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Mateus 5.17-20 17 - Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. 18 - Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido. 19 - Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. 20 - Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. Romanos 10.4 4 - Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê. A LEI ETERNA Mateus 5:17-20 Em uma primeira leitura bem poderia afirmar-se que esta é a declaração mais surpreendente de todas as que Jesus faz no Sermão da Montanha. Nestas palavras Jesus estabelece o caráter eterno da Lei; e entretanto, Paulo poderá dizer: "Porque o fim da lei é Cristo" (Romanos 10:4). Jesus quebrantou repetidamente o que os judeus chamavam a Lei. Não observava a lavagem das mãos que a lei estipulava; curava os doentes no sábado, embora a lei proibia tais curas; foi condenado e crucificado, de fato, como réu de grande legalidade; e entretanto, aqui o escutamos falar da lei com uma veneração e reverência que nenhum rabino ou fariseu teriam podido exceder. A menor letra que em nossas versões se traduz "j", era a letra hebraica ioth. Escrevia-se como um apóstrofo –'-; e nem sequer a letra mais insignificante, que podia passar perfeitamente por um signo de pontuação, teria que desaparecer da lei. A menor parte da letra, que se traduz "til", era o sérif, uma espécie de risco similar às projeções laterais que se desenham na letra l, na parte superior e a inferior. Jesus estabelece que a lei é tão importante que nem sequer o menor detalhe caligráfico de seu texto deverá desaparecer. Algumas pessoas têm ficado tão intrigadas por esta afirmação, que chegaram à conclusão de que não pode ser de Jesus. Sugerem que, sendo o evangelho de Mateus o mais judeu de todos os evangelhos, e sabendo que seu objetivo final era convencer aos judeus, este seria um dito que Mateus inventou e pôs nos lábios de Jesus, mas que não se pode considerar como um ensino original do Mestre. Mas o raciocínio de quem pensa deste modo é completamente falso e fraco. Em realidade era tão pouco provável que Jesus dissesse isto, que ninguém teria tido a idéia de atribuir-lhe e quando compreendemos seu significado veremos que é inevitável que seja uma afirmação de Jesus. Os judeus usavam o termo a Lei em quatro acepções diferentes: (1) Usavam-no para designar aos Dez Mandamentos. (2) Usavam-no para designar os cinco primeiros livros da Bíblia, essa porção das Escrituras que também se conhece como o Pentateuco – que significa literalmente Os cinco rolos – e que era para os judeus a Lei por excelência e a parte mais importante das Escrituras. (3) Usavam a expressão A Lei e os Profetas para denotar a totalidade das Escrituras; era uma espécie de descrição ampla que abrangia a totalidade do Antigo Testamento. (4) E também a usavam para descrever a lei oral, ou dos escribas. Nos tempos de Jesus o último destes significados era o mais freqüente, e é precisamente esta lei dos escribas a que tanto Jesus como Paulo condenavam de maneira radical. O que era, pois essa lei dos escribas? No Antigo Testamento mesmo achamos muito poucas regras e regulamentos; o que sim contém são grandes e amplos princípios que cada pessoa deve tomar e interpretar sob a guia de Deus, aplicando-os às situações concretas de sua vida. Os Dez Mandamentos não são um estatuto de regras concretas; são, cada um deles, grandes princípios dos quais cada indivíduo tem que extrair suas próprias normas de vida. Os judeus dos tempos de Jesus não acreditavam que esses princípios gerais fossem suficientes. Sustentavam que a Lei era divina, e que com ela Deus tinha pronunciado sua última palavra, e que portanto nela deviam estar contidas todas as coisas. De modo que, se algo não aparecia explicitamente na lei, devia estar contido em forma implícita. Sustentavam, por conseguinte, que era possível extrair da lei, por um procedimento lógico de dedução, regras e estatutos que fixassem o que era correto para todo homem, em qualquer situação da vida. Surgiu assim uma casta de especialistas na Lei, chamados escribas,

Estudo Sobre a Lei

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Estudo Sobre a Lei

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Mateus 5.17-20

17 - No cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: no vim ab-rogar, mas cumprir.

18 - Porque em verdade vos digo que, at que o cu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitir da lei, sem que tudo seja cumprido.

19 - Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, ser chamado o menor no reino dos cus; aquele, porm, que os cumprir e ensinar ser chamado grande no reino dos cus.

20 - Porque vos digo que, se a vossa justia no exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos cus. Romanos 10.4

4 - Porque o fim da lei Cristo para justia de todo aquele que cr.

A LEI ETERNAMateus 5:17-20 Em uma primeira leitura bem poderia afirmar-se que esta a declarao mais surpreendente de todas as que Jesus faz no Sermo da Montanha. Nestas palavras Jesus estabelece o carter eterno da Lei; e entretanto, Paulo poder dizer: "Porque o fim da lei Cristo" (Romanos 10:4). Jesus quebrantou repetidamente o que os judeus chamavam a Lei. No observava a lavagem das mos que a lei estipulava; curava os doentes no sbado, embora a lei proibia tais curas; foi condenado e crucificado, de fato, como ru de grande legalidade; e entretanto, aqui o escutamos falar da lei com uma venerao e reverncia que nenhum rabino ou fariseu teriam podido exceder. A menor letra que em nossas verses se traduz "j", era a letra hebraica ioth. Escrevia-se como um apstrofo '-; e nem sequer a letra mais insignificante, que podia passar perfeitamente por um signo de pontuao, teria que desaparecer da lei. A menor parte da letra, que se traduz "til", era o srif, uma espcie de risco similar s projees laterais que se desenham na letra l, na parte superior e a inferior. Jesus estabelece que a lei to importante que nem sequer o menor detalhe caligrfico de seu texto dever desaparecer. Algumas pessoas tm ficado to intrigadas por esta afirmao, que chegaram concluso de que no pode ser de Jesus. Sugerem que, sendo o evangelho de Mateus o mais judeu de todos os evangelhos, e sabendo que seu objetivo final era convencer aos judeus, este seria um dito que Mateus inventou e ps nos lbios de Jesus, mas que no se pode considerar como um ensino original do Mestre. Mas o raciocnio de quem pensa deste modo completamente falso e fraco. Em realidade era to pouco provvel que Jesus dissesse isto, que ningum teria tido a idia de atribuir-lhe e quando compreendemos seu significado veremos que inevitvel que seja uma afirmao de Jesus.

Os judeus usavam o termo a Lei em quatro acepes diferentes:

(1) Usavam-no para designar aos Dez Mandamentos.

(2) Usavam-no para designar os cinco primeiros livros da Bblia, essa poro das Escrituras que tambm se conhece como o Pentateuco que significa literalmente Os cinco rolos e que era para os judeus a Lei por excelncia e a parte mais importante das Escrituras.

(3) Usavam a expresso A Lei e os Profetas para denotar a totalidade das Escrituras; era uma espcie de descrio ampla que abrangia a totalidade do Antigo Testamento.

(4) E tambm a usavam para descrever a lei oral, ou dos escribas.

Nos tempos de Jesus o ltimo destes significados era o mais freqente, e precisamente esta lei dos escribas a que tanto Jesus como Paulo condenavam de maneira radical.

O que era, pois essa lei dos escribas?

No Antigo Testamento mesmo achamos muito poucas regras e regulamentos; o que sim contm so grandes e amplos princpios que cada pessoa deve tomar e interpretar sob a guia de Deus, aplicando-os s situaes concretas de sua vida. Os Dez Mandamentos no so um estatuto de regras concretas; so, cada um deles, grandes princpios dos quais cada indivduo tem que extrair suas prprias normas de vida. Os judeus dos tempos de Jesus no acreditavam que esses princpios gerais fossem suficientes. Sustentavam que a Lei era divina, e que com ela Deus tinha pronunciado sua ltima palavra, e que portanto nela deviam estar contidas todas as coisas. De modo que, se algo no aparecia explicitamente na lei, devia estar contido em forma implcita. Sustentavam, por conseguinte, que era possvel extrair da lei, por um procedimento lgico de deduo, regras e estatutos que fixassem o que era correto para todo homem, em qualquer situao da vida. Surgiu assim uma casta de especialistas na Lei, chamados escribas, que se dedicaram a reduzir os grandes princpios da Lei, literalmente a milhares e milhares de regras, estatutos e regulamentos.

A melhor forma de compreender o significado desta interpretao da Lei vendo como funcionava. A Lei estabelecia que o dia de sbado devia ser santificado, e que durante suas vinte e quatro horas ningum pode fazer trabalho algum. Este um grande princpio. Mas esses legalistas judeus eram apaixonados pelas definies. De maneira que se perguntavam, para comear: o que "trabalho"? Fizeram-se longas listas de atividades que deviam considerar-se trabalhos. Por exemplo, levar uma carga um trabalho, e portanto no se podiam levar-se cargas no dia de sbado. Mas ento se fazia necessrio definir o que era uma carga. De modo que a lei dos escribas estabelece que "carga" "uma quantidade de comida equivalente em peso a um figo seco, suficiente vinho para encher uma taa, leite para um gole, mel para cobrir uma ferida, a quantidade de azeite que forneceria a uno de alguma das partes mais pequenas do corpo, gua suficiente para umedecer uma plpebra, papel para redigir nele uma declarao de alfndega, a tinta que pode requerer a escritura de duas letras do alfabeto, e uma cana com a qual possa fazer uma pena para escrever" e assim sucessivamente, at o infinito. Deste modo, passavam-se horas e dias discutindo se se podia ou no levantar um abajur para troc-lo de lugar, no dia de sbado, ou se o alfaiate pecava ao levar por descuido uma agulha cravada em sua tnica, se uma mulher podia levar um alfinete, ou uma peruca, e at se podiam usar-se no dia de sbado, dentes postios ou uma perna artificial, ou se se podia levantar a um menino. Estas coisas eram, para eles, a essncia de sua religio. A religio deles era um legalismo de regras e normas ridiculamente detalhistas.

No dia de sbado no se podia escrever. Mas era necessrio definir o que devia considerar-se escritura. A definio de escritura que propuseram era:

"Quem escreve duas letras do alfabeto, com sua mo direita ou com sua mo esquerda, sejam do mesmo tipo ou de dois tipos diferentes, com tintas diferentes ou em idiomas diferentes, sendo sbado, culpado de pecado. Embora escreva essas duas letras por descuido, tambm peca, tenha-as escrito com tinta, giz vermelho, pintura, vitrolo, ou algo que deixe uma marca permanente. Tambm peca quem escreve em um canto de duas paredes, ou em dois tabletes de seu livro de contas, se as duas letras podem ser lidas juntas Mas se escrever com fluido escuro, com suco de frutas, ou sobre o p do caminho, na areia ou utilizando qualquer outro elemento de escritura que no produza uma marca permanente, no pecado Se se escreve uma letra no piso e outra na parede da casa, ou em duas pginas diferentes de um livro, de tal maneira que no se possam ler juntas, no pecado."

Esta uma passagem tpica da Lei dos escribas; e isto o que para o judeu ortodoxo da poca de Jesus constitua a verdadeira religio e o verdadeiro servio a Deus.

Curar era um trabalho, e portanto no se podia fazer no sbado, Mas, evidentemente, isto devia definir-se com maior exatido. Permitia-se curar quando a vida do doente corria perigo, e especialmente quando o problema afetava os ouvidos, o nariz ou a garganta. Entretanto, at nestes casos, s se podia fazer aquilo que impedisse a piora do paciente. No se podia fazer nada para que melhorasse. Podia enfaixar uma ferida, mas no colocar-lhe ungento algum; podia tapar um ouvido inflamado, mas sem lhe acrescentar medicao alguma.

Os escribas eram os encarregados de elaborar estas normas e regulamentos. Os fariseus, cujo nome significa "separados", eram os que se separavam de toda atividade comum para dedicar-se a observar todas estas regulamentaes e estatutos. Podemos nos dar conta dos extremos a que chegou este sistema tendo em mente os seguintes fatos. Durante muitas geraes a lei dos escribas se transmitiu de maneira oral e foi conservada na memria de gerao aps gerao de escribas. Para meados do sculo III d. C., foi posta por escrito e se codificou um resumo desta tradio oral. Este "resumo" se conhece como a Mishnah; contm sessenta e trs tratados sobre distintos temas relacionados com a lei, e em nosso idioma constitui um volume de umas oitocentas pginas. A erudio judia posterior se ocupou de escrever comentrios da Mishnah. Estes se conhecem como talmudes. O Talmud de Jerusalm est contido em doze volumes, e o Talmud de Babilnia alcana, em sua verso impressa, sessenta volumes.

Para o judeu ortodoxo dos tempos de Jesus, a obedincia a Deus envolvia a observncia de milhares de regras e estatutos legalistas; consideravam literalmente essas meticulosas disposies como questes de vida ou morte, que tinham que ver com seu destino eterno. Evidentemente, quando Jesus fala da lei que no passar, no se refere a essas regras e estatutos, pois ele mesmo os quebrantou repetidas vezes, e repetidas vezes os condenou, No era isso o que ele entendia por "a Lei", pois essa classe de leis tanto Jesus como Paulo as condenaram. A ESSNCIA DA LEI Mateus 5:17-20 (continuao) A que se referia Jesus, ento, quando falava de "a Lei"? Disse que no tinha vindo para destruir a lei e sim para cumpri-la. Quer dizer, veio para pr de manifesto o verdadeiro significado da Lei. Qual era o verdadeiro significado da Lei? Mesmo por trs da lei oral dos escribas e fariseus, havia um grande princpio de crucial importncia, que estes no compreendiam a no ser de maneira equivocada e imperfeita. Este grande princpio fundamental que em todas as coisas o homem deve procurar a vontade de Deus e que uma vez que a conhece deve dedicar toda sua vida a obedec-la. Os escribas e fariseus tinham razo ao procurar a vontade de Deus, e no se equivocavam ao dedicar a vida a sua obedincia; mas se equivocavam ao acreditar que suas centenas e milhares de insignificantes normas legalistas eram a vontade de Deus.

Qual , pois, o verdadeiro princpio, que respalda a Lei em sua totalidade, esse princpio que Jesus deveu cumprir, esse princpio cujo verdadeiro significado veio a nos mostrar?

Quando examinamos os Dez Mandamentos, que so a essncia e o fundamento de toda a Lei, podemos nos dar conta que todo o seu significado pode resumir-se em uma s palavra respeito, ou at mais adequadamente, reverncia. Reverncia para com Deus e para o nome de Deus, reverncia pelo dia de Deus, respeito aos pais, respeito vida, respeito propriedade, respeito personalidade, respeito verdade e ao bom nome de outros, a respeito a si mesmo, de tal modo que jamais possam chegar a nos dominar os maus desejos. Estes so os princpios fundamentais que resumem o significado dos Dez Mandamentos. Os princpios fundamentais dos Dez Mandamentos so a reverncia para com Deus e o respeito a nossos semelhantes e a ns mesmos. Sem esta reverncia e este respeito fundamentais no pode haver Lei. Sobre estas atitudes se apia toda lei.

E esta reverncia e este respeito o que Jesus deveu cumprir. Veio para demonstrar aos homens, em sua prpria vida concreta de cada dia, o que a reverncia para com Deus e o respeito para com o homem. A justia, diziam os gregos, consiste em dar a Deus e aos homens o que merecem. Jesus veio para mostrar, na vida, o que significa a reverncia que Deus merece e o respeito que o homem merece.Essa reverncia e esse respeito no consistiam na obedincia de uma multido de meticulosas regras e estatutos. No exigia o sacrifcio, a e sim a misericrdia; no era um legalismo e sim o amor; no era uma srie de proibies que estipulavam detalhadamente o que no se devia fazer, e sim uma srie breve de mandamentos fundamentais que levavam o crente a modelar sua vida a partir do mandamento positivo: o do amor. A reverncia e o respeito que constituem o fundamento dos Dez Mandamentos jamais passaro. So a prpria substncia da relao de cada indivduo com Deus e com o seu prximo.

A LEI E O EVANGELHO Mateus 5:17-20 (continuao) Ao falar na forma como fez com respeito Lei e o Evangelho, Jesus deixou assentados de maneira implcita certos princpios muito amplos.

(1) Disse que h uma continuidade definida entre o passado e o presente. O presente nasce do passado. Nunca devemos interpretar a vida como uma espcie de luta entre o passado e o presente. Depois de Dunkerque na Segunda Guerra Mundial, manifestou-se em muitos a tendncia de procurar algum que pudesse carregar a culpa do desastre das foras britnicas. Muitos estavam dispostos a lanar amargas recriminaes contra os que tinham dirigido a poltica inglesa no passado. Naquele momento Winston Churchill disse algo muito sbio: "Se iniciarmos uma luta entre o passado e o presente, descobriremos que teremos perdido o futuro."

A Lei tinha que existir antes que pudesse vir o Evangelho. Os homens precisavam aprender a diferena entre o bem e o mal; precisavam dar-se conta de que eram incapazes de satisfazer as exigncias da Lei, e responder aos mandamentos de Deus; deviam aprender a sentir-se pecadores e indignos da misericrdia de Deus. Muitas vezes culpamos o passado pelas coisas que nos acontecem mas tambm necessrio reconhecer, ao mesmo tempo, nossa dvida com o passado. Para Jesus, nossa responsabilidade no esquecer nem destruir o passado, antes edificar sobre os fundamentos do que j se deixou atrs. Recebemos os benefcios do que outros tm feito antes que ns, e devemos trabalhar, de tal maneira que outros, amanh, possam receber os benefcios de nosso trabalho.

(2) Nesta passagem Jesus adverte categoricamente que ningum deve imaginar que o cristianismo fcil. Possivelmente alguns afirmem: "Cristo o fim da lei, agora posso fazer tudo o que eu quiser." H os que poderia ser tentados a pensar que todos os deveres, todas as responsabilidades, todas as exigncias desapareceram. Mas Jesus adverte que a justia dos cristos deve ser maior ainda que a dos escribas e fariseus.

O que quis dizer com estas palavras? O "tema" da vida que viviam os escribas e fariseus era a lei; sua nica meta e desejo era satisfazer as exigncias da Lei. Ora, possvel, ao menos teoricamente, pensar que algum seja capaz de satisfazer as exigncias da lei; em um sentido pode chegar o momento em que algum diga: "Fiz tudo o que a lei exigia de mim. Agora j cumpri o meu dever, a lei j no tem nada que me exigir." Mas o "tema" da vida crist o amor; o nico desejo do cristo demonstrar sua maravilhada gratido pelo amor com que Deus o amou em Cristo Jesus. Pois bem, no possvel, nem sequer teoricamente, satisfazer as exigncias do amor. Se amarmos a algum com todo nosso corao sentiremos que mesmo que lhe tenhamos dado toda uma vida de servio e adorao, embora lhe tenhamos devotado o Sol, a Lua e as estrelas, ainda no lhe teremos devotado suficiente. Porque o universo inteiro muito pouca coisa como oferenda de amor.

O judeu procurava satisfazer a lei de Deus; e as exigncias legais sempre tm um limite. O cristo procura demonstrar sua gratido pelo amor de Deus; e as reclamaes do amor no tm limite no tempo nem na eternidade. Jesus colocou diante dos homens o amor de Deus e no sua Lei.

H muito tempo Santo Agostinho disse que a vida crist podia resumir-se em uma frase: "Ama a Deus e feixe o que queira." Quando nos damos conta de como Deus nos amou, o nico desejo de nossa vida responder a esse amor, e essa a maior tarefa do mundo, uma tarefa com a que o legalista nem sonha sequer, e uma obrigao muito maior que a que qualquer lei possa impor.O ZELO EQUIVOCADO Romanos 10:1-13 Paulo esteve falando sobre os judeus em forma muito dura. Esteve dizendo algumas coisas difceis de ouvir e digerir por eles. A totalidade da passagem desde Romanos 9 a 11 uma condenao do proceder dos judeus e sua atitude rumo religio. E, entretanto, devemos notar que de principio a fim no h rancor nele. No h outra coisa que uma sbia saudade e um sentido desejo. o desejo de Paulo que os judeus sejam salvos. E se ns tivermos que aproximar os homens f crist, nossa atitude deve ser a mesma.

Os grandes pregadores souberam disso. "No fustiguem", dizia um. "Lembre sempre que deve manter a voz baixa", dizia outro. Um grande pregador de nossos dias disse que pregar era "argir com os homens". Jesus chorou sobre Jerusalm. H um tipo de prdica que machuca; h uma pregao que golpeia o pecador com palavras tempestuosamente azedas; mas Paulo sempre diz a verdade, e a diz com amor.

Paulo estava inteiramente disposto a admitir que os judeus eram zelosos por Deus, mas tambm via que esse zelo carecia de direo, era mal orientado. Toda a religio judia estava baseada em uma obedincia meticulosa Lei. Agora, est claro que essa obedincia Lei s podia dar-se em um homem que estivesse desesperadamente zeloso por sua religio. E isso no era coisa fcil; deve ter sido freqentemente muito inconveniente, e muito freqentemente deve ter feito da vida algo muito penoso.

Tomemos por exemplo a Lei do sbado. Estava estabelecido com exatido que distncia podia caminhar um homem no sbado. Estava estabelecido que no podia carregar uma carga que pesasse mais que o peso de duas passas de figo. Estava estabelecido que no se devia cozinhar nos sbados. Estava estabelecido que, em caso de enfermidade, podiam tomar-se medidas para assegurar que o paciente no piorasse, mas no para melhor-lo. At nossos dias, existem judeus ortodoxos que no atiam ou acendem o fogo no sbado, nem acendem uma luz. Se tiver que atiar o fogo, pedir a um gentio que o faa. Se um judeu for suficientemente rico, s vezes instalar uma chave automtica para que se acendam as luzes no sbado ao entardecer sem que ele tenha que faz-lo diretamente. Isto no algo que deve causar risada. algo para admirar. Os caminhos da Lei no eram fceis. Ningum podia transit-los sem estar completamente seguro de sua religio.

Os judeus eram zelosos e o so. Paulo no tinha dificuldade em admiti-lo, mas tal zelo era mal dirigido e mal aplicado. No quarto livro dos Macabeus h o surpreendente incidente do Eleazar, o sacerdote. Ele foi trazido presena dr Antoco Epifnio cujo objetivo era apagar do mapa a religio judia. Antoco ordenou-lhe comer carne de porco. O ancio recusou. "Ns, Antoco", disse-lhe, "que vivemos sob uma Lei divina, consideramos que no existe compulso mais poderosa que a obedincia a nossa Lei." Negou-se a tocar no porco. "No, nem que me vazes os olhos, e consuma minhas vsceras no fogo." Se devia morrer, seus pais o receberiam "santo e puro". Ordenou-se que fosse golpeado. "Sua carne foi despedaada pelas chicotadas, e correu seu sangue, e seus lados foram abertos pelas feridas." Caiu e um soldado o chutou. No final, os soldados se compadeceram dele e lhe levaram carne, que no era porco, dizendo que a comesse e dissesse que tinha comido porco. Ele se negou a faz-lo. No final, foi assassinado. "Morro em meio de grandes torturas por amor Tua Lei", orou a Deus. "Resistiu", diz o escritor, "inclusive at as agonias da morte, por amor Lei." E em torno de que gira tudo isto? Gira em torno de comer ou no porco. Parece incrvel que um homem deva morrer dessa maneira por uma lei como essa. Mas os judeus morriam assim. Verdadeiramente eles tinham zelo pela Lei. Ningum pode neg-lo. Pensavam que procedendo assim eram fiis a Deus. Ningum pode dizer que eles no fossem desesperadamente zelosos de seu servio a Deus.

Todo o enfoque judeu era que, atravs desse tipo de obedincia Lei, um homem ficava em uma correta relao com Deus; ganhava crdito e favor com Deus. Nada mostra mais claramente a atitude judia que as trs classes em que dividiam a humanidade. Havia aqueles que eram bons, e cujo balano estava no lado bom; havia aqueles que eram maus, e cujo balano lana um saldo negativo; e havia aqueles que eram metade e metade, e aqueles que, fazendo mais uma boa obra, podiam transformar-se em bons. Tudo era uma questo de Lei e de realizaes.

A isto Paulo responde: "Cristo o fim da Lei." O que queria dizer era: "Jesus Cristo o fim do legalismo." A relao entre Deus e o homem no mais que a relao entre credor e devedor, entre um juiz e um homem parado perante o tribunal de justia. Porque Jesus Cristo viveu e trouxe sua mensagem aos homens, o homem no deve confrontar mais a tarefa de satisfazer a justia de Deus; s deve aceitar o amor de Deus. J no deve ganhar o favor de Deus; deve tomar a graa, o amor, a misericrdia que Deus lhe oferece livremente.

Para explicar seu ponto de vista, Paulo usa duas citaes do Antigo Testamento. Primeiro, cita Levtico 18:5 onde diz que se algum obedecer meticulosamente os mandamentos da Lei, achar a vida atravs deles. Isto verdade mas ningum jamais o fez, pela simples razo de que a imperfeio humana no pode jamais satisfazer a perfeio divina. Logo Paulo cita Deuteronmio 30:12-13. Nesta passagem encontramos a Moiss dizendo que a Lei de Deus no distante nem inacessvel nem impossvel; est na boca do homem, em sua vida, em seu corao. Paulo faz uma alegoria com essa passagem. No nosso esforo o que trouxe Cristo a nosso mundo ou o ressuscitou dos mortos. No nosso esforo o que ganha bondade. As coisas esto feitas e s devemos tomar ou deix-las.

Os versculos 9 e 10 so de primeira importncia. Eles sentam as bases do credo cristo.

(1) O homem deve dizer: Jesus Cristo Senhor. A palavra que significa senhor kyrios. Esta a palavra chave do cristianismo primitivo. E tem quatro significados.

(a) o tpico ttulo de respeito, como em ingls sir, em francs monsieur, ou em alemo herr.

(b) Era o ttulo corrente dos imperadores romanos.

(c) Era o tpico corrente dos deuses gregos. Ia antes do nome do deus. Kyrios Serapis significa Senhor Serapis.

(d) Na traduo grega das escrituras hebrias, a traduo corrente do nome divino Jahveh ou Jeov.

De maneira que, se algum chamava Jesus kyrios o comparava com o imperador e com Deus; dava-lhe o supremo lugar em sua vida; estava dando-lhe implicitamente reverncia e obedincia. Chamar Jesus kyrios era cham-lo nico. Acima de tudo, pois, para ser cristo, a gente tem que ter o sentido da absoluta unicidade de Jesus Cristo.

(2) Algum deve crer que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos. A ressurreio era fundamental na crena crist. O cristo deve crer, no s que Jesus viveu, mas tambm vive. No s deve saber a respeito de Cristo, mas tambm deve conhecer Cristo. Est estudando, no um personagem histrico, por grande que seja; est vivendo com uma presena real. Deve conhecer, no s o sacrifcio de Cristo, mas tambm a conquista de Cristo. Deve conhecer no s a Cristo o mrtir, mas tambm Cristo o vitorioso.

(3) Mas a pessoa deve no s crer em seu corao; deve confessar com os lbios. Cristianismo crena mais confisso. Compreende atestar perante os homens. No s a Deus, mas tambm a nossos semelhantes, devem saber que somos cristos. O homem deve declarar aos homens de que lado est.

Agora, para o judeu era difcil crer que o caminho a Deus no passasse pela Lei; esta forma de confiana e de aceitao era para ele incrivelmente nova e frustrante. Alm disso, era-lhe realmente difcil crer que Deus estivesse aberto a todos. O judeu no imaginava que os gentios estivessem na mesma posio que os judeus. De maneira que Paulo conclui seu argumento citando dois textos do Antigo Testamento que provam seu caso. Primeiro, cita Isaas 29:16 Todo aquele que nele crer no ser confundido (Rom. 10:11). Aqui no h nada a respeito da Lei; tudo se baseia na f. Em segundo lugar, cita Joel 2:32: Todo aquele que invocar o nome de Jeov, ser salvo. (Rom. 10:13). No h limitao alguma; a promessa para todos; portanto, no h diferencia entre judeus e gregos.

Assim, pois, em essncia esta passagem uma chamada aos judeus para que abandonem o caminho do legalismo e aceitem o caminho da graa. um chamado para que vejam que todo seu zelo vo e fora de lugar. uma chamada para ouvir os profetas que muito tempo antes declararam que a f o nico caminho para Deus, e que esse caminho est aberto a todos.