Primeira Mestra Sol Jaguar e Primeiro Mestre Sol Tumuchy sem falanges neste planeta. O que, cabe realçar, não os diferencia dos demais colegas, a não ser na função sagrada de servir.

a) Principiante, Iniciado e Mestre.

Em que pese às dificuldades retro ponderadas de se estabelecer algum quadro de “Classes” no Vale do Amanhecer, vamos tentar com ajuda especial do Sr. Mário (entrevista de 22/02/78) levantar alguns títulos classificatórios em função dos trabalhos prestados no Vale:

Jaguar Positivo Principiante – Reconhecível exteriormente por uma bata branca de mangas compridas, arregaçadas quando em função - um roupão de médicos e dentistas, fechado ao pescoço; calça azul-marinho ou marrom. Caindo do ombro direito, pelas costas junto ao quadril esquerdo, à maneira da estola dos diáconos na antiga liturgia católica, uma fita roxa e amarela com uma cruz preta, distintivo do doutrinador, ou triângulo vermelho dos aparás.

Jaguar Ninfa Principiante - Os integrantes femininos do Vale tomam o nome de “ninfas”. A principiante traja vestido longo, branco,

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fechado no pescoço, mangas de três quartos sem pregas, com um cinto folgado abaixo do busto, atado à frente. Fita igual à do Jaguar Positivo.

O principiante é considerado médium em desenvolvimento, sendo-lhe defeso o trabalho público. Participa somente nos “trabalhos de desenvolvimento” e, nos dias de atendimento ao público, apenas observa ou aprende lições dos instrutores. O tempo de desenvolvimento varia de pessoa para pessoa, . Uma vez considerado “desenvolvido”, passa por um teste que lhe confere a devida “Classificação”. Esta consiste numa espécie de identificação, feita pelos seus próprios “mentores e guias”, sob investidura direta da Clarividente Tia Neiva. Aí se determina a “linha” a que pertence por afinidade, sua “família espiritual”, seu mentor mediúnico, responsável perante o Templo pelo trabalho do novo médium. Tem o nome escrito numa plaquinha de cartolina recoberta de plástico, com que é considerado “emplacado”. Emplacados, por exemplo, com nomes de aparás “Pai João de Aruanda, Caboclo Tupinambá, Pai Joaquim de Angola, Vovó Cambina...” ou com nomes das doutrinadoras “Iracema, Janaína, Juremá, as 7 Princesas”, o médium poderá atender só e exclusivamente na “Linha dos Passes”, nos “Tronos”, ou na “Mesa de Doutrina”. Direito a participar nos trabalhos da “Cura”, da “Junção” ou da “Indução”, unicamente depois de “Iniciado em Dharma Oxinto” (Caminho de DEUS), quando pronuncia os primeiros juramentos.

Médium Iniciado (Jaguar ou Ninfa) – Concernente ao uniforme, acrescente-se o escudo, pequeno colete branco de plástico ou couro, com a “Estrela Iniciática” de David, onde vem estilizado o livro do Evangelho. A estrela dos Aparás apresenta-se adornada com um X , sinal de que seu portador pode trabalhar tanto no plano da Terra (“sofredores”) como nos planos superiores dos “Espíritos da Luz”. O Escudo do Doutrinador, tem o sinal duplo : , indicando achar-se ele capacitado a distinguir ambos os planos mencionados, freqüentemente baralhados durante o fenômeno da incorporação. Após da iniciação o médium tem o direito a usar o uniforme de Jaguar. Os jaguares positivos vestem camisa preta de gola aberta, enfiada por baixo da cinta de uma calça marrom; as ninfas trajam blusa preta rendada e saia marrom.

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Mestres Jaguares – O Jaguar iniciado permanece nesta função o tempo que desejar, já que sua presença no Templo se revela insubstituível, pois é um “médium básico”, manipulando todas as energias curativas e desobsessivas, dirigindo trabalhos e mesmo abrindo a “Corrente Mestra”, se for o caso. Chamado a participar do mestrado, recebe as instruções de praxe e, uma vez considerado “pronto”, faz a cerimônia da “Elevação de Espada”. De então pode trabalhar no Solar dos Médiuns, ou “Estrela Candente”, a Extensão do Templo como se mostrou no início deste estudo. Doravante chamar-se-á Mestre Sol ou Mestre Lua, segundo seus predicados de Doutrinador ou Apará.

Mestre Sol Positivo (Homem) – Capa marrom à moda das togas romanas com gola alta em cujas costas figura o nome da falange a que pertence, e suas posição nela, como: 1º Mestre Luz Evangelho, 17º Mestre Sacramento, 12º Mestre Sol Sublimação. Este tipo de cógula monacal, é vestida por cima do uniforme de Jaguar e de uso exclusivo nas participações dos trabalhos na Estrela Candente, nos recintos da Junção e Indução, no Oráculo do Pai Seta Branca, na Capela de Delfos e demais salas sagradas do Templo

Mestre Lua Positivo (Homem) – Capas de cores variadas, em tons azulados. Nas costas a inscrição da respectiva falange.

Mestre Sol Ninfa (Mulher) – Vestidos longos com formatos e adornos característicos de suas falanges. À frente da saia um grande Sol Iniciático, com sete raios dourados. Através das várias cores se percebem as posições das falanges.

Mestre Lua Ninfa (Mulher) – Vestes coloridas como as anteriores de Mestre Sol, constituindo o ornamento dianteiro de uma ou mais luas prateadas.

b) Falanges Especializadas

Afora os “Principiantes, Iniciados e Mestres”, existem ainda as falanges especializadas sem pertencerem necessariamente ao mestrado. Coligimos seis grupos:

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Samaritanas – Jaguares, Ninfas, Aparás ou Doutrinadores, de longos vestidos de cor tirante a roxo, e mantos na cabeça, geralmente mulheres emancipadas ou casadas. Prestam auxílio em todas as cerimônias e trabalhos do Templo, emanando-o com as energias de sua falange, enquanto o percorrem a cantar.

Nityamas (termo próprio do Vale) – Mocinhas nas condições das samaritanas supra mencionadas, usando véus e saias coloridas, roupas de ciganas e quejandas. Função análoga a das samaritanas com sentido menos rígido, mais alegres enfim.

Magos – Rapazes e meninos de bata preta, bordada de ouro, e recobertos de capinhas azuis. As mesmas incumbências das nityamas.

Devas – A esta falange incumbe especificamente cuidar das classificações do mestrado e controlar todas as cerimônias iniciáticas. Trajam capa azul com inscrições individualizantes: 1º Mestre Devas, 2º Mestre Devas, etc. trata-se de uma pequena falange, com poucos membros, integrada exclusivamente por “Mestres”.

Centuriões – Composta de mestres com vocação especial a instrutores e dirigentes. Nela não têm acesso Aparás. Arcam os centuriões com a maior parcela de responsabilidade no Templo com obrigação de participar de todas as aulas, duas vezes por semana, geralmente à noite. Incumbe-lhes, rigorosamente, conhecer a Doutrina do Amanhecer e o perfeito funcionamento do Templo. Comprovada sua aptidão e capacidade, recebem o escudo com o distintivo do Jaguar, tornando-se candidatos a “Orixás Regentes”. Orixás são divindades intermediárias da religião Iorubana Jeje-Nagô, da costa leste africana, encarregadas do intercâmbio entre o Ser Supremo e o Homem. Ocorrem com maior freqüência no Vale: Iemanjá, Obatalá, Oxosse e Oxalá. Obatalá parece ser o maior de todos (Sassi 1972: 18). Atenda-se por agora que os elementos religiosos de origem negra, na Doutrina do Amanhecer, se revestem de interpretação própria, como se patenteará no parágrafo dos ritos e símbolos.

Recepcionistas – Falange de Jaguares Positivos ou Ninfas, afeiçoados ao atendimento direto do público, velando pela boa ordem

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dentro e fora do Templo. Ostentam no braço a figura de um Jaguar estilizado.

3. Cura Espiritual

Doença na doutrina do Vale equivale a desequilíbrio do “Sol Interior”, sistema psíquico-anatômico, cujo centro ou esfera se localiza na região umbilical, no “Plexo solar ou epigástrico”, conforme se distingue no Manual das Instruções (1972:21), anteriormente mencionado. Denomina-se, igualmente, “Centro Coronário ou Sistema Coronário”, ajustando-se em três esferas sobrepostas, que controlam, cada qual por sua vez, em termos de fluxo e refluxo, as energias de três campos vibratórios distintos, já do conhecimento do leitor: os mundos físico, psíquico e espiritual.

O “Plexo Solar” do mundo físico aparece relacionado com um disco solar de 7 (sempre o famígero número 7!) raios, cujos terminações, distribuídas no organismo, formam outros tanto plexos, os chakras subcutâneos, consoante as mais recentes averiguações de Sassi (1978).

O mundo psíquico, segunda esfera do sistema coronário, situa-se na região cardíaca e no sistema nervoso central – é o “Micro Plexo ou Alma” com vibrações mais rápidas além das barreiras do som. “Adimensional e atemporal”, tem como instrumento principal a mente, donde se originam as doenças mentais.

Mundo Espiritual, terceira esfera para captar as emissões do espírito e do mundo “transcendente”, também chamado perispírito ou Espírito da Terra, com 99,9% (noventa e nove vírgula nove por cento) de possibilidades de reencarnar-se.

Nestes três planos se refugiaram as causas das enfermidades e, em visão mais ampla, sempre no espírito, por transcender ele o corpo e a alma, determinando através da Lei do “Livre Arbítrio” suas condições mesológicas deles, do corpo e da alma, a saber. Na Doutrina do Amanhecer fala-se do “Equilíbrio do Sol Interior” .

Dada a unidade vibratória dos três centros coronários a cura será dirigida simultaneamente aos três planos correspondentes, por isso que intervenções unilaterais só tendem a intensificar o

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desequilíbrio. O Médico Clínico intervém no corpo, o Psiquiatra na Alma, mas somente a Religião como “religamento do homem transitório (personalidade) com o transcendental (individualidade) “ pode curar em profundidade. Concluindo, tudo o que se faz no Templo é Cura, embora haja uma sala especial para este fim. Ali porém, são tratados somente as pessoas com distúrbios fisiológicos. Muita gente, entretanto, pensa que doentes são só aqueles com tais sintomas. Ao contrário, difunde-se mais e mais a convicção de que grande parte dos incômodos que afligem a humanidade, têm suas causas em perturbações mentais.

Papel importante no trabalho da cura representam as forças e energias das assim chamadas cargas magnéticas, fator básico ao equilíbrio mediúnico. No Vale, o médium deve estar ligado “em cadeia” com seus colegas, donde resulta “a principal fonte de capacidade magnetizadora e desmagnetizadora” (Sassi 1972: 59 ss). No Vale do Amanhecer, dentro do Templo e ao redor dele reúnem-se às vezes, duas centenas e mais de médiuns para tratarem quatro ou cinco centenas de pacientes. Num ambiente saturado de forças atuantes em sintonia com o estado de espírito tensivo dos clientes (fé, ansiedade, medo, expectativa, curiosidade), provoca-se a liberação do fluído magnético-animal acompanhada de um ‘tônus’ favorável de não-resistência em suas pessoas, ávidas de cura.

a) Tratamento Mediúnico

É o próprio Intelectual (Sassi 1972: 60) que nos descreve o fenômeno máximo do Vale: a cura espiritual na atmosfera saturada de forças sidero-magnéticas do Templo. Captadas as energias e devidamente expurgadas de elementos negativos, começa o “trabalho” desse modo: “Dispostas as duas filas, Negativos e Positivos, formam duas baterias de forças que desembocam no Presidente e seus dois auxiliares, o Farol Mestre e o Instrutor Mestre. Inicia-se o canto do Mantra Fundamental. Cantando, os Médiuns liberam seu fluído específico, o que diminui a resistência físico-animal, surgindo daí sua mediunização gradualmente. A eficiência do Médium no trabalho em começo vai depender justamente desse fenômeno inicial”.

“O Presidente abre o trabalho e nesse momento ligam-se os dois planos, o físico e o espiritual. Neste instante, o Presidente é o mais legítimo ‘Médium”, o comutador, o intermediário entre os dois planos.

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Da sua eficiência vai depender o desenvolvimento da tarefa a executar”.

“Segue-se a preparação das várias cadeias mediúnicas que irão atuar. Forma-se a Mesa de Doutrina com número menor de Médiuns na base do triângulo, com um Presidente e dois faróis (mestres) nos ângulos da base; encaminham-se os Médiuns para os tronos, um Doutrinador e um Incorporador em cada trono. Forma-se a Ponte Magnética na porta de entrada dos pacientes e se distribuem os Médiuns passistas”.

“Junto à Pira, se colocam os Médiuns Especiais de cura, habituados a receber os Guias Dirigentes”.

“O Presidente então, abre o trabalho da noite e dá ordem de incorporação. Todos incorporados, a ponte entoa novamente o ‘Maianti’ e os pacientes vão entrando em grupos, passando sob ela e sendo distribuídos pelos Tronos. Daí são encaminhados para a linha de passes ou para a Pira”.

“Ao passar sob a ponte Magnética, esta atua como um imã que absorve as cargas mais densas, ao mesmo tempo que ‘desmagnetiza’ o paciente”.

“No Trono, o Guia verifica a situação do paciente e inicia a cura. Qualquer que seja a moléstia de ele se queixe, sempre existe a presença de Sofredores, Obsessores, Possessores ou resíduos magnéticos (cargas). Qualquer que seja a hipótese, o Guia faz seu trabalho. Se for um simples Sofredor, ele o atrai para o Médium, para a Doutrina do Doutrinador presente; se for um Obsessor, ele inicia sua Doutrina e manipula raios fluídicos, que dão início à sua separação do paciente; se notar a presença de emanações do Possessor, ele reforça as defesas do paciente e o recomenda para o trabalho mediúnico de desenvolvimento. Por último, se o paciente é portador de cargas magnéticas, ele o encaminha para a Pira, onde existe um dispositivo, A Corrente Franca, capaz de absorver estas cargas”.

“Se o paciente estiver sendo assediado por uma falange, ele faz a ‘puxada’, isto é, transfere-se para a Mesa, que atua como poderoso magneto”.

A esta altura, removidas as causas essenciais da “doença”, o cliente se tornou apto para a cura propriamente dita. Como “doente normal” será sujeitado às seguintes recomendações de Médiuns da Pira e passistas que, com adminículo da “troca fluídica”, renovam as energias, estimulando o metabolismo. Na hipótese de enfermidades crônicas e incuráveis, socorrem os “Guias especializados” com suas

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energias próprias somadas às do Templo. Mas a cura e mesmo a simples melhora restam subordinadas às possibilidades do próprio doente, de acordo com seus carmas (p.62). Trata-se, então, de excelente auxílio espiritual para dispor o “encarnado no ponto de sua trajetória planetária”. E revezam três “Passes” importantíssimos aos fenômenos de curas e bênçãos, dependentes que sempre estão de poderes sobrenaturais, fora de nosso alcance. Mas...

- “Se o doente estiver programado para desencarnar daí a uns dias ou horas, o tratamento espiritual não vai evitar sua morte, mas vai apenas colocá-lo em melhor posição para esse desencarne”.

- “Se for portador de moléstia insidiosa, que programou como reeducação ou ressarcimento cármico, a moléstia não é afastada. Se o obsessor ainda não terminou sua “cobrança”, ele permanece”.

- “Em nenhuma hipótese o paciente pode dispensar o tratamento médico normal. Ao contrário, depois de uma cura espiritual, o paciente pode se beneficiar imensamente dos recursos da Medicina, pois as causas restantes no seu corpo são do plano físico. Naturalmente, excluem-se os casos em que os problemas eram apenas de ordem subjetiva ou social na sua manifestação exterior” (p.62).

Neste contexto incumbe algum esclarecimento sobre os “Passes”, vocábulo de freqüente usança na Doutrina do Amanhecer, e que traz o nome num dos recintos do Templo – A linha dos Passes - (onde está sendo montado também o “Memorial”, uma espécie de sala de “ex-votos”. O Passe magnético constitui ponderável recurso dos Doutrinadores e da Corrente Indiana do Espaço, a ser empregado em qualquer eventualidade, já que ele, “além de aliviar a tensão magnética do paciente, produz uma Ionização, ou seja, envolve a aura de forma a isolá-lo das emanações do ambiente”. Restaura, outrossim, o equilíbrio magnético do próprio Médium, particularmente nos casos de incorporação.

Observe-se, mais uma vez, que partes essenciais deste ritual vêm sendo modificadas no sentido de aperfeiçoamento.

* * *Como foi observado em vários passos desta pesquisa, o

fenômeno do Vale do Amanhecer se apresenta complexo, de conceituação emaranhada, difícil de ser enquadrada em esquemas da

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lógica costumeira. Faz, pois, mister dizer ainda algumas palavrinhas sobre a “Sala de Cura”, a “Junção” e a “Indução”, para que tudo fique entendido por inteiro.

Na Sala de Cura o fenômeno incorporativo é, praticamente, o mesmo dos “Tronos”, com apenas ligeiras nuanças na forma: O “Guia” incorporador é o “Médico”, especializado na cura espiritual, que não receita, não faz diagnósticos e quase não toca no paciente. “Nesse caso a conversa é quase nula e o problema é mais de liberação do ectoplasma e controle da posição de incorporação. A única coisa que o Apará tem que se precaver, quando trabalha na Sala de Cura, é com suas próprias superstições” – reconhece o próprio Mário Sassi (Fasc. 2, 1977: 48). “Sabedor” que pretende ser de tudo o que acontece, não venha o Apará recomendar ‘aquele santo remédio que sua avó usava’. (p.49).

O Castelo de Junção acha-se contíguo à Sala de Curas, também atrás do altar do Pai Seta Branca. No trabalho de “Junção” o Apará recebe seu Guia Médico, incumbido de controlar o ectoplasma a fim de que se não misture “A Junção é Cura Iniciática, feita com fluído de Doutrinadores” (ib.).

A Indução que tem seu “Castelo” ou sala, ao lado do Oráculo de Pai Seta Branca (cf. Planta do Templo), é o lugar destinado à absorção das cargas negativas de que os Aparás estejam sobrecarregados, sem nenhuma relação com a questão dos espíritos. Estas cargas que “não falam nem gritam”, passam ao Doutrinador cuja mão é presa firmemente pelo Apará depois de tanto “Trabalho” na incorporação.

Resumindo, para penetrar o fenômeno da Cura Mediúnica, como se realiza no Vale do Amanhecer, compete prefigurar a ser humano no argumento da “Lei de Auxílio de Jesus” no quadro do Amor e Perdão. Neste contexto o Médium se torna no instrumento intermediário entre Deus e o Homem, objetivando o fluxo e refluxo das energias, supostas evidentemente em quem “aceita a Doutrina”, que alimentam os mencionados três planos. Delas a mais dócil e de fácil acesso é o ectoplasma, fluído magnético animal – “A força do Jaguar”. Não se trata, com efeito, do ectoplasma citológico senão que apenas de um transplante semântico, criado por Carlos R. Richet no século passado.

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Enquanto “encarnado” há mister o espírito dessa energia por harmonizar-se com a alma e o corpo do indivíduo; uma vez porém, “desencarnado”, necessita dele, que é encontradiço nos “encarnados”, donde todo esse relacionamento complexo entre o mundo de cá e o de lá, entre vivos e mortos consoante nossa terminologia tradicional ou concepção teológica mais ampla, entre o natural e o sobre natural. A relação encarnado-desencarnado “conduzida nos moldes da Lei do perdão é o chamado ‘espiritismo Cristão’. Elevado a um sentido Iniciático e científico, é... Vale do Amanhecer” – infere M.Sassi.

OBSERVAÇÃO FINAL: O Espiritismo, como se sabe, gira essencialmente em torno de doenças e cura. Como o Brasil é por muitos considerado um “Hospital de doentes”, ninguém se admira dos extraordinários êxitos que religiosismos baseados em bênçãos, rezas, passes, curas e quejandos, encontram por toda parte. No Vale do Amanhecer – asseverou-me seu Mário – foram detectados 82 (oitenta e duas) formas de esquizofrenia ou hebrefenia. As enfermidades de origem psíquica, que no Vale são consideradas espirituais, podem ser:

Programadas: A pessoa que opta pela doença grave cujo causador é o Elítrio. Opção pela encarnação e pela sujeição ao assédio de cobradores (causa).

Não programadas: A pessoa tinha relação com o espírito; causa: obsessor ou sofredor que não aceita a Jesus Cristo como enviado de Deus; agente causal: um Exu (pessoa viciada e malfazeja, instigada pelo obsessor).

O esquema seguinte que transcrevemos de Ana Lúcia Galinkin (1977: 101) será adminículo útil ao leitor interessado em aprofundar-se na Doutrina do Amanhecer.

ESQUEMA RELACIONANDO : AGENTE CAUSAL, SEUS SENTIMENTOS, AFINIDADES, ATITUDES E RELAÇÃO COM O OBSEDIADO.

Agente Causal Sentimento Atitude Afinidade Obsediado

Relação c/ o Obsediado

Quando Encarnado

“Elítrio” Ódio Intencional Inexistente Inespecífico Inexistente

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“Exu”Desejo de liderança, de fazer prevalecer as próprias idéias

Intencional Ideológica(Não Cristão)

Específico(Não Cristão)

Inexistente

“Cobrador” Vingança Intencional(cobrança)

Inexistente Específico(devedor)

Existente

“Obsessor” Amor, Amizade, Ódio

Intencional(Ajudar, ouPrejudicar).

1-Existentes no caso de estarem na

mesma faixa vibracional;

2- Inexistente

Específico (quemse entrega à bebida, à drogas, às ações vis).

1- Existentes - Pessoas que se entregam ao vício2- Amigos ou inimigos.

“Sofredor”Inexistente, estado de inconsciência

Não intencional. Inexistente

Inespecífico ou Específico

Pode ou não ter existido

“Elítrio em função do

Livre Arbítrio”

Inexistente Não Intencional Inexistente Específico Inexistente

b) Alguns Ritos e Símbolos.

Ensina a Doutrina do Amanhecer estarem os fatores mediúnicos “sempre presentes em todos os ambientes, onde haja pessoas reunidas” (Sassi 1974: 86), bastando para um “trabalho deliberado” qualquer aposento, desde que reservado para isso, por causa da impregnação. À medida que o movimento vai assumindo maiores proporções com o aumento natural dos participantes, aparece também o Templo. Determinar o modelo adequado do ritual cabe “aos Mentores”, já que “cada falange de espírito tem seu próprio sistema”. Seja o problema simplificado, “evitando agregar hábitos doutrinários ou religiosos de outros grupos”. A estrela de seis pontas é considerada símbolo iniciático universal, a água veículo de cura e a cruz “sempre representou o ser humano encarnado”. E se desce na interpretação dos pormenores de suas partes integrantes: “A aste (haste) inferior é o Homem Físico, com todo atavismo, o suporte material da vida; os braços horizontais representam a alma, os mecanismos psicológicos, o negativo e o positivo, o branco e preto, o eterno dualismo em que se debate a mente concreta; a (h) aste superior representa o espírito, a antena do transcendente” (p.39). E as frases seguintes, por sinal com reticência, definem o estilo dos voejos imaginosos do intérprete de Tia Neiva : “Antes da consolidação do ser humano no Planeta, quando o Céu se confundia com a Terra, talvez nos tempos da Lemúria, a cruz

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tinha quatro braços iguais e simétricos. Quem tem olhos para ver... Missão, pois , é viver em função do espírito e com os olhos no transcendente. É amar ao próximo como a si mesmo...”

Ao Sr. Sassi não lhe sabe bem a doutrina de São Paulo que prega “um Cristo crucificado”. No Vale do Amanhecer as cruzes estão nuas e limpas, com uma toalha branca nos braços, como na Sexta Feira Santa, após o aparecimento do corpo de Jesus. Escorando-se em aparições de Johnson Plata, ouve Tia Neiva estes esclarecimentos (na pena de Mário, evidentemente) sobre Jesus e as Leis Crísticas: “Um dos objetivos desses espíritos (mestres e doutores da Universidade Vale das Sombras, já falecidos ou melhor, “desencarnados”) é levar ao desânimo os encarnados que tentam seguir a trilha do Mestre Jesus. Para isso, eles fomentam o culto de Jesus Sangrando, pendurado na Cruz. São sanguinários como você, Natachan! (nome de Tia Neiva em transportes místicos) ... Vocês na Terra amam de preferência Jesus açoitado, sofrido, humilhado! Na verdade, esse Jesus é apenas o reflexo do masoquismo inconsciente de vocês, das suas dores inaceitas e das frustrações. O verdadeiro Cristo Jesus é todo suavidade, bem diferente daquele dos seu crucifixos e suas esculturas cheias de vermelho sangüíneo! “(2000 a Conjunção de Dois Planos, 1976: 121).

Um quarto para as dez horas da manhã faz-se ouvir a estridente sirene do Vale do Amanhecer, quinze minutos antes de começarem os “trabalhos”. Já um código convencional que todos entendem: 1 toque – encerramento; 2 toques – trabalhos especiais; 3 toques(curto-médio-longo) – trabalho oficial; 4 toques - reunião de todos os que se encontram no Vale.

Os filiados à Doutrina do Amanhecer, os médiuns particularmente usarão a saudação SALVE DEUS!, ao encontrar-se um com o outro, dentro ou fora do Vale, ao cruzar-lhe o portão, ao entrar e sair do Templo, neste caso abrindo-se os braços de frente para a Pira. Caminhar devagar, tendo as mãos cruzadas às costas. “Não converse a não ser o estritamente necessário, assim mesmo em voz baixa. Evite a todo o custo gesticular, rir ou gritar” (Fasc. 1, 1977: 15).

Há três rituais solenes de abertura: às 10, 15 e 20:30 horas. Às seis da tarde forma-se uma “Corrente universal”, quando todos os adeptos, onde quer que estejam, se encadeiam mentalmente com as captoras antenas elipsoidais do Templo e do Vale – é o momento mais propício para arroubos místicos. No tempo aprazado, em ponto, o

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Presidente dá o sinal e todos entoam o Hino Maianti, também grafado “Mayanty” ou na prática, pela Lei do menor esforço, pronunciado palatizadamente “Manhante”. Significa na linguagem iniciática de Tia Neiva “amanhecer, alvorecer, clarear”, cantando especialmente nas aberturas dos “Retiros e Trabalhos Especiais”. Trata-se de uma composição melodiosa, tranqüila , no estilo dos hinos sacros antigos da Igreja Católica, sobre que se falará logo mais.

O Ritual da Abertura inicia-se com a formação de alas a partir do Presidente que se posta em frente à “Presença Divina, entre o Sol e a Lua, seguido do Médium “Segundo Farol”. As ninfas à esquerda e os homens à direita, todos com as mãos cruzadas atrás. O Presidente pronuncia sua preparação e a Chave de Abertura; “Meu Senhor e Meu Deus” – Diz em voz elevada “ao colocar o defumador nas brasas, com ambas as mãos convergindo para o braseiro” (Sassi 1972 :12). Esta famosa confissão da divindade de Jesus é atribuída ao apóstolo incréu Tomé (João, 20,29), não deixando de constituir aresta esquiva na liturgia do Vale, cuja Doutrina, ao menos em teoria, rejeita a natureza deífica do Nazareno. A seguir o Presidente, abrindo e suspendendo os braços até a altura dos ombros, com as mãos juntas de palmas para baixo sobre a Pira, reza: “Senhor, faze a minha preparação para que neste instante possa eu estar contigo”. Ato contínuo, levanta os braços até pouco acima da cabeça, com as mãos distantes uma da outra, fazendo a chamada para a Corrente Mestra do Oriente Maior. Ao sair, postando-se diante da Pira pelo lado externo, inclina-se reverentemente e repete “Meu Senhor e Meu Deus!”. Então é a vez do “Farol”, do “Instrutor” e dos demais médiuns cumprir o mesmo cerimonial, só não levantando as mãos, gesto privativo do Presidente. Terminada a preparação, cada médium, em passando pelo “Farol ou pelo Instrutor”, recebe de um deles a indicação do trabalho nesse dia: Mesa, Passe ou Doutrina, tudo realizado mui discretamente. Aí cessa o Hino Maianti.

No Ritual de Linha de Passes, a Mesa Doutrinária “está concentrada e serve como bateria de Força” (p.14). A saudação é “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”, três vezes no começo e outras tantas no fim. Lê-se um trecho do Evangelho, se houver. Depois de algumas defumações e repetidos “Louvados-seja”, os médiuns “incorporam”, e os “guias e os Mentores fazem a autolimpeza. Terminada esta, o “segundo” faz um sinal para os doutrinadores e estes encaminham o público. Se houver disponibilidade, o Presidente deve tomar um passe negativo e um positivo. No caso de Pretos

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Velhos, deve-se prover um banquinho para o médium e outro para o paciente. Não se aconselha o ajoelhamento. Durante todo o tempo o “segundo”e os doutrinadores devem ficar atentos a todos os acontecimentos e procurar guiar os pacientes para que tudo saia com elegância e proveito”.

c) Angical

Na primeira parte deste estudo, no capítulo de Pai Seta Branca, houve uma ligeira referência ao topônimo ANGICAL para onde se teriam retirados escravos e outros aventureiros – Gongá de Mãe Tildes – parece uma fazenda da ex-escrava Matildes. Tratando-se embora de uma região no atual território baiano,

onde existe uma cidade e município com este nome, até o presente, a Clarividente não “revelou” o local daquele antigo arraial do Império. O argumento inteiro da participação africana nas doutrinas e ritos do Amanhecer, remonta fundo na história, começando pela América antecolombiana. Mário Sassi está convencido de que, há 20 ou 25 mil anos, floresceu uma pujante civilização em Yucatan no México, cujos habitantes manipularam tremendas energias (como hoje, as nucleares) que, irracionalmente desencadeadas, os destruíram. Cumpre, todavia, observar que a presença do Homem em terras americanas, embora tenha acontecido para lá de 50 ou mesmo 100 mil anos, é considerada recente. No caso da península de Yucatan a arqueologia só nos fala da cultura dos Mayas, ao tempo de Cristo, ergueram na região grandes marcos monólitos com inscrições, v.g., as do sítio Caminaljuyú, denominados estelas, “stela” em castelhano. Mais anciãs, porém menos conhecidas são as culturas Izapa e La Victória, retrocedendo até um milênio antes da nossa Era.

Sigamos, entretanto, as ponderações do Intelectual: Os Íncolas de Yucatan conservaram recolhidos e ocultos estupendos conhecimentos que foram parar na África Central junto à cabeceira do

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rio Nilo. Houve uma longa preparação a fim de que tais “planos” ou conhecimentos pudessem ser revelados, e isto se deu através da escravidão negra que entrou no Brasil, trazendo as energias e sabedorias dos “Pretos Velhos”, resignados com o destino, nada obstante tivessem poder misterioso capaz de destruir seus patrões e algozes. “No Congá , é que se ocultava a verdadeira Ciência, fato não explorado pelo sociólogo Gilberto Freyre em suas publicações” – finaliza M.Sassi (22,20,78).

Angical – É um trabalho tradicional do Vale do Amanhecer, realizado exclusivamente pelos Médiuns, duas vezes por mês, oportunidade que lhes vem sendo facultada de libertar seus “cobradores espirituais”. Deriva-se, parece, de uma antiga “encarnação” passada no Brasil Português ou Imperial, ocasião em que numerosos integrantes dessa ‘corrente’ se encontram no sítio acima referido e – discutido. Nos últimos tempos, como pude verificar em fevereiro de 1978, houve alguma situação crítica na organização de seus ‘trabalhos’ no Vale, provavelmente já superada.

Outra expressão muito comum entre os seguidores da Doutrina do Amanhecer é a do Retiro ou Plantão. Estão de “Retiro” os médiuns da Corrente Indígena (*) do Espaço presentes no recinto do Vale, particularmente nas imediações do Templo e do Solar dos Médiuns, em trajes rituais, à disposição da clientela que por ventura comparecer em dias não destinadas ao atendimento público, como sejam: segunda, terça, quinta e sextas-feiras. Os médiuns, todos devem “fazer Retiro” uma vez por mês pelo menos. Os que moram extramuros, desobrigam-se geralmente desse preceito nos dias de “Trabalho Oficial”, quarta-feira, sábado e domingo, quando então inúmeros pacientes acodem ao Vale em busca de solução para seus problemas e angústias. O ritual e horário do atendimento nos dias de “Retiro”, são basicamente o pouco antes descrito, mais simplificado evidentemente.

(*) Obs. do digitador Rypurã: Todos os erros, de concordância, doutrinários, de Leis, estão de acordo com o “original” do Pe. José Vicente César, portanto não é descuido, apenas transcrevo o original!

d) Hinos Mântricos

O mediunismo se baseia na manipulação e controle das energias espirituais, quer dizer do “espírito”, no sentido da codificação de Allan

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Kardec. O médium será tanto mais forte quanto maior for sua capacidade de “passar” essas energias em benefício de seu próximo, necessitado de tratamento. Sob domínio da mente que, por sua vez, depende de fatores externos da matéria física e orgânica, deixam-se essas forças, através de sons rítmicos e cadenciados, dirigir-se em forma de faixas e vetores energéticos. “Isso no Oriente se chama ‘Mantra’ ou ‘Mantrans’. No Sânscrito dos Brâmanes, o mantra é uma fórmula sagrada de cânticos divinos”. “Hinos Mântricos, 1976: 3”. Também criou a Literatura sassiana o neologismo imantrar que significa “Impregnar por meio de mantras... composições sonoras, emitidas por palavras, músicas, cantos, etc. e que produzem efeito no plano físico. Mantra luminoso significa o mantra emitido por um médium desenvolvido e equilibrado, cujo ectoplasma é claro, limpo e luminoso” (Mensagem 2, 1976: 29). Mantra é vocábulo do sânscrito clássico significando “fórmula sagrada, sentença, arbítrio, oração, canto, hino, palavra mágica, conselho, decisão, etc”. Os Vedas da famosa sabedoria Hindu dividem-se em 4 grandes secções: Rigveda (hinos), Samaveda (melodias), Jadjurveda (fórmulas oblacionais) e Atharvaveda (palavras mágicas), remontando provavelmente a 1500 anos antes de Cristo. No cimo dessas coleções destacam-se os mantras como hinos de fórmulas sagradas.

Os Hinos da Corrente Indiana do Espaço são tidos pelos adeptos do Vale, na conta de composições mântricas ditadas pelos Guias espirituais, cujas funções mais importantes são: facilitar a emissão fluídica pela boca; estabelecer o contacto com a Casa Transitória e os Umbrais nos momentos oportunos do Trabalho; sintonizar as falanges de acordo com a natureza deste, harmonizando o ambiente (Cf. Sassi 1972:19). Estes cânticos e hinos, “recebidos pela Médium Tia Neiva, foram ditados pelo espírito do General Plance”. Dele também é a “Prece da Corrente Branca Oriental do Universo... num ambiente antes da meia noite com uma vela e um defumador, a Jesus filho dileto do Homem”, invocado como “Senhor e Deus de Infinita Bondade” (Sassi 1972:19).

A Clarividente Neiva recebe a letra e a música, transmitindo-as aos médiuns que as aprendem paulatinamente. Face à maleabilidade da Doutrina do Amanhecer em adaptar-se com presteza aos momentos e circunstâncias, alguns se tornam mais, outros menos usados. “Cantando esses hinos o Médium se torna mais participante do processo e, ao mesmo tempo, desassimila mais ectoplasma para

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seu próprio benefício” (Hinos Mântricos, p. 4). Vamos examinar alguns deles, principalmente aqueles que se acham gravados em discos de longa duração por “Gravações Elétricas S.A.” (Discos Continental), São Paulo, 1977.

1 – Mayanty: Cantado nas aberturas dos retiros e

trabalhos oficiais “para ajudar os Médiuns a se mediunizarem”, na linguagem iniciática denota “amanhecer, alvorecer, clarear, etc”. Tratando-se de composição poética importante, transcrevemo-la na íntegra com alguns comentários.

Mayanty, MayantyDo Astral SuperiorTu que És refúgioDe enfermeiros do Senhor.

Sopro Divino do SenhorPrana, oh Prana, tú em favorSei que atendes onde hasteiaA bandeira rósea do Amor.

Aqui neste Templo hasteamosA bandeira rósea do AstralVelhos Marcianos ingressadosNo Pronto Socorro Universal.

Mayanty, querida MayantyQue o Senhor nos concedeuGuardas querida MayantyTudo que for em favor meu.

Essas singelas quatro estrofes escondem um sentido profundíssimo da Doutrina do Amanhecer. O cerne de tudo é a palavra prana, no sânscrito é escrito com a longo e n lingual, em torno do qual giram os conceitos de “Astral Superior”, “Enfermeiros”, “Sopro Divino”e “Socorro Universal”. Admitindo-se que Tia Neiva tenha “recebido” isto em transe místico ou iniciático, e que lhe falecem conhecimentos literários da complexa filosofia e riquíssima literatura teológica da Índia, dificilmente se pode compor algo melhor e mais simples do que esta poesia, cuja música transpira melodioso encanto e perene

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tranqüilidade. Prana significa originalmente “hálito, vento, respiração, sopro vital, uma certa aura do corpo humano” e em filosofia, o Intelecto condicionado ao conjunto da criação universal. Daí o “Sopro Divino do Senhor”, o Espírito Santo do Cristianismo, amor resultante do Pai e do Filho, encarnados nos “Enfermeiros do Senhor... no Pronto Socorro Universal”. Prana em ideologia hindu mais recente fala da energia cósmica em suas múltiplas manifestações. Conecta-se também com apan ou seja: “expiração” que, de sua vez, se prende a um radical sanscrítico com sentido de “descartar-se, aniquilar-se numa entrega mística ao Absoluto, conceito transmitido na quarta estrofe.

2 – Consagração aos Mestres: O 2º do disco (p. 8 dos Hinos Mântricos). Os mestres são os “Caminheiros de Jesus”... “Missionários ajudando os espíritos em trânsito na Terra”. Jesus é cantado como um “fiscal” a inspecionar o andamento da práxis do Vale, baseada na doutrina de Seta Branca: “Resplandece uma Doutrina/ Seta Branca Consagrou / Revistai Jesus querido / Seta Branca nos guiou”. O hino é executado nas jornadas e andamento das cerimônias. A música é um “andante” de ¾ um pouco parecida com a melodia da “Hóstia Santa Imaculada”, nº 146 da Harpa de Sião do Pe. J. Batista Lehman, da congregação do Verbo Divino (ed. de 1963, p.100).

3 - Hino da Estrela Candente: O 3º do disco (p.9 dos H. Mântricos). Estrela Candente, é o conjunto iniciático Solar dos Médiuns, a extensão do Templo. Cantado durante as Consagrações, nas Luas Cheias, por exemplo, principalmente nas incorporações das Princesas de Iemanjá. Amálgama de Amores divino-humanos: Ninfas de amor, nityamas cantando e louvando a Jesus, deixando-se entrever o Amor do Pai Seta Branca para com Yara, mãe querida, numa corte do Reino Central... “Prenúncio de nova era”. O tom marcial da música agrada menos, como algumas toadas alegres dos cânticos da Campanha da Fraternidade, executados de maneira meio barulhenta durante o tempo sagrado da Quaresma.

4 - Hino do Doutrinador: A figura do Doutrinador, revela-se de importância capital fiel execução da Doutrina do Amanhecer, característica precípua desta forma de espiritismo. “Cantado sempre que no Templo se precisa de uma atitude de afirmação e confiança (nº. 4 do disco, p. 7 dos Hinos Mântricos). A estrofe 3ª e última, explica

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o sentido da cruz com um véu branco nos braços, que os doutrinadores levam, desenhadas nas costas: “Esta cruz, que levas em suas costas / Farol que ilumina na dor/És luar nas noites escuras / Alivia e esclarece o sofredor”. A melodia se parece um pouco com a marcha “Brasília, Capital da Esperança”, muito em voga por ocasião da inauguração de Brasília em 1960.

5 – Hino dos Mestres: O nº 5 do disco, p. 20 dos Hinos Mântricos. “O Mestrado do Vale do Amanhecer foi a conquista definitiva do Plano Iniciático pelo Corpo Mediúnico. Desse Mestrado, partirão as grandes jornadas em direção ao próximo Milênio, e na luta contra os Vales Negros da Incompreensão. Este conjunto mântrico é para ser cantado nas cerimônias em que os Mestres participam com suas Indumentárias”. São 8 estrofes. Jesus vem logo na primeira, como figura ímpar, ao passo que Pai Seta Branca não é mencionado. O estribilho insiste bisando nos “Mestres Lua transmitindo / A voz direta do Céu”, referência à Tia Neiva que, em sua Clarividência, permanece em contacto contínuo com os planos superiores. Aliás, muitas religiões realçam este aspecto de autenticidade da revelação de Deus a certos personagens da História – e com certa exclusividade como acentua a Igreja Católica, embora com alguma abertura e compreensão depois do Concílio Vaticano II.

6 – Profecia de Jesus: O nº 6 do disco, texto de 6 estrofes, distribuído em folheto complementar. Copiamos as duas primeiras quadras que falam das personagens e dos elementos chaves da Doutrina do Amanhecer: Jesus, Lua (Neiva), Sol (Mário), milenarismo, povo eleito, magia original de Seta Branca, etc. Melodia calma e solene.

Jesus prevendo a Nova EraSeus filhos na Terra preparouA Lua emana a voz direta

O Sol conduz Doutrinador.Seta Branca ensinouA Magia OrientalRevelando novos mundosA um povo oriental.

Na face B do disco temos:

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1 – Hino da Junção: Este Cântico complementa o trabalho iniciático realizado em sala especial, a da Junção, “para libertação de Elítrios, espíritos acrisolados no ódio que produzem moléstias graves localizadas. A operação “espiritual” revela-se complicada: às vezes faz mister lançar mão de vários Aparás e Doutrinadores, para situar no paciente o sítio exato onde se encontra oculto o Elítrio Malfazejo, no corpo ou num determinado órgão do cliente. Aí através de inúmeras manipulações consegue-se determinar a “forma” do Elítrio que vai passando ao Apará, “corporificando-se” como um feto (invisível, evidentemente), sendo por fim, com sua nova “forma”, libertado no espaço. E é preciso precaver-se, porque ele pode voltar. A melodia deste hino, e mais seus textos mântricos constituem adminículo sobremaneira valioso na expulsão e afastamento dessas correntes negativas da inveja e maldade (Hinos, p. 19). Jesus e sua força espiritual impõem-se em todo poema, inclusive nos dois versos finais das estrofes, os quais são bisados. A segunda: “Meu Pai Simiromba, meu Pai / Que forças benditas nos deu” se refere a São Francisco de Assis, como já esclareceu anteriormente pelo vocábulo Simiromba da linguagem iniciática do Vale. As “forças benditas” são distribuídas por Tapir (anta em lingüística tupi-guarani), comandante da falange que coordena as operações da Doutrina do Amanhecer, recebendo as ordens do Comando Superior e repartindo-se ao corpo mediúnico. No hino próprio do Tapir (p.12), elemento de cultura autóctone brasileira, o Grande Oriente de Oxalá se casa com o Poverello de Assis. Neste contexto cabe relembrar a devoção ou simpatia profunda da Clarividente pelo Fundador das Famílias Franciscanas. A melodia respira calma e majestade.

2 – Hino a Mãe Yara: Yara é filha de Iemanjá, possuindo sua própria falange de Princesas do Reino de sua Mãe Rainha. Foi a rosa colhida por Seta Branca no jardim de Iemanjá, casando-se com a Princesa do Mar. Yara é a Mentora por excelência dos Doutrinadores. O ritmo da música é alegre e vivo, sob acompanhamento de pandeiros e atabaques.

3 – Hino da Estância do Amanhecer: Estância do Amanhecer, é o primeiro Templo construído depois Vale, em Unaí, Minas Gerais:

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“Terra mineira abençoada,Seta Branca de amor veio trazerCom Jesus a luz do EvangelhoNa Estância do Amanhecer”. (Hinos Mântricos, p. 24).

“Tapir anuncia com amor / Que Jesus na Terra já deu / Revistar os filhos de luz / Escolher o povo de Deus”.

4 – Hino do Amanhecer: Hino oficial, a ser cantado nas aberturas e fechamentos de trabalhos e ocasiões solenes. Fundo musical de piano e clarineta delicado.

Sob o Céu azul do AmanhecerSeta Branca de amor apareceuCom as ordens do Oriente nos faz verA grandeza que Jesus nos concedeu.

Prana - luz aqui resplandeceuDo Oriente Maior que é TapirConduzindo as almas tristes para DeusNeste Templo de Esperança e de porvir.

Salve Deus, CriadorDo universo, És o Senhor.A Bandeira rósea de JesusNosso símbolo de fé sempre há de serTremulando neste Vale ela traduz.As mensagens que do Astral queremos ter!

5 – Estrela Guia: Os “guias” são espíritos da luz com papel de primeira plana na cura mediúnica. Trata-se de um “Canto de atendimento das emergências mediúnico-espirituais. Sempre que a situação de trabalho se torna tensa ou pesada, faz-se a chamada da Estrela-Guia, tudo se acalma e a tranqüilidade toma conta do ambiente” (p.11). O texto cita três cavaleiros do Senhor: Os reis do Fogo Bendito, da Terra e do Mar”, mencionando outrossim, o “povo de Oxosse”, orixá da caça e dos caçadores. Atente-se que os Pretos Velhos são os Guias dos Aparás; caça e caçadores, conectam-se com cavaleiros, matas e selvas, protegidas dos maus espíritos pelos oxóssis, grafia mais usual, inclusive pronunciada oxitonamente

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como”Oxossi” ideado às vezes como São Jorge Cavaleiro, de lança matando o Dragão.

6 – Alertai, Missionários: Faixa 6, do lado B do disco; texto no folheto complementar. Ritmo de marcha, um alerta convidando os missionários para a Missão de uma nova Era. A segunda estrofe, com seu estribilho, relata a transferência de Tribo (cigana) da Grécia para Brasília, carreando para cá heranças de forças, assunto que ventilamos ao falar sobre o Sistema Crístico.

A Tribo do Velho MundoDe Esparta à Atenas surgiuCom suas heranças de forçasPr’o Amanhecer transferiu.

Das planícies macedônicas aquiPr’o Brasil Jesus mandouMissionários em muitas linhasRituais, tudo é amor.

* * *

Foram publicados outros hinos ainda não gravados em disco; alguns merecem comentários. Hino de Abertura (p. 13) e Hino de Encerramento (p. 18) : O assunto versa em torno da falange dos Pretos Velhos mas, como se deixou antever em mais de um tópico, vindos da Índia pelo caminho do México (Yucatan) e da África, destarte diz-se “Falange dos Pretos Velhos Indianos”. Em ambas as poesias se menciona a ‘Divina Aruanda’, toponímio de Luanda, São Paulo de Luanda, capital da Angola. Ocorrem outras variantes gráficas análogas: Aluanda, Aluanguê, Aruandê, Zaluanda, Aruenda. Aruanda, no presente contexto, parece referir-se a uma corrente de forças mediúnicas do Vale. “No término de quaisquer trabalhos, onde tenha havido passagem de sofredores, a principal preocupação é eliminar do ambiente as emanações pessoais”, resultantes do ectoplasma “lodoso e esverdeado” deixado pelo sofredor ao se libertar do plano físico. “Este Mantra ajuda a modificação vibracional e restaura o equilíbrio dos Médiuns e do ambiente” (p. 18).

Além desse, há mais 4 hinos referentes aos Pretos Velhos: Luzes do Céu (p.14) em que Jesus “altaneiro” envia ao Templo do

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Amanhecer “seus trabalhadores Velhos Indianos; Hinos dos Pretos Velhos (p. 15) aos quais cabe “a maior soma de tarefas num trabalho mediúnico”. As entrelinhas deixam transparecer resquícios da situação humilde e escrava dessas “meigas figuras de cor”, como no Hino de Pai João (p.17) por onde se infere estar Mãe Tildes (ver na 1ª parte o capítulo sobre Seta Branca) casada com Preto Velho: Preto Velho Indiano Abençoado / Mãe Tildes é teu lindo amor / Hoje nas altas Hierarquias / És escravo de grandes regalias. Pai João tem ordem do Hindu Superior para levar às alturas os tiranos sem amor. No Hino do Sofredor, Jesus é “Criador do Universo” (p.16). Pela explicação introdutória, os espíritos desencarnados “sofredores” por não poderem queixar-se, pedir e falar como os encarnados seres humanos, “ficam à mercê de nossas parcas percepções. Por isso é que existem mais mantras para eles”.

Para os meninos e meninas do Lar das Crianças de Matildes, existe meia dúzia de canções : Hino à Vovó Marilú, Cisne, Passarinho, Hino do Pajezinho, Aldeia Encantada e Hino dos Pequenos de Assis. Também Canção de Aniversário, de Casamento, Encantos do Amanhecer, Luziânia do Amanhecer, Noite de Paz e Ave Maria, comentada na 2ª parte, quando se falou da hierarquia celeste. Hinos às Virgens Tupinambás (Sassi 1972:64), Juramento à Bandeira Universal (p.89). Hino dos Soldadinhos (p.83) por onde se deduz ser o inspirador dessa poesia

General Plance, uma Entidade ou espírito dos Planos Superiores: “General Plance vibrou / Um comando superior... Urubatan o nosso Marechal... Seta Branca Comando Geral... Jesus, o nosso quartel / Queremos juntinho do Céu”.

PADRE - NOSSO DO VALE DO AMANHECER.

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Pai nosso que estás no Céu e em toda parte / Santificado seja o Teu Santo Nome/ Venha a nós o Teu reino/Seja feita a Tua Vontade/ Assim na Terra como nos Círculos Espirituais.

O pão nosso de cada dia nos dá hoje, Senhor! / E perdoa as nossas dívidas, se nós perdoarmos os nossos devedores/ e não nos deixes cair em tentações, mas livra-nos de todo mal / porque só em ti brilha a luz eterna, a luz do reino e da glória dos séculos sem fim.

Este acréscimo aclamatório como conclusão da obração dominical, ultimamente usado em ocasiões solenes da liturgia católica, é de antiqüíssima tradição do Cristianismo. Só que, ao que me foi dado saber, os “Liturgos” do Vale, andaram suavizando um pouco a força do Texto católico: “Vosso é o reino, o poder e a glória pelos séculos dos séculos”. A sensibilidade da Doutrina do Amanhecer não condizia o conceito de Poder. As versões primeiras falavam de “poder” (verbo poder).*

Alguns Termos e Conceitos.

Canal Vermelho – Cidade Etérica muito semelhante às nossas cá da Terra, com casas, ruas, Igrejas, etc. Para lá são encaminhados certos espíritos que ainda tenham dúvidas “a serem removidas”. A principal vantagem dele é facilitar o “relacionamento ectoplasmático com a Terra. Um espírito passa por um trabalho e é entregue no Canal; logo mais à noite, quando os Médiuns que o trataram estão dormindo, seus espíritos se deslocam para o Canal, levam consigo o seu ectoplasma e lá continuam o trabalho com o espírito que passou o dia. Na Terra o Médium não vê o espírito mas, no Canal, ele está no mesmo plano do espírito e pode fazer sua Doutrina com muito mais eficiência” (Mensagem 4, 1976: 15).

Cassandras - Naves espaciais etéricas que ao pôr do Sol de cada dia, conduzem os espíritos libertados da Terra.

Bandidos do Espaço - Espíritos desencarnados, proclives à ação negativa, desligados de qualquer falange. Bandoleiros, sua principal presa são os espíritos inseguros: Prendem-nos e abusam

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deles, vendendo-os “para certas falanges que mantêm o sistema de escravização”.

Função – Ato de ajuda aos seres humanos no período de transição deste mundo.

Mayanty – Maiante, Manhante: Mundo etérico, plataforma onde se encontram os espíritos de um outro “Planeta – Matriz” em caminho da Terra.

Amacê – Na linguagem iniciática do Vale, palavra de origem africana: Concentração de energia super magnética, como o Vale do Amanhecer, para adaptá-la e distribuí-la em benefício dos homens. Os espíritos que controlam a energia do misterioso triângulo das Ilhas Bermudas não são Crísticos (opiniões de Sassi) mas procedem do fundo mar. A catedral de Brasília não serve para captar energias - daí seu esvaziamento e falta de atração. “A missa católica é um movimento iniciático de alta tradição”.

Magia Branca - Em oposição à magia negra, é a “Alta magia de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Tia Neiva, pelo mestre Tibetano Humahan, aberta para sua “milenar individualidade, é a Sacerdotisa da Magia Branca.

Sistema Coronário - Ultimamente, março de 1978, a Clarividente do Vale vem “aperfeiçoando a Doutrina sobre o Sistema Coronário”, centro vital do ser humano, composto de três esferas: Plexo físico, Microplexo e Plexo Etérico. Trata-se de três planos vibratórios diferentes, maneiras de o “Sopro Divino”, e “Verbo” (Verbo Divino??) se manifestar na Terra.

Plexo Físico – Esfera Coronária física, centro vital onde as energias preexistentes na Terra são assimiladas, transformadas e distribuídas... Aí se registram todos os fatos da existência, as heranças genéticas, as resultantes cármicas, atuações da alma, do espírito.

Microplexo - Segunda esfera coronária, comanda as funções da alma, a psychê dos Gregos. Sua função é absorver, assimilar e emitir as energias dos dois planos, do espírito e do corpo, uma

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espécie de “nêutron” do átomo. Recebe os eflúvios do “Plano Espiritual”, levando a personalidade a agir consoante as Leis transcendentes, confundindo-se, por isso, com o espírito.

Plexo Etérico - Instrumento do espírito para sua ação no homem, perceptível e reconhecido através das energias com que se reveste. Na Terra ele é chamado perispírito por assumir alguma materialização exterior. Age através da alma, a qual mesma não “cria”, mas tão só transforma o já criado. Está “dimensionada e limitada pelo nêutron”. O espírito ultrapassa as “barreiras do nêutron”, buscando no ultra-som, na ultraluz e na ultramatéria as coisas que o alimentam e o homem. Perispírito, entretanto, constitui o “espírito aprisionado na situação do encarnado”. Percebe o leitor que as coisas se complicam e se tornam mais confusas à medida que esclarecidas pelo Sr. Sassi.

Santificado – Estado em que se encontra um espírito depois de percorrida a estrada desta vida em veículos físicos e etéricos, sujeito que se encontra a esses planos mesmo depois de desencarnado. Ao término do percurso ele se torna um “Espírito de Luz”.

Sol Interior – Conceito ainda em fase de elaboração na Doutrina do Amanhecer em torno do homem, a vida mais completa e complexa do planeta Terra. Valendo-se de modernas e atualizadas teorias atômicas, bem como do que foi exposto sobre o “Sistema Coronário”, conclui o “intelectual” pela existência de um “Plexo Solar” na região interna do baixo ventre à altura do umbigo.

CONCLUSÕES

O Vale do Amanhecer impressiona em todos os sentidos, pelo simples fato de tratar-se de uma realidade, uma experiência religiosa ou de cunho espiritual atraindo a seus portões, mensalmente, cerca de 70.000 (setenta mil) pessoas à busca de alívio para suas angústias e de remédio para suas dores. A maioria dos visitantes ou clientes, pertencem às camadas pobres e deserdadas da população, sem veículos próprios de locomoção, tendo de quedar-se lá, em meio a muito desconforto, cinco e mais horas até que sejam atendidos, cumprindo todo o extenso e complexo ritual da “cura espiritual”. Pois, convém acentuar, o tratamento mediúnico do Amanhecer é

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exclusivamente espiritual. A beber ou ingerir, somente a água cristalina das fontes “fluídicas” nas bicas e torneiras do Templo.

Divergências sérias na doutrina e na práxis ritual ou mesmo na administração material dos bens da comunidade, parece-me, não existem. As poucas que têm ocorrido, foram atalhadas com facilidade mercê a liderança inconteste de Tia Neiva, a Clarividente. A confiança na autenticidade da Doutrina e sua viabilidade prática pairam acima de qualquer dúvida, por isso que toda a “práxis”, antes de institucionalizada, é aplicada e vivida voluntária e descontraidamente por todos.

Humanamente falando, revela-se incerto e inseguro o futuro da obra de Neiva e Mário Sassi, como incerto e volúvel é o “modus vivendi” de ciganos, ainda que “espirituais”, por quem se querem ambos passar: penúrias monetárias, contas fechadas nas instituições financeiras. O que tudo tem induzido a lançar-se mão de recursos em negócios de loteamento de terrenos, cujos proventos mantenham ao menos, as obras sociais de assistência às crianças lá recolhidas.

Outro elemento marcante que pervaga o Vale é o da sinceridade entre todos, líderes, médiuns e mais humildes servidores. Reina naturalmente muita credulidade, ingenuidade mesma, inexplicável em pessoas lidas e cultas como Mário Sassi e o livreiro luso José Manuel dos Anjos Soares Guedes. Então a convicção com que o “Intelectual” narra suas experiências espirituais e mediúnicas, a manipulação das forças sidero-magnéticas, é de deixar o pesquisador abasbacado, desorientado. Ele e a Clarividente mostraram-me grandes fotografias coloridas de cerimônias realizadas no Solar dos Médiuns, em que aparecem lindos raios de linhas brilhantes como se misteriosas faíscas elétricas brotassem do solo. Interessante como pessoas inteligentes, grandes gênios da Humanidade, com o apagar dos anos, na velhice, demonstram tendência a aceitar fatos extra-sensoriais. Que Tia Neiva esteja convicta de tantos fenômenos “espirituais”que se passem com ela, a gente admite, visto tratar-se de mulheres, por natureza inclinadas a acreditar em fenômenos preternaturais. Mas, no caso do Sr. Sassi, resta um verdadeiro mistério difícil de ser deslindado.

Ele vive a pobreza evangélica em todos os riscos da interpretação do Poverello de Assis: Sobriedade, frugalidade, abstenção de bebidas alcoólicas. Moram em construções rústicas com miseráveis instalações higiênicas, falta de esgotos, numa palavra, uma existência de favelados.

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O Milenarismo ou, mais propriamente, o bimilenarismo não representa papel decisivo na realização da Doutrina do Amanhecer, como pudesse parecer pela literatura publicada até o momento. Do mesmo modo a data de 1984, prefixada para término da Era Crística e concomitantemente, início da terceira fase de atuação do Vale, ou seja o desencadear do Sistema Iniciático-Científico, não inspira cuidados aos corifeus Neiva e Mário que interpretam mais flexível e menos rigidamente esta determinação calendarística. Da parte dos adeptos quase ninguém se preocupa com leituras e especulações deste gênero – queixa, aliás, de seu Mário.

CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS (PASTORAIS)

A Arquitetura do Vale do Amanhecer, cujo único edifício de monta é o Templo, revela-se simples, pobre, diríamos “cabocla”, toda levantada com recursos naturais do humilde ambiente rural brasileiro: bancos, altares, adornos, imagens, quadros, figuras, símbolos, tudo singelo, construído com o esforço abnegado dos próprios médiuns. O que simplesmente não transpira é o problema do dinheiro. O serviço espiritual é inteiramente gratuito.

Nada de polêmica ou discussão. A regra é fazer, trabalhar, agir em favor do próximo. Não se insere em questões sócio-políticas do País. Política são partidos, divisões entre o povo de Deus. Quanto mais a Igreja imiscui em assuntos políticos, meramente sociológicos e econômicos, tanto mais ela perde sua influência moral de mãe e mestra dos povos e das nações. Regendo-se por um sistema de monarquia absoluta, sacral, hierárquica – papas, bispos, vigários nomeados sem nenhuma consulta direta ao povo de Deus – à Igreja falece autoridade para pregar modelos democráticos aos estados modernos, já que sua forma histórica de governo se enraíza em padrões do Império Romano. O anúncio do Evangelho condiciona reforma sociais e mesmo políticas, sem as supor todavia como “conditio sine qua non” de sua encarnação nas culturas por mais diversas que sejam. A boa-nova pode ser e foi pregada desde o início a pobres e escravos, a ricos e poderosos, sem distinção de classes e de posses materiais.

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Talvez um campo que poderia ser melhor explorado pela Igreja através de seu prestígio e autoridade espiritual, seriam os meios de comunicações cujo controle está nas mãos do Governo. Aí, sim, o episcopado nacional, os Srs. Bispos, unidos e unânimes naturalmente, deveriam dirigir representações às autoridades competentes no sentido de moralizar os espetáculos públicos, nomeadamente os de Televisão – uma vergonha nacional. Este constitui sem dúvida, campo específico da Missão moralizadora da Igreja. Formando as consciências de acordo com as exigências Cristãs do

Evangelho, as demais reformas sociais viriam por si mesmas, sem necessidade de apelar-se a recursos escusos.

Na “Liturgia” do Vale dois elementos reclamam a atenção do observador: Os Hinos e as vestimentas. Os cânticos são sérios, tranqüilos baseados em melodias tradicionais do barroco brasileiro como os que se executavam antigamente nos Templos Católicos. Nenhuma preocupação de “novidades”, de ritmos agitados de sambas ou de outras melodias profanas de filmes e cinemas. É hora, por exemplo, de repensar o que está acontecendo coma Campanha da Fraternidade cujos cânticos “novos” e em sons e ritmos desusados, vem causando perplexidade nas igrejas e deixando o povo desorientado. A nova geração não conhece os hinos antigos, sem que se tenha fixado nos atuais cuja característica é não criar, não digo tradição, sequer um uso ou costume. No entanto, ensina a sabedoria de todos os tempos que, sem história e tradição, sem respeito para com o passado, não se constrói nenhum futuro.

A Igreja Católica do Brasil parece ter-se esquecido de que este país foi intensamente evangelizado durante quase quatro séculos, tendo surgido de nosso ambiente étnico uma expressão “sui generis” de cristianismo, fortemente enraizados no povo através de irmandades e associações tradicionais, portanto movimentos leigos no melhor sentido da palavra. Ao clero só incumbia a parte sacra da liturgia e da pregação da doutrina. No fim do século passado tudo foi revirado, o

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Brasil foi considerado um país “catequisado”, não porém “evangelizado”, como querem os novos historiadores estrangeiros incumbidos de “reescrever a história” de uma tal América Latina, como se isto fosse terra de ninguém onde qualquer novel “estoriador” pode “cavar e descavar” a bel-prazer. Acorreram as novas congregações religiosas na Europa com suas “próprias” devoções, as únicas verdadeiras e admissíveis, desbancando-se as tradicionais do povo brasileiro: festas padroeiras, procissões, semanas santas, etc.

As irmandades do SS. Sacramento, dos Senhor dos Passos, do Carmo, do Rosário e outras ficaram de lado, a ordem era: Apostolado da Oração, Congregações Marianas, Filhas de Maria, Damas do Coração de Jesus, Ação Católica e suas passageiras agitações; mais recentemente: Legião de Maria, Cursilhos de Cristandade, Equipes de Nossa Senhora, Movimento de Casais, de Jovens e um mundo de siglas. O que tem perseverado mesmo são as humildes Conferências de São Vicente de Paulo, porque vão ao cerne do Evangelho de Servir aos pobres sem muita dependências dos organismos clericais. Os uniformes, as fitas, as opas foram desprezadas, ridicularizadas pelos padres moderninhos que em seu lugar nada puseram, mas entendem muito bem de destruir o que os antigos com tanto suor e sacrifícios edificaram, não na areia movediça da onda maníaca das novidades.

No Vale do Amanhecer, as vestes “litúrgicas” são singelas mas vistosas, principalmente as femininas, o que vai ao encontro das aspirações estéticas do sexo fraco. Em tudo, porém, sobressai a dignidade, o respeito pela função que cada um exerce. Quem vê a seriedade dos rituais, a convicção e calma com que são executados, a unção das preces e dos hinos religiosos, percebe facilmente porque alastram pelo Brasil Católico as seitas espíritas e os cultos mais exóticos. É que a Igreja tem dessacralizado demais o culto divino, particularmente a Santa Missa, com ritmos musicais estranhos, quase carnavalescos – dentro do próprio tempo sagrado da Quaresma. Em muitas igrejas, sem excluir colégios de freiras, a primeira comunhão, por exemplo, que agora foi rebatizada com a novidade da primeira eucaristia, passou a ser (opinião de uma professora da universidade de Brasília) “uma festa de piquenique onde nada sobra da saudosa e edificante cerimônia da tradicional primeira comunhão”.

O Povo de Deus aspira a seriedade, contemplação, ambiente de recolhimento e oração. As Missas, agitadas de maçantes explicações e cantorias, mais aparentam certos programas dominicais de televisão, sem um minuto de pausa para reflexão interior.

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Mas o ponto elevado na Doutrina do Amanhecer é a “Cura” individual, o atendimento pessoal dos pacientes, nisto parece residir todo o segredo, a chave do rápido desenvolvimento do Vale. Cada um tem de ir lá, demorar-se, expor seus problemas, deixar-se tratar com toda a calma. Se não sai curado, pelo menos volta satisfeito, renovado em suas esperanças e – sobretudo com desejo e propósito de voltar. Isto nos força a refletir sobre a confissão sacramental e individual da Igreja, hoje bastante esquecida e pouco praticada. Que tesouro estamos perdendo! Porque tantas doenças mentais, porque tantos psicólogos e psiquiatras? À medida em que se fecham os confissionários abrem-se os centros espíritas e mais cresce o número das clínicas de males da mente, da alma. Os padres quase não acreditamos mais nas bênçãos e nos sacramentais, nos poderes de benzer e abençoar a nós conferidos tão solenemente por ocasião das ordenações sacras; no entanto, no Vale do Amanhecer e por todo o território nacional pululam os rituais de benzimentos e de passes. Discutimos tantas teologias exóticas de fora, importadas de universidades européias, agora a da “Libertação”com pronunciada tendência política, mas a verdadeira libertação espiritual do povo brasileiro, a liturgia “brasílica” autóctone não brota nem medra entre nós , porque nossos teólogos só entendem das “casuísticas” de Roma, de Paris, de Bruxelas e alhures. Urge pois, um estudo profundo, uma revisão autêntica dos processos evangelizadores porque passou nosso povo, a fim de se pôr paradeiro a tantas experiências desencontradas que ultimamente vimos, em nome de Cristo, impingindo à consciência religiosa e Católica dos fiéis brasileiros.

* * *

SALVE DEUS!